A Última Serafim escrita por Mathew Liniker


Capítulo 3
Aventureiros Por Um Dia


Notas iniciais do capítulo

"O tempo me tirou você, levou pra longe de mim.Já não sei o que fazer.

A não ser lutar até o fim. Para te salvar. Eu não vou parar. Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance só pra ter você aqui comigo."

C.



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O som de aço batendo contra aço ecoava pela floresta de Axión. Depois de um inverno rigoroso, os carvalhos começavam a reaver sua folhagem, dando ao ambiente um leve toque de renascimento. O santuário ideal para quem procurava um pouco de sossego. Mesmo com a gélida brisa do fim do dia abraçando-lhes o corpo, dois rapazes trocavam golpes de espada incessantemente, com a ferocidade igual à dos antigos samurais.

Nathan se esquivou de um golpe em diagonal da lâmina inimiga e bloqueou o seguinte com sua espada. Mesmo estando em grande desvantagem física, demostrava que, com a técnica correta, era possível equilibrar a diferença de força.

Drake forçou sua espada contra a do oponente, obrigando-o a recuar com um salto e ficar em guarda. Antes que pudesse retomar a postura ofensiva, um feixe luminoso veio em sua direção. Com reflexos invejáveis, inclinou a cabeça para trás, assim desviando do projétil que Isa havia lançado usando um arco feito de energia azulada.

Logo após sua saída do hospital há duas semanas, Nathan e seus amigos se dirigiram para a floresta de Axión, onde possuía uma pequena cabana, uma pequena herança de seu avô, próxima a uma clareira. Desde então, os três treinaram todos os dias desde antes do sol nascer e terminando somente quando já estava escuro, parando apenas alguns minutos para almoçar e descansar.

Depois de mais alguns golpes, os três decidiram encerrar o dia. Já mostravam sinais de extremo cansaço, em especial Nathan, que agora tinha que se apoiar em sua espada fincada no chão.

— Parece que não sou só eu quem está fora de forma — brincou Nathan, sentindo todos os músculos do seu corpo gritarem por clemência.

— Sabe muito bem que lutar com espadas não é o meu forte. — O rapaz com a máscara arfava como alguém que correu uma maratona inteira com pesos nos sapatos. — Quem está sedentária aqui é a Isa, que só de conjurar algumas flechas de luz já está cansada.

Por muito pouco Drake não perdeu uma orelha, pois um feixe de luz passou a milímetros de sua cabeça.

— Pra sua informação disparar uma dúzia de flechas de luz causa estresse ao corpo equivalente a meia hora de exercícios anaeróbicos. Eu disparei quase cento e vinte flechas nas últimas duas horas. É só fazer as contas pra ver que eu treinei tanto quanto vocês dois. — A garota estava tão cansada que, depois de desfazer seu arco no ar, teve que se sentar no chão, ou depositaria seu almoço naquele chão mesmo.

— Nem me vêm com essa. Os elfos tem melhor compatibilidade com mana, então a conjuração de feitiços exige menos do seu corpo. Pode dividir esse número aí pela metade — Drake retrucou, indiferente ao ataque que quase o atingiu.

— Mas eu sou só metade elfa, seu energúmeno. Eu tenho bastante mana, mas meu corpo não é tão bom condutor assim. É quase como passar uma carga elétrica alta por um corpo seco, se eu usar magia demais vou acabar me machucando.

Nathan tirou sua espada do chão e a colocou sobre os ombros. Mesmo cansado, começou a andar na direção oposta a dos seus amigos, fazendo-os parar de discutir e o encararem.

— Vou continuar mais um pouco, podem ir na frente — disse, sem olhar para trás.

— Não é bom se forçar tanto. Acho melhor você descansar. — Isa sentiu uma mão pousar em seu ombro, e ao se virar, viu Drake dando um leve sinal negativo com a cabeça.

— Vamos deixá-lo um pouco sozinho. Ele precisa de um tempo — explicou Drake, oferecendo ajuda para a garota se levantar.

Depois de se pôr em pé, deu mais uma olhada em Nathan, que já havia se afastado, e seguiu Drake de volta para a pousada.

