Quem de nós dois... escrita por calivillas


Capítulo 1
De repente, você.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/775343/chapter/1

De repente, o céu desabou sobre a minha cabeça, a chuva forte me pegou desprevenida, bem no meio da rua. Como fui tão idiota de esquecer o guarda-chuva e usar sandálias abertas, mesmo com previsão de tempo instável! Mas, quem acredita em previsões?

Dei uma rápida olhada a minha volta, bolando alguma estratégia, procurando uma saída, só sei que preciso de um lugar para me abrigar. Mais adiante, avisto uma cafeteria, seria um bom lugar, poderia tomar um café, ver minhas mensagens, passar o tempo, enquanto espero a chuva cessar, corro até lá, chapinhando nas poças d’água.

Parei na porta, observei lá dentro, o lugar é bem pequeno, as poucas mesas estão todas ocupadas, o que parece é que todos tiveram a mesma ideia, para se proteger da chuva. Meus olhos vagueiam, na vã esperança que alguma mesa esteja preste a desocupar, sem nenhum sinal, mas, então, eu vejo você, com a cabeça inclinada, olhando o telefone na sua mão e sobre a mesa, uma xícara de cappuccino.

Não, talvez, estivesse enganada, é apenas alguém muito parecido, minha imaginação estava só me pregando uma peça, fixo meus olhos na tentativa de provar que estou errada.

Será que é você mesmo? Melhor me virar e ir embora, enfrentar o aguaceiro, fingindo que nada aconteceu, sem saber, se era você ou não, para que se arriscar?

No entanto, não tive tempo, como se ouvisse seu nome, você ergueu a cabeça e me vê, nossos olhos estarrecidos se encontraram, ficamos assim, parados por longos segundos, quem sabe, esperando que o outro desaparecesse por encanto, o que não aconteceu. O que fazer agora?

Dou alguns passos para frente, indo ao seu encontro, ao encontro do meu passado, arrependida por não ter me arrumado melhor, passado um batom, tentando manter a expressão mais neutra possível. Afinal, era só um encontro inesperado...  Com o grande amor da sua vida. Na verdade, um grande ex-amor, eu acho...

Paro em frente da sua mesa, com um sorriso dissimuladamente simpático, quero parecer confiante, mesmo que meu coração bata tão forte como se quisesse fugir dali, depressa, mas, não tem jeito, estou diante de você.

“Oi, há quanto tempo? ” É uma pergunta retórica, que você não precisava responder, pois eu sei a resposta exata: um ano, oito meses e sete dias.

“Sim, faz muito tempo mesmo. ” Sei que você ainda não acredita, que eu esteja ali.

Você se ergueu e trocamos ligeiros e educados beijos no rosto, sentindo o mesmo toque, o mesmo perfume que fingi que esqueci.

“Tentei fugir da chuva, mas parece que aqui não tem lugar aqui”. Digo, vasculhando em volta, evitando olhar para você, tenho uma boa desculpa para ir embora.

“Você pode sentar aqui comigo, tomar um café. ”

Não! Melhor enfrentar a chuva, me molhar.

“Obrigada. ”

Sento-me na cadeira em frente a você.

“Cappuccino? ” Você se lembra! Concordo com a cabeça. “Dois cappuccinos, por favor. ”  Pede a atendente.

“De todas pessoas no mundo, a que eu menos esperaria encontrar aqui, seria você. ”  Quero parecer casual.

“ Uma grande coincidência. ”

Para mim, não passava de uma brincadeira de mau gosto do destino, uma piada dos deuses, que deveriam estar se divertindo às nossas custas, com toda aquela situação bizarra. Em uma cidade de milhões de habitantes, centenas de cafés, tinha que ser logo esse, que precisei entrar por causa dessa maldita chuva!

“Você está bonita. ”

Por favor, não diga nada assim, não precisa ser gentil, não minta, porque eu sei que não é verdade, estou encharcada, meu cabelo molhado grudado no crânio, não posso estar bonita.

