At Skyfall escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 2
Parte II




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ATO VIII

Hermione andava apressadamente pela cozinha ajeitando a bandeja que deveria levar a Ala Oeste.

 Toda a família Greengrass se hospedara ali, no extremo oposto de onde eram os aposentos do Conde. Mais cedo, ocorrera o jantar que oficializava o contrato nupcial envolvendo Malfoy e Astoria Greengrass, a deslumbrante herdeira mais jovem da família. Ouvira-os dizer que se tratava de um passo arriscado, mesmo para um casamento que só viria a acontecer dali um ano, pois a família da noiva poderia ser hostilizada na Corte.

No entanto, para alguém que deveria encontrar-se resignado pela decisão, o Sr. Greengrass continha com dificuldade a exultação. Não era todo dia que havia um herdeiro com título, linhagem extremamente nobre, dinheiro e nenhuma competição por tudo isso propondo casamento à sua filha. Esta, da mesma forma, mostrava-se empolgada pela aparente suntuosidade do Castelo de Wiltshire, encarando a tudo de forma ansiosa e com um sorriso no rosto, como a menina que ainda era. Seus cabelos lisos e extremamente compridos encontravam-se presos parcialmente por uma rede, embora caísse charmosamente ao redor dos ombros pelo vestido de inverno verde e dourado que a destacava ricamente.

Daphne Greengrass, por outro lado, era mais contida, apesar de não tímida. Percebera que sua natureza calculista em muito contrastava com a espontaneidade da mais nova. Diferentemente de Astoria, mantinha feições fechadas quase que a todo o momento e ostentava os mesmos olhos verdes, mas com mais malícia e frieza, como se percebesse tudo ao seu redor e sempre tivesse uma opinião contundente sobre algo, embora não a externasse, pois não lhe era permitido.

Durante todo o jantar, o Sr. e a Sra. Greengrass discorreram elogios às qualidades de suas filhas, apesar de não ser necessário. Malfoy se antecipara à sua mãe e planejara o casamento com a mais nova, não voltaria atrás com sua palavra dada a respeito de um compromisso tão sério. Aquela reunião, planejada no meio do inverno para que as notícias não se espalhassem tão facilmente pelo Reino, era mera formalidade, pois os noivos não se conheciam. Da parte de Malfoy, pôde perceber o latente desinteresse pelas atividades da garota, embora, sem muito esforço, continuasse educado; enquanto que Astoria via-se encantada com a perspectiva daquele laço.

Não foram uma nem duas as vezes em que precisara segurar um revirar de olhos pelo claro forçar de uma situação, de uma opinião, de uma preferência que ela afirmava ser compatível com Malfoy, mas segurara-se. Casamentos arranjados eram assim e, apesar da garota ter sido criada para isso, não deveria ser fácil sentir-se como uma mercadoria negociada em uma feira, ainda que das mais refinadas. Era papel dela agradar, cortejar, mostrar-se capaz de se tornar a futura Condessa de Wiltshire, da Casa Malfoy. Sua divagação foi interrompida quando, ao virar-se para buscar o pão recentemente assado pela Sra. Weasley, avistara a silenciosa e inesperada presença encostada a uma das pilastras próximas da porta que dava para o pátio dos fundos, assustando-a pela seriedade num primeiro momento.

— O que está fazendo aqui? – Perguntou abruptamente, de forma mal educada, levando-o a levantar as duas sobrancelhas para o tom. – Senhor.

— Ninguém irá me procurar em um lugar onde não deveria estar.

Continuou a empreender a tarefa que fazia antes, agora cortando o pão em fatias pequenas e iguais, apesar de completamente tensa. Aquele tipo de aproximação não era comum, muito menos apropriada. Não a queria, apesar de seu corpo claramente desejá-lo. Vivia em um constante paradoxo, desde que Malfoy começara a provocá-la de maneira sutil em momentos inesperados. Ele encontrava maneiras de tocá-la levemente, assim como fazia perguntas pessoais, buscando estabelecer um diálogo que Hermione não via como negar sem desagradá-lo.

— Você não costumava esconder seu cabelo assim. – A voz dele, dessa vez muito perto, a fez retesar-se. Uma das mãos alcançou o topo de suas costas e subiu lentamente, sobre o vestido de lã azul que a protegia do frio, em direção à nuca. Geladas contra sua pele, produziram um arrepio assim que ele fechou os dedos por ali, aproximando-se até ter os lábios contra seu ouvido. – Por que passou a fazê-lo?

Fechou os olhos, tentando impedir as reações que a voz rouca tão perto produzia em seu corpo, mas apenas conseguiu apertar a faca que usava para cortar o pão enquanto a carícia subia e descia, quase íntima demais, embaixo da touca que usava sobre seus longos cachos enrolados em um coque. Por ser jovem e ainda não ser casada, Hermione não era obrigada a utilizar a touca ou algum véu ao sair em público, mas decidira começar ao notar a cobiça nos olhos dele sempre que seus cabelos estavam soltos, caindo por suas costas até abaixo da cintura.

— É o mais apropriado. – Engoliu em seco. – Sou uma criada e não é correto...

— Essa regra não existe. – Ainda falando em voz baixa, Malfoy levou a mãos que a acariciavam até o cordão que prendia a touca, na frente de seu rosto, descartando-a sem cuidado no chão da cozinha e fazendo-a, pacientemente, virar-se para ele. – Se existisse, não seria aplicada neste castelo.

As mãos dele adentraram seus cabelos, encontrando os grampos que os mantinham firmemente presos no coque sob a touca de tecido. Seus corpos há centímetros e as respirações confundindo-se na semi escuridão, fizeram com que apoiasse seu peso na bancada logo atrás de si. Ele era alto, tanto quanto o pai fora, e sua presença tão imponente, tão persuasiva, que era como se não pudesse continuar a negá-lo e afastá-lo, como sabia que deveria continuar a fazer.

No fim, quando a boca dele pousou faminta sobre seus lábios, teve a sensação de que sempre soube que as coisas seriam daquele jeito entre eles e, por isso, vinha evitando-o repetidamente, na medida do possível. Seus olhos deixaram os de Malfoy, fechando-se com facilidade ao sentir a língua deslizar macia pela sua, ao ter seus cachos tomados pelos dedos que percorriam sua nuca e pescoço tão morosamente quanto uma cobra preparando seu bote.

E ele estava, notou. Juntando seus corpos em urgência, pressionando-a com maestria contra a grossa mesa de madeira logo atrás dela, impelindo-a a reagir da forma que queria, explorando-a calmamente da cintura até as pernas, já moles, pois não conseguia mais conter os arrepios de desejo que a tomavam à medida que o sentia contra ela. Era tão errado, mas ao mesmo não havia nada mais certo que a forma como o corpo dele se projetava sobre o seu.