Depois de andar um pouco, estava em um ponto mais aberto da floresta. Agora, apenas na companhia das árvores e do vento, o rapaz respirou fundo e fechou seus olhos. Com a mente limpa, ele apertou com firmeza o cabo de sua espada e começou a recitar:

— Lâmina que guarda em si todo o ódio de gerações, libere a angústia em seu aço selado para que eu possa amenizar teu fardo, tornando um só nossos corações. — Uma chama vermelha envolveu a espada e iluminou todo aquele canto da floresta. Em sua mente, o rapaz se viu brevemente em um campo de batalha, onde vários homens se digladiavam com lanças e machados. Ao abrir seus olhos, esses pensamentos se dissiparam. — Queime tudo, Chama do Esquecimento.

Ao descrever um arco com a espada, uma grande onda de fogo avançou e carbonizou os galhos de algumas árvores em seu caminho. Mesmo tendo sido um ataque de força razoável, não parecia satisfeito com o resultado. Enquanto arfava, olhou para sua própria mão, que havia se queimado um pouco.

— Sei que recebi uma restrição de poder mágico, mas mesmo assim, é só isso que eu tenho? — Ao cerrar seu punho, começou sentir as palmas de suas mãos latejarem. — Acho que não tem jeito, vou ter que me contentar com isso mesmo.

— Do que está falando? Você quase me levou junto com esse ataque, o que mais queria? — Íris estava encostada em uma árvore próxima de onde o ataque havia passado.

— Devia ter saído da frente quando viu as chamas vindo na sua direção — retrucou, fincando a ponta da espada no chão e se apoiando nela. — Aliás, por que está aqui? Eu já disse que não preciso de um anjo da guarda.

— E desde quando as pessoas escolhem se vão ter um? Eu aceitei a missão de te supervisionar, então acostume-se, pois é isso que vou fazer.

— Humpf. Se é assim, faz algo de útil e me busca algo pra beber. Usar esse último feitiço me deixou com a garganta seca.

— Sou sua guardiã, não sua criada. Além do mais, pode ir circulando. Treinar demais não vai fazer você ficar mais forte, só vai acabar rompendo algum tendão. Anda, chispa! — Enquanto falava ia na direção dele agitando as mãos, como se espantasse uma mosca.

— Não me ouviu não? Eu já te disse que só tenho menos de três dias para ficar em forma, não posso me dar ao luxo descansar agora — reclamava, sendo empurrado pela garota.

— Se você não me obedecer vou usar o mesmo feitiço calmante que usei no hospital e vou te deixar a noite toda aqui.

Depois da ameaça, acabou se dando por vencido e voltou para cabana. Depois de um bom banho e um jantar excepcionalmente delicioso que seu irmão preparou, foi para a cama. Desde que havia começado seu treino, as noites de sono tinham sido cada vez mais bem dormidas. Talvez, não só pela fadiga, e sim pela sensação de que começava a retornar ao mundo que pertencia.

 

                                   ***

 

Todos acordaram antes do sol nascer, como faziam todos os dias desde que vieram treinar na floresta de Axión. Porém, naquele dia, decidiram fazer algo um tanto diferente. Drake havia saído bem cedo com o carro, alegando ter que verificar uma coisa urgente e pediu para que o esperassem antes de saírem para treinar.

Já se aproximava das oito horas e nada dele retornar. Nathan andava de um lado para o outro na sala da pequena cabana rústica, inquieto com o fato de não ter recebido nenhuma explicação de seu irmão. Quando pensava em ir logo para seu treino, a porta se abriu repentinamente.

— Quem tá a fim de caçar um Baragan? — gritou Drake, parecendo animado com a ideia.

— E por que faríamos isso? —retrucou Nathan, cruzando os braços.

— Eu fiquei de olho nas missões da guilda de um vilarejo perto daqui, e encontrei uma missão para derrotar uma criatura que anda destruindo casas e devastando plantações. E adivinha — retirou de seu bolso um papel todo e o levantou como um troféu. — Eu peguei essa missão pra nós!

— Eu nem sabia que guildas ainda existiam — comentou Isa, se levantando do sofá da sala e indo até os dois.

