At Skyfall escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 1
Parte I


Notas iniciais do capítulo

Olááá!

Eu aqui novamente com uma súbita inspiração de um UA dramione and medieval. Tive essa ideia ao ler um poema de Poema de Amanda Lovelace no livro "a bruxa não vai para a fogueira neste livro". Na obra física a página, eles se encontra na página 157, caso queiram lê-lo integralmente, pois ele não foi colocado no texto.

Espero que apreciem e deixem seus comentários, falarei mais sobre ao final! ♥



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Skyfall is where we start

A thousand miles and poles apart

Where worlds collide and days are dark

Naquele dia, ela não sentiu nada. Poderia ter gritado, esperneado, dito o quão injusto era o fato de ser julgada sem direito a qualquer defesa, que não fosse sua própria convicção em si mesma e suas palavras desconsideradas. Porém, depois de ser exposta como uma prostituta perante toda cidade, de ser humilhada por aqueles que eram seus vizinhos e sentenciada pelo homem mais desonrado que conhecia, queria que tudo terminasse antes do fim do dia.

Seus passos ecoaram ao subir as escadas, praticamente sem forças. Gostaria de encontrar-se mais digna, a fim de encarar os responsáveis por aquele fim, mas tinha consciência do estado embaraçado de seus longos cachos escuros e do aspecto sujo e amarrotado de seu vestido. Além do cheiro. Algumas pessoas torceram os narizes enquanto os guardas a encaminhavam sem delicadeza em direção ao cadafalso localizado na Praça do Poço. No entanto, àquela altura não se incomodava e nem se envergonhava. Eles quem deveriam sentir suas consciências pesarem.

Metro e meio acima da multidão pode ver rostos conhecidos, murmurantes e apontadores, como se estivesse acontecendo com alguém completamente avulso às suas convivências. Olhos verdes recheados de pena, azuis cristalinos e numerosos mostrando-se receosos, alguns lacrimosos. Arrependia-se por não ter seguido o caminho vermelho e esperado em direção à eternidade de dias previsíveis. Lentamente, seus olhos próprios olhos marrons subiram em direção à tempestade. Não do céu, mas a dos olhos acinzentados que não era capaz de ler.

Sua falha. Deveria ter previsto que nada de bom poderia vir de um homem que não era capaz de interpretar com tanta maestria quanto fazia com todos os outros. Ouvia as palavras sussurradas contra seus ouvidos, desfrutava das mãos deslizando por seu corpo na escuridão de um cômodo inabitado, sentia-o ofegante contra si, aproveitando-se de sua fraqueza, provocada pela experiência do sorriso arrogante e enganoso que nunca alcançava os olhos, pela gentileza dissimulada, pela aventura de experimentar o proibido.

Algo fora verdadeiro para o homem alto que a encarava séria e fixamente da sacada do prédio da Casa de Justiça, como se não houvesse nada à sua volta, mas não sabia até que ponto. Não o culpava, mas desejava fortemente que ele sentisse o pesar da consciência pela inércia e submissão aos costumes que fizeram seu caminho de espinhos até aquele cadafalso. Pelo modo como a olhava insistentemente, ignorando a todos ao redor, poderia jurar que nunca conseguiria apagar aquele momento de suas amargas memórias.

Eis o que desejava. Assim, mantinha a cabeça erguida, os olhos firmes, apesar de seu corpo decrépito e ostensivamente mal nutrido e, exatamente por isso, não conseguiu evitar que seus lábios se estendessem em um pequeno e irônico sorriso conhecedor enquanto sustentava o olhar. Deveriam julgá-la louca, além de bruxa, pela reação antes do iminente fim, mas ele sabia que não. Teve a impressão de que pôde vê-lo engolir em seco e empinar ainda mais o nariz malditamente aristocrático que perseguia gerações.

Ele sentiria em sua consciência, especialmente quando colocasse seus olhos nela.

Ato I

Seus dedos percorriam automaticamente os cabelos extremamente loiros da senhora de pescoço longo que a encarava imparcialmente no espelho instalado em seu quarto de vestir. Narcissa Malfoy era fria e cruel e, embora ali não fosse necessário, mantinha sua postura rígida, como se estivesse perante o Rei Henry. Conforme mandava os costumes, a mulher gostava que trançasse seus fios e os prendesse no coque que todas as damas de seu círculo faziam atualmente, deixando o rosto livre de qualquer incômodo.

Hermione não falava, a senhora se dirigia a ela para lhe dar ordens. Sabia que Narcissa Malfoy tinha suas camareiras preferidas e não era uma delas, apesar de ter crescido naquele castelo e aprendido todas as funções que, um dia, a pudessem tornar indispensável ali. Comer, vestir e esquentar-se no frio tornava sua submissão necessária. Manter-se calada e fora do caminho dos senhores era o lema de qualquer homem e mulher que quisesse manter-se trabalhando ali por não mais que 15 xelins por semana, uma miséria em comparação aos rendimentos da secular família.

— Sua tia ainda está doente, menina? – Perguntou a mulher enquanto amarrava o vestido à suas costas. Empregados da nobreza não deveriam se dar ao luxo de não trabalhar para lidar com infortúnios como este.

— Sim, senhora Condessa. – Respondeu em voz baixa, ouvindo o suspiro insatisfeito.

— Meu filho estará de volta amanhã pela madrugada, vêm em marcha durante toda a noite. Será necessário que alguém da cozinha esteja acordado para alimentá-lo e a quem ele trouxer ao castelo. – Com cuidado, amarrou a touca luxuosa à nuca. Era domingo, dia dos serviços religiosos, e todos se dirigiam à Abadia de Wiltshire para ouvir o sermão do Abade Snape. – Transmita o recado à Weasley, não quero você perambulando pelo castelo enquanto meu filho estiver aqui.

Hermione esforçou-se para não revirar os olhos. Já ouvira muitas histórias de homens nobres que abusavam de seu poder para aproveitar-se de empregadas – e algumas delas gostavam de cair nas graças desses homens, esperando que fossem beneficiadas de alguma maneira, mas nunca se deixaria ser enganada assim. No fim, eram sempre essas mulheres que caíam e eram pisoteadas pelas esposas dos maridos nobres.

De qualquer forma, Draco Malfoy nunca lhe olhara duas vezes. Quando ele partira, a fim de apoiar o Duque de Warwick pelo trono da Inglaterra, como outros condados fizeram, Hermione era jovem demais para pensar nele como um homem. Além disso, fantasiar sobre com alguém que não fosse o herdeiro da família Malfoy seria plena estupidez. E era conhecida pela inteligência quase anormal entre os seus.

ATO II

O conde estava morto. Lucius Malfoy fora assassinado durante a Batalha de Barnet, segundo os criados tinham ouvido, em uma tentativa fracassada de proteger o Conde de Warwick, que também perecera e fizera com que o exército em que Draco estava recuasse. Em conseqüência, Edward IV voltara ao trono e tinha sede de vingança contra aqueles que tentavam usurpá-lo, inclusive os Malfoy que mantinham o castelo fortemente guardado, esperando que a guerra chegasse ali.