Impelida pela própria lascívia, segurou firmemente os fios loiros, dando continuidade ao beijo, que os afogava cada vez mais em vontades até então obscuras, bem como em si mesmos, seus sabores, suas reações. Não pôde evitar um pequeno sorriso ao ouvi-lo ofegar, sentindo-se ser içada com urgência até encontrar-se sobre a mesa, seus braços nos ombros de Malfoy, as mãos dele em suas costas, desamarrando os cordões que mantinham o vestido justo em seu corpo a fim de conhecer a textura de sua pele contra a dele.

— Hermione. – Ele murmurou distraidamente, os lábios em seu pescoço, subindo até seu ouvido e nuca, enquanto lentamente puxava o vestido por seus braços, tentando deixá-la nua da cintura para cima. Antes que pudesse, no entanto, segurou seu rosto, como que a analisando por um momento, cortado somente pelos dentes em seu lábio inferior. – Enquanto estiver gemendo para mim... O nome é Draco.

Não pode precisar se, até aquele momento, o chamara de qualquer outra coisa, mas não conseguiu realizar muito sobre o assunto, nem sobre a profundidade e determinação do tom, quando ele passou a distraí-la mais uma vez com sua boca, sua língua e as mãos indecentemente percorrendo a extensão de suas pernas, levando-a até a borda para que sentisse sua própria excitação. Ouviu a voz de sua tia novamente, aquele mesmo alerta que a acompanhara por toda a infância, mas ao ter consciência das próprias ações impacientes para livrá-lo das vestes, também percebera ser tarde demais para evitar tentar o demônio com seus desejos reprimidos.

And he told me I was holy

He's got me down on both knees

But it's the devil that's tryna

ATO IX

— Ei, Hermione, não vai conosco se camuflar na multidão para assistir ao casamento do Conde?!

Luna a encarava animadamente enquanto amarrava o manto de inverno em seu peito. Diversos outros criados iriam até a Abadia de Wiltshire tentar, ao menos, ter uma noção de como era um casamento entre nobres. Antes de Draco, o último Conde a se casar ali fora o pai dele e a maioria apenas pudera crescer com as histórias de seus parentes sobre “o quanto Narcissa Black estava perfeita em seu vestido azul claríssimo” ou “como Lucius Malfoy parecia tão imponente quanto Abraxas”. No entanto, não estava nem minimamente interessa em presenciar o enlace.

— Não, está tudo bem, Luna. – Forçou um sorriso enquanto ajeitava em travessas todas as geleias que seriam servidas mais tarde como sobremesa. – Prefiro ficar e cuidar de tudo, enquanto vocês vão.

A loira estranhou, mas resolveu não questionar. De qualquer forma, não poderiam demorar, pois após a cerimônia presidida por Snape, todos os convidados se encaminhariam até o castelo. As duas famílias decidiram que o inverno não seria um empecilho para a festa, se esta fosse durante a hora mais quente do dia, por isso, o pátio e o jardim estavam completamente decorados com plantas da estação, prontos a receber os noivos. Além disso, a própria neve que caíra durante a madrugada seria uma atração.

Assim que todos saíram, suspirou em estafa e sentou-se em um dos bancos de madeira que rodeavam as longas mesas. A comida estava praticamente pronta para ser servida, todo o trabalho só recomeçaria depois que as pessoas chegassem, não havia realmente muito a se fazer, mas não tinha vontade alguma de vê-lo se casando, nem que fosse para provar a si mesma que não era dela, como parecia ao beijá-lo lentamente após transarem ou quando se comunicavam silenciosamente, externando apenas em castanho e cinza a vontade de ficarem a sós por uns poucos minutos.  

Durante todo aquele ano, desde o noivado, Draco e ela estiveram juntos às escondidas. Se enganava, dizendo a si mesma que o casamento não se tornava cada mais próximo ou que, mesmo quando chegasse, as coisas continuariam exatamente como eram, afinal o cheiro dele estava tão impregnado em sua pele que lhe parecia impossível viver sem desfrutar ao menos de um quinhão disso. Os olhares, o maldito sorriso superior, o beijo desejoso ou satisfeito, as mãos percorrendo-a de forma íntima após todos aqueles meses... Não conseguia conceber sobre este fim, até aquela manhã, ao ajudar Astoria Greengrass com seu vestido de noiva de seda púrpura e as elegantes joias douradas que a acompanhariam no caminho até ele.

Não percebera ter fechado os olhos, tentando ignorar o incômodo no peito, até ouvir a porta se fechando em um estrondo. A presença, no entanto, a fizera colocar-se de pé rapidamente, ajeitando a postura. Para o casamento de seu filho, a Condessa prendera o cabelo em elaboradas tranças e usava seu vestido grosso num tom de azul que quase chegava ao negro, representando o luto que deveria viver pelo respeitável Conde falecido.

— Afaste-se dele. – Hermione engoliu em seco e não teve coragem de encará-la. – A partir desse dia, saia do caminho de Draco.

— Eu... Eu não sei...

— Não se faça de burra, garota. – Lá estava novamente, a forma como a mulher a chamava. Estremeceu, meneando a cabeça em negação. – É um afronta a mim! Acha que ninguém percebe a forma como se encaram, como sempre vai embora muito tarde e chega cedo demais? Nunca passou por sua cabeça que as pessoas percebem que os dois somem no meio dia sem explicação alguma, que Draco não frequenta mais a Taverna Parkinson? Todos notam, Granger. E comentam, especialmente, quando o Conde passa a aparentar ter uma protegida em seu próprio Castelo.

Em todos aqueles meses, Hermione nunca contara a ninguém sobre seu caso com Malfoy, nem mesmo a Ginny. Sabia que, se dissesse à sua melhor amiga, ela lhe traria à razão e lhe mostraria o quanto estar naquela posição com um homem poderoso seria prejudicial. Porém, estava envolvida demais em todas aquelas camadas de humanidade que Draco lhe expunha a cada vez que estavam juntos. Num momento, ele era apenas o Conde poderoso e implacável para o qual trabalhara a vida todo, noutro um homem que a tocava urgentemente, despertando seus desejos, e com quem conversava aos sussurros no meio da noite a respeito de assuntos banais, quando havia a possibilidade de dormirem juntos.

— Sra. Malfoy, eu... Eu não queria que...

— Não queria que fossem descobertos? – Perguntou ela, aproximando-se ainda mais, o tom dissimulado e os olhos frios que sempre a acompanhavam. – Não seja estúpida, garota. Que meu filho a tem como amante não é segredo para ninguém.

A palavra a jogara para a realidade que era estar com Draco Malfoy. A partir daquele dia, mais do que em qualquer outro, Hermione se tornava a amante dele, aquela que poderia estar sempre presente, enquanto ele não se cansasse de seu corpo, mas que nunca seria sua senhora, pois Astoria Greengrass, que recentemente chegara aos dezessete anos, era perfeita para ocupar o papel, receber o título de Condessa e o nome. Amante. Logo a Srta. Greengrass também passaria a viver naquele lugar, logo ela também perceberia e logo ela encontraria um modo de afastá-la de seu marido, afinal senhora alguma aceitaria que seu marido mantivesse uma amante tão próxima.

