Olhos negros escrita por Mylena


Capítulo 1
A coincidência dos nomes


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Essa é a primeira história que (tenho coragem) de postar. Gostaria muito que vocês dessem uma olhada - nem que seja para dizer que está uma porcaria (sim, como é a primeira história que escrevo, gostaria de opiniões sinceras, não tenham medo de me magoar). Mas sério, quem puder ler e me ajudar, eu agradeceria infinitamente.
No mais, espero que gostem.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/775528/chapter/1

 

 

Era um dia chuvoso de outubro. Todo o reino ainda chorava a morte do Rei Eduard – as donzelas ainda usavam vestidos pretos e lenços delicados para secar as lágrimas. Mas naquele dia de outubro, um burburinho se espalhava— aquele barulho característico das cidades, o qual tinha se calado naquela semana, desde o enterro. Agora voltava, mas ainda singelo, com um certo constrangimento. As donzelas esqueceram por um momento dos seus lenços e já escolhiam vestidos coloridos. Afinal de contas, o reino se preparava para ganhar um novo rei. Com a morte, o renascimento – e toda a expectativa que ele sugere. E com um bônus – para acalentar ainda mais o coração dos servos — um casamento! Uma nova rainha! Quem poderia não se alegrar, nem que fosse só um pouco?  

Bem, sempre tem gente para não se alegrar. Poderia citar-se as pessoas mais apegadas ao falecido rei, que não esqueceriam tão rápido ou não se envolveriam o suficiente com as festividades daquele dia para esquecer sua repentina morte. Haviam também os críticos – estes não se alegravam porque temiam o futuro do reino, por dois fatores primordiais: o primeiro, era a personalidade misteriosa do príncipe herdeiro (utilizavam a palavra misteriosa para não incorrer no perigo de ofender a realeza, mas se pudessem, utilizariam expressões como “rude” “nada simpático” “mal-humorado” etc.). A segunda questão, era sobre o despreparo da futura rainha – graças a personalidade peculiar (outra palavra segura) do príncipe, este tinha recusado a casar-se enquanto o pai era vivo, fazendo com que todas as boas pretendentes fossem desposadas. Quando a obrigatoriedade do casamento chegou (junto com a morte do pai), não tinha sobrado quase nenhuma nobre solteira. Dentre as poucas opções, uma prima de não se sabe quantos graus, de uma cidade pequena e distante, acabou sendo a escolhida – ninguém sabia também o porquê.  

Ainda que essas pessoas muito sensíveis ou muito críticas e negativas fossem minoria no reino, de modo que suas opiniões não chegavam a suprimir a alegria dos demais, haviam mais duas pessoas – essas sim, de suma importância – que não se contagiavam com o bom sentimento.  

Por que a importância delas, já que são apenas duas pessoas? Bom, pelo nível de envolvimento de ambas com a história. Afinal de contas, que alegria pode se extrair de um casamento, onde os noivos não querem casar? 

Esse foi o pensamento de Jeniffer, ou Jeni, como prefere ser chamada, quando as criadas puxaram com uma força monumental o espartilho, a deixando sem ar. Geralmente, apenas uma criada apertava seu espartilho – o que ela já achava demais, mas agora dava para contar pelo menos quatro fazendo esse incômodo trabalho. Arrumando seu longo cabelo, umas três. Duas colocando as joias, enquanto mais duas passavam com cuidado excessivo o imenso vestido de noiva. A pobre garota solta um suspiro frustrado. Se questiona se será sempre assim daquele dia em diante. Quinze criadas dentro do seu quarto, apenas para garantir que estivesse sempre perfeita.  

— Como está a minha rainha? – uma mulher voluptuosa e afobada pergunta, empurrando sem perceber umas das criadas, que tem que se equilibrar com um balde de água limpa nas mãos para não cair. Assim que avista a filha, seus olhos enchem de lágrimas e os lábios começam a tremer.   

— Eu nem sequer coloquei meu vestido e você já está chorando? — a filha repreende, mas já é acostumada com o jeito exagerado da mãe. 

— Eu sei, eu sei, mas é que... esse espartilho é tão bonito... Tudo aqui é tão bonito! Você terá coisas tão lindas! Oh, Deus. – ela puxa Jeni para um abraço sufocante. Uma mamãe ursa abraçando sua pequena cria.  A força da mulher é tanta, que até ajuda no aperto do espartilho e deixa a filha sem respirar por alguns segundos. - Oh, minha caçula será a rainha de Brington, como posso agradecer a Deus por essa dádiva?  