Estacada a alguns metros da extensa mesa onde a família comia reservadamente, em contraponto aos demais nobres que se encontravam no Condado para o serviço funeral de Malfoy, ouvia apenas o ruído estrondoso da chuva que caía pesadamente àquela hora da tarde. Durante todo o dia, o tempo fora nublado, como que para ditar o clima de despedida do Conde. Lucius Malfoy não era um bom homem, pelo contrário, mas era respeitado e todos pareciam abalados por sua perda, inclusive os criados, como se um ciclo houvesse se fechado com sua morte.

Mãe e filho comiam em silêncio, não sabia se em honra à falta do chefe da família ou ao fato de que eles não tinham, realmente, muito que falar. Draco era um guerreiro e estivera fora de casa pelos últimos dez anos, enquanto sua mãe fora criada para bordar e gerir a casa. Sangue, aparência e história os ligavam de maneira única, mas nada além disso. Os talheres cortavam o silêncio pesado de maneira inconveniente, ressaltando a distância não literal entre eles. Malfoy se sentara na cabeceira, ainda que relutantemente, notou, enquanto Narcissa relegara-se ao costumeiro lugar à direita do chefe de família.

Então, o silêncio foi quebrado.

— Precisaremos encontrar uma esposa. – A voz dela foi baixa e suave. – Não é... Aconselhável que tome o título de Conde sem uma Condessa. Ou, ao menos, uma noiva.

— O que preciso é voltar à guerra. – Ele comentou após algum tempo. Tinha se retesado como se não quisesse adentrar o assunto naquele momento e, agora, o mesmo acontecia à mulher. Discretamente, Hermione trocou um olhar com Luna, a criada ao seu lado. – Vingar meu pai, Warwick. Honrar nosso nome e nosso sangue novamente. Fomos pisoteados em Barnet.

— Não poderá voltar ao campo de batalha sem um herdeiro. – Declarou Narcissa, finalmente ganhando o olhar gelado do filho. – Sabe disso. Não é necessário lhe explicar a necessidade, nossa Casa está...

— Derrotada. – A senhora engoliu o que iria dizer quando ele a cortou. – Não terei um filho para que herde um reino de cinzas. É o que terá enquanto Edward estiver no trono. Somos oficialmente traidores da Coroa, mãe. 

— Temos o nosso nome, nossa honra, nosso sangue e todos os nossos bens. – Narcissa argumentou em tom desdenhoso. – A Coroa não poderá nos perseguir por muito tempo, logo nos procurarão para um acordo.

— Enquanto isso não acontece, o assunto não está em questão nessa casa. Não posso dar atenção a uma esposa agora, muito menos uma que esteja grávida. – Ele levantou-se, arrastando a cadeira e olhando diretamente para Hermione. – Granger, sirva a sobremesa em meu quarto. Estou cansado e, aparentemente, até em minha própria casa preciso manter-me de guarda alta sobre o que falo ou faço.

Ele saiu pela pesada porta de duas folhas que fechava o grande salão de jantar posto para dois, deixando para trás a senhora que parecia ter envelhecido anos em apenas alguns dias, devido à morte do marido. Narcissa tentava manter a postura enquanto estava em público, mas Hermione a via em sua solidão. Ainda mantinha o nariz franzido, como se constantemente não aprovasse nada, mas economizava até ordens e não raras eram as vezes em que percebia o olhar perdido.

Sem Lucius, Narcissa era somente uma viúva que não tinha opinião sobre muito, o que seu filho acabava de provar. Porém, suspeitava que o luto fosse mais profundo que o interesse sobre o título de Condessa que, logo, passaria à outra. Eles eram o típico casal que necessitava um do outro para se manterem de pé. Tanto publicamente, quanto pessoalmente. Dormiam juntos, conspiravam juntos. Provavelmente, a consciência de que isso terminara para ela, fazia com que definhasse aos poucos.

— Não se atreva. – A voz baixa, mas rígida da mulher a interrompeu quando passou a montar a bandeja para levar ao novo Senhor. – Eu disse que não a quero próxima ao meu filho.

Fechou as mãos em punho, recolhendo-as hesitantemente, visto que ele dera a ordem especificamente a ela. Então, olhou para Luna e a mesma entendeu o recado, aproximando-se rapidamente e em silêncio, saindo do salão assim que a bandeja estava pronta. Como Narcissa não dera a ordem para retirar a mesa, onde ainda estava sentada com uma taça de vinho à mão, Hermione voltou ao seu lugar, somente imaginando o que a mulher de postura perfeita e pele muito branca sob a luz alaranjada dos archotes, pensava sobre si.

Where you go, I go

What you see, I see

ATO III

Acabava de fechar a porta do quarto principal carregando a pesada cesta de roupas e lençóis para entregar à Sra. Figg, a responsável por lavar e deixar as roupas do castelo prontas para uso, quando a alta e conhecida figura apontara no final do corredor. Para Hermione, Draco Malfoy era apenas o homem muito bonito e poderoso para o qual trabalhava e com o qual não trocara nenhuma palavra, nunca.

Conhecia e ouvia o que todos os outros daquele castelo conheciam e ouviam – ou inventavam, o que acontecia muito constantemente. Porém, Narcissa tentava a todo custo evitar que tivesse qualquer contato com ele, embora não pudesse atribuir a determinação a qualquer comportamento seu. Pouco se lembrava dele mais jovem, quando somente ajudava sua tia na cozinha, sem receber qualquer remuneração, e agora sequer tinha oportunidade de pensar muito a respeito.

Sua tia ainda estava doente, apesar de ter voltado à chefia da cozinha de Wiltshire, e todo o seu tempo era preenchido com trabalho. Geralmente, encontrava-se cansada demais para endurecer as rodas de fofocas da criadagem. Não tinha energia para pensar em sua própria vida, porquê elaboraria sobre com quem o novo Conde passava seu tempo na Taverna da cidade? No entanto, ele não diminuiu o passo e restou à ela abaixar a cabeça e tentar se manter fora de seu caminho, mas a voz diretamente lhe dirigida a impediu de continuar.

— Por que você não me serve?

— O que disse, senhor? – Pigarreou, sentindo o olhar analisador sobre seu rosto, mas incapaz de encará-lo de volta.

— Perguntei porquê, dentre todos os criados, é a única que não me serve diretamente?

Imediatamente pensou em Narcissa, mas não podia dizer isso a ele, pois o faria tentar desafiar a mãe. Meses após a morte do Conde, mãe e filho viviam em uma queda de braço que, por vezes, ultrapassava a linha da educação e do respeito. Era como se a mulher houvesse esquecido que seu filho tornara-se um homem, ao mesmo tempo em que ele esquecera-se que era aquela que o dera à luz. Pareciam detestar suas respectivas companhias, principalmente Narcissa, amarga e ressentida, como se mostrava nos últimos tempos.

— Imagino... Imagino que seja coincidência, senhor.