— Aproveite a oportunidade que tem de se arranjar com um Weasley medíocre qualquer e saia deste castelo, enquanto não precisa ser expulsa. – Impôs a mulher. – É o que acontecerá, caso eu tenha de contar à minha querida e apropriada nora sobre a estúpida e inapropriada paixão de seu marido por criadas sem nome e sem linhagem. Saia agradecida pelo fato de isso não ter resultado em algo ainda pior, que poderia hostilizá-la perante toda Wiltshire. Ao menos, tenho de reconhecer que foi esperta, diferentemente de sua tia. Draco não continuaria tão afoito por você se houvesse engravidado.

Perguntou-se quem contara a ela sobre o interesse de Ronald, o qual, mesmo com todas as suas negativas naquele ano, não desistira e não suspeitara sobre o caso com Malfoy, afinal o ruivo jamais continuaria a querê-la se a imaginasse tão próxima do homem que mais detestava no mundo. Sentiu as lágrimas nos olhos e não pensara muito a respeito da menção ao nome de Cecile, mas fizera um esforço para não deixá-las cair e encarar a senhora orgulhosamente. Imaginou que o contraste entre a elegância e altivez era, no mínimo, gritante junto ao seu costumeiro uniforme sem graça.

— Posso me afastar dele... Mas não por que deseja, Sra. Malfoy. – Não imaginou de onde tirara forças para confrontá-la com aquelas palavras, mas sabia que após dizê-las, não teria como retirá-las. – Se ele me quisesse aqui, nem a senhora nem a Srta. Greengrass poderiam me mandar embora. Mas eu não vou deixá-lo escolher, não dessa vez. Não pretendo ser aquela que está sempre a disposição de suas necessidades, quando sua Condessa está indisposta. Ao contrário do que pensa, não sou estúpida e não sou medíocre, senhora.

— É melhor que cumpra o que diz, garota. – Declarou a mulher após alguns momentos analisando a veracidade do que dizia. – Se isso que tem com Draco interferir na aliança que fizemos com Greengrass, sofrerá as consequências. O Abade prega que Deus não gosta que interfiram em seus planos. Minha família está destinada a grandeza, Granger, não será uma criada qualquer que nos desviará disso.

Lançando-lhe um olhar desdenhoso e informando que deveria voltar ao casamento de seu filho, Narcissa Malfoy saiu da cozinha torcendo o nariz, obviamente não pertencente àquele lugar, e Hermione perdeu as forças que tinha nas pernas, sentando-se rapidamente e deixando com que as lágrimas antes seguras rolassem por seu rosto, sem que pudesse segurar os soluços. Doía como o inferno ter que abrir de todos os seus sentimentos em nome de... Nada.

Toda sua previsível vida, vivendo dia após dia em Wiltshire, sabendo exatamente o que aconteceria na manhã seguinte, acabava ali. E doía, pois assim que as portas daquele castelo estivessem fechadas para ela, não haveria depois, não haveria um futuro para onde caminhar com determinação. Deveria ter ouvido Cecile e tentado conter suas tentações, não oferecê-las em uma bandeja dourada ao demônio, como fizera quando Draco a beijara pela primeira vez.

Chorara pela falta de controle sobre a própria vida, pelos sentimentos que nunca poderia nutrir e que teriam de ser enterrados quando dissesse a ele que não tinha intenção alguma de ser sua amante, pela falta que ele faria após o adeus. Por todo aquele ano, Draco Malfoy fora sua maior constante. Sem sua tia, era com ele com quem conversava sobre nada e sobre tudo, era ele quem fingia interesse por seus problemas cotidianos e ele quem a abraçava e beijava sua nuca, afirmando que os resolveria assim que amanhecesse o dia.

Lamentara também pelos braços que a rodearam, não teve ideia de quando, grata pela presença maternal e compreensiva, talvez tão ciente do que acontecia quanto à própria Sra. Malfoy. Molly Weasley poderia querê-la com seu filho, mas era sensível o suficiente para não tentar forçá-la a ficar com ele, ciente de que um casamento em que não estivesse feliz não acabaria bem entre duas pessoas de personalidades tão fortes. E mulher o suficiente para perceber e se compadecer pelas mãos que seguravam o ventre em um gesto inconsciente.

— Ah, querida.

ATO X

O fogo crepitava na lareira da pequena cabana de caça mantida pela família Malfoy, próxima às colinas que os separavam do mar, a uma longa floresta de distância dali. Acomodada confortavelmente sobre ele, ouvia com tranquilidade os ocasionais ventos de inverno que uivavam do lado de fora, mas sua mente estava completamente voltada às sensações que as mãos e a boca dele proporcionavam a seu corpo. Depois de todo aquele tempo, reagia tão instantaneamente que sabia que, por enquanto, não ultrapassariam as respirações misturadas e os corpos meramente juntos.

Ainda se perguntava como se acostumara tão facilmente àquele tipo de intimidade, aquela forma de se entregar e sentir-se confiante, ainda que estivesse completamente desarmada, pronta somente para desfrutar daquele prazer e de Draco, pois sempre fora aquela que racionalizava tudo que fazia antes de colocar em prática, aquela que sempre tivera juízo entre suas amigas, aquela que nunca se deixaria levar pelo sobrenome, pelo sangue, pelo dinheiro de um senhor de renome, pois garotas da sua idade ouviam o tempo todo sobre a vulnerabilidade e posterior decadência de mulheres como a que se tornara.

Suspirou, finalizando o longo e calmo beijo, afastando-se em silêncio enquanto o sentia colocar seus cabelos atrás da orelha para encará-la melhor. Nunca ficavam onde queria e sempre se irritava, mas ele dizia adorar seus cachos, a cor deles, a textura, tudo nela. Deus, seria mais difícil do que pensara ao deixar o Castelo. Ela não o encarara desde então, resolvera receber da própria Sra. Malfoy o dinheiro que era seu por direito, e simplesmente sair, sem perspectiva do que viria pela frente. Concluiu que seria melhor do que prolongar a situação e torná-la pior. No entanto, Draco a buscara em sua casa no meio da madrugada e insistira que precisavam se ver até que ela cedesse, como sempre cedia quando se tratava dele.

— Sabe que não precisava ter saído. – Declarou ele, cuidadosamente, segurando suas pernas junto à sua cintura e impedindo-a de se mover. – Não era necessário ir embora de Wiltshire após o casamento.

— Não fui embora de Wiltshire, não irei também. – Apoiou-se em seus braços, já que ele não a deixava pensar estando tão próximo, encarando os olhos que despontavam mais azuis pela calmaria. Queria poder desfrutar disso: essa consciência tranquila que o permitia resumi-los àquela cama, aos corpos deles, e nada além, mas as coisas não eram tão simples assim. – Apenas não quero... Ser uma espectadora assistindo-o construir sua família. Sua família de verdade. Este é... Um tipo de passividade que não posso construir em mim mesma, depois de tudo.