— Tenho certeza que pensará em um jeito, senhora. – uma outra mulher, com a voz imponente, fala. Automaticamente, todas as criadas param e fazem reverência e só voltam a se movimentar quando ela faz um gesto suave com as mãos. Ela tem a pose que só uma pessoa com muitos anos de reinado tem. 

É a rainha de Brington. Quase ex-rainha, agora.  

Ela já está pronta para o casamento e seu vestido dourado é deslumbrante. Jeni tenta se ver nela, mas não consegue. O espartilho está tão apertado que ela sequer consegue curvar-se para reverencia-la.  

— Abram o caminho por favor, quero ver minha nora. – ela manda, mas a única pessoa no caminho dela é a Senhora Becker, mãe da futura rainha, que ao perceber a gafe vai rapidamente para o lado, desajeitada, murmurando “sim, minha senhora, mas é claro.” 

Primeiro, elas se olham de longe, pelo que parecem ser vários minutos. O olhar da rainha parece atravessar a pequena garota, que vacila, sentindo-se insegura e pensando em todas as coisas que a sogra poderia não gostar nela. Ainda assim, ela mantém o olhar. Depois a rainha se aproxima, deixando as duas quase cara a cara, como se quisesse perceber cada defeitozinho que Jeni possa ter – ou só intimidá-la. A garota prende a respiração.  

— Você é bonita. – a senhora conclui.  

— Obrigada, rainha.  

Ela sorri de lado, não se sabe o porquê, mas a futura rainha sorri também, em retribuição.  

— Aposto que nunca imaginou que estaria aqui, não é? – pergunta, passando a mão pelo imenso vestido de noiva recém passado, que está estirado na cama.  

— Não, senhora. Nunca imaginei. – Jeni responde sincera.  

— É claro, isso é uma pergunta boba. Não tinha como imaginar. Ninguém imaginou. Todos esperavam que o futuro rei casasse com uma das nobres mais... imediatas, digamos assim. Que treinaram a vida toda, na esperança de assumir o posto. Não com a filha de um tio tão distante.  

— Ficamos realmente surpresos! E honrados, é claro! – a mãe, que estava se segurando para não interromper, complementa, mas a rainha não dá muita atenção.  

— Você pode agradecer ao meu filho, seu futuro marido, por isso.  

Isso a surpreende. Ela não sabia porque tinha sido a escolhida. Lembrou-se que uma carta real chegou na sua porta, informando que o príncipe Jonathan, futuro rei de Brignton, estava pedindo sua mão em casamento. Não sei quem ficou mais chocado com a notícia. Nunca tinha visto o príncipe herdeiro na sua vida, já que até pouco tempo era considerada muito nova para frequentar os bailes e eventos reais. Quando questionou o porquê, sua mãe a mandou ficar quieta e não fazer muitas perguntas: “vai que mudem de ideia”, ela falou.  

— Jura? Mas... como assim? Nós não nos conhecemos...  

— Bom, você quer o motivo? O que posso dizer? Simplesmente que meu filho é impossível! Não sei o que você já escutou por aí, eu sei o tamanho da língua das pessoas desse reino... Mas é bom que esteja ciente, já que em poucas horas será a esposa dele, para sempre.  

Claro que Jeni havia ouvido os boatos. Mesmo morando tão longe, não havia quem não comentasse. Os mais recorrentes era que o príncipe herdeiro era “o homem mais atraente de todo reino”, mas o que tinha de beleza tinha de “rudeza”. A maioria das pessoas dizia que ele era mal-encarado, orgulhoso e de poucos amigos. Nada sociável ou simpático - o total oposto do seu falecido pai, o antigo rei. A mãe tentava abrandar as coisas, principalmente depois do “pedido”: “Ele deve ser tímido. As pessoas são muito maldosas”, ela disse quando a irmã mais velha de Jeni, Keila, comentou que a caçula provavelmente teria uma baita dor de cabeça "com um marido desse tipo”.  