— Acha que sou tolo? – Um sorriso superior apareceu quando Hermione o encarou, finalmente, percebendo a mudança do tom. – Espero que não tome para si as mágoas de Narcissa, Srta. Granger. Sei como são próximas, mas o amargor de minha mãe logo a levará ao fundo do poço e você ainda tem alguns anos para continuar neste castelo.

Quase arregalou os olhos, notando a insinuação de que a Sra. Malfoy estava ficando louca, mas estranhando o fato de Draco achar que era tão próxima assim de uma mulher que, claramente, não a achava digna o bastante para lhe dirigir qualquer opinião. Sabia que damas jovens e solteiras eram próximas de suas damas de companhia, mas este não era o caso – embora não tivesse muita ideia de qual era.

— É claro, senhor.

Não havia outra opção, senão a que abaixava o rosto corado e servilmente concordava. Nobres como Malfoy se achavam donos daqueles que trabalhavam para si por quantidades irrisórias que mal cobriam as necessidades fisiológicas. Ele levou as mãos às costas, os olhos a percorrendo detidamente, de maneira impassível, antes de dar um passo para o lado, liberando-a para sair sem qualquer outra palavra.

ATO IV

Os Weasley e seus numerosos filhos viviam na casa ao lado desde sua memória mais antiga. Muito vermelhos, muito ruidosos, muito alegres. Era uma casa maior que a sua, com o primeiro andar de pedra e quatro quartos. A Sra. Weasley, mãe da ninhada de sete filhos, trabalhava no Castelo de Wiltshire, mas Arthur se tornara arrendatário de alguns acres de terra, cedidos pelo avô do Conde quando ainda era muito jovem e perdera o pai. Desde então, viviam relativamente bem, tendo os filhos cada um se ocupado de um trabalho diferente, para que não passassem necessidades.

Por isso, o casamento ansiosamente aguardado desde que fora anunciado semanas antes seria grandemente festejado, o que não era comum entre os seus. Aqueles regados à farta comida, bebida e música, principalmente, eram mais do que raros. Às vezes, a comemoração era feita entre os parentes mais próximas, com comida modesta e um único barril de cerveja. Ninguém julgava, todos tinham consciência de que o trabalho duro não retribuía como deveria em suas respectivas mesas e estilo de vida. Assim, a união de Harry Potter, o promissor dono da maior hospedaria do condado, e Ginny Weasley, a filha de Molly que trabalhava com concertos de roupas para as nobres, vinha sendo alvo de expectativas.

Além do fato de Harry e Ginny serem namorados desde sempre, pessoas proeminentes foram convidadas. Arthur Weasley era só um fazendeiro que tinha a renda baseada na colheita de grãos da estação, mas Harry Potter poderia ser considerado rico o suficiente para convidar membros proeminentes do burgo, outros que também haviam se destacado em suas atividades, e o próprio Conde. Ele era o mais interessado que as atividades comerciais gerassem lucro para que todos pagassem seus impostos como deveria. É claro, ninguém esperava que o homem comparecesse, suas interações com as pessoas de Wiltshire eram mínimas e dificilmente poderiam ser classificadas como pacíficas, mas Ginny lhe dissera que os pais de Harry fizeram questão de manter a boa educação.

— Você tem certeza que devo ir? – Perguntou Hermione, voltando à tia Cecile assim que terminou de enrolar as modestas flores amareladas nas duas tranças que fizera nas laterais de seu cabelo, deixando os cachos caírem livremente por suas costas.

— Hermione, você é jovem, deve agir como uma. – A senhora tossiu, sentando-se de forma cansada no banco que ladeava a pequena mesa da cozinha. – Ginny é sua melhor amiga, ela ficará chateada se não comparecer em um momento tão importante.

— Ela entenderia...

— Querida, não há o que entender na velhice.

Apesar de ter ostentado uma bonita face quando mais jovens, os anos de trabalho na quente cozinha do Castelo de Wiltshire e a doença estavam levando o que restava de vida na face enrugada de sua tia. Cecile a criara desde muito jovem sem qualquer ajuda. Seu marido morrera tão cedo que Hermione sequer se lembrava do rosto do homem e, desde então, fora apenas as duas. Relutava em deixá-la por si mesma todas as manhãs, assim como dobrava seu turno a ajudando na cozinha quando a mesma encontrava-se tão mal que não conseguia mexer um caldeirão de mingau. Além disso, sabia que a mulher não era tão velha assim para encontrar-se naquele estado.

— Não vou voltar tarde.

Prometeu, beijando a testa da senhora de longos e ondulados cabelos castanhos antes de bater a porta de madeira. Encontrara conhecidos no caminho, cumprimentando-os efusivamente, visto que não se viam com frequência: aqueles que trabalhavam no Castelo passavam a maior parte do dia entre suas muralhas e, ainda, havia o fato de que o movimento encontrava-se restrito. Ninguém saía ou entrava com frequência, os guardas de Malfoy impondo a severa regra para que os espiões de York fossem evitados.

Assim, acabara chegando ao local acompanhada de Ron, Fleur e Gui Weasley, que seguravam pela mão a pequena e muito loira Victoire. No fim de tarde, a menina encarava a tudo e todos com curiosidade. Entendia que era diferente ver todas aquelas pessoas em suas melhores roupas, ainda que humildes. A própria Hermione, excepcionalmente, usava uma echarpe azul escura nos ombros, amarrada sobre o peito, visto não ter nenhum broche, presente de sua tia comprado na última Feira Anual de Wiltshire. Não era do melhor tecido vendido ali, mas duraria, visto que não havia muitas ocasiões em que usá-la. Seu vestido, por outro lado, era simples e branco, de alças largas e decote quadrado, marcando na cintura e indo até os pés, feito pela própria Ginny sem custo algum.

O casamento fora feito numa clareira, próxima à Abadia, pois a ruiva queria uma cerimônia de dia e ao ar livre, o que contrariara ao extremo o Abade Snape, embora Remo Lupin, o padre amigo do pai de Harry, se dispusesse a fazer o que fosse necessário, como os noivos queriam. Imaginava que deveria haver certa disputa de poder entre os homens da igreja, visto suas personalidades distintas, mas não era nada que chegasse aos ouvidos dos fiéis. De qualquer maneira, Snape não poderia se opor tão fortemente à vontade dos Potter. Seu poderio crescia cada vez mais no Condado e o próprio Conde fora convidado. Uma vez que se tinha a honra de poder, ao menos, convidar um nobre para uma festa, não era saudável para ninguém manter qualquer rixa com essa pessoa.

No fim das contas, Ginny e Harry percorreram sem empecilhos, felizes, de mãos dadas e oficialmente casados, a grama amarelada pelo início de outono daquele ano em direção à taverna/hospedaria, onde aconteceria a festa, não muito longe dali, na rua principal da pequena cidade. Não demorou muito a que a música começasse, sendo o casal mais sorridente que conhecera os primeiros a se balançarem nos ritmos dos tambores e dos instrumentos de corda, que deixavam a todos mais eletrizados, aplaudindo-os efusivamente. Hermione sorriu, feliz pela amiga, acompanhando-os assim que outros convidados fizeram o mesmo.

