Lances de Carnaval escrita por Tai Barreto


Capítulo 2
Galo da Madrugada


Notas iniciais do capítulo

Olá, lindas. Eu sei que estou devendo respostas aos reviews, mas eu estou numa correria louca do lado de cá.
Eu não paro de escrever, revisar, reescrever. Minha mente vive num caos.
Eu contei do conto erótico? Ele vai fazer parte de uma antologia que reunirá outros autores e eu vou fazer o sorteio de um exemplar. Já comuniquei no meu perfil do Instagram, no grupo do Facebook. Tem link para o grupo no meu perfil aqui.
Acabei de achar um erro grotesco no livro que vou publicar esse ano, então preciso reescrever e isso vai tomar ainda mais tempo. A história é da Bo. Tem no meu perfil, As Duas Faces de Saint Valley. Sinopse e alguns capítulos postados aqui, mas acabei fazendo umas modificações.
Eu estou com um pequeno negócio com minha irmã mais velha, a Duie Confeitaria e estamos na correria para a Páscoa. Mês que vem, eu vou pro Recife ter aulas para a época, por três dias.
Essa semana mesmo, andamos pelo bairro de São José, no Recife, e de lá, fomos andando para o bairro da Boa Vista. Quem quiser ver no Google, nosso trajeto, pode ficar à vontade.
Fizemos isso com o peso de 7 barras de chocolate de mais de 1kg, umas coisinhas pequenas, mas tipo, andamos demais.
Fomos na Arcol, de lá, à Irmãos Haluli, partimos para o Mercado de São José e por fim, Boa Vista.
Só Deus e nós duas sabemos o quanto andamos, das oito da manhã até duas da tarde.
Meu Google Fit tá de prova. E não pensem que eu moro no Recife.
Minha cidade é São Lourenço da Mata e daqui para a capital, é um trajeto cansativo.
Eu estou retomando a escrita de algumas histórias, revisando o livro que eu lancei ano passado, porque vou para a segunda edição e nas notas de rodapé, eu colocarei a sinopse.

Sem mais, boa leitura.



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Ilha de calor. Maria havia aprendido o conceito disso no ensino médio, durante uma aula de geografia. Apaixonara-se pela matéria mediante o modo como o professor explicava o conteúdo. O homem não levava nada além de um livro, apagador e piloto e dava uma aula que nem um outro professor, com apresentações de slide, conseguia. Ele a mantinha focada durante os cinquenta minutos. Maria interagia e se apaixonava cada vez mais. Queria, algum dia, se tornar uma professora assim, que além de ser respeitada e conquistar a confiança dos alunos. O calor que fazia, a pegava desprevenida. Felizmente havia se protegido dos raios solares, fossem quais fossem e ansiava por encontrar uma sombra. Talvez não fosse possível.

Arrependia-se amargamente de ter se atrevido a entrar nessa aventura. Mesmo com os cabelos presos num coque no alto da cabeça, ela sentia o suor começar a escorrer. Eram nove da manhã e a sensação térmica estava acima dos 40 graus, sem dúvida. Ouvira falar que chegava a 55º nesse evento. Ela não queria estar ali para ver, porém, não tinha escolha. Saíra de casa para ficar de olho nos pertences das primas, que ela sabia que iam beber durante todo o tempo em que estivessem ali.

Talvez devesse ter vindo de biquíni. Pegaria um bronze decente. Ou não. Havia aplicado muito filtro solar no rosto, orelhas, ombros e nuca. Sentia o calor emanar do meio da multidão. Estava no maior bloco carnavalesco do mundo desde o ano do nascimento da jovem, 1995: o Galo da Madrugada. Não queria saber como cabiam tantas pessoas pelas ruas da capital de Pernambuco.

— Lilian — gritou e sua prima que estava na frente da corrente que faziam, a olhou por sobre o ombro. — Não quero ir para o meio.

— Esqueci que você é fraca. — Ela revirou os olhos.

— Se quiser que eu volte, farei sem problema algum.