— É que a maioria delas fica em vilarejos ou cidades pequenas. Já que existem os Cavaleiros na capital, ninguém lá precisa contratar um aventureiro — explicou Nathan, pegando o papel e o lendo. — Uma espécie perigosa de classe B, tipo comum e sua caça é permitida no fim do inverno, quando acordam da hibernação e atacam fazendas e vilas. Não me parece tão difícil. E estão pagando bem pelo serviço.

— Eu conversei com algumas pessoas do vilarejo e descobri o paradeiro dele, uma caverna no monte Ebott. Pelo que ouvi, esse monstro destruiu uma casa e quase matou uma família, que escaparam por pura sorte. Não gosto muito da ideia de atacar uma criatura irracional, mas se o deixarmos, vai acabar acontecendo alguma fatalidade.

        — Com certeza os Cavaleiros não deram a mínima pra esse ocorrido. Devem achar essa uma ameaça pequena demais para mobilizar um esquadrão e vir caçar esse bicho, então deixaram nas mãos dos aventureiros. — Isa olhou para seus colegas, que concordaram com sua hipótese.

        — Entendo. Se é assim, não vamos perder tempo. Essa vai ser uma boa forma de testar minhas habilidades — disse Nathan, recebendo a confirmação também de seus colegas.

        Enquanto se preparava para partir em missão, Nathan percebeu que Íris o observava com certa reprovação, porém, como estava com companhia, não pôde perguntar à ela o que a incomodava. Quando Drake o chamou para partirem, o rapaz deu uma desculpa qualquer e pediu para que os dois fossem na frente. Quando ficou sozinho com sua "guardiã" na cabana, o primeiro a tomar a palavra foi ela.

        — O quão perigoso é esse tal "paragon"?

        — É Baragan, e não precisa se preocupar, eu sei me cuidar — falou, já dando as costas para a garota.

        — Só quero saber qual o tamanho do problema ao qual você vai se meter. Já que, da última vez, se não fosse por mim, você estaria vegetando numa cama de hospital agora. — Íris passou pelo rapaz correndo e se colocou na frente da porta, de braços cruzados. — Eu sou responsável pela sua proteção, porém não posso fazer nada caso seja escolha sua se meter em uma enrascada. 

        — Como eu já disse, eu sei me cuidar. Aliás, eu ainda não entendi como é que funciona essa coisa de "anjo da guarda". Você só está aqui pra ficar me torrando a paciência, é isso? — Apesar da rudeza desse comentário, Íris não se abalou nem um pouco, ficando até um pouco mais séria.

— Estou aqui para te impedir de fazer alguma burrice e acabar levando outro tiro. Não passou pela sua cabeça que aqueles dois lá fora poderiam estar sofrendo com a sua morte nesse momento? Eu só quero o seu bem.

— É assim que as coisas funcionam nesse mundo. Ou você morre cedo para proteger quem ama, ou vive o bastante para ver quem você ama morrer. — Nathan deu uma discreta olhada para um canto da sala, onde algo comprido estava enrolado em um pano e amarrado parecendo um guarda-chuva, e então voltou a encarar a garota.

Depois de um breve suspiro, Íris deu um passo para o lado liberando a porta. — Lembre-se que a missão de um guerreiro não termina enquanto não retornar vivo para casa.

Em silêncio, o rapaz andou até a porta e a abriu, sob o olhar reprovador da garota. Antes de sair, porém, disse uma última coisa para Íris.

— Para de agir como se me entendesse. Você não sabe nada sobre mim.

— Estarei esperando pra quando estiver pronto pra me contar.

Ao olhar de novo para ela, viu que a rudez em sua face abriu espaço para um olhar mais preocupado. Sem ter mais o que dizer, passou pela porta e a fechou atrás de si. À poucos metros, Isa, já dentro do carro, apressava-o para poderem logo partir em sua missão.

 

                                      ***

 

— Então é aqui? — perguntou Nathan, parado em frente à entrada de uma enorme caverna.