A música nem sempre tinha letra, mas o ritmo nunca era perdido. Suava pelo exercício, dançando com Ronald enquanto tentava ignorar todos os olhares admirados que o homem lhe lançava. Sabia há muito sobre os sentimentos do irmão de Ginny, mas não podia forçar a si mesma a correspondê-los, ainda que fosse para usufruir de uma vida melhor. Ele era boa pessoa, tolerável e engraçado, ainda que não muito inteligente, mas, infelizmente, essa era toda sua opinião sobre Ron. Ele não a impressionava de nenhuma forma, não a fazia sentir-se especial, não lhe inspirava nada além da fraternidade. Ele era apenas... Ron, o garoto comilão que conhecia desde criança.

No entanto, soube naquele instante que seria difícil fingir não saber sobre o que ele sentia, pois, no momento em que Flitwick cantava a respeito de romances impossíveis de guerra, sentira as mãos dele em seu pescoço e os lábios insistentes sobre os seus. O beijara de volta, sem se importar com todas as pessoas em volta deles. Àquela altura, com seus corpos repletos pela cerveja e os olhos moles pela bebida, ninguém se lembraria de dois jovens que não tinham compromisso algum se beijando. Provavelmente culpariam a euforia pela festa e esqueceriam. Como com Neville Longbottom, com o qual fizera mais do que beijar, Ronald não lhe despertara muito além do raso desejo e, logo, foram tirados da pequena bolha distraída por um pigarro.

A música parara e as pessoas tornaram-se abruptamente silenciosas pouco a pouco. Hermione afastou-se de Ron, voltando-se à entrada da estalagem, como os outros, somente para ver Draco Malfoy abrindo caminho entre os convidados em direção a Harry e Ginny. Rodeado por seus homens de armas, Zabine e Nott, ele encarava a todo e todos com seu olhar frio e extremamente sério, cortado somente pelo desprezo líquido quando seus olhos percorreram Ronald de cima abaixo antes de passar por eles.

Encolhera-se subitamente, conhecedora como era da rixa desenvolvida por eles quando criança. Tinham a mesma idade, praticamente moravam no mesmo lugar, visto o trabalho da Sra. Weasley, viviam disputando entre si. Para a infelicidade de Ron, contudo, o herdeiro do Conde quase sempre ganhava. Quando o ruivo tornara-se mais alto e mais forte que Malfoy, ainda na adolescência, as disputas corporais acabaram e foram relegadas a humilhação. A pobreza e falta de educação formal de Ronald eram um prato cheio para o outro, segundo contavam, que se aproveitava de sua posição e da impotência do inimigo para atacar efetivamente.

Ninguém encostaria um dedo no filho de Lucius ou no Conde Draco Malfoy, o recado foi dado no mero segundo em que ele encarou Ronald com superioridade. Percebeu o ruivo tenso, fechando as mãos em punho, pronto para uma briga que nunca viria – não estragaria o casamento da irmã e não seria preso por agredir o homem mais poderoso que conhecia. De qualquer forma, também ficou claro que o próprio Malfoy não se prestaria a tal papel, voltando-se rapidamente aos músicos e mandando que continuassem com a festa, imediatamente sendo atendido.

— Vamos sair daqui. – Ronald segurou sua mão, mas Hermione a soltou, ainda encarando a nuca de Malfoy, concentrado em sua conversa com um Harry educado e uma Ginny extremamente empolgada.

— Eu estou bem aqui, Ron. – Falou da forma mais suave que poderia. Conhecia essa reação de Ron e deveria esperar que a colocaria em prática com ela, assim que encontrasse oportunidade. Ele não gostava de ser contrariado e sentira-se extremamente ofendido por sua negativa. Em seu ressentimento antigo, era como se Hermione acabasse de escolher o Senhor em detrimento dele. – É o casamento de Ginny, realmente irá deixá-lo por uma rixa estúpida de criança?

— Só estou te convidando para tomar um ar lá fora, enquanto...

— Acho melhor não.

Detestava que estivesse agindo como a vilã, mas era melhor do que mantê-lo interessado, alimentando as esperanças de que pudesse haver algo mais que amizade entre eles um dia. O ruivo pareceu instantaneamente decepcionado, encarando-a como se o tivesse ferido física e propositalmente. Quando ele lhe deu às costas de forma mal humorado, soube que não poderia ter retribuído aquele beijo. Ronald era possessivo tanto quanto impulsivo, o que não era uma combinação agradável.

Assim que ele saiu, Harry anunciou que o presente de casamento do Conde era uma carruagem com sete barris do melhor vinho produzido no sul de Portugal. Não sabia como Malfoy ainda continuava recebendo produtos importados e caríssimos de outros países, o comércio encontrava-se escasso, somente o suficiente para que as pessoas não morressem de fome no país. Supôs, porém, que ele tivesse dinheiro suficiente para que seus próprios homens buscassem os itens de luxo que gostaria, ainda que a logística para que chegassem até a Wiltshire fosse complicada demais.

Os convidados exultaram, cientes que a festa iria até o amanhecer, e a música recomeçou ainda mais animada. Luna fora ao seu encontro, convidando-a para dançar novamente. Não se preocupou com Ronald, nunca o dera qualquer sinal de que pudesse encará-la romanticamente. Hermione dançou e rodopiou pela estalagem dos Potter, tão animada quanto as garotas mais jovens e as senhoras que, mesmo casadas, aproveitavam o dia de festa e encontros. Ginny e Harry eram constantemente vistos abraçados, os rostos juntos e corados, tão apaixonados quanto estavam quando anunciaram o namoro a seus pais, anos antes.

No entanto, o olhar impessoal que lhe era constantemente direcionado a incomodava desde o momento em que o homem se sentara próximo à lareira da estalagem, com seus homens de confiança postados logo ao seu lado, de pé, embora em postura relaxada, cada um com um copo de vinho a mão, desfrutando do melhor que o dinheiro do Conde que a encarava poderia pagar. Ele percebera sua hesitação, mas não parava de segui-la, fitar seus movimentos ou seu corpo de cima abaixo. Sentira-se invadida como nunca e, assim, soltara os cabelos que prendera no meio da noite e deixavam sua nuca amostra, encaminhando-se em direção à saída, somente parando para pegar sua echarpe com uma das cunhadas de Ginny.

Não sabia o que pensar a respeito do olhar de Malfoy, embora soubesse exatamente o que queria dizer. Era possível perceber o desejo estampado ali, ainda que as feições se encontrassem austeras como sempre. Os dedos dele não paravam de percorrer caminhos invisíveis no braço da cadeira de madeira que ocupava, como se calculasse algo silenciosamente em meio ao ruído dos tambores. Já com o suor seco em seu corpo, Hermione estremeceu voltando a usar a echarpe enquanto percorria a rua escura até sua casa. Entretanto, não tinha certeza se devido à brisa de outono, se devido ao frio tempestuoso daqueles olhos.