O viu franzir o cenho, confuso, e soltá-la, deixando que se acomodasse na cama ao seu lado, buscando peles para protegê-la do frio. A cabana não era grande, obviamente, e possuía somente dois cômodos, havendo no quarto uma cama de casal pequeno o suficiente para que o fogo da lareira à frente da porta, no outro ambiente com apenas uma mesa e duas cadeiras, fosse suficiente – muitos viviam com muito menos. Ambos encararam o teto pouco iluminado por tempo suficiente para que o silêncio ficasse desconfortável.

— Então, deixou o castelo para se afastar de mim. Para acabar comigo. – A constatação em tom inflexível a fez estremecer e fechar os olhos, em um suspiro.

— Para acabar conosco, Draco.

Ele sentou-se, encarando-a. Era diferente vê-lo depois do sexo. Não ostentava mais a pele pálida e o cabelo penteado, mas as bochechas coradas, os lábios inchados e os fios claros em uma bagunça charmosa. Desceu os olhos pelos braços, percebendo as marcas das próprias unhas, que se estendia pelas costas também, perguntando-se se a esposa dele as veria, se faria perguntas ou meramente abaixaria a cabeça e aceitaria, “pois os homens são assim mesmo”, como provavelmente a Sra. Greengrass teria alertado a ela.

— O que temos... Não precisa terminar só por causa de um casamento, que é mais uma formalidade do que qualquer outra coisa. – Hermione piscou, desviando o olhar, lembrando-se daquela maldita palavra na voz enjoativa de Narcissa. Amante. – Astoria é praticamente uma criança!

— Mas é a sua esposa! – Também se sentou, dessa vez jogando as pernas para fora da cama, de costas para a figura obviamente inconformada do homem, e buscando a sobreveste fina e clara para que não se sentisse tão vulnerável. – É o que ela sempre será e você também deve encarar isso. Logo Astoria lhe dará um herdeiro e terá de se concentrar no que interessa. Sempre reclamou da educação de seu pai, dedique-se a fazer diferente com seu filho.

— E esquecer você, é o que quer dizer. – Ele constatou em tom baixo, o que a fez respirar fundo e meramente buscar o cobertor de peles para tapar seus ombros. O vento continuava a adentrar frio e intenso pelos vãos da madeira roliça da cabana de caça. No entanto, ele a abraçou, apoiando a cabeça em seu pescoço e os lábios em sua bochecha, sem que conseguisse protestar de qualquer maneira. Tê-lo junto de si daquela forma era um paradoxo: bálsamo para o que fora aquela semana em que não se tocaram dia algum e limão para a ferida em seu coração, que a recordava o fim de tudo. – Mas eu não irei, nunca. Ainda que isso aqui termine essa noite.

— Draco, pare.

— Você deveria ser a mãe do meu herdeiro. – Provavelmente, ele não percebeu a tensão em seu corpo e, se percebeu, devia ter atribuído à proximidade da boca contra seu ouvido ou ao que acabara de dizer. Um homem não saberia, “pois é assim que eles são”, cheios de valor e paixão com palavras proferidas em madrugadas gélidas. Mas todos os dias amanheciam, sem que essas palavras soassem mais do que como sussurros proibidos. – Você, com sua expertise com números e negócios, sua habilidade com as palavras, sua paciência em ouvir sobre cavalos e caça e terras, sua pele morena e seus cachos. Nós dois faríamos um lindo herdeiro para a Casa Malfoy.

Forçou-se a se desconcentrar das palavras e voltou-se ao homem - isso era real -, enrolando-se sobre seu colo e examinando o rosto anguloso, de nariz reto e bem desenhado, acariciando suavemente os cabelos finos a partir de sua nuca. Os olhos dele já não estavam mais tão azuis, mesmo olhando de perto sob a semiescuridão. Draco não aprovara sua decisão e, provavelmente, tinha certeza de que Hermione não estava tão convicta, de que na próxima vez em que insistisse levá-la à cabana de sua família, aceitaria, pois o desejo entre eles sempre fora o maior ditador de suas regras.

— Infelizmente faríamos. – Ele sorriu forçado contra seus lábios quando o beijou, passando a deslizar as mãos furtivamente por suas pernas e então quadris, embaixo da sobreveste. – Podemos ficar até o amanhecer?

Não houve resposta, apenas o contato que não conseguia conter por muito tempo, o toque ávido em sua pele quente e a boca em seu pescoço, percorrendo caminhos obscuros ao mesmo tempo em que escorregava por seus ombros a única peça que vestia. Hermione fechou os olhos, incentivando-o em ofego e lábios firmemente presos contra seus dentes, os dedos intrínsecos aos cabelos dele, como se assim pudesse recordar sua textura mais tarde e todas aquelas sensações.

Horas depois, quando a lareira começava a se apagar e a claridade do lado de fora já se tornava incômoda, acordou entre lençóis vazios que apenas denotavam a não presença de Draco. Sentou-se, livrando o rosto dos cachos, ainda sonolenta. Ele escolhera não ficar, como deveria ter feito desde o início, afinal aquele caso não poderia, jamais, ser baseado em permanências. Contraiu os olhos em lamento, sentindo a conhecida cutucada em seu peito, mas respirou fundo e não chorou. As coisas eram o que eram e não mudariam.

No entanto, no momento em que apertava os lençóis entre os dedos, a fim de tentar controlar-se antes de livrar-se deles e se levantar para comer, após ver que ele deixara sobre a pequena mesa o pão, o queijo e o vinho que já deveria estar frio àquela hora, percebeu. O anel de prata polida, inteiramente decorado com pequenos diamantes e rodeado por duas minúsculas cobras trabalhadas no mesmo material, que terminavam com suas cabeças pacificamente deitadas sobre a esmeralda extremamente verde, estava em seu dedo.

A presença material era a única com a qual ele estava habituado e a que julgara bastar para o fim. 

This is the end

Hold your breath and count to ten

ATO XI

Naqueles dias, pensara muito sobre Cecile. Perdera a conta sobre há quanto tempo habitava a imunda cela nas masmorras escuras da Abadia de Wiltshire. Deveria ter previsto que Narcissa Malfoy não se contentaria em apenas ameaçá-la, mas fora ingênua demais, principalmente após os boatos sobre a gravidez começarem a percorrer a cidade como praga. Ninguém sabia ao certo como a ajuizada Hermione Granger se deixara engravidar, mas a senhora logo arranjara uma explicação plausível e aterradora o suficiente para manter as suspeitas de todos em alerta.

Sempre que se lembrava da acusação pública e da humilhação, sentia os olhos lacrimejarem em frustração. Contudo, àquela altura, não havia mais lágrimas a deixar cair. Alguns diziam que as coisas aconteciam de certa maneira, porque assim foram escritas para serem. Outros acreditavam que havia um livre arbítrio, mas que havia um limite que não poderia ser ultrapassado. Jamais. Feitiçaria era uma linha desse limite, um aviso claro de Levítico e Deuteronômio, os quais conhecia à risca devido ao ensinamento religioso que tivera desde muito cedo.