Lilian sorriu para a prima, numa forma de a convencer do contrário. Foi a vez de Maria revirar os olhos. Ela não era fraca. Só não aguentava temperaturas muito elevadas que passava mal. Chegara perto de desmaiar dentro do trem, voltando de uma ida ao shopping e fazia 40º dentro do vagão.

Maria gostava de músicas de carnaval, artistas e estava feliz de poder ouvir Alceu Valença ao vivo, pela primeira vez. As mais antigas, como Anunciação, La Belle de Jour, Girassol, Morena Tropicana eram suas favoritas. Não ligava que tivesse mais de trinta anos que foram escritas.

Se houvesse espaço, talvez arriscasse uns passos de frevo. A corrente se transformou num círculo formado por cinco mulheres. Maria lembrava do carnaval que havia ido passar na Ilha de Itamaracá. Não conseguia acreditar que tinha dez anos.

Estavam próximas à esquina da Rua do Sol com a Avenida Guararapes. Aquele trajeto era muito conhecido. Sabia que havia pessoas do mundo todo ali. Maria também era muito apaixonada pelo seu estado. Não saíra tanto quanto suas primas ou amigas, mas de fato, o amava. A história de Pernambuco a atraía como luzes atraiam insetos.

Animou-se quando começou a ouvir Voltei, Recife. E se fosse uma alma idosa num corpo jovem? Maria não ligava. Só queria se divertir e não acabar com a brincadeira tão cedo.

Antes de sair de casa, pedira muito aos céus para que não passasse mal. Carregava sua pochete com o RG, cartão do SUS, VEM estudantil com a carteira de estudante, celular de modelo antigo e trocados para água e comida. Não tinha noção de quanto tempo ficaria ali, mas pedia também aos céus para que não fossem embora depois de varrer as ruas e avenidas por onde o povo passava.

Não estava distraída. Precisava ficar atenta aos pertences. Infelizmente, sabia que tinha pessoas de má índole em qualquer lugar do mundo e ali não seria diferente. Suas primas bebiam cervejas e refrigerantes.

Alguém esbarrou nela. Coisas desse tipo estavam para acontecer e por isso, ficou numa boa. Tinha mais de um milhão de pessoas ali. O que, para ela, era como desafiar a lei da física que dizia que dois corpos não podiam ocupar o mesmo lugar no espaço.

— Desculpa — pediu uma voz masculina, alto o suficiente para que ela ouvisse e ela olhou por sobre o ombro. — Maria?

A morena ficou estática. Analisou o rosto do rapaz com cautela, querendo lembrar de onde ele a conhecia. Olhos escuros, expressão de surpresa, sorriso formidável e barba por fazer. Não havia estudado com ele. Nem frequentado os mesmos locais, sem dúvidas. O que ela falaria? Que esse não era o nome dela ou pediria desculpa e diria que não lembrava dele?

— Perdão?

— Sou eu, Vitor.

Arregalou os olhos quando lembrou. Aquilo só podia ser uma piada. Tinha dez anos que o vira pela última vez. Vitor morava no bairro onde estava a casa em que ela passara o carnaval de 2009, na Ilha de Itamaracá. Fora o que ela considerou paixonite. E daí que ela só tinha 14 anos? Não achava que fosse o reencontrar.

— Ah, oi. — Sorriu minimamente. — Tudo bom?

— Eu não consigo acreditar que levei dez anos para te reencontrar. — Ele se aproximou e a cumprimentou com dois beijos. — Tudo ótimo e com você?

— Também, obrigada.

— Desculpa por ter esbarrado em você. E por ter te dado dois beijos. — Vitor fez uma careta. — Fui inconveniente.

— Oh, não. Está tudo bem. — Maria deu outro pequeno sorriso. — Eu não consigo crer que nos reencontramos dez anos depois e em meio a mais de um milhão de pessoas.

— Acho que deve ter mais de um milhão e meio. — Ele sorriu e Maria se amaldiçoou por suspirar.

Ela havia memorizado aquele sorriso e agora estava diante dele. Não acreditava que havia demorado a se dar conta de que era ele.