Vigiai, porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor, bramando como leão, buscando a quem possa tragar.

ATO V

A Guerra pelo trono esfriara desde que Edward derrotara seus mais ferrenhos adversários. Os Malfoy, aliados Lancaster, esperaram em guarda alta durante quase um ano, mas o Rei os ignorara solenemente após Margareth de Anjou ser presa e Henrique VI ser executado por traição à Coroa. Eles foram isolados daqueles que ficaram do lado vencedor, mas ainda tinham o sangue, o dinheiro e, especialmente, a pompa. Por isso, não demorou até que Narcissa, em praticamente um surto de inspiração, tentasse voltar às boas da nobreza britânica.

— Garota, você sabe escrever, não é? – A senhora questionara em tom apressada assim que Hermione adentrara o quarto, hesitante.

— Sim.

Meses após a morte de Lucius, a mulher se tornara completamente reclusa, vivendo quase que exclusivamente no Castelo de Wiltshire e recebendo pouquíssimas pessoas, dentre elas o Abade Snape, que a visitava para os serviços religiosos. Ela se tornara extremamente supersticiosa e ansiosa, mas enquanto andava de um lado a outro em seus aposentos – não mais os principais que passaram a seu filho, mas ainda assim muito confortáveis - parecia ter um objetivo. Esfregava as mãos uma na outra e tinha os olhos inquietos, demonstrando seu nervosismo.

— Sente-se à escrivaninha. Eu vou ditar o que precisa escrever e para quem, então levará essa carta até as mãos do Abade. – Pela primeira vez, Narcissa a tocou, guiando-a até o móvel repleto de caríssimos pergaminhos, penas e tintas. – E, o mais importante, ninguém pode saber, especialmente Draco.

— Senhora...

— Apenas faça, sem questionamentos, menina! – Detestava que a mulher a chamasse assim, desde a primeira vez em que o fizera, quando era somente uma criança. Porém, o tom deixara de ser apressado para se transformar numa ordem inquestionável.

Então, Hermione entendeu o motivo do nervosismo da antiga Condessa. Era uma carta a Bellatrix Lestrange, sua irmã que vivia na Corte e o motivo: uma aliança com a família Greengrass, que sempre foram próximos aos Malfoy, mas haviam se afastado após tomarem o lado York logo no início da Guerra. Narcissa “imaginava que as herdeiras Greengrass estariam em idade de se casar, pelo que podia se lembrar” e “Draco não se encontrava exatamente conformado com a ideia de uma esposa, então não poderia viajar com a intenção de fazer os arranjos por si mesma, como gostaria e seria adequado”.

Imaginava sua letra pequena como se pesasse muito no papel selado com cera e o brasão dos Malfoy. Narcissa ordenara que a carta fosse entregue, especificamente, nas mãos do Abade, pois assim ele daria seguimento à pequena conspiração da senhora, mas relutara durante o dia todo, arranjando serviços diversos para fazer no castelo, tentando adiar o inevitável, muito ciente do pequeno pedaço amarelado de papel escondido no bolso falso do avental que cobria a fronte de seu corpo.

Sabia que deveria obedecê-la, mas não acima de tudo. Ainda se lembrava do recado sucinto do Conde: deveria ser leal a ele, não as paranóias de sua mãe. Todos os criados no castelo conheciam o nível da animosidade entre Narcissa e Draco, pois um não cruzava o caminho do outro, senão quando extremamente necessário. Ambos levavam suas vidas de formas completamente distantes devido às constantes opiniões divergentes. O casamento e a guerra pelo trono eram exemplos disso.

Se tudo corresse como a senhora planejava e seu filho descobrisse que ela fizera parte de uma pequena conspiração para casá-lo com uma moça de família, em teoria, inimiga para barganhar um acordo com a Corte, Hermione perderia mais do que todos, embora houvesse agido muito menos. Ela era o lado mais fraco daquele tabuleiro. No entanto, a Condessa também saberia se a carta à sua irmã não chegasse às mãos de seu confidente mais próximo, o que colocava Hermione em uma situação complicada.

Não gostaria de ser taxada como fofoqueira, mas temia mais a Draco Malfoy do que Narcissa. Eram iguais em ação e orgulho, mas o Conde tinha muito mais arsenal para feri-la do que a senhora sua mãe. A castanha notava os olhares indiscretos que percorriam seu corpo depois da noite do casamento de Ginny e Harry, embora o homem não fosse além em momento algum. Quase nunca se dirigia diretamente a Hermione, quase nunca se encontravam nos mesmos aposentos, quase nunca se viam, pois não o servia. No entanto, eles estavam lá nas raras vezes em que acontecia e a deixavam desconfortável.

De outro lado, não queria ser julgada por traição ao homem que ditava todas as regras de Wiltshire, ainda que a Casa de Justiça fosse regida por Alvo Dumbledore. Por isso, já era quase noite quando se viu deixando a proteção da quente cozinha de sua tia Cecile ao ouvir o ruidoso cantar da tropa de caça chegando ao Castelo pelo pátio dos fundos. Os soldados de diversas partes do feudo de Malfoy continuavam ali, mas começavam a se entediar facilmente. A vida com um nobre era interessante no início, mas logo um dia começava se tornar igual ao anterior, por isso a caça era um meio de fazê-los treinar suas habilidades e se distrair da espera por batalhas.

Temendo que Narcissa estivesse a vigiando, Hermione ultrapassou todo o pátio de pedras em direção à estrebaria. Percebeu que, dessa vez, Malfoy levara apenas os soldados e escudeiros mais próximos, mas, ainda assim, era arriscado chamar sua atenção na frente daqueles homens. Nott, Zabine e os desajeitados Goyle e Crabbe não lhe passavam nenhuma confiança. Por isso, parou para falar com o Mestre de Armas, Sr. Ollivander, enquanto os homens que deveriam ser os mais educados do Reino falavam e riam sobre as coisas mais obscenas que já ouvira.

— Hermione? – O homem de aparência curvada pela idade e olhos gentis, percebeu sua distração com resignação. – Espero que não esteja tentando chamar a atenção deles.

— O quê? – Por um momento não entendeu onde ele queria chegar, até perceber que se referia aos homens que tratavam de seus cavalos. Aparentemente, era a única tarefa digna de gente com o sobrenome deles. – Não, jamais!

— Bem, apesar de ter crescido em Wiltshire, você nunca foi de rodear esses lados... Até agora. – Ele murmurou. – Sua tia não gostaria...

— Senhor, não é nada disso. – Tentou alimentar um sorriso para o homem que examinava detidamente a espada que forjava. – Não tem que se preocupar.

Ele meneou a cabeça, como se também não quisesse alongar o assunto. Havia crescido com vários dos criados de Wiltshire, os conhecia desde que poderia se lembrar, eram familiares, mas estava nervosa demais naquele momento. Crabbe e Goyle acabavam de serem dispensados para que os mais velhos pudessem fazer piadas às suas custas – embora os mesmos achassem que estavam nas maiores graças do Conde. Este, por sua vez, encontrava-se um tanto alheio aos outros, quase que completamente concentrado no tratamento de seu cavalo extremamente negro.