Após terem que abandonar o carro e percorrerem floresta adentro por quase uma hora, finamente chegaram ao monte Ebott, o lar da criatura que assombrava as redondezas. De frente para a entrada da caverna, dava para notar alguns sinais de atividade de um ser bem grande nos arredores, como árvores arranhadas e quebradas, que só poderiam ter ficado naquele estado pelo trabalho de um ser muito grande e forte.

— A informação que aquele cara me deu estava certinha, afinal. Esse Baragan nem está tentando se esconder — comentou Drake, observando o estrago na paisagem.

— Vai lutar sem sua espada, Nathan? — perguntou Isa, percebendo que ele estava munido de uma arma que ela nunca o havia visto usar.

— Pensei em usar algo que pudesse dar dano à distância — explicou, enquanto girava com destreza uma enorme alabarda em suas mãos, que mais parecia um machado com um cabo muito longo com a ponta de uma lança embutida. Usava também um peitoral de metal e uma calça de couro bem resistente.

— Eu estou falando daquela espada. Não acha que vai ficar em desvantagem sem sua arma sagrada?

— É só uma espécie perigosa de classe B. Vai ficar tudo bem.

— Olha quem fala, parece até que você está fazendo cosplay de sacerdotisa de um jogo RPG — brincou Drake, fazendo-a inflar as bochechas e ficar vermelha, tanto de raiva como de vergonha.

Ela usava um vestido branco com uma listra azul na frente, que tinha dois cortes verticais a partir da metade da coxa, deixando suas pernas à mostra, e também um manto da mesma cor com um capuz. Uma bota marrom de cano alto à protegia dos galhos e da grama alta, e usava também uma meia calça.

— É que esse manto me dá proteção contra ataques mágicos e o vestido ajuda no contato com a mana — comentou, bem baixinho, fazendo bico.

— Bem, espero que tenha alguém em casa. — Nathan olhou para Drake que, destoando de todos ali, estava com uma roupa casual, uma calça jeans folgada e um casaco que tinha uma gola felpuda, e estava desarmado. — Vamos começar?

— Só se for agora — respondeu, correndo para dentro da caverna sem hesitar.

Enquanto esperavam seu companheiro voltar, se preparavam para o combate, escondidos atrás de uma árvore próxima.

— Isso me lembra de quando éramos crianças. Eu ainda não sei se é coragem ou burrice do Drake sempre aceitar em ser a isca pra atrair os monstros para fora da caverna — comentou Isa, rindo.

— Agora que você disse, sempre me perguntei o porquê dele nunca reclamar. Talvez ele prefira ir para que nem eu ou você corramos algum risco, já que, além da força, ele é o que corre mais entre nós três.

— É, pode ser.

De repente, um urro estridente veio de dentro da caverna. Os dois se  prepararam para o combate, ficando em posição agachados para não serem vistos. Como uma flecha, Drake saiu da caverna e passou por onde seus colgas estavam escondidos, parando à alguns metros dali.

— Ó o bicho vindo, galera. É agora ou nunca — disse, se colocando em guarda.

Um enorme ser começou a emergir da caverna a passos lentos. Era uma criatura quadrúpede do tamanho de uma van, com seu couro de aspecto grosso e duro. De sua testa saía um enorme chifre pontiagudo, pronto para destroçar o que estivesse em seu caminho. Suas orelhas, grandes e redondas, estavam de pé e se movimentavam para todos os lados, capitando o som ambiente. Ao avistar quem ousava o incomodar, com um estridente urro partiu para cima de Drake.

Mesmo com a besta vindo em sua direção com seu chifre pronto para empalar seu corpo, Drake não pareceu intimidado. Pelo contrário, abriu os braços e esperou pela criatura. Quando ela estava prestes a lhe atingir, o rapaz segurou seu imenso chifre com as duas mão. As patas traseiras da criatura saíram do chão devido à inércia de ter sua investida parada bruscamente.

Pulando imediatamente de seus esconderijos, os outros dois começaram a atacar o ser agora imobilizado. Isa atirava flechas luminosas mantendo uma certa distância, enquanto Nathan brandia sua alabarda, dando estocadas consecutivas na criatura. Entretanto, os ataques estavam sendo bem menos efetivos do que esperavam.