— E vão chegar mais. — Deu de ombros.

— Ei — chamou alguém e ele olhou por sobre o ombro. — Vamos?

Vitor era alto, magro, cabelos curtos levemente queimados pelo sol, pele bronzeada. Resultado de morar próximo ao mar, sem dúvidas.

— Pode ir. Quem sabe não nos esbarramos daqui a dez anos de novo? — brincou.

— Esperar mais dez anos, de maneira alguma. — Ele voltou a olhar por sobre o ombro. — Vai. Depois nos encontramos.

— Vai ficar com seus amigos. Eu te dou meu número e marcamos alguma coisa no Shopping Boa Vista ou em outro lugar e dia. — Deu de ombros outra vez.

— Eu perguntei por você ao dono da casa em que passou o carnaval lá.

— Sério? E o que ele disse?

— Que você estava bem, estudando, mas não me disse se voltava.

— Você queria me encontrar?

— Todo carnaval, eu esperei por você. E na Páscoa daquele ano.

Foi impossível conter o sorriso.

— Aqui estou. — Ela se indicou, divertida.

— Incrível, com todo respeito. Se eu estiver sendo inconveniente, por favor, me avise.

— Oh, não. Fica de boa.

Vitor ergueu as sobrancelhas.

— Eu jamais imaginei ouvir você falar uma gíria.

Maria riu, sem graça.

— Eu tenho cara de quem é culta?

Vitor riu e ela foi contagiada.

— É que desde aquela época, eu percebi isso. Nunca ouvi um “morguei” ou “ estilei”.

— Desconheço o motivo. — Franziu levemente o cenho. — E que bom que você não me reencontrou na época em que eu falava horrores.

— Eu queria ter te encontrado em qualquer época.

Maria sorriu.

— Acho que é resultado do excesso de leitura. Vim me policiando para não usar gírias porque eu estou estudando letras.

— Eita. Sério? — Ergueu as sobrancelhas outra vez.

— É. Eu consegui. — Ela conteve a empolgação.

Por mais que sempre ouvisse que ela não ia ter dinheiro como professora, não ligava. Era sua maior paixão e sua verdadeira vocação.

— Sonhos se realizando. Isso é ótimo. Fico feliz por você.

— Maria — chamou Lilian, sua prima. — Água. — Ela ofereceu uma garrafa.

— Você quer? — Maria pegou e tentou abrir, mas não conseguiu. — Posso?

— Claro.

Ela pegou a barra da camiseta vermelha que o rapaz usava e abriu a garrafa.

— Obrigada. — Sorveu. — Eu sou muito apaixonada por água. Você quer?

— Estava bebendo cerveja.

— Tem que se manter hidratado. Você não está suando? — Maria passou a mão na testa molhada de suor.

Diferente das suas primas, Maria não estava maquiada. Primeiro porque não gostava disso. Segundo: achava que usar naquele calor seria prejudicial à pele. Havia colocado um pouco de glítter comestível no colo, porque sabia que era o menos prejudicial ao meio ambiente e era algo ruim de tirar. Tinha protetor labial.

Viera o mais confortável possível. Usava um body azul marinho com atacador na parte inferior, short jeans e tênis. Adornara a cabeça com uma bandana para tirar os cabelos da nuca.

— Impossível não suar nesse calor. Acredito que isso seja um preparatório para a vida no inferno.

Maria riu.

— Exagerado. — Inclinou-se para o lado e olhou pela lateral do braço dele. — Seu amigo já foi.

— Não tem problema. Eu o acho depois. A não ser que queira que eu vá.

— Oh, não. — Enfatizou a negativa com a cabeça. — Você está sendo uma excelente companhia, porque minhas primas estão bebendo e eu sou excluída por não fazer o mesmo.

Vitor puxou Maria para junto de si e ela ficou sem entender o que acontecia. Ele queria dar espaço para o pessoal passar e ela se deleitou com o perfume dele.

— Iam esbarrar em você — disse e ela se afastou.

— Obrigada. Se fizer outra dessa, eu me sentirei um ioíô.

Ele riu.