O olhar que a Abadessa McGonnagall lhe lançara após as acusações de Snape, a decepção estampada nos cristais azuis que eram seus olhos, a ferira mais do que qualquer coisa naquele dia ensolarado onde fora investigada, julgada e condenada pelas mesmas pessoas. Podia enxergar todas as nuances da religiosa, considerando que Hermione não era nenhuma ignorante e que aceitara trabalhar para Amelia Bones conhecendo suas atividades supostamente ilícitas.

Os boatos eram que a mulher de longos e lisos cabelos castanhos, rosto quadrado e profundos olhos verdes brilhantes, conversava com espíritos nas madrugadas escuras, onde não havia lua, invocava demônios e era orientada por eles no tratamento que dispensava aos necessitados – afinal, apenas assim uma mulher sem o conhecimento da Igreja poderia ser capaz de fazê-lo. Bones vivia em Wiltshire desde que podia se lembrar. Era adorada pelas crianças e temida pelas mulheres casadas, pois a diziam promíscua, embora todos a procurassem quando precisavam de ervas e tratamentos não ortodoxos, que os monges e as freiras não utilizavam.

Não havia nada escandaloso nos métodos de Amelia, no entanto. Ela fora apenas uma ponte para que Narcissa se livrasse de Hermione e pagara caro demais pela ajuda que dispensara a ela. A procurara a fim de obter algo que pudesse livrá-la da criança que carregava, a qual ninguém poderia suspeitar tratar-se fruto de seu caso com um Conde. No fim, Amelia não concordara com sua decisão, não lhe concedera erva abortiva alguma e a convidara para trabalhar como sua assistente. Embora recebesse um terço do que ganhava no castelo, passara a obter um conhecimento que poderia ajudar outras pessoas e fora incentivada a amar aquela criança, ainda que o pai não estivesse presente.

— Padre Lupin, eu o proíbo de conceder privilégios a uma mulher como ela. – Abriu os olhos, apurando os ouvidos para a conversa que se desenrolava a alguns metros, além da porta de ferro fortemente trancada que a separava do mundo além daquelas paredes. – Granger está aqui em punição, será assim até o final.

— A lição de São Mateus é que devemos cuidar dos enfermos e estender a mãos aos injustiçados, Abade Snape, como o filho de Deus fez uma vez. – Essa voz era muito mais bem vinda do que aquela grossa e inabalável que a contrapunha.

— Granger não é uma enferma. Está grávida, pois resolveu entregar-se às tentações mundanas da carne. Está pagando por isso, como o Livro Sagrada diz que deve. - Os dois homens religiosos não pareciam se importar que estivesse ouvindo.

— É o que realmente acredita? – Lupin parecia não ter sido feito sob medida para os debates apaixonados. Ao contrário, era sempre sereno. Em face, voz e gestos. Respirou fundo, acariciando distraidamente o ventre distendido sobre o camisão que lhe deram quando a livraram das roupas que não a serviam mais. Encarou o ventre, a hora deveria estar chegando. – Acredita nisso em seu coração ou é o que diz a si mesmo para que consiga dormir em paz à noite?

— Não esquecerei seu desafio, Padre Lupin.

Imaginou que o Abade houvesse deixado o corredor no instante seguinte, pois logo a figura de Lupin aparecera no vão da porta, suas vestes negras habituais, amarradas na altura da cintura, carregando o que parecia ser um colchão de palha e uma manta acinzentada, além de seu jantar. Não sentia falta da boa comida do Castelo, embora tivesse a sensação de estar abaixo do peso que deveria, considerando a situação. O que mais a faltava era liberdade. Sua tia nunca lhe impusera rigidez, pois Hermione sempre fora responsável demais, ciente de como a hierarquia social funcionava para pessoas como elas. Se ultrapasse qualquer linha que a liberdade a permitia, seria punida.

— Você não precisa colocar sua carreira em risco por minha causa. – Pronunciou após observá-lo ajeitar o colchão sobre a palha da cela e ajudá-la a sentar-se ali. Sentia-se grande demais. – Isso logo terminará, Remus, e você continuará aqui a lidar com Snape e...

— Não iremos adentrar essa discussão novamente, Srta. Granger. Se não ajudá-la, consciente de sua situação de injustiça e necessidade, não estarei cumprindo a vontade do Senhor, quando me incumbiu de disseminar sua palavra. Minha fé não está nada relacionada à uma carreira mundana e passageira. – Ele lhe entregou o prato, acompanhado de um generoso pedaço de pão. – Precisa se alimentar.

Como o homem pedira, não prolongou o que poderia ser uma longa discussão sobre seus deveres com ela. Poderiam conhecer-se desde sempre, pois essa era a vida em Wiltshire e costumava passar bastante tempo na Abadia quando criança, mas não parecia ser nada além de um dever exigido pela interpretação que ele tinha dos textos sagrados a partir de estudos pessoais. Se dependesse de Snape, nenhuma regalia seria dada a Hermione. No entanto, desde que fora condenada e presa, Lupin fizera de tudo para deixar sua “estadia” mais razoável devido à gravidez.

— Estive pensando sobre Cecile. – O tirou da letargia que parecia adentrar sempre que lia a bíblia que carregava consigo. – Tenho tempo, afinal.

— Não brinque com isso. – Hermione conseguiu sorrir levemente. Lupin sempre fora adorado pelas crianças, mas nunca conseguia impor autoridade o bastante.

— Ela sempre me mandou manter a vigília, pois o diabo está sempre à procura de quem tragar, com tentações deliberadamente colocadas em nosso caminho. – Abaixou o rosto em remorso. – E assim que ela se foi, eu me deixei ser tragada.

— Hermione... – O viu pensar por um momento, escolhendo as palavras certas. – Não está aqui pelos motivos corretos. Você caiu em tentação, sim, mas não é dessa forma que se espiam os pecados. Se lhe houvesse sido dada a chance de se arrepender e, se o fizesse verdadeiramente, o Pai a perdoaria. Não se deixe levar pelas alegorias de Cecile, era cheia delas.

Por um momento, o tom do padre foi saudoso, como se estivesse se lembrando de alguma passagem e isso lhe chamou a atenção, pois sabia que Lupin era de Wiltshire, tanto quanto sua tia, mas praticamente cortara contato com o mundo assim que se tornara um padre. Ele mantinha-se sempre em vigília, dizia-se, e era muito respeitado na congregação, mesmo em se tratando de seus superiores. A infelicidade é que a capacidade política não o alcançava, pois se dispusera somente para a religião e administrar a Abadia entrava em colisão com seus objetivos. 

— Lupin? – Ele a encarou solícito. – A Sra. Malfoy mencionou algo sobre Cecile. Uma vez, antes de sair do Castelo.

