Luzes da Rebelião escrita por Marcelo


Capítulo 11
Capítulo 11 - Uma longa noite.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/774871/chapter/11

Os filhos permaneceram ao redor do pai que tentava abraçar a todos ao mesmo tempo. Charles era um homem preocupado com a família e era exatamente por isso que construiu aquela casa, para tê-los próximos e seguros. Durante muitos anos trabalhou para que conseguisse ter seus quatro filhos ao seu lado. Ainda que não entendessem, Charles teve sérios motivos para mantê-los separados até aquele momento. Depois do primeiro momento com os filhos, em que todos, cada qual do seu jeito curtiu o momento de estar em família, Gus, como era de seu temperamento inquisidor, teve um acesso de raiva, queria algumas explicações e deixou isso mais do que claro. Olhou seriamente para o irmão mais velho que entendeu a incógnita que havia se formado ali. Sabia que aquele era o momento de esclarecer as coisas.

— Gus, espero que entenda. Não foi nossa culpa. Não havia outra maneira. Tivemos que esconder de você, mas foi o papai quem disse que era para voltar para casa caso estivéssemos todos juntos e precisando de ajuda. Eu achei que este era o momento apropriado.

—E fez muito bem, Pedro. Fui eu quem os proibiu de contar, disse Charles. Não era seguro, bem, ainda não é seguro. Para todos os efeitos tenho que “permanecer” morto. De forma alguma a Firma pode saber que estou vivo, caso contrário me perseguirão até me encontrar, e se me encontrarem há muitas chances de encontrarem vocês também e sabe-se lá o que podem fazer conosco. Alguns dizem que estão tentando nos escravizar e usar nossos poderes contra nós mesmo. Bem, muitos por ai usam seus poderes contra os próprios irmãos, mas não são pessoas decentes. Se é que me entendem. Não podemos permitir que isto aconteça.

Depois que o pai terminou de falar. Petro retomou a palavra e seguiu falando.

— Foi ideia do papai. A Firma estava chegando muito perto de vocês. O papai temia que eles fizessem com você o mesmo que fizeram com sua mãe.

—Como assim, você está me dizendo que minha mãe foi morta por agentes da Firma?

— Sim, segundo o papai, a Firma descobriu onde vocês viviam e ficaram na espreita. Quando a sua mãe precisou ser hospitalizada, eles aproveitaram a oportunidade. Invadiram o quarto em que ela estava e injetaram algo em seu medicamento. Pelo jeito era algo muito forte e que passou despercebido no exame cadavérico. Não conseguiram descobrir o real motivo da sua morte. Como estava no hospital o médico escreveu na documentação que faleceu por parada cardíaca, é claro que o coração dela havia parado, mas as circunstâncias eram muito obscuras. Eles queriam dar um aviso ao papai. Logo depois disso, o papai fez o máximo possível para te esconder. Segundo me contou, vocês viajavam muito na época. O apartamento que vocês moravam já era antigo e o papai deu um jeito para tornar aquele local o mais indetectável possível para os adormecidos. Durante muito tempo viveram ali, longe da visão dos curiosos que com o tempo perderam o interesse por vocês que ficaram seguros por um bom tempo, até que o papai foi emboscado por um agente. Isto foi há alguns meses.

—Eu achei que estávamos seguros, disse Charles. Eu saia as vezes para conversar com seus irmãos saber como estavam. Ficava fora de casa apenas o tempo necessário para conseguir ter controle dos negócios e ver meus filhos. Quando aquele agente idiota me encontrou, acabei o matando e arrastei o corpo do infeliz através do tempo, falou Charles.

—Bem, continuando, retorquiu Petro. Foi aí que o papai teve a ideia.

—Que ideia?

—De desaparecer. Disse que só te deixariam em paz se ele estivesse morto. A nossa missão, minha e de Cassie era conduzir você durante a sua iniciação assim que chegasse à sede. O papai nos pediu para nunca dizermos nada sobre nosso passado com ninguém. Seria mais seguro assim.

Foi nesta época também que o papai nos apresentou Leo. Explicou a ele sobre nós e vice-versa. Ele entendeu tudo, e embora nos aceite bem, não se entrosa conosco, sempre age sozinho na maioria das vezes.

—E como eu” fui resgatado, perguntou Gus, frisando bem a palavra.