— Desculpe. Eu deveria ter avisado antes de puxar.

Maria bebeu mais água.

— Acho que estou perdendo água para o meio.

— Osmose?

Ela gargalhou. Não podia acreditar que achara graça numa piada tão ridícula. Secou a garrafa sem sentir que havia bebido meio litro.

— Acho que é isso. Eu sou o meio de maior ou menor concentração?

— Maior. Porque é onde toda a água está concentrada. Aqui fora, a umidade deve estar com saldo negativo.

— Tem toda razão.

— Não vai apresentar o amigo? — inquiriu Fernanda, na orelha da jovem e ela arregalou os olhos.

— Oh, meu Deus. Desculpa. Hã. Vitor, essas são as minhas primas. — Ela as indicou.

— Eu lembro de você — disse a loira. — Que mundo pequeno.

Vitor sorriu e a cumprimentou. Fernanda estivera com Maria no carnaval da praia.

— Eu não o acho tão pequeno assim, porque eu demorei dez anos para reencontrar sua prima.

— E aconteceu no maior bloco carnavalesco do mundo, em meio a quase dois milhões de pessoas.

— Por isso eu não desgrudei dela.

Maria não era o tipo de pessoa que acreditava em sexto sentido ou qualquer coisa do tipo, mas não podia negar que sentiu que esse dia valeria a pena. Esperava, de verdade, que não passasse mal, apesar de estar suando absurdamente.

O que era aquilo? O destino? Acaso? Coincidência? Ou Deus? E o que Vitor queria?

— De onde vocês se conhecem? — Priscila quis saber. Era a mais velha do grupo e prometera a tia que cuidaria da prima.

— Daquele carnaval na praia do Pilar — respondeu Fernanda. — Ele morava lá perto da casa do tio Luís.

— Porra, tem dez anos.

Vitor puxou Maria para junto de si outra vez. Era difícil ficar parado por muito tempo em meio a tantas pessoas.

— O que faz por aqui? — Foi a vez de Lilian. — Em Recife, porque entre nossas cidades, há mais de 50 quilômetros.

— Eu estudo na Federal. Quase fui passar o carnaval em casa, mas meus amigos me convenceram a ficar.

— E nós quase fomos passar lá.

— Como é que ele estuda na mesma universidade que você e vocês nunca se viram? — Fernanda olhou Maria.

— Amor, a Cidade Universitária é imensa — defendeu-se. — E é mesma universidade, não sala.

— Ah, eu lembrei! — bradou Priscila. — Era aquele garoto por quem ela se apaixonou.

Maria quis sumir. Não era o tipo de pessoa que acreditava em vida em outro planeta, mas nunca quis tanto ser abduzida. Ela não tinha onde enfiar a cara de tão envergonhada que ficou. Inimigos para que se ela tinha primas que a constrangiam a todo instante?

— Eu achava que não tinha sido correspondido. — Ele a olhou e encontrou suas maçãs coradas. — Preferi ficar na minha, para não ter problema com a mãe dela. — Voltou a atenção para Priscila.

O que Maria poderia dizer? Ela mordia o lábio, procurando resposta, mas sabia que não ia achar uma resposta.

— Vocês poderiam ser menos ridículas — Wanessa foi em defesa da prima. — Isso tem mais de dez anos. Parem de constranger a Ma.

— Responde uma coisa — pediu Lilian e ele concordou. — Você fala “top”?

Maria revirou os olhos.

— Não. — Ele riu.

— Que pergunta interessante — ironizou Wanessa. — Espero que esteja solteiro, porque ficar de olho numa mulher, estando comprometido, é repugnante.

— Eu não sou esse tipo de homem — Vitor se defendeu. — Tenho caráter.

As meninas aplaudiram.

— Pode continuar conversando com Maria. Estaremos atentas. — Ela deu uma piscadela e ele sorriu.

— Desculpa por isso — foi a primeira frase que saiu da boca da mais jovem. — Creio que percebeu que eu não tenho controle sobre elas.

— Foi apaixonada por mim? — Ele continha um pequeno sorriso no canto dos lábios.