Mas Jeni já tinha chorado o suficiente durante aquele mês e aceitado seu destino e o futuro aparentemente obscuro que ele apontava. Mas para ser sincera consigo mesma, tinha uma pontinha de esperança. Uma chaminha acesa dentro de si, que insistia em pensar que talvez, só talvez, ele gostasse dela. E ela gostasse dele. Ou pelo menos, se amor fosse pedir demais, que tivessem uma convivência harmoniosa.  

Mas aquela frase – “meu filho é impossível” – soprou um pouco a fraca chama de esperança, a deixando ainda mais fraca.  

— Você acredita – a rainha começa e o sorriso torto, que agora havia ficado claro — era irônico, surge de novo – Acredita que ele simplesmente rejeitou, ainda quando o pai, que Deus o tenha, estava vivo, ele rejeitou todas as possíveis pretendentes que arrumávamos? Ele batia o pé que só casaria quando fosse obrigado, que não tinha paciência para ninguém, que dirá para uma esposa, com a qual teria que conviver diariamente.  

Ela pausa, olhando para o nada, como se estivesse lembrando de algo. Mas logo retoma, mexendo a cabeça, afastando os pensamentos.  

— Para resumir e não a fazer querer sair correndo pela janela, todas casaram! Todas as excelentes pretendentes! Ninguém imaginava que o rei morreria repentinamente e nenhum pai, em sã consciência, deixaria a filha envelhecer, na esperança que o príncipe casasse com ela algum dia. Então, quando meu marido morreu, começamos a procurar quem tinha sobrado... Eram poucas, incluindo você.  

Jeni engole com força. Que ótimo, pensa com sarcasmo. Iria casar com um homem que, pelo visto, odeia a ideia de casar.  

E ela achando que era a única sendo obrigada.  

— Mas deve ter algum motivo para ele ter escolhido minha filha, mesmo que dentre as poucas opções. – a mãe questiona, evitando olhar diretamente para a filha, já que ela havia sido a mais entusiasta com o casamento. Ela e o pai eram os únicos insistindo que isso seria ótimo, um casamento maravilhoso. Mas agora, como contestar a própria mãe do rei? Jogando nas suas caras que o filho não queria o casamento, tanto quanto Jeni.   

— Ah, teve sim. Mostramos os nomes das pretendentes a ele e ele percebeu que o seu nome era parecido com o dele, Jeniffer. – ela ri, agora para valer – Sabe o que ele disse? Disse que podia ser um bom presságio. Mas creio eu, sinceramente, que ele só ficou com preguiça de ler o resto, já que deixou claro momentos antes que não se importava com quem fosse. Só estava fazendo isso porque não tinha outro jeito.  

Ela se cala e encara a garota de novo.  

— Graças a Deus! Acredita que esse nome foi ideia do meu marido? Eu nem havia gostado muito na época. Quando eu contar a ele... – a mãe comenta empolgada, como se só tivesse ouvido a primeira parte da história. A rainha a interrompe.  

— Não vai falar nada? – pergunta a Jeniffer.  

— Não sei o que dizer, senhora. Talvez que a senhora sabe como incentivar uma pessoa momentos antes do seu casamento. – diz, tentando soar engraçada, mas o tom que sai é amargo. A rainha se aproxima dela e coloca a mão no seu rosto. O toque repentino a deixa constrangida.  

— Não se engane, criança. Eu não estou dizendo isso por mal. Eu, mais do que qualquer pessoa, desejo a felicidade do meu filho. Mas uma mulher que case com ele pensando em um conto de fadas vai cair imediatamente do sonho e quem sabe até desistir. Eu não a conheço, querida, mas se quiser fazer isso dar certo, você vai ter que ser forte e paciente. Ninguém vai te dizer isso, mas eu vou, primeiro porque estou velha e segundo porque estou depositando minhas esperanças em você: para conquistar meu filho, você vai ter que enfrentar uma batalha, que pode ser árdua e demorada. Eu vou te ajudar, se quiser. Apenas tenha isso em mente, sim? Vamos ter muito tempo parar conversar, depois. – ela fala isso baixo, apenas para a garota ouvir e olha muito séria nos seus olhos.  

A ideia de enfrentar uma batalha por um homem não conforta Jeni. Ela não sabe se é capaz. Não é nem nunca foi romântica. Talvez devesse avisar a rainha de que se aquilo fosse tão difícil como ela estava fazendo parecer ser, era melhor não depositar esperança nenhuma nela. Mas só o que ela diz é: 

— Eu não estou pensando que será um conto de fadas.  