—Eu e Cassie combinamos que diríamos ao Edward que havíamos descoberto outro desperto. Não demos muitos detalhes sobre você, apenas indicamos o local onde você estava. O Edward designou Ohanna para se certificar quanto ao seu potencial mágiko e depois de ter sido confirmado, mexemos os pauzinhos para que o teu resgate fosse logo após a “morte” do papai e neste tempo o Leo, além de já havia sido apresentado e inserido na sede, pouco depois conseguiu ganhar a confiança dos recrutadores e se infiltrou na Firma. Edward ficou satisfeito com isso. Leo trazia-lhe informações da Firma que sempre era mantida longe no nosso encalço.

— Assim que a Firma me encontrou e precisava te proteger, eu e seus irmãos bolamos o plano. Forjaríamos a minha morte, disse Charles.

—O Petro conseguiu a poção necessária lá mesmo na sede, era uma poção muito forte, feita a partir de tinturas de ervas raras, disse Cassie intervindo pela primeira vez.

—Sim, consegui a poção que o papai me pediu. Não foi fácil consegui-la em meio a tantas outras. Revirei o depósito de ingredientes da sede até conseguir encontrá-la.

—Depois que Petro me entregou a poção comecei a toma-la. Tinha que ter o cuidado para que meu corpo parecesse debilitado com o decorrer do tempo, mas sem levantar suspeitas.

—É por isso que você ficou doente, disse Gus, lembrando-se do ocorrido e juntando as pontas soltas.

—Sim, quando vi que estava preparado. Avisei aos seus irmãos que o momento havia chegado e então se prepararam para a exumação. A única coisa que tinham que fazer era conjurar um esqueleto para colocarmos no lugar em substituição a mim.

—Logo depois do enterro, eu, Leo e Cassie fomos ao cemitério e retiramos o papai de lá. Colocamos o esqueleto no lugar e saímos de lá o mais rápido possível. O papai desapareceu por algum tempo até que nos contatou e acabou voltando para casa. Esta casa.

—E onde você esteve, perguntou Gus, o inquisidor.

—Fiquei escondido um tempo no limiar da umbra. Valkíria esteve comigo grande parte do tempo. Ela é uma boa amiga. Manteve tudo isso em segredo.

Gus se lembrou da conversa que ouviu na sala da Verbena quando ela mencionou que ele, Gus, tinha o direito de saber a verdade.

—Agora, nesta casa, posso viver com conforto e estar mais perto de vocês, disse Charles. Aliás, acho que é hora de darmos uma olhada no Leonardo.

Os quatro seguiram até a ala médica. Leo parecia estar bem. Dormia um sono tranquilo e de acordo com o novo relatório estava tudo bem. Isto indicava que estava em processo de cura. Charles incumbiu Gus de prestar assistência ao irmão com seus poderes mágikos, uma vez que ele era o mais indicado para isso.

 

Depois retornaram para a sala. Cassie já se sentia melhor das dores de cabeça e foi preparar um chá para servir, pois sabia que aquela seria uma longa noite.

—Pai, você poderia me explicar como tudo aconteceu, quero dizer. Fale um pouco sobre a sua vida, sobre nós.

—Eu sempre esperei por esse momento filho. Gostaria que seu irmão Leonardo pudesse participar desta conversa, mas ele sabe da maior parte das coisas, uma vez que esteve comigo quase a sua vida toda. Nós tivemos muitas conversas a sós, antes e depois de ele ser apresentado aos irmãos. Tenho certeza que ele não se incomodará se conversarmos só nós.