Desde que estivera naquela masmorra, todas as memórias envolvendo aquela maldita mulher inundavam-na, mesmo em sonhos. Às vezes, Narcissa aparecia-lhe no átrio da grande Abadia de Wiltshire, como em uma visão angelical, embora seus olhos e sorrisos fossem frios ao lhe estender a mão. Às vezes, Narcissa lhe dizia novamente todas aquelas coisas, mas estavam no Salão do Castelo e ela ria, assim como as pessoas que assistiam à cena de uma Hermione quase nua por ter sido flagrada com Draco. Às vezes, ela lhe roubava a criança e a deixava chorando para ser consolada por Lupin.

Esse era o pior dos pesadelos, pois não concebia sua criança nas mãos da mulher que mais a odiara, desde que tinha idade para entender que não a queria em sua casa, mas que era obrigada a suportá-la porque empregavam sua tia. Então, entendia que o maltrato era a forma que a senhora tinha de externar seu eterno e completo desgosto por sua presença. Não entendia porquê e aquela menção a Cecile sempre voltava à sua mente, embora não tivesse qualquer ideia sobre uma explicação minimamente satisfatória.

— Deve deixar o passado exatamente onde está. – O padre mostrou-se resignado. – Revirar antigas feridas não pode fazer bem a ninguém.

— Por algum motivo, esse é o passado que fez a Sra. Malfoy e eu chegar neste ponto. A ferida parece nunca ter se fechado para ela e, no fim das contas, sabemos quem ganhou. Não há para onde seguir depois daqui, Lupin. – Argumentou como sempre fizera. – Eu mereço saber por que tipo de mágoa estou pagando.

Então, em minutos, o homem parecia mais velho do que realmente era. As rugas ao redor de seus olhos esverdeados acentuaram-se, assim como aquele eterno vinco de preocupação entre as sobrancelhas claras. Remus possuía os cabelos cor de areia, mas naquele momento, enquanto tinha os olhos distantes, à luz do archote que era sempre trocado quando estava quase no fim, eles pareciam quase brancos. Não era algo que gostava de se lembrar, Hermione percebeu.

— Você não foi a única a se envolver com um Malfoy. – Prendeu a respiração, entendendo imediatamente o que aquilo significava. – A diferença é: Cecile era bem mais jovem e inconsequente, quando passou a viver com seus pais e trabalhar no Castelo, assim como eles. Ela gostava de provocar as pessoas, no entanto, apenas queria a atenção. Todos viam como era bonita e os rapazes de Wiltshire faziam fila a fim de levá-la para beber algo.

— Não... Consigo imaginar isso. – Pois Cecile, a mulher mais correta que conhecia, tornara-se quase que celibatária após a morte precoce de seu tio e, muito religiosa, praticamente a obrigara aos ensinos da escola da Abadia.

— Lucius Malfoy ficou tão fascinado quanto todos os outros. – Lupin falava com tristeza. – Ninguém esperava que a garota dos Granger se tornasse tão esperta e bonita, mas lá estava Cecile para provar seu valor. Diferente dos outros, no entanto, ele conseguiu conquistá-la. Não sei se estavam apaixonados ou algo do tipo, mas tudo acabou quando, depois de algum tempo, sua tia descobriu estar grávida. Lucius mandou que abortasse e, embora não quisesse, foi o que fez, pois uma mera ajudante de cozinha não tinha condições de criar uma criança sozinha. Nem mesmo a criança que fosse filha de um dos Condes mais ricos do Reino. 

— Mas... Onde a Sra. Malfoy se encaixa nessa história? – Sua cabeça estava girando. Não tinha ideia de qualquer história envolvendo sua tia e o antigo Conde, nunca ouvira sequer um murmúrio entre os funcionários.

— Ela sempre soube, Hermione. Lucius era casado quando iniciou o caso com Cecile e continuou casado ao acabar, como manda a tradição. – Lupin encarava o chão, os olhos opacos. – Você foi a desforra de Narcissa em relação à sua tia, uma retaliação tardia que o destino preparou há muito tempo.

Sem saber o que pensar, colocou de lado a sopa e o pão que ainda tinha em mãos. Não acreditava que todo aquele teatro na Catedral fora devido a uma mágoa muito antiga que a mãe de Draco ainda mantinha a respeito da traição de seu marido. Hermione nada tinha a ver com as decisões tomadas por Lucius e Cecile quando ainda eram jovens demais, quando talvez sequer houvesse nascido.

Sua tia... Ela lhe avisara com conhecimento de causa, mandara que guardasse suas tentações para si mesma, porque sabia como terminaria. Era como se estivesse ali naquele instante, observando-a chegar a tal conclusão tarde demais, chorando por Hermione como chorara sua ausência por meses após sua morte. Cecile sabia que entregar suas tentações ao demônio só poderia resultar em seu fim, pois acontecera o mesmo a ela: nunca fora mãe, apesar de ter tentado com seu marido, devido ao aborto que fizera quando jovem, agora sabia; além disso, continuara no Castelo porque era preciso. Deveria ter sido infernal até o último momento, mesmo após a morte de Lucius, e ainda assim Narcissa continuava a cobrar sua dívida em uma tentativa inútil de livrar-se daquela mágoa.

— Eu... Quero ficar sozinha.

— Sinto muito, Hermione.

Lupin beijara sua testa fraternalmente e se fora, deixando-a com seus fantasmas e suas decisões. Encontraria uma forma de castigar a Sra. Malfoy, cobrar com saldos o que ela lhe fizera. Seria seu último ato, mas a faria lembrar-se dela até seu fechar de olhos.

De uma mesma boca procede bênção e maldição.

ATO XII

Andava lentamente pelos corredores escuros da Abadia de Wiltshire, acompanhada da Abadessa McGonnagall e do Padre Lupin, o qual carregava um archote em mãos para iluminar a madrugada, que tornava o caminho escuro. Abraçava o pequeno pacote em seus braços como se respirar dependesse disso – e, considerando o que viria, talvez dependesse. Buscava aproveitar cada segundo que ainda teria ao lado de sua filha, mas, ainda que procrastinasse, chegava rápido demais ao seu destino.

Durante a gestação, tentara não se apegar muito, não pensar na vida que crescia dentro de si a cada semana. No entanto, assim que seus olhos encontraram os dela, tão parecidos com os seus, que sentiu o aroma se tornando cada vez mais familiar e bem vindo durante os dias em que fora permitido que a tivesse consigo, fora impossível impedir que emergisse o amor de que tanto falavam. Não podia não se imaginar desfrutando da utópica chance de vê-la crescer, se expressar, demonstrar uma personalidade parecida com a sua, ou mesmo a de Draco. Não se importava, desde que pudesse estar com ela.

Às vezes, enquanto a olhava dormir, em paz, pequena demais para realizar o que acontecia ao redor, invejava esse estado. Por um momento, desejava a catatonia que a atingira quando Cecile se fora, pois assim talvez não se sentisse tão emotiva e chorosa ao pensar em seu futuro. Não conviveria com o único pedacinho que sobraria de si e isso doía no fundo de seu âmago. Pensara que nunca seria capaz de se sentir tão doente quanto na manhã em que Draco, compreensivelmente, a deixara sozinha, mas aquilo se mostrava muito pior.