— Eu agradeceria se finalizassem logo esse cara — pediu Drake, com o rosto vermelho devido à imensa força que fazia para conseguir manter o Baragan parado, sendo um pouco arrastado toda vez que o ser mexia sua cabeça.

— O couro dele é duro demais. Tanto as flechas como a minha alabarda não conseguem perfurá-la — explicou Nathan, recuando um pouco. — Vamos ter que mudar de estratégia.

Entretanto, o fôlego de Drake chegou ao limite. Suas mãos escorregaram um pouco e a besta, aproveitando a brecha, jogou sua cabeça para a esquerda, livrando-se de vez da imobilização. Aproveitando o impulso, jogou seu chifre contra Drake, que acabou sendo lançado à alguns metros de distância antes de se chocar contra uma árvore. O rapaz desabou ao chão já desacordado.

Com um a menos para se preocupar, o Baragan se virou para os dois que restaram e rosnou ferozmente. Sem a força bruta do time as coisas se complicavam.

— Acho que ele também tem resistência à magia. Minha alabarda tem atribuição mágica de Perfuração, e mesmo assim mal deu dano nele. Com uma defesa dessas, fica complicado pensar em algo — explicou Nathan.

— Creio que não. Se tivesse, minhas flechas, que são feitas apenas de mana, não teriam nem o arranhado. Acho que ele só tem uma defesa muito densa mesmo — retrucou a garota, e em seguida seus olhos brilharam, parecendo ter uma ideia.

— Eu conheço esse olhar. Vamos mesmo fazer isso? — Isa confirmou os pensamentos dele ao acenar positivamente com a cabeça, fazendo-o suspirar pesadamente. — Como sempre, quem tem que distrair o inimigo no final sou eu.

Depois de girar a alabarda em suas mão, a colocou em riste mirada para a besta logo a sua frente. O Baragan, por sua vez, começou a rasgar a terra com suas enormes garras e sacudiu a cabeça com uma bufada, como um touro que se prepara para avançar contra o toureador. Isa deu alguns passos para trás e, segurando firme seu cajado com as duas mãos e com os olhos fechados, começou a recitar um feitiço bem complexo que exigia algum tempo e extrema concentração.

Pressentindo o perigo, a criatura urrou e investiu com grande velocidade, fazendo o solo estremecer a cada passo que dava. Para que o ser não se aproximasse tanto de Isa, Nathan precisou ir de encontro à ele, para criar um raio de distância segura entre a garota e o combate entre eles. A diferença de tamanho entre os dois era gritante. Em uma colisão frente a frente, era claro quem tinha vantagem. Entretanto, a experiência pode decidir o resultado em uma hora dessas.

Em um movimento de notável destreza, enganchou a lâmina em forma de machado no chifre da criatura e, usando o próprio peso, forçou a cabeça do ser em direção ao chão, fazendo seu chifre afundar no solo e reduzindo drasticamente sua velocidade. Ao mesmo tempo, usou a impulsão para jogar seu corpo por cima da criatura, como um atleta em um salto com vara. A besta ficou um pouco atordoada por causa do choque, mas logo se recompôs, sacudindo a cabeça para tirar a terra de seu rosto, e se virou novamente para o rapaz.

Com o canto dos olhos observou sua parceira, que permanecia na mesma posição que antes. Não ousou chamar pelo seu nome, pois sabia que o feitiço exigia total concentração para ser conjurado. Nesse momento de descuido, a criatura avançou de novo contra ele, porém, dessa vez, se ergueu em suas patas traseiras e jogou seu enorme corpo contra o rapaz, que foi pego desprevenido e não teve tempo de revidar. Com uma das patas, o ser imobilizou a alabarda e a outra, por muito pouco, não esmagou a cabeça do do rapaz.

Agora, estava debaixo da criatura e não conseguia remover sua arma debaixo do pé da criatura. Querendo logo acabar com a raça de quem o atacava, o Baragan ergueu a pata dianteira livre e a mirou no rapaz. Sem escolha, teve que abandonar a alabarda e rolar para a direita, assim escapando de ter seu crânio esmagado.