— Ei, Draco, vai à cidade esta noite? – Perguntou Zabine, finalmente entregando as rédeas de sua égua a um criado, sem sequer olhar para ele. – Pansy fez questão de lhe mandar o recado de que chegou um novo barril de cerveja escocesa bastante raro, sabe como está o comércio nesses tempos.

— Não. Você também não deveria. Stafford nos aguarda e temos de sair muito cedo amanhã. – Ele declarou, ainda distraído.

— Continua arquitetando guerra. – Nott disse farto, revirando os olhos. – Mas não se preocupe, podemos fazer bom uso de Pansy em seu lugar.

Ambos os homens se afastaram ao perceber que Malfoy não dera muita atenção ao assunto. Todos em Wiltshire conheciam Pansy Parkinson e sua interesseira mãe. Era de conhecimento geral que a garota de incríveis cabelos negros, pele como leite, olhos verdes e corpo curvilíneo era apaixonada por Draco desde sempre, assim como o fato de que taverna era um eufemismo para prostíbulo. Provavelmente, o próprio Malfoy conhecia os interesses de Pansy, do contrário não estaria tão arisco.

Suspirou, quase revirando os olhos. Não eram necessárias palavras para expressar o completo e silencioso desprezo pelos sentimentos da garota, a qual, relevando o detalhe de ser completamente fascinada por alguém tão inalcançável, era extremamente cativante e inteligente. Pansy conversava com todos da mesma forma, homens e mulheres, sempre estava de bom humor e era muito rápida em suas análises. Cecile não gostava que as duas conversassem em público, devido à má fama da garota, mas não se importava muito com o que poderiam falar. Ela ganhava dinheiro com seu corpo, ainda que pouco, e não fazia mal a ninguém.

— O que você quer?

A voz dele soando baixa a assustou, pois pensava que se aproximava de forma muito furtiva, visto que ele estava de costas, escovando o cavalo. Àquela altura, o pátio já estava quase que completamente vazio, iluminado somente pelos archotes da estrebaria. O Sr. Ollivander acabara de guardar suas ferramentas e o sol terminava de pôr no horizonte, o que a tranquilizava minimamente, visto que não haveria muitos criados para especularem sobre aquela conversa no dia seguinte.

— Há algo que precisa saber. – Supôs que ele virou-se de cenho franzido apenas porque falava baixo demais, temerosa demais. Suspirando, tirou a carta do bolso falso do avental e entregou a ele, que a abriu de uma vez, sem perguntas, ainda que fosse seu selo lacrando-a. – Sua mãe mandou que escrevesse e entregasse ao Abade. Suponho que... Ele entregaria à Sra. Lestrange.

— Snape foi convidado para a posse do novo Arcebispo em Londres. – Ele murmurou, ainda olhando para a carta. Hermione percebeu que não estava falando com ela exatamente, apenas divagando. Minutos depois, nos quais ela mordera o lábio e torcera ansiosamente as mãos, o Conde lhe entregou o pergaminho de volta, obrigando-a a franzir o cenho. – Sele novamente e entregue ao Abade, como minha mãe mandou.

— Mas... – Balbuciou, furiosa que tivesse corrido tanto risco com Narcissa apenas para que ele não se importasse daquela forma. Pouco caso não a agradava. Vindo dele, apenas porque podia, era pior ainda. Assim, obrigou a suavizar seu tom. – Pensei que tivesse divergências com a Senhora Condessa sobre casamento.

— Eu tenho. – Cruzou os braços, ainda mais confusa. Ele voltara a escovar o maldito cavalo. – Duas coisas, Granger: não pode impedir a fúria de um rio durante uma enchente. Ele apenas vem. Cruel, destruindo o que há pela frente, é como a natureza tem que ser. Isso é a minha mãe.

— Não estou entendendo.

Malfoy soltou o cavalo na cocheira e fechou a porta da baia, voltando-se a ela sem muita pressa para explicar, obrigando-a a encarar as bochechas coradas pelo provável esforço da caçada. Vira que eles trouxeram dois javalis, apesar de tanto caçoar do fracasso dos escudeiros como caçadores. O cabelo claro caía desordenado sobre a testa, fora do usual, e a as roupas, ainda mais escuras pela noite que caía fora da estrebaria, encontravam-se amarrotadas e sujas.

— Apesar de não poder conter a enchente, existem formas de evitá-la. – Ele meneou a cabeça, sorrindo espertamente. – Principalmente quando sei que está chegando.  

— E qual é a outra coisa?

Malfoy passou por ela, caminhando calma e estranhamente pelo pátio, a obrigando a segui-lo. Estranhou que ostentasse aquela face pacífica, mas isso a levava pensar que era apenas em sua superfície. Não o imaginaria tão tranquilo a respeito da conspiração de sua mãe e o ouvira dizer que iria ver Stafford, o que significava que planos de guerra viriam.

— A carta deve chegar às mãos do Abade pela manhã ou minha mãe saberá que a traiu. - Malfoy entendera seu ato e, por mais que não desse muito valor, tornava tudo mais real ao dizer, ainda que em tom baixo. Isso não diminuía o impacto que do que fizera e o risco que corria, o que a levara a estacar, apertando as mãos sobre o abdome, onde a carta encontrava-se segura. O Conde, por sua vez, percebeu a insegurança ao notar que não continuava a segui-lo. – Não se preocupe, garota, deixe que o rio siga seu curso. Ele jamais saberá o que o barrou.

ATO VI

Ele foi e voltou muito rápido, então noivo, mas não como Narcissa gostaria.

Até o momento, Hermione fizera a Condessa extremamente satisfeita. Na calada da noite, reescrevera a carta e selara, indo até a Abadia na primeira hora para entregá-la a Snape. Ele não fizera perguntas e não agradecera. Porém, o rio seguira seu curso e o Conde encontrara os Greengrass em Londres por intermédio de sua tia. O Duque aceitara ceder sua filha mais nova à família traidora, desde que Daphne Greengrass estivesse reservada a alguém que passeava pelas boas graças do Rei. Assim, o acordo favorecia os dois lados: aquele que não queria um casamento e, por isso, se dispusera a noivar uma garota ainda fora da idade de se casar; e aquele que estreitava laços com ambos os inimigos que alimentavam aquela guerra.

Nada disso, contudo, fora realmente dito à castanha. Sua tia se fora no intervalo de tempo em que o Senhor Malfoy estivera viajando, “buscando guerra”, como todos diziam. Devido a isso, Luna, como sua amiga mais próxima ali, tentava animá-la lhe contando com riqueza de detalhes todos os boatos que corriam como formigas pelo castelo. Diziam que a jovem noiva do Conde possuía a beleza das mulheres descritas nas poesias, outros insinuavam que era ranzinza como uma viúva ou que se mostrara mimada como uma criança amuada e que, por isso, ele quisera ter dois ou três anos de noivado para que a moça amadurecesse.