— Tem dez anos — jogou uma evasiva. — Você sabe o que viveu nesse intervalo de tempo. — Deu de ombros e olhou para o chão. — Eu vivi um bocado de coisa, adquiri conhecimento, coleciono experiências. — Voltou a atenção para o moreno bronzeado e ele diminuiu o pequeno espaço entre eles.

— Tanto tempo, não é? Eu queria ter te encontrado antes. Vim pro Recife querendo ter chance de te encontrar.

— Fala sério.

— Eu estou falando. Você ficou mais linda do que eu poderia imaginar.

Maria praguejou internamente por ter corado de novo. Pedia que isso passasse despercebido ou que pudesse usar a desculpa de que era o calor.

— Obrigada. Superei até as minhas expectativas.

— Exagerada. — Ele riu.

— Eu não quero lembrar de mim há dez anos. Obrigada.

— Eu que pintava os cabelos de rosa, azul, verde — usou a fase rebelde como argumento.

Maria gargalhou outra vez, mas se conteve, voltando a ficar com as bochechas coradas.

— Eu gostava. — Ela passou a mão nos dele. — Acho que esse foi um dos motivos que atraiu minha atenção em você.

— Era a minha intenção quando fiz. Chamar a atenção por onde quer que eu fosse. — Deu de ombros.

— Era moda naquela época. Se serve de consolo, até hoje, uns pirraias fazem isso.

— Obrigado. Eu me senti menos ridículo.

— Ma, água. — Ofereceu Priscila e ela pegou a garrafa.

— Obrigada.

— De nada.

Dessa vez, Vitor não recusou e eles dividiram.

— Eu preciso te ver fora do carnaval, para saber se você é algo além do meu amor de época.

— Como? — inquiriu Maria, sem saber se havia ouvido a palavra amor.

— Mudar o roteiro. Ou você não pode sair?

— Eu costumo sair dia de sábado, à noite.

— Vou ter que esperar uma semana?

— Para me ver? Você esperou dez anos.

— Boa. — Ele ergueu as mãos, em rendição. — Você não tinha vontade de me reencontrar?

— Eu quase não tinha esperanças — confessou. — Localização, tempo, acontecimentos. Não esperava que fosse me reconhecer. Ou te reencontrar depois de tantos anos.

— Eu vi algumas pessoas na casa do seu tio. Sempre que eu via alguém, eu ia lá, como quem não queria nada e voltava frustrado por não te encontrar.

— Teve um rolo aí, por isso não fomos mais. — Maria não gostava de pensar no que acontecera.

— Não precisa falar o que foi. Chega de falar do passado. Vamos focar no presente.

O período da manhã passou mais rápido do que Maria poderia imaginar. Talvez fosse por estar se divertindo conhecendo mais de Vitor. Numa saída com Wanessa, achou que ele fosse aproveitar para ir embora, porém o rapaz permaneceu. Parecia tomar conta das primas dela.

— Eu sei que não vai fazer diferença, mas comigo, ele ganhou pontos — disse a prima.

— Realmente não faz diferença — brincou.

— Palhaça. — Wanessa estreitou os olhos para ela.

Era como nadar contra a correnteza. Difícil se espremer entre as pessoas para voltar ao ponto onde estavam. Fora fácil achar as demais por causa da altura do Vitor. Maria tinha herdado a baixa estatura de ambas as famílias: materna e paterna. Sendo assim, ela e as primas tinham em torno de um metro e sessenta. A mais alta tinha dez centímetros a mais e isso era algo da outra família. Por outro lado, os primos tinham estaturas variadas; o mais alto tinha dois metros e era desengonçado.

Usando o seu tamanho como base, arriscou que Vitor tivesse um metro e oitenta. Odiava ser tão baixinha e ser sempre atraída por homens mais altos. O último com quem ela saíra tinha algo em torno disso. O mais baixo não chegava a um e setenta.

Vitor a olhou e Maria sorriu. Isso era surreal. Sabia que quando contasse à sua mãe, ela não acreditaria. Não queria se agarrar a qualquer chance de o rever, porque alguns homens sumiam no dia seguinte, independentemente do que rolava.