Ao se levantar, mal teve tempo de respirar, pois o ser investiu de novo contra ele. Conseguiu se esquivar saltando para o lado, porém seu ombro foi atingido de raspão pelo chifre, causando um corte profundo naquela região. Se não fosse o peitoral que usava, o ataque teria transpassado seu corpo. A criatura deu meia volta e olhou para ele, parecendo satisfeito por ter finalmente conseguido o ferir. Entretanto, sua felicidade foi momentânea. O estrondo de um raio fez o ar estremecer, e nuvens negras logo acima dos dois começaram a se formar. Ao olhar para Isa, viu que uma névoa densa circulava seu corpo como um pequeno tufão, indicando que acabara de conjurar o feitiço.

— Descanse em paz, nobre guerreiro — ela disse erguendo seu cajado, para depois dizer falar bem alto. — Sinta a Cólera Divina!

Proveniente das nuvens negras que se formaram apenas naquela região, um poderoso raio desceu e rasgou o céu em direção ao Baragan, que nem soube de onde viera o ataque. Nathan cerrou seus olhos devido ao clarão intenso que durou menos de um segundo. Quando os abriu novamente, viu a criatura já caída no chão, inerte. Um cheiro de carne queimada começou a cobrir o ambiente, o deixando um pouco enjoado.

Com todas as suas forças esgotadas por ter usado uma magia de magnitude tão alta, Isa caiu sobre os próprios joelhos e soltou seu cajado, para poder apoiar suas mãos sobre suas pernas, ofegante.

— Não acredito que consegui gerar uma descarga tão grande. Quase desmaiei quando minha mana foi sugada —comentou, tendo que dar uma pausa entre cada palavra para respirar.

— E o tempo de ativação também diminuiu. Até que você está ficando boa nisso — a elogiou, andando em sua direção.

— Ma-mas se não fosse por você eu não teria conseguido conjurar, então foi tudo graças à você. — Ela cobriu o rosto com as duas mãos, tentando esconder suas bochechas coradas.

Ao chegar até a garota, se ajoelhou na sua frente, pois estava igualmente cansado. Depois de passar quase três meses sem ação, sem contar os dois que passou no hospital, seu corpo não estava mais habituado a tanta ação. Quando Isa tirou as mãos da frente do rosto, percebeu o enorme rombo no ombro de seu companheiro, que sangrava a ponto de já ter tingido de vermelho boa parte da camisa que usava por debaixo da armadura. Mesmo com o estado de seu amigo, ela acabou deixando escapar um leve sorriso.

— Acho que é impossível você sair de alguma luta ileso, não é? — Ela endireitou sua coluna e deu leves tapinhas na própria perna. — Vem aqui pra eu curar esse machucado.

— Você já usou muita mana para conjurar a Cólera Divina. Eu não vou morrer por causa disso, então acho melhor esperar você descansar um pouco...

— Não precisa! — retrucou, se exaltando um pouco. — Tudo bem, eu ainda consigo pelo menos estancar a hemorragia.

Quase instintivamente, obedeceu ao seu pedido e, bem devagar, deitou a cabeça de lado em seu colo. Quando eram mais novos, e mais cabeças de vento, o trio sempre saía atrás de aventuras na floresta, e na maioria das vezes se davam muito mal. Era quase um ritual pós aventura que Isa tivesse que curar os ferimentos de Nathan com ele deitado com a cabeça em seu colo.

Nathan apenas fechou os olhos enquanto Isa colocava uma das mão em seu ferimento e começava a curá-lo, emanando uma energia esverdeada que, bem lentamente, fechava o corte. Realmente ela estava muito cansada, e exigir tanto de seu corpo não era tão saudável, mas ela queria ter aquele momento com o rapaz. Para ela, aquela ação refletia a intimidade que os dois tinham e que, nos últimos meses, tinha se tornado cada vez menor.

— Ei, Isa — chamou, com a voz um pouco baixa. — Sei que já falamos sobre isso, mas... Eu gostaria de falar uma coisa sobre... Você sabe...

Um gosto amargo subiu pela garganta do rapaz. Mesmo já tendo ouvido o posicionamento dela mais de uma vez, não conseguia tirar aquele peso que sentia em seu peito.