A rainha suspira e se afasta.  

— Ótimo. Já é um começo. Agora, arrumem-na. Não quero atrasos. – ela ordena e sai do quarto tão repentinamente como entrou.  

Jeni fica encarando a porta, imaginando todos os piores cenários possíveis para esse casamento.  

— Ela foi tão gentil em vim conversar conosco antes do casamento, não foi querida? – sua mãe comenta, ignorando tudo que a rainha falou. Sua mãe era assim. Ela até pensa em falar algo, mas já tinha convivido tempo suficiente com a mãe para saber que era um caso perdido.  

— Muito gentil... – sussurra, segurando o ar com um novo puxão do espartilho.  

Por um segundo, odeia o pai por ter escolhido esse maldito nome.  

 **********************

 

Pela quinta vez, Jonathan puxa a gola do colete. Ele não sabia quantas vezes tinha avisado que odiava golas apertadas ao artesão, mas pelo visto não adiantava falar, ele faria do jeito que quisesse.  

— Qual o problema? — Henry pergunta, com um sorriso zombador.  

— Essa droga de gola.  

Ele tira suas mãos e checa a roupa.  

— A gola está ótima, você é quem está nervoso. – ele comenta, rindo.  

Jonathan o encara.  

— Quando foi que você me viu nervoso? 

— Tem razão. Mas tem uma primeira vez para tudo, não é?  

Na verdade, o príncipe não sentia nenhum nervosismo. Raiva, era a palavra certa. Aquilo tudo era ridículo, pensa. Para ele, não havia sentido em casar. Como isso, de alguma forma, faria dele um rei melhor? Sem uma esposa, reflete, ele poderia dar mais atenção aos problemas do reino. Com uma esposa, teria que aguentar todas as baboseiras das mulheres. Já não bastava a responsabilidade de ser rei? 

Se aquilo era para dar um herdeiro ao reino, que arrumassem qualquer mulher para que ele engravidasse. Sexo não era o problema – as prostituas do albergue que ele e seus irmãos frequentavam que diriam – mas casar? Ele tinha visto o suficiente das brigas do pai e da mãe durante a vida, além do casamento de Henry e dos primos. Nada para se invejar.  

Inveja ele sentia do seu irmão mais novo, sentado na primeira fila, solteiro e sem sofrer qualquer pressão quanto a isso. Seu irmão caçula, inclusive, foi o primeiro a notar – antes até dos músicos da orquestra – que a carruagem da noiva tinha chegado. Jonathan percebe porque ele levanta rápido e inclina a cabeça para espiar o portão da igreja.  

O coração do príncipe palpita, mas não pelos motivos esperados – se imaginar tendo que cuidar e atender uma esposa a partir dali o faz desejar mais uma vez, como desejou tantas vezes ao longo da vida, não ser o sucessor do rei.  

A sinfonia começa.  

Primeiro, ele vê a ponta da cabeça. O véu não o deixa ter muita visão – não que importasse quem fosse, mas já que teria que acordar e dormir com essa mulher, que ao menos tivesse boa aparência. Só consegue distinguir que seus cabelos são escuros e não loiros, mas nunca teve qualquer preferência quanto a isso.  

A sua caminhada até ele parece mais longa do que sugere o caminho. Quando o pai, um tio do qual mal tem lembrança, a entrega seu braço, ele pensa: é isso, acabou.  

Mas não tinha acabado.  

Porque o padre fala por longas duas horas, enquanto ele segura o braço fino da garota. Uma camada de suor começa a se formar aonde seus braços se encostam.  

O padre fala alguma coisa e Henry faz o sinal que combinaram. É hora de tirar o véu. Jonathan o puxa para cima o mais delicadamente que consegue.  

É, ela não é feia, ele reflete. Diria até que é bonita. Suficientemente bonita. 

A pele é delicada. Seu nariz é pequeno, com a ponta um pouco arredondada. Seus lábios são de grossura parecida, apesar dos superiores serem um pouco mais finos. Os olhos muito pretos. O olhar, ele percebe imediatamente, é sua característica mais forte. Os cílios são grandes e cheios e as sobrancelhas bem marcadas. 