—Eu nasci em 1960, meus pais eram muito pobres. Vivíamos em um bairro afastado em São Paulo. Meu pai era funcionário em uma fábrica de sapatos, ganhava muito pouco e sua avó, minha mãe, era dona de casa. Eu estava com quatro anos quando a ditadura militar foi instaurada; eu não sabia na época, mas seu avô era militante contra a ditadura. Foi preso, torturado e morreu em 1970 nas mãos da polícia. A sua avó com um filho pequeno ficaram completamente desamparados. Tínhamos a casa, mas pouca coisa além disso. Ela fazia costura para fora e vivíamos com dificuldade. Até que cresci um pouco mais e aos treze anos consegui trabalho em uma mercearia perto de casa. Ganhava pouco também, mas conseguia ajudar em casa. Quando eu tinha dezesseis anos comecei a sentir que as coisas estavam diferentes. Sentia que as vezes o tempo passava muito rápido e outras vezes muito devagar. Até que um dia, em meio a uma crise de fúria, desejei que todo aquele sofrimento passasse e ao meu redor surgiu um halo de luz tênue como a me envolver. Do lado de fora as coisas passavam rapidamente diante dos meus olhos. Vi claramente o momento exato da morte da sua avó e quando dei por mim tudo acabou. Estava no mesmo lugar e a vida seguiu. Conforme o tempo foi passando as coisas aconteciam exatamente como tinha visto quando estava dentro do halo. A sua avó morreu nas mesmas circunstâncias como eu já havia visto antes e depois disso, já sozinho no mundo, meus poderes foram se desenvolvendo aos poucos, continuei trabalhando e fui aprimorando a minha conexão com a esfera Tempo. Comecei a fazer outros efeitos de outras esferas, porém tudo me parecia muito pequeno, inferior. Assim, passei a dar atenção quase exclusiva à esfera Tempo. A única esfera que também me especializei mais foi a esfera Correspondência, porque sabia intimamente que precisaria dela para conseguir meu intento. As outra esferas praticamente sucumbiram ao poder destas e acabaram sucumbindo.

Quando estava com dezoito anos, em 1978, vendi a casa dos meus pais. Preparei um ritual de tempo no qual estava trabalhando há algum tempo e decidi viajar cinquenta anos adiante. Tinha interesse em saber como as coisas seriam, prometi apenas observar para que nada saísse do seu eixo. Viajei através do tempo até 2038. Lá o mundo não é o mesmo, a arquitetura é diferente, muito parecida com aquelas que vemos nos filmes futuristas, já não há tantos limites entre as nações, é claro que há um controle, mas se a pessoa decidir corar em outro lugar do mundo, não é difícil conseguir autorização dos governos, desde que seja provado que a pessoa não está mal intencionada. Os criminosos no Brasil, na sua maior parte, estão cumprindo prisão perpétua agora. Aqueles que ainda estão nas ruas, vivem sorrateiros, perambulam a noite para não serem vistos. Não há pena de morte, mas os presos também não têm tantos privilégios como hoje. Toda a sociedade está mais engajada e em muitos aspectos é considerada mais justa. A Firma ainda existe, é claro, ainda somos o foco, mas também estamos mais fortes.

No futuro eu conheci a Laura, mãe de Cassie.

Quando a filha ouviu o pai mencionar o nome da mãe, se ajeitou no sofá para ouvir o que ele dizia.

—Eu me apaixonei por ela. Era linda, inteligente e animada, tinha um sorriso lindo. Nos casamos seis meses depois de nos conhecermos e ela ficou grávida. É claro que eu nunca disse nada sobre a minha habilidade de viajar no tempo. Durante muito tempo pesquisei sobre os resultados da loteria antiga. Eu queria voltar e ganhar dinheiro. Infelizmente minha primeira esposa morreu no parto. No futuro a medicina está mais avançada e as pessoas já não morrem de certas doenças. O médico disse que foi uma fatalidade. Uma tia da Cássia, irmã da mãe dela ficou cuidando da pequenina. Eu voltei no tempo e joguei na loteria, ganhei muito dinheiro e investi em ações confiáveis. Meus lucros cresceram e estava vivendo entre o passado e o futuro quando conheci a mãe do Leonardo 1988. Nos envolvemos muito rapidamente, foi uma paixão alucinante que nos envolveu. Ela ficou grávida, mas nosso relacionamento não deu certo. Embora tenhamos nos separado, comprei uma casa decente para ela e sempre cuidei do meu filho que nasceu em 1989, o visitava com frequência, passeávamos pela cidade, íamos ao cinema, parques de diversão. Eu sempre fiz questão que o Leonardo fosse estudioso. Ele já era adolescente quando teve a sua primeira experiência mágika e só então aprendi que o poder se passava geneticamente, mas se manifestava de maneiras diferentes. Eu o conduzi da melhor forma possível, ele aos poucos foi entendendo que não era comum.

Eu voltei a viajar para o futuro e passei um tempo com Cássia. Esporadicamente voltava para visitar Leonardo e cuidar dos negócios. Também sempre dei suporte à tia de Cássia.