— Vixe. Pensei que não fossem chegar nunca mais. — Priscila fechou a cara.

— Eu estava apertada. Imagina o inferno que foi chegar lá. Quase deixei um rastro. Era o que eu deveria ter feito. Migalha de pão é para os fracos. Meu trajeto ia ser memorizado pelo meu xixi.

— Eca, Wanessa. Deixa de nojeira — repreendeu Fernanda.

— Reclama com ela. — Indicou Priscila. — Sabe que aqui tem gente que só a porra e ainda reclama da demora.

Maria fechou os olhos e balançou a cabeça em negativa.

— Com o calor que está fazendo aqui, tu não ia achar o caminho de volta — brincou Lilian.

— Olha a outra. — Fernanda fechou a cara. — Parem com essa palhaçada senão voltamos para casa.

— Eu vou meter o passinho e você vai ver o que é bom — disse Wanessa.

Maria riu. Ela sabia o quanto Priscila odiava brega e o quanto as primas gostavam de a irritar com essas coisas. Para a frustração de Priscila, começou a tocar Shevchenko, Elloco e Mc Balakinha, Tome Empurradão e como diziam que o passinho se encaixava com qualquer música, Wanessa começou a dançar.

Maria olhou para Vitor e balançou a cabeça outra vez, contendo o riso. Wanessa iria nessa até o fim da noite. Ela puxou Maria.

— Exclua-me dessa. — Ela se afastou. — Eu não quero ser jogada na frente do trem quando estivemos indo para casa — brincou.

Fernanda e Lilian se juntaram a Wanessa.

— Essa é a última vez que eu saio com vocês três. — Priscila negou com a cabeça. — Quero nem me ater a letra dessa música.

— Perdão aí, senhora politicamente correta.

Os cabelos de Wanessa tinham um brilho azulado por causa da tinta que jogara sobre os fios que eram castanhos. Ela preferia os cabelos o mais escuro possível e achava que com o preto azulado, obtinha o resultado. Maria fizera o mesmo, cinco anos atrás, e agora estava satisfeita com o seu tom castanho de sempre.

As cinco usavam body com cores fortes: vermelho, laranja, verde neon e pink. Cabelos presos em coques por causa do calor.

— Deveríamos ter vindo com as cores dos Power Rangers — reclamou Priscila, pela segunda vez. — Vocês são uó. — Cruzou os braços e fechou a cara.

— Ano que vem, nos organizamos melhor.

— Suas primas continuam loucas — comentou Vitor.

— Isso é o calor, misturado a cerveja. — Ela deu de ombros. — É pior à noite.

Ele riu.

— No que a noite influencia? — ele quis saber, de cenho franzido.

— Lua cheia.

Ela não se conteve e o acompanhou na risada.

— Vocês são incríveis.

— Acho que deu nossa hora — disse Priscila.

— Tu vai sozinha. — Wanessa se virou para a prima mais velha e começou a dançar como se fosse uma batalha, provocando.

Maria revirou os olhos.

— Parece que eu estou numa creche.

— Lilian, vamos atrás do Almir Rouche? — pediu Priscila.

— Não saiam daqui. — Ela agarrou o braço da prima e as duas se afastaram.

— Eu vou no banheiro — disse Fernanda. — Wanessa vai comigo. Você. — Ela olhou Vitor. — Se passar da linha com minha prima, eu faço picadinho de você.

Vitor bateu continência.

— Eu sei me cuidar — Maria se defendeu.

— Massa. — Fernanda ergueu o polegar e as duas se afastaram.

— Adoro quando duvidam da minha capacidade — ironizou, vendo as primas de body verde e pink sumirem na multidão.

— O recado não foi duvidando de você e sim, de mim. — Mais uma vez, ele a puxou para perto de si.

— É melhor sairmos do caminho. — Ela se aproximou da parede da fachada da universidade que tinha ali e ele se colocou à frente dela.

— Trem ou BRT dá para você?