O príncipe observa seus traços, sem conseguir delinear nenhum perfil de personalidade baseado apenas nisso. Espera, pelo menos, que não seja tagarela como a mãe ou as primas. 

Aí ela levanta, pela primeira vez, o olhar para ele. Jon desvia rápido, mas antes percebe que ela o olhou como quem perguntasse “o que está olhando?” ou como se denunciasse que ele estava a encarando demais.  

Depois imagina que ela apenas queria dar uma olhada nele também. Afinal, não se conheciam até esse momento e ficarão juntos para sempre.  

Para sempre.  

Ele suspira.   

Por um segundo, deseja que o padre nunca pare de falar.  

Mas ele para. E os declara, finalmente, marido e mulher. Muitos gritos da igreja. O príncipe percebe que sua— agora esposa – sorri constrangida para a multidão. Mas ele não consegue sorrir e nem tenta. Os dois mal tempo para respirar, porque a cerimônia de coroação começa em seguida. É tão demorada e maçante como o casamento. Quando finalmente Jonathan fica de joelhos, para que o mor coloque a sua coroa, já é noite. Jeniffer ajoelha em seguida. O Mor a declara a mais nova rainha de Brington. Mais gritos.  

“Salvem a rainha. Salvem o rei.” 

Dessa vez ela não sorri, e pela segunda vez, encara o marido. Agora seu olhar não acusa nada, só parece cansado.  

Quando ela volta para seu lugar ao lado do rei, Jonathan segura sua vontade de dizer que isso é só o começo. Mas é claro, ele não diz nada. Ele já sentia o peso da coroa há um tempo, mesmo que só agora ela esteja efetivamente em sua cabeça. Para a pobre garota, é só o começo. E é melhor se acostumar com a sensação.

************************

 

 

Os pés de Jeni estão doendo tanto, que ela fica se imaginando sentando numa cadeira e o prazer que isso causaria agora. Quando um senhor magro e muito alto, com o nariz pontiagudo, os informa que a cerimônia de coroação – finalmente – acabou e que irão de carruagem para o baile (sentados!), Jeni tem vontade de beijá-lo em agradecimento.  

Ela queria qualquer coisa agora, menos ir a um baile que vai durar uma eternidade. Começa a imaginar sua cama, até lembrar que não vai para casa. Isso causa nela uma sensação imensa de desconforto. 

Um capataz segura sua mão para que ela entre na carruagem real – a maior que ela já vira. Os bancos dentro são acolchoados e ao encostar-se ela se permite esticar os pés e fechar um pouco os olhos, suspirando de cansaço. Até que ela lembra que não está sozinha. Ao abrir os olhos, ela vê que Jonathan sentou-se no banco oposto, de frente para ela, mas o mais afastado que o pequeno espaço permitia. Ele estava observando-a de olhos fechados, mas quando ela olha para ele, ele desvia o olhar – como fez todas as poucas vezes em que se olharam hoje.  

Ele não era bonito como tinham lhe dito – era ainda mais. Os ângulos retos do seu rosto junto com seus traços fortes o davam uma expressão determinada, mas que ao mesmo tempo, era muito atraente. Seus olhos eram um castanho claro bonito e seu cabelo, na mesma tonalidade do de Jeniffer, tinha um corte simples, com um topete perfeitamente penteado para trás.  

Ainda assim, Jeniffer não conseguia sentir-se bem. Talvez fosse o fato dele não ter dado um sorriso sequer durante todo o evento, ou sua expressão indiferente quando a olhou pela primeira vez. Jeniffer pensa nisso tudo olhando seu perfil – ele está olhando para fora da janela, perdido com seus próprios questionamentos. Mas depois de um tempo, subitamente, ele a encara. Seu olhar não é gentil, apenas curioso. Jeni pensa em desviar, como ele fez com ela, mas decide criar coragem e manter o olhar.  

Nenhum deles parece ter ideia do que dizer. 

Qual a sua altura? - ela pergunta primeiro. É uma pergunta boba, mas pelo menos – ela pensa – teve coragem de começar.  

Jonathan levanta uma sobrancelha. Não esperava essa pergunta. É só para quebrar o gelo, ele sabe, mas esperava uma pergunta melhor que essa. 

