Montes Urais, Rússia, 1887

Andrei Makarov deixou a pequena casa onde morava com os olhos úmidos, mas não se permitiu chorar.

Há alguns minutos o Bispo Dimitri Belikov havia dado a unção dos enfermos à esposa de Andrei, que perecia sobre a cama há cinco dias. “Por esta santa unção e pela Sua infinita misericórdia, o Senhor venha em teu auxílio com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos teus pecados, Ele te salve e, na Sua misericórdia, alivie os teus sofrimentos”, disse o Bispo. Enquanto dizia isso o Bispo ungia as mãos da mulher com óleo. Agora ela estava pronta para entrar no Reino dos Céus, onde certamente Deus a receberia como boa Cristã que era.

Andrei segurou o choro mais uma vez enquanto caminhava para longe da casa. Estava muito frio, e o vento parecia assoviar coisas que somente as pessoas como ele conseguiam ouvir – pessoas que achavam que poderiam entender a vida, em toda a sua profundidade, como algo que não pode ser explicado. Tinha vinte e três anos e acabara de perder a esposa. Talvez o aconselhassem a buscar outro amor, mas ele sabia que não precisava.

Não precisava de mais nada.

Chegando a uma cerca coberta por gelo, Andrei parou e pensou no quanto as coisas estavam ruins, e no quanto ainda poderiam ficar piores. Pensou nos três filhos que se foram antes da mãe, e no quanto aquilo tudo parecia cruel e injusto. Pensou na peste, e em todas as coisas que ela fora capaz de tirar dele. Não havia espaço para mais dor em seu coração, que parecia tomado por uma escuridão indescritível.

Então Andrei viu uma árvore solitária, coberta de gelo e com os galhos contorcidos. Não precisaria da unção dos enfermos, e também não queria mais acreditar em Céu ou Inferno. Olhou uma última vez para a mão, onde manchas negras cresciam vigorosamente, e caminhou na direção da árvore, sentindo o vento frio cortar sua pele e uma perceptível escuridão tomar conta de sua alma.