— Depois do que eu fiz... Eu não entendo como você conseguiu me perdoar depois daquilo, se nem eu mesmo consigo. Eu não... Entendo...

Ele cerrou uma de suas mãos, fincando suas unhas na própria carne, na tentativa de conter seu choro ao se concentrar na dor. Entretanto, antes que ele começasse a ter flashbacks daquele maldito dia, um toque suave no topo de sua cabeça o trouxe de volta ao presente. Aqueles dedos finos e delicados começaram a acariciar seus cabelos, e quase como mágica, a dor em seu peito se dissipou, e sua respiração se aliviou no mesmo instante.

— Eu sei que não foi sua culpa. Independentemente do que os outros digam, eu sempre vou te ver como aquele garoto que não pensava duas vezes antes de comprar a briga dos outros, e que sorria quando via que quem queria proteger não tinha se machucado, mesmo estando todo arrebentado. — Ela o observava com um olhar quase que materno, o acariciando com delicadeza. — Sei que as vítimas daquela tragédia eram importantes para nós dois, mas eles sacrificaram suas vidas para que pudéssemos estar bem hoje. Por isso, não guardo nenhum sentimento ruim.

Quando perceberam, o corte já havia se fechado. Notando que já estava curado, se levantou e olhou para a garota com uma expressão um pouco triste.

— Eu tenho medo de voltar para a academia e aquilo acontecer de novo. Mas, seu eu não for, não vai ter ninguém para preencher a vaga de Paladino Branco. O que eu devo fazer?

— Lembre-se que a Charlotte colocou selos de restrição mágica em você, então algo como aquilo não vai voltar a acontecer. Mas, independentemente do que você escolher — Ela se inclinou um pouco e colocou sua mão sobre a dele. — Pode contar comigo e com o dorminhoco ali para te apoiar.

Ela apontou para Drake, que só agora começava a se levantar, com uma de suas mãos massageando a cabeça. Os dois riram um pouco, mas quando Isa se lembrou que ainda segurava a mão de Nathan, corou violentamente e puxou sua mão de volta. Percebendo a ação, o rapaz olhou para e, ao vê-la completamente vermelha, se preocupou.

— O que foi, está com febre? Eu disse para não se forçar demais.

— Eu estou bem, eu só... Ah, temos que ir até a guilda dar a baixa da missão antes que escureça. Vamos logo.

Ela se levantou em um salto e colocou as mãos na cintura, tentando manter uma postura de alguém com plena energia, coisa que ela estava longe de ter no momento. Nathan também decidiu que seria melhor mesmo irem, pois teriam que sair logo pela manhã do dia seguinte para irem pra casa.

Com Drake tendo que se apoiar em Nathan para poder andar, os três seguiram floresta adentro até chegarem no carro. Depois, se dirigiram para a guilda, onde teriam que avisar o local onde o corpo do Baragan estava para que os coletores de materiais viessem buscá-lo, pois seu couro era matéria prima para armaduras. Assim que fosse confirmado a morte da criatura, os três receberiam sua recompensa.

Mesmo machucados, exaustos e precisando de um bom banho, os três sentiam uma ótima sensação de trabalho cumprido. A última vez que Nathan havia sentido algo parecido foi quando conseguiu cobrir o turno de dois colegas de trabalho ao mesmo tempo.  Isa percebeu que o sorriso que estampado no rosto dele foi o mais autêntico que ela o viu exibir nos últimos seis meses.


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Notas finais do capítulo

Fala aee galera. Aqui quem fala é o Charlie, não o autor dessa bagaça. Dei uma hackeada no sistema e buguei a matrix, e agora eu comando essas notas finais. Já que até a Chronos, que ainda nem apareceu na história, ficou falando nas notas iniciais, eu também tenho esse direito. Espera... Era pra deixar o nome dela como charada nas notas finais como nos capítulos anteriores? Tô nem aí, nínguém se importa o bastante pra perder tempo decifrando esses enigmas aí!

Deixem seus comentários aí, seus chupa prego, pra que esse autor preguiçoso atualize com mais frequência suas histórias. E passa na minha também, Diário de um Heterônimo. ;D



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