Apesar das tentativas da garota Lovegood, nada disso tirava mais do que três palavras de Hermione e seu tempo livre agora era preenchido com orações. O Castelo de Wiltshire não era exatamente suntuoso, embora repleto de todo o luxo que a família podia pagar. No entanto, após a ala leste, no lado oposto à cozinha, havia uma pequena capela a qual poderia ser atribuída toda a magnificência e elegância que faltava à construção com moldes de fortaleza. Possuía duas modestas torres que culminavam num telhado comprido, quase em formato de flecha, e janelas com vitrais coloridos e proporcionais. Além disso, fora feita em pedra clara, trazida da França especialmente para a construção, o que combinava com o verde do jardim florido daquela primavera.

Era quase uma ironia que os dias estivessem tão bonitos na despedida de sua tia. O destino não fora justo com a mulher, jovem demais para definhar até a morte por uma doença que o Padre Lupin não sabia nomear, ou mesmo com Hermione. Durante sua vida, Cecile fora sua única constante. Não conhecera seus pais, também doentes e mortos rapidamente de um resfriado mal curado. Desde sempre, eram as duas contra o mundo. Então, de uma hora para a outra, a casa na cidade se tornara grande demais apenas para si e, por isso, passava a menor quantidade de tempo possível lá – geralmente apenas dormindo muito tarde e acordando na primeira hora.

Seu tempo e atenção eram todos direcionados ao trabalho. Não recebia muito, mas agora, mais do que nunca, precisava manter-se sozinha. Comer, beber, vestir, aquecer, tudo exigia recursos materiais. Até presenciar Cecile cair desmaiada e agonizando em febre na cozinha da casa delas, não pensara sobre a vida sem a presença forte e necessária da senhora. Duas semanas após sua morte, as coisas eram assim. Ao terminar todas as tarefas ou ao se encontrar cansada demais para emendar outro serviço que poderia esperar, Hermione rezava, agradecendo silenciosamente à presença de um local onde poderia fazê-lo sem precisar gastar tanta energia – cumprimentando pessoas, forçando sorrisos e recebendo olhares de condolência dos que as conheciam.

Ali, ajoelhada perante a bonita estátua de mármore do Senhor, tendo nas mãos um terço gasto de madeira e nos cabelos o antigo véu branco que sua tia usava para ir todos os domingos a Abadia, pensava sobre ela e como as lágrimas não vertiam mais em sua memória. Seu estado era quase uma catatonia. Agia automaticamente, comia automaticamente, respondia automaticamente – não conversava. Mesmo assim, encontrava sua paz. Quanto mais ficava sozinha, mais conhecia sua alma, mais tinha vontade de manter-se assim, apesar de saber que chateava seus amigos mais próximos. Até mesmo Ginny se cansara.

No entanto, o silêncio da capela isolada pelo extenso jardim que a separava do Castelo fora quebrado pelo abrir e fechar das pesadas portas de carvalho. Levantou-se imediatamente, não mais catatônica, ciente de que ali não era seu lugar. Sagrado, nobre, privado demais para que uma criada desfrutasse sem cerimônias, sequer era necessário dizer, o acordo entre criadagem e nobreza era implícito. Quando se voltou ao visitante, surpreendera-se ao encontrar a figura alta e imponente do Conde em suas costumeiras roupas negras. Tinha novamente os cabelos fora do alinho, como na noite em que lhe mostrara a carta de Narcissa semanas antes, mas não continuou a olhá-lo, visto que ele levantara uma sobrancelha ao analisá-la de volta.

— Sinto muito, senhor, eu... Já estava de saída.

Pronunciou em voz baixa, rapidamente encaminhando-se à porta atrás dele. Porém, no instante em que passava ao seu lado, a mãos frias de dedos finos segurou seu pulso, retesando-a e impedindo-a de continuar. Por um instante, não soube o que dizer. Aquele contato não era adequado. Narcissa não a queria perto de seu filho.

— Fique o quanto quiser, Granger. – Levantou os olhos, encarando-o com estranheza, o que o fez afrouxar os dedos de seu braço, lentamente quebrando o contato. – É só uma capela desabitada.

Como que para comprovar, ele olhou ao redor. Não havia bancos, somente o altar logo abaixo da representação de Cristo crucificado, três compridas janelas de vitrais coloridos nas grossas paredes verticais e um pequeno aparador logo na entrada, que servia para colocarem velas acesas em sinal de vigília, mas que quase nunca era utilizado, pois ninguém costumava ir ali, embora devesse estar sempre limpa e pronta para ser usada, segundo as ordens de Narcissa. Ela nunca se mostrara ausente na administração interna do Castelo.

— Não acredito que esteja desabitada. – Cutucou vagamente a afirmação. Os olhos perturbadoramente claros nunca perdiam aquele traço de julgamento. – Ele está aqui, não?

— Talvez. Têm de estar em algum lugar. – Murmurou em tom baixo, virando-se para encarar a estátua em sofrimento. Pela primeira vez, viu algum tipo de emoção, que não a astúcia, perpassar por aquelas feições, mas isso logo foi desfeito quando ele franziu o ligeiramente o cenho, já se dirigindo a ela. – Ouvi sobre sua tia, é por isso que tem vindo aqui?

Perguntou-se por que ele insistia tanto naquele contato, principalmente em falar sobre uma criada que não era mais do que uma cozinheira. Draco Malfoy não estabelecia contato com gente abaixo de sua estirpe, fora criado para ser exatamente assim. No entanto, falava com ela com naturalidade e despretensão, apesar da eterna seriedade, como se conversassem todos os dias e não fosse nada complicado encontrar assunto.

— Sim. Mas não por ela, sei que Cecile está em um bom lugar. – Juntou as mãos à frente do corpo, os olhos no chão de forma pensativa. – Eu venho por mim mesma. Ela entenderia esse tipo de egoísmo.

— Que tipo de egoísmo? – A voz dele soou mais próxima, o que a fez encará-lo. Marrom em acinzentado. Apertou com mais força o terço de madeira entre os dedos, Malfoy abaixou os olhos para o objeto, Hermione engoliu em seco.

— Aquele em que me isolo para me acostumar unicamente comigo.– Sua voz embargou. Era a primeira vez que dizia em voz alta. – Cecile nunca soltou a minha mão, até que... O fez. 

— Acredita que rezar a ajudará encontrar a si mesma? – O Conde, recordou o título em relutância, parecia verdadeiramente genuíno.

— Devo acreditar.

O silêncio recaiu sobre o pequeno templo vazio em literalidade. Pela primeira vez em semanas, o olhar estava ali novamente, mas dessa vez não em seu corpo. Além da tempestade, o estado mais comum de Draco Malfoy, era sobreposto por algo mais, que a lembrava curiosidade, mas que não a convencia de todo.