— Eu usaria os dois. Vim de trem com as meninas e andamos da Estação Recife até aqui. O trajeto que se gasta quinze minutos no máximo, foi feito em uma hora. — Levantou a cabeça e olhou o imenso relógio do prédio dos Correios. — Eita. Olha a hora.

Passava das duas da tarde e Maria sentiu fome, contudo não sabia se queria comer algo que era ofertado.

— Passou voando.

— Eu espero ir embora antes do fim.

— Cansada?

— Demais. Eu não tenho idade para essas coisas.

Ele riu.

— Vou comprar algo para comermos. Coxinha?

— Pode ser.

— Refri?

— Eu não bebo. — Ela ofereceu uma nota de dez reais, mas ele recusou.

Vitor não precisou ir muito longe para comprar quatro e uma latinha de refrigerante de limão. Ele e Maria comeram e depois, ele ofereceu um chiclete.

— Isso é para tirar os fiapos de galinha dos dentes.

Maria riu.

— Obrigada. Eu estou surpresa de ter aguentado tanto tempo.

— Acho que tenho um pouco de influência — disse, divertido

— Ah, é? E eu posso saber o motivo?

— Não estou sendo uma companhia importuna.

— Tem toda razão. Porque se fosse, eu teria te dado um perdido.

Foi a vez de ele rir.

— Seria a coisa mais fácil aqui.

— E ia levar mais dez anos para nos reencontrarmos.

— Que bom que não me deu perdido.

— Eu sei que não equivale a uma refeição, mas eu trouxe algo para enganar o estômago até as outras voltarem — disse Wanessa, oferecendo pipoca à prima.

— Relaxa. Vitor comprou umas coxinhas e nós comemos.

— Menos mal. — Ela enfiou a pipoca na bolsa saco. — Eu estava surtando na possibilidade de você passar mal.

— Eu estou bem, Wan — garantiu. — Fica de boa.

Fernanda e Wanessa começaram a dançar e puxaram Maria. Ela tentou acompanhar o ritmo delas ao som de Arrea a Lenha. Nem se importavam com quem estava cantando. Tinham cuidado para não esbararem em ninguém e acabarem tendo problemas. Maria não podia negar que estava se divertindo. Gargalhava com as loucuras das primas. Era por isso que ainda saía com elas.

As outras duas voltaram. Era mais de três da tarde. Vitor as observava, se divertindo. Ele não tinha muito disso com os primos. A maioria estava casado ou não saía da Ilha de Itamaracá.

Cansada, Maria se afastou. As meninas pareciam ter energia para mais dois Galos da Madrugada. Em Morena Tropicana, elas cantaram como se estivessem no show na praça Marco Zero, há quinze minutos de distância.

— Eu amo Alceu — disse Priscila.

Maria achava o cara incrível. Um dos maiores compositores de Pernambuco. Anunciação seguiu e Maria puxou Vitor. Ele se rendeu ao clima de diversão. Não sabia quando a veria. Esperava que fosse dali a uma semana. Não queria parecer inconveniente. Gostara demais de reencontrá-la.

— Sem querer ser chato... — ele se interrompeu.

— Vamos nos ver daqui a uma semana — disse Maria, se aproximando dele. — A não ser que não confie em mim.

— Eu confio. Desculpa.

— Nós não acertamos nada. Se quiser ir embora, podemos acertar agora.

— Eu vou quando você for.

— Não precisa ficar se não quiser. Porque as meninas parecem ter energia para mais dois Galos.

Ele riu.

— Eu estou vendo.

— É efeito do álcool. E você, parou de tomar cerveja? — indagou, ao lembrar que foi o que ele dissera que havia bebido.

— Estou bem sem.

Os dois não sabiam que música cantava ou se estavam dançando no ritmo. Fernanda esbarrou nele, de propósito, aproximando os dois. Vitor afagou a maçã corada de Maria. Sabia que era resultado do sol. Pernambuco era quente diariamente. Recife carregava o apelido de Hellcife e Raincife em dias de chuva.