Parada sobre o arco que a levaria aos extensos e inabitados jardins da Abadia de Wiltshire, respirou fundo, sem perceber que vinha segurando a respiração desde que saíra da nova cela em que a colocaram logo após o parto, mais arejada e confortável do que aquela nas masmorras. A Abadessa McGonnagall argumentara que não era recomendado punir com desconforto e miséria uma mãe por ter de amamentar seu filho pelo mínimo de tempo possível. Não havia luxo no pequeno quarto ao lado do hospital das freiras, mas era menos solitário, não tão úmido e um resquício de luz do sol a atingia todas as manhãs pela pequena janela no ponto mais alto da parede leste.

Desviando os olhos do sereno rosto da criança, encarou a figura estacada próxima ao lago escuro, que cercava os terrenos da Abadia. Ele estava de costas, os cabelos claros balançando à brisa, mesmo que iluminado somente pelo archote trazido pelo condutor da charrete próxima, e as vestes negras cortadas somente por discretos detalhes em prateado. Com um pequeno empurrão, Lupin a incentivou adentrar o longo jardim e se aproximar. Talvez, pelo bem de seu psicológico, fosse melhor terminar com tudo de uma vez.

Ele ouviu os passos solitários, pois seus acompanhantes tiveram a sensibilidade de continuar sob o arco, dando-lhes privacidade. Não sabiam o teor de sua relação com Draco, mas provavelmente conheciam o estado de uma mãe prestes a abrir mão de seu filho. Qualquer coisa que viesse depois disso seria muito pouco em comparação. Estava em frangalhos, qualquer um perceberia facilmente, Draco não era exceção ao examinar seu rosto detidamente e estacar encarando o embrulho que, naquela madrugada, era a criança deles.

Por muito tempo, ele nada disse, somente prolongando o silêncio daquele momento, passando pelo processo que cruzara ainda durante a gestação: de se acostumar a uma situação totalmente nova. Sabia sobre a gravidez, assim como todos, mas era completamente diferente meramente saber, à distância, e contemplar o fruto disso bem ali, em seus braços. Tão palpável, próximo, ostentando os traços de ambos em comum, a única coisa que podiam afirmar possuir igualmente. Então, Draco aproximou-se, o receio em seus olhos e a insegurança incomum nos gestos que antes poderia antecipar com facilidade.

— Eu tentei apelar para o Arcebispo em Londres, mas... – O viu engolir em seco, meneando a cabeça. Podia ver o esforço que ele fazia para que não demonstrasse estar sentindo. – Minha família ainda é considerada traidora da Coroa. Ele se recusou a conceder qualquer favor.

Hermione não se interessou em ouvir mais detalhes. Não tinha qualquer importância a ela, já estava conformada com o que viria dali a não mais que uma semana. Contemplou a criança em seus braços, as mantas brancas de propriedade do Convento ressaltando a pele claríssima. Ela teria seus olhos e, possivelmente, cabelos claros como os de Draco, assim como os traços finos da nobreza que o pressupunha. A imaginava com os cabelos ondulados, não poderiam ser tão lisos, e os lábios cheios. Esforçava-se em ter essa visão todos os dias, pois era tudo que ainda podia fazer.

— O que tivemos... Foi real, não é? – Ela ficaria mais tranquila se houvesse sido mais do que o desejo recíproco. Seus olhos encontraram os dele, percebendo que vinha evitando falar também para não sucumbir às lágrimas. Tentara não chorar por todo aquele tempo presa e acreditara que não havia mais o que lamentar, mas lá estava ela com os olhos lacrimosos novamente. – Preciso que tenha sido por quê... Só assim saberei que também será verdadeiro o que sentirá por ela.

— Eu não teria sequer cogitado estar aqui hoje, se não fosse. – Ele sussurrou de volta, aproximando-se, os olhos sobre a criança, mesmo que aparentando contrariedade. – Você nunca deveria ter partido.

— Não, eu deveria. – Apesar de tudo, não teria feito diferente, sabia disso. Nada faria com que ela se submetesse a ficar com Draco, sob mesmo teto de sua esposa, ainda que a intervenção de Narcissa tivesse tornado tudo pior. Sorriu amargamente, mas também encarou a filha deles e respirou fundo. – Não a despreze por ser uma menina, Draco. Ela é sua, tanto quanto o legítimo herdeiro que Astoria logo lhe dará, e merece que você a ame e a eduque.

A entregou delicadamente para os braços dele, o qual obviamente nunca tivera contato com bebês e ainda se mostrava desajeitado, mas cuidadoso. Percebeu o olhar perdido por um momento e entendeu que aquele mesmo estado a alcançou assim que a teve consigo. Era uma parte dele e uma parte de Hermione, que sempre viveria e estaria ali para recordá-lo. Enxergou o calor nos olhos sempre tempestuosos e frios, não se impedindo de, finalmente, derramar as lágrimas que embargavam sua garganta.

— Eu acho... Acho que não seria capaz de não amá-la.

Draco praticamente balbuciou e Hermione o rodeou pela cintura, tendo o cuidado de não apertar sua filha, enquanto tentava reprimir os soluços. Ele levou os dedos à sua nuca, até afundá-los em seus cabelos, como apreciava. Tão familiar e deles quanto o cheiro masculino que a invadia e fazia fechar os olhos, simplesmente aproveitando o ‘estar ali’ por mais alguns minutos. 

— Por que você me arruinou assim?

Era uma pergunta retórica, ambos sabiam, pois não se referia à intenção. Não imaginavam que o simples desejo entre duas pessoas poderia resultar naquele fim, embora estivessem cientes – e fingissem que não – que qualquer mal recairia apenas sobre ela. Todas as tragédias de Draco envolviam grandes coisas, coisas palpáveis, do mundo real, onde a nobreza lutava uma silenciosa guerra entre famílias. A de Hermione, no entanto, estava relacionada a ele, seus sentimentos e sua falta de cuidado pessoal.

Seus lábios se encontraram, então, e aquela era a resposta que precisava. Ele a arruinara por aquilo e, embora não estivesse feliz por ser castigada pelo Senhor por sentir todas aquelas sensações ao tê-lo junto de si, ao sentir sua nuca firmemente segura para recebê-lo, sabia em seus ossos que se arruinaria todas as vezes em que a beijasse daquela forma. Enganou-se, fingindo que não seria a última vez e que aquilo não era uma despedida até que Draco juntou suas testas, mantendo os olhos fechados, alimentando a mesma negação que habitava nela em aceitar o fim daquele momento.

— Qual é o nome dela?

— Grace. – Sussurrou, afastando-se para depositar em beijo na testa de pele delicada. – O nome dela é Grace.