Foi numa destas viagens entre passado e futuro que conheci uma outra mulher, era 1992, Daniela era seu nome. Ela era meiga e carinhosa, eu me apaixonei. Por questão de segurança nunca mencionei meus outros filhos, é óbvio, seria uma loucura para ela. Embora estivéssemos em 1992, Cassie estava no futuro, já era adolescente lá e Leonardo também já era adolescente dos anos 2000.

Depois de alguns meses, ainda em 1992 Pedro nasceu. Agora eu já tinha três filhos, dois deles em linhas diferentes do tempo. Eu me revesava entre um filho e outro da melhor forma que podia. A Firma que até então me era completamente desconhecida, começou a me rastrear. Eles sempre tiveram a missão de destruir os despertos. Tive o azar deles descobrirem Daniela. A Firma invadiu nossa casa e a mataram. Eu fiz o que pude para manter Petro o mais longe possível. Contratei uma senhora para cuidar dele. Pagava-lhe um bom salário e sempre foi muito discreta.

Pouco tempo depois conheci outro desperto, o Edward. Ela havia acabado de chegar do exterior e se fixado no Brasil. Descobri que ele era desperto completamente por acaso, entre ouvi uma conversa dele ao telefone que me chamou a atenção. Me aproximei dele e fiz amizade, nos encontramos algumas vezes para beber e conversar e acabamos nos conhecendo melhor. Eu sempre fiz questão de manter minha prole sob o mais absoluto sigilo. Ele me explicou que era diretor numa espécie de escola para despertos como nós. Era um local seguro contra a Firma até que as pessoas encontrassem seu próprio caminho. Sabendo disso perguntei a ele se poderia alojar dois jovens que havia conhecido e que estavam precisando de um local como aquele. É claro que ele aceitou me ajudar, afinal era aquele mesmo seu propósito.

Depois de tudo marcado. Viajei ao futuro e depois de recompensar muito bem a tia de Cássia, disse a ela que pretendia viajar com minha filha para o exterior. Depois de ter uma conversa séria com ela, descobri que ela já havia despertado para a mágika também, que sua maior especialidade era com as tecnologias, ou seja, era uma adepta da virtualidade. A trouxe para esta época e deixei ela aos cuidados de Edward.

Voltei no tempo e convenci Pedro a me acompanhar apenas alguns anos no futuro. Pedro tomou ciência da irmã e pedi a eles que se mantivessem incógnitos. Pedro rapidamente se ambientou na sede depois de estudar muito começou a tutorear.

Voltei no tempo mais uma vez e conheci sua mãe Gustavo. Ela era uma mulher madura e espontânea. Foi fácil nos envolvermos. Ela engravidou pouco depois de irmos morar juntos. Você era um menino maravilhoso, sua mãe era muito cuidadosa e te amava tanto. Infelizmente a Firma nos encontrou e ceifaram a vida dela apenas para me atingir, disse Charles com lágrimas nos olhos. Mantive você seguro o mais que pude e pelo tempo que consegui. Bem, o resto você já sabe.

O silêncio se arrastou por um longo tempo. Charles já estava na sua terceira xícara de chá. Gus, Petro e Cassie tinham ouvido aquela história pela primeira vez e de alguma forma, suas vidas tinham ganhado um novo sentido. Havia certamente muito ainda a ser digerido e compreendido que só o tempo colocaria no lugar. Todos se sentiam cansados, mas antes de se deitarem, foram novamente até a sala onde Leo estava acamado. Gus disse a todos que fossem para a cama, pois ficaria com o irmão e cuidaria dele da melhor forma que pudesse. Quando todos se recolheram, Gus se sentou na cadeira ao lado da cama de Leo, olhou no rosto do homem. Só agora podia ver o quanto ele se parecia com seu pai. Supunha que todos eles tinham adquirido traços marcantes de suas mães, mas Leo não. Talvez tivesse adotado o bigode para disfarçar as feições. Olhou pare ele com certo carinho. Antes achava que Leo era apenas um amigo, mas agora pertenciam a mesma família.

Concentrou-se por um minuto e postou as mãos sobre o irmão. As energias foram emanadas em ondas salutares que atingiram o campo energético do doente. Tinha a esperança que ao amanhecer o irmão acordasse se sentindo melhor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Luzes da Rebelião" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.