Os dedos dele encontraram um caminho fácil em seu queixo, percorrendo a extensão muito suavemente até que alcançaram sua nuca, sob o véu, entrelaçando-se calmamente aos cachos que caíam espessos pelas costas, presos somente por duas tranças laterais próximas às têmporas. Por um momento, os olhos e o nome eram tudo que via, tudo que respirava, estando seus corpos tão próximos. Porém, no milésimo de distração em que encarou a cruz novamente, pôde ouvir a voz de Cecile, imaginando-a agarrada àquele terço, como se estivesse bem ao seu lado.

“Não deve alimentar o demônio com suas tentações”.

Seu coração batia forte, descompassado. Era capaz de ver o desejo estampado novamente, na expressão carregada dos olhos completamente voltados aos seus lábios, mais intenso e mais palpável do que a primeira vez em que praticamente enxergara sob de suas vestes, a distância e o nome os separando. O título voltara a ser tudo de que se lembrava. Dessa forma, apesar do ofego perdido em vontade, afastou-se engolindo em seco e abaixando o rosto novamente. Ela sempre se curvava a ele.

— Não.

ATO VII  

Em outubro, com os ventos frios de outono açoitando as janelas de Wiltshire, a monotonia se foi.

Sua negação bastara e não houve qualquer contato ou iniciativa de Malfoy. Percebera a ausência por períodos de tempo maiores, mas era sabido que, ao contrário de seu pai, enclausurado como um ancião naquele lugar, estava fazendo política. Narcissa murmurava que o filho era exatamente como ela nesse sentido, mas somente quando alguém tocava no assunto. A mulher que, em seu luto, podia ser constantemente vista em roupas debaixo e/ou enrolada em mantas quentes, sentada ao lado da janela de seu quarto parecia perder a noção de realidade muito rapidamente.

No entanto, deixara sua própria catatonia pós-morte para adentrar um permanente estado de alerta no Castelo, atenta sobre onde o Conde estaria e o que faria para evitá-lo, o que a distraía e a deixava cada vez mais acostumada com o vazio de sua casa e à cozinha chefiada pela Sra. Weasley. Tentava ignorar a esmagadora sensação de solidão que a acometia em determinadas horas do dia, que ia e vinha com frequência e de forma inesperada, se irritando por julgar-se tão fraca. Pessoas morriam todos os dias, às vezes de forma mais cruel devido à guerra, e aqueles que ficavam sempre se levantavam em algum momento.

A chegada da comitiva de Malfoy, vinda de Londres, teria sido anunciada com pompa e circunstância, caso o Conde houvesse chegado bem. Ao contrário, a perna dele sangrava densamente na altura do tornozelo e o homem ofegava de dor. Foram atacados por um bando fora-da-lei, todos usando no peito a rosa branca de York, segundo Nott e Zabine. Olhando criticamente o ferimento, percebera a gravidade e a responsabilidade de Remus Lupin, o padre médico enviado para atendê-lo, tendo o osso se soltado quase que completamente e a perna estando em um ângulo estranho.

— Mandou me chamar, senhor? – Perguntou em voz baixa, parada há uma distância apropriada da cama de grossos dosséis de madeira escura, onde o mesmo repousava há três semanas a fim de não colocar o pé no chão.

— Preciso que redija algumas cartas para mim. Sente-se ali e eu ditarei.

Malfoy encontrava-se claramente mal humorado e impaciente, percebeu enquanto rapidamente copiava o que ele mandava. Eram cartas aos partidários da causa Lancaster, os quais nunca se satisfizeram com a derrota, mesmo após tanto tempo após o último conflito que resultara em sangue, morte e prisões. Hermione entendia que o trono significava glória e privilégios, mas não via motivos para insistir quando o direito de todos os partidários eram legítimos e aquele perdera justamente. A ambição fora e continuaria sendo a ruína de muitas famílias nobres.

— Onde aprendeu a escrever? – Perguntou assim que terminou de conferir o trabalho feito por ela com as cinco cartas em mãos.

— A Abadessa McGonnagall mantinha uma classe restrita para jovens meninas na Abadia. – Deu de ombros. – Para o ensino básico, além do religioso, é claro.

— Não sabia que meu pai tinha permitido qualquer tipo de escola nas dependências da Abadia.

Como Conde e dono das terras onde a Abadia se encontrava, Lucius havia sido por muito tempo o responsável pela manutenção da igreja local. Uma escola despendia dinheiro e tempo dos envolvidos, por isso, não permitira que fosse construída uma ala completa com essa finalidade. Assim, a velha senhora, que tanto lutara pelo ensino das meninas e era responsável por chefiar os escassos recursos do convento, passara por cima da negativa expressa do senhor.

— Ele... Ele não permitiu, senhor.

— E essa classe ainda existe? – Percebeu que dissera a coisa errada ao ver o interesse na voz dele e, por isso, não respondera inicialmente. – Granger?

— Sim. – Mudara o peso de um lado a outro. – Senhor... Peço que não encerre a classe. São apenas dez meninas para todo o Condado, e... Com as aulas, que incluem não apenas ler e escrever, como também números e ofícios de costura, elas podem ter chances de prosperar sem que precisem vender seus corpos ou sua mão de obra barata. Essas garotinhas... Merecem uma oportunidade e... Sem isso, elas não terão nada. Continuarão em ignorância, vulneráveis àqueles que têm a intenção de enganá-las. Isso é mais comum do que o senhor pode pensar e...

— Não disse que ia interromper as aulas. – Foi interrompida, antes que continuasse a balbuciar nervosamente, embora não parecesse estar lhe dando atenção ao devolver as cartas para que entregasse ao mensageiro. Ele aproveitou o instante, porém, para segurar seu pulso, não de maneira que machucasse, mas obrigando-a a manter-se próxima a cama. Encostado à pesada cabeceira de madeira, com travesseiros às costas, Malfoy examinava insistentemente todo seu rosto. – Obrigado pela ajuda com as cartas, Granger.

— Sempre que precisar, senhor.

— Eu irei. – Então, teve de se apoiar na cabeceira firme logo ao lado dele quando a puxou para mais perto de maneira inesperada, os olhos dele diretamente em seus lábios ao sussurrar. – Ainda quero beijá-la, tanto quanto naquele dia.

Involuntariamente, baixou os olhos para o braço que ele segurava. Por muitos dias após o encontro na pequena capela, pensou sobre a proximidade, sobre a excitação e o estado em que ficara após ter sobre si aquele olhar. Era estimulante, principalmente para alguém de natureza curiosa como ela, mas não valia à pena e somente esse fator se sobressaía em sua mente. Não almejava ser como aquelas que, costumeiramente, julgava por desejar seu charme fácil, seu sorriso malicioso e o olhar tempestuoso completamente direcionado a elas.

— Deixe-me ir. – Voltou a encará-lo, com mais firmeza. – Por favor.

— Por quê? – Malfoy não se referia ao seu pedido, mas à sua negação como um todo. Homens como ele não estavam acostumados a não terem suas vontades atendidas, especialmente no que se referia às mulheres que não podiam negá-las.

— Porque sabemos como a história termina.

Let the sky fall


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