Maria se colocou na ponta dos pés e ele a beijou, a segurando pela cintura, perto de si e colocou a outra mão em sua nuca. O beijo tinha gosto de hortelã por causa do chiclete que mascavam. Vitor tinha cuidado de não faltar com respeito ou ser repreendido por uma das primas de Maria.

Ela colocou as mãos na sua nuca, puxando os fios e ficando cansada para se manter na ponta dos pés por mais tempo. Tinha uma troca de carinho. Nenhum dos dois queria acabar com o momento e só fizeram porque precisavam de ar.

— Desculpa te fazer esperar tanto por isso — murmurou Maria e ele a abraçou.

— Eu não me arrependo de ter esperado.

Ela escondeu o rosto no peito dele, sem graça e ele a afastou e deu um beijinho. Isso a fez lembrar do que acontecera há dez anos. Maria havia beijado Vitor na última noite de carnaval. Fora seu primeiro beijo. Naquela noite, ele havia sido um cavalheiro, enquanto passeavam pela praça. Comprara um sorvete para a menina. Sua mãe só a deixara ir porque conhecia a família dele. Confidenciara à mulher e pediu para que ela não comentasse com ninguém.

Maria sabia que sua mãe ficaria surpresa em saber que ela o reencontrou depois de tanto tempo. Mais madura, mais consciente do seu lugar no mundo. Não era tola e não ficaria agarrada a um fio de esperança que sabia que poderia ser desfeito na primeira oportunidade.

— Foi bom — opinou.

— Sem dúvidas — concordou Vitor.

Era questão de honra a rever, por isso trocaram números. Vitor não era daqueles homens que ficava pedindo foto ou atrapalhando a pessoa. Se Maria quisesse, fariam chamada de vídeo. Ele poderia passar o dia olhando para ela. Tanto é que foi o que ele fez. Gostou de ver Maria se divertindo com a implicância das primas, com a dança insana e cheia de energia.

Trocaram mais um pouco de carinho, beijinhos. Maria tivera um rolo, como chamara o rapaz com quem se envolvera e ficou numa boa quando decidiram colocar um fim, há duas semanas. Era por causa do carnaval, ela sabia. Era comum as pessoas colocarem fim em todo o tipo de relacionamento para aproveitarem os dias de folia.

— Ei, vamos? — chamou Priscila. — Tô só o pó.

— Eu posso ir com vocês até a estação? — indagou Vitor.

— É até bom que você vá, porque eu acho que vai servir para intimidar algum babaca.

Fizeram a corrente com Vitor no fim dela, segurando a mão da Maria. Foi um caminho árduo. Mais demorado do que quando fizeram o contrário. Na Estação Recife, ele se despediu das meninas. Havia adicionado o número de Maria na agenda do seu celular e a foto dela estava lá, quando atualizou a lista de contatos do WhatsApp.

— Até daqui a oito dias. — Ela acenou.

— Estarei ansiando até lá. Chegar em casa, avisa.

Vitor deu uma piscadela e Maria se apressou a pegar o cartão VEM e pagar a passagem. Encontrou as primas do outro lado da catraca e foram até a escada. Ele estava confiante. Dessa vez, seria um tempo menor que dez anos e sabia que cada segundo, seria tão bem aproveitado quanto foi hoje.


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Notas finais do capítulo

Sinopse do livro Romance Admirável, meu primeiro original publicado:
Norah Hale vive de maneira reservada ao lado do seu filho Theo. Como consequência de um incidente, quando tinha apenas dezesseis anos, foi diagnosticada com um transtorno e assim, tenta passar despercebida no hospital onde trabalha, na cidade de Chicago.
Ela tem uma paciente por quem nutre um carinho bem especial, Sophie, filha do cirurgião plástico Richard Grayson. Ele é um dos poucos médicos que têm o prazer de encontrar a Princesa Gelada, como a pediatra é conhecida, pelos corredores.
Interessadas, podem me pedir mais informações. Coloquei algumas curiosidades no meu perfil do Instagram.
@tailanysabarreto. O link para comprar também está lá.
Até mais
Revisado em 09.01.2020



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