Uns 17 palmos, eu acho. - ele responde, dando de ombros. Ela assente. O tom indiferente dele faz Jeni desistir rápido e ela olha pela janela, as ruas sinuosas da cidade passando rápido demais. Ele pensa em perguntar qual a altura dela também, por educação, mas não tem paciência para esse tipo de coisa. 

Por quê? - ele pergunta de repente, tirando ela de um devaneio. 

Por quê, o quê? 

Por quê perguntou minha altura? - ele questiona. Ela não sabe o que dizer por um momento, se sentindo boba e arrependida de ter perguntado aquela besteira, mas aí consegue pensar em uma desculpa melhor do que “para falar com você, seu idiota.” 

Achei você muito alto para mim. 

Isso chama a atenção de Jonathan. Ela não respondeu simplesmente que o achou muito alto, mas que o achou muito alto para ela. O que aquilo quer dizer? Ele se questiona. Que ela não gostou da altura dele? 

Qual a sua altura? - ele pergunta, e ela percebe a mudança em sua voz. 

Cerca de 14 palmos.  

Ele se surpreende. Olha para ela de cima a baixo, mas como está sentada, ele não consegue a medir. Ela não parecia tão baixa no altar. Ao perceber seu olhar intrigado, Jeni levanta a barra do seu vestido, revelando um sapato com plataforma gigantesca. 

Isso parece doloroso. - ele observa. 

Principalmente se você tem de ficar um dia inteiro em pé. - ela resmunga.  

Ele não sabe mais o que dizer, mas ela não espera resposta. Encosta a cabeça no banco e fecha os olhos de novo.  

Não foi lá um senhor primeiro diálogo, “mas pelo menos ele fala”, Jeni pensa. Por sua vez, Jonathan agradece o fato dela não querer mais puxar assunto. Talvez não seja tagarela, ele imagina, mas não dá realmente para saber ainda.  

A carruagem para abruptamente, assustando Jeniffer. Ela olha pela janela e vê o imenso castelo – sua casa agora e engole a seco. Olha para Jonathan, que mantém sua expressão cuidadosa.

Primeiro as damas. - ele fala, abrindo a porta da carruagem sugestivamente para ela. Ela acena, educada. Um capataz a espera com uma mão estendida. Uma imensidão de pessoas espera pela entrada deles e Jeni enrubesce com todos os gritos para ela. Sente-se perdida e assustada, parada em frente a tanta gente, sem saber o que fazer. Até que Jonathan para ao seu lado, estendendo o braço para ela.  

Ao contrário de Jeni, ele parece perfeitamente confiante – e até um pouco impaciente, mas dessa vez acena para as pessoas, discretamente. Isso é suficiente para levar a multidão à loucura.

— Sorria para seus súditos, rainha. - Jonathan diz baixinho, em seu ouvido. Faz isso porque a pobre garota parece querer sair correndo. Seu braço treme de nervoso contra o de Jonathan.  

Por um breve segundo, pensa se não deveria ter escolhido outra garota. Afinal, arrancou Jeniffer do interior do reino, de sua vida pacata, para este momento. Para esta vida. É óbvio que ela não estava preparada. Ele não podia exigir que ela estivesse, também. Talvez devesse ter escutado a mãe.  

Mas aí ele vê Jeniffer colocar uma mecha do cabelo atrás da orelha, arrumar a postura e respirar fundo. Ela segura seu braço com força e o tremor para. Então, levantando o rosto para o público, ela abre um sorriso estonteante e acena animada.  

“SALVEM A RAINHA JENIFFER!” - alguém grita com fervor.  

Ou talvez - só talvez – ele tenha escolhido exatamente a garota certa. Para o bem ou para mal (de algumas pessoas).  

 Ele só não sabia disso ainda.  

Nenhum deles sabia.  

Eles não imaginavam o que estava chegando – mas era assim que o destino agia, não era? Como um vento suave atrapalhando as folhas, mas espalhando as sementes, fazendo florescer.  

Ou, naquele caso, como uma mulher do passado do pai de Jeniffer, cujo nome, secretamente, tinha sido dado a filha caçula, como forma de honrar seu primeiro e verdadeiro amor. Bendito nome esse, que naquela lista com tantos nomes, combinava com o do rei.  

Às vezes, era assim que o destino agia. Colocando nomes parecidos em uma folha de papel. Mudando o rumo da vida das pessoas, para sempre.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Olhos negros" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.