“Obrigada. Você também está bem. ”

Silêncio. O que falar? As palavras precisam ser escolhidas com muito cuidado, devem ser leves, descompromissadas, sem demonstrar nenhuma emoção mais profunda. E eu que imaginei esse momento tantas vezes, imaginei tantos diálogos, tantas coisas a serem dita, estava sem palavras.

A atendente colocou as xícaras sobre a mesa, bem na nossa frente, com gestos bruscos.

Eu segurei a minha entre as minhas mãos frias, sentindo seu calor reconfortante da cerâmica, desejando que fosse algo mais forte, ouzo, que você me ensinou a apreciar, para ter uma falsa coragem, conseguir enfrentar melhor esse momento. Quero acreditar que não sinto mais nada por aquele homem na minha frente, mentindo para mim mesma. Como poderia depois de tanto tempo?

“ É tão estranho estar aqui, bem diante de você. ”  Declaro, não tenho mais nada a perder.

“Sempre gostei dessa sua sinceridade. ”

Mentiroso!

“Quem disse que sempre fui sincera, não agora, mas antes, durante o tempo que estivemos juntos? ”  Rebato, com um jeito maldoso, não sei porque, mas quero provocar você, tomo mais um gole do meu cappuccino, que desce me aquecendo por dentro.

“E não foi? ” Você se surpreende com as minhas palavras.

“Fui, quase sempre. ”

“Quase sempre? ”

“Sim, todo mundo mente de vez em quando. ” Dou uma mordida no biscoito de amêndoas, que acompanha a bebida.

“E como vão as coisas? ” Você muda de assunto, percebendo que nos embrenhamos por caminhos tortuosos.

“Bem. E você? ”

“Tudo bem. ”

Em sincronia, tomamos mais um gole das nossas xícaras, como dois lutadores que se afastam, atentos ao próximo movimento do outro, procurou por palavras, que morrem na minha boca.

Quem de nós dois se atreverá quebrar o silêncio?

O calor do chocolate me aquece por dentro e me remete para o passado... eu me lembro do calor do sol, da areia morna, do céu de um azul intenso, a praia de águas transparente e, principalmente, de você. Eu estava perdida em todos os sentidos, mas só teria consciência disso um pouco mais tarde.

Sentada em uma espreguiçadeira, entorpecida, observo o mar turquesa cintilando ao sol, você passa bem na minha frente, andar cadenciado, bronzeado, cabelos rebeldes, um selvagem, eu o acho bonito e só.

Vencida pela modorra da tarde, minhas pálpebras pesam, eu me reclino e dormito, um sono bom e relaxante. Ao voltar a consciência lentamente, noto que o sol está mais baixo, me assusto, dou um pulo, olho as horas.

Não! Não pode ser! Recolho meus objetos apressada e corro ao ponto de encontro, constato, assustada, que meu ônibus havia partido. Era evidente que se esqueceram de mim, uma mulher sozinha, no meio de um monte de estrangeiros, em uma excursão por algumas praias remotas.

O que que eu faço agora? Olho em volta procurando uma resposta. Talvez um ônibus urbano. Volto para o lugar de onde saí, pergunto a um garçom do bar, que me responde em um inglês enrolado, que os ônibus urbanos são escassos, possivelmente, daqui a uma hora ou mais.

Solto sonoros palavrões em bom português, com a certeza que não serei compreendida, no entanto, do canto de ouço sua risada genuína, me volto, abismada, para me deparar com o selvagem da praia. Pela primeira vez, nossos olhos se encontram, nos seus, eu enxergo um brilho divertido, quando você vem na minha direção.

“Eu me chamo Hugo e acho que posso ajudá-la”. Fala na nossa língua pátria, me espanto, me sinto aliviada, há alguém que me entende.

“Perdi o ônibus de excursão. ”

“Eu ouvi, eu estou de carro, posso lhe dar uma carona. ”

Hesito, pensando no risco, você espera por uma resposta, considero a opção de ficar um longo tempo aguardando por um ônibus incerto, enfim, sacudo a cabeça, afirmativamente.

“Meu nome é Carina. ” Pronto, já sabemos quem nós somos, mas ainda desconhecemos o nosso futuro iminente.

Assim, entrei no seu carro e você na minha vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Quem de nós dois..." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.