Tentou sorrir, mas sentiu ser em vão. Não havia porquê sorrir ali, podia ver sua própria aflição refletida na tempestade dos olhos dele. Assim, sem esforçar-se para engolir o soluço que vinha à garganta apertada com facilidade, virou-se em direção às figuras que ainda aguardavam, protegidas pelo arco que a levaria para o interior da Abadia novamente. No entanto, ao ver-se novamente sob aquelas paredes, sentiu as pernas bambearem e braços a acolhendo com firmeza e cuidado, embora não pudesse enxergar muito devido as lágrimas que inundavam seu rosto.

Último Ato

Ela não sentiria em sua consciência quando colocasse os olhos em Grace, constatou sem surpresa ao voltar sua atenção à senhora loira de aspecto altivo, que possuía gelo nos orgulhosos orbes azuis. Apesar disso, essa seria sua forma de retribuição, a criança que tivera com Draco seria sua maneira de ficar e recordá-la, pois Narcissa Malfoy merecia cada maldito dia de perturbação que pudesse vir a ter.

Sentia-se extremamente satisfeita em ser aquela que não a faria esquecer, ainda que a senhora não se arrependesse jamais ou sentisse a culpa que deveria pesar em seus ombros por seus atos dissimuladamente pecaminosos. De Cecile a Grace, ela nunca estaria em paz até o fim de seus dias, essa era a única paz da qual era capaz de desfrutar, ao sustentar insistentemente o ódio nos olhos claros dela. Diferente de Draco, a mulher era frio puro, sem exceções ocorridas às altas e escuras madrugadas de ofegos e suores se misturando.

Assim, poderia ser aquela a estar pagando publicamente por erros do passado, de terceiros, daqueles que não importavam mais, mas seria a Sra. Malfoy – não a gentil, educada e servil Astoria – a sentir a corda ao redor de seu pescoço por ser constantemente lembrada de seus impulsos vingativos. A haviam julgado bruxa e não acreditava estar cruzando qualquer linha, todas elas foram quebradas, ao manter-se crente do que viria a seguir.   

Uma seria, eternamente, parte da outra. De um jeito ou de outro. Sobre as nuvens pesadas pela iminente tempestade, lembrava-se de Amelia Bones, invocando por preces religiosas espíritos antepassados para conceder bênçãos àqueles que tratava. Hermione não as desejava, ciente de estar rodeada daquelas que foram tão punidas e injustiçadas quanto a si mesma em situações semelhantes. Essas não tinham em si nenhuma traço religioso e, ainda assim, podia sentir a inesperada força, que era o bastante para a convicção de que permaneceria e a faria sentir um pouco do que poderia ser um inferno mental.  

Em um arrepio perpassado pela coluna inesperadamente. No acordar sobressaltado no meio da noite; ao notar, única e puramente pela superstição religiosa que sempre a precedera, a sombra de alguém que não deveria estar ali. Draco já não importava mais, apesar de saber que ele lidaria com aquela culpa latente ao acompanhar Grace crescendo. À tal ponto, ele era somente o sentimento murcho pela desilusão que habitava em seu peito.

Mas não Narcissa. A ela, com sua desdenhosa feição neutra ao encarar a corda recentemente passada ao redor de seu pescoço, restaria desfrutar das benesses que apenas o Samhain poderia proporcionar a alguém como Hermione, não mais eivada de sentimento inocente, convicções imaturas ou qualquer dignidade. Respirou fundo uma última vez, ouvindo as palavras finais da sentença de Snape; seus dedos esfregando involuntariamente o anel da família Malfoy, do qual não conseguira se desfazer. Era dela e de Draco, embora todo o resto não pudesse sê-lo.

A breve escuridão providenciada pelo saco tapando-lhe toda e qualquer visão também ocultou o sorriso débil, de louca, que dirigia à Cissa enquanto toda a praça irrompia em ansioso silêncio. Exageradamente consciente da madeira instável sob seus pés, soltou outro sorriso irônico, pois essa fora a pessoa que as circunstâncias a tornaram. Então, quando a madeira cedeu, a certeza a invadiu: por Cecile e Grace, um pedaço seu a seguiria para sempre.

Let the sky fall


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Notas finais do capítulo

Oi!!

Voltei com uma one-shot que era pra ser curta, mas não foi, como sempre acontece com o que eu resolvo escrever! O que acharam dessa loucura toda?

Eu nem leio muito UA, apesar de gostar bastante de algumas (por exemplo Jily), mas de vez em quando elas pipocam na minha mente. At Skyfall surgiu assim, como eu disse nas primeiras notas no outro capítulo e eu SEMPRE fui louca para escrever uma história envolvendo caça às bruxas/mulheres livres, apesar de não ser exatamente a Inquisição nesse tempo, pois quis colocar o pano de fundo da Guerra das Rosas com nossos queridos Malfoy numa quase decadência que resultou no que resultou. Enfim, minha pesquisa histórica foi muito breve mesmo, apenas pra não deixar que a fic ficasse "solta" no tempo, eu gosto das coisas completinhas, mas deem suas críticas a respeito!

Sobre Draco e Hermione aqui: temos um problema. Eu não concebi a história como um romance e, por isso, já quero deixar claro. Tem dramione, tem os dois juntinhos, tem os dois sofrendo, mas é tudo sobre ela. Meu foco é a vida de Hermione, como ela começou um caso com Draco e como tudo acabou para ela. Eu quis fazer um retrato da culpa que automaticamente recai sobre as mulheres (me digam se consegui!) e o elevei ao extremo. Ainda, eu vejo Draco sendo abusivo em vários momentos e isso me ocorreu na primeira cena de interação de verdade entre eles - no casamento de Harry e Ginny - quando Hermione vai embora por se sentir invadida. EU não me sentiria bem numa situação como essa. E não estou dizendo que não há sentimento entre eles e que Hermione não escolheu ceder aos seus desejos, estou dizendo que houveram momentos em que ele se aproveitou de sua posição de poder para subjugá-la. Dito isso, deixo com vocês a interpretação e estou muito aberta aos comentários, tanto de quem discorda quanto de quem concorda, como sempre!

Então, devido à época, quis focar na religiosidade das personagens que, por incrível que possa parecer, se convergem. Tanto Narcissa, quanto Hermione e Cecile são mulheres extremamente devotas, o que casou com a minha intenção de colocar trechos bíblicos - aqueles que estão em itálico. Foi algo diferente pra mim, porque não sou muito religiosa e tive de sair pesquisando o que casaria com a história.
Além disso, o título é inspirado na música Skyfall, de Adele, que eu ouvi enquanto escrevia e ainda não havia um, mas achei que combinaria perfeitamente com o que eu estava idealizando. Há também um trecho da música Hold me Down, da Halsey, que também me inspirou ao escrever o primeiro beijo deles. Apesar de tudo, é dramione né nom!

Bom, é isso, espero muito que gostem e não se esqueçam de deixar suas opiniões nos comentários, é sempre importante pra dar aquela incentivada [e quem sabe não faço outra coisa inspirada em Amanda Lovelace]!

Beijão, até mais ♥

PS. A história está finalizada, apesar de não ter marcado assim pro caso de encontrar algum erro.



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