Areias do Tempo escrita por hina dono


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

oi, oi ♥ como vão vcs? pensei que falharia com vcs na postagem dessa semana, mas não falhei!



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Finalmente tinham retornado para casa. Não, ainda não estavam em Tóquio, mas já tinham cruzado a fronteira que dividia os youkais dos humanos, o que já era um grande avanço.

Não demorou tanto quanto ela pensou que demoraria. Quer dizer, quinze dias haviam se passado desde que eles tinham abandonado Tóquio e saído naquela jornada estúpida e isso, devido as circunstâncias, poderia ser considerado um tempo relativamente grande. No entanto, tinham permanecido apenas dois dias no território de Edras, o que era pouco considerando que Aya chegou a acreditar que eles nunca mais sairiam de lá. Pelo menos não com vida.

Principalmente depois do que tinha acontecido...

Embora fosse de se imaginar que buscas seriam realizadas para encontrá-los, quando descobriu que os humanos invadiram as terras de Edras atrás deles, tinha entrado em estado de choque.

A notícia tinha os alcançado pela manhã, através de Kou, um dos youkais responsáveis pelo monitoramento da fronteira. Aparentemente, humanos haviam transpassado a cerca - a mesma com várias placas alertando o perigo que era seguir adiante - minutos antes.

Aquilo imediatamente chamou a atenção dos youkais, que levantaram-se de seus lugares em um pulo.

— Quero detalhes, Kou! - exigiu Yuki, totalmente focada no novo assunto.

— Estávamos monitorando a barreira, como de costume, quando o sinal foi emitido. Enviamos a patrulha mais próxima para averiguar e eles avistaram uma dúzia de humanos, todos armados adentrando nossas terras - explicou o youkai. - Estamos de olho neles, somente à espera de suas ordens, general.

Acenando, ela virou-se para Aya, séria, e perguntou:

— O que significa isso?

— Hã? - murmurou, confusa. - Como assim?

— O prazo que vocês deram a eles já se encerrou? Por isso eles estão aqui?

— Ah...

Aya tinha esquecido-se desse pequeno detalhe. Durante a reunião que tiveram com Sesshoumaru, havia deixado que os youkais acreditassem na existência de um plano B que, obviamente, não existia. 

"Embora agora pareça bem real..."

Olhou para Hitoshi buscando alguma orientação, mas ele parecia mais perdido que ela. Já estava desesperando-se quando a mais improvável das pessoas interviu a seu favor:

— Não - negou Satoru -, eles estão adiantados. O combinado era quinze dias, mas creio que não puderam mais aguentar de preocupação por Sua Majestade.

Yuki cerrou os olhos àquilo, se de suspeita ou por ter notado a provocação na voz dele, Aya não sabia dizer. 

No entanto, se chegou a duvidar de algo, não deixou transparecer, dizendo apenas:

— Entendo... Nesse caso, vocês terão de pará-los antes que eles se aproximem demais.

— Yuki! Enlouqueceu?! - Shippou exclamou.

— Não. Apenas acho que já que foram eles que causaram esse problema, nada mais justo que seja eles a resolverem.

Os dois se encararam por um instante, como se discutissem algo através de olhares. Interiormente, Aya questionava-se há quanto tempo eles se conheciam para poder ter aquele tipo de conversa. Já devia fazer anos...

De repente, Hitoshi desviou o olhar, negando com a cabeça.

Parecia que alguém tinha vencido aquela pequena batalha. E não havia sido ele.

— Está bem - ele concordou. - Mas nós estaremos bem atrás de vocês, não se esqueçam disso.

Naquele momento, Aya interpretou tal aviso como uma ameaça, todavia, horas mais tarde, viu aquilo como uma benção, quase como um milagre.

— Aya-nee-san? 

O sussurro de Hitoshi lhe retirou de suas lembranças, trazendo-a de volta para a pequena casa que ocupavam temporariamente.

Não planejavam, ou melhor, não podiam ficar muito tempo em um lugar só. Hitoshi e ela eram muito conhecidos e os youkais que os acompanhavam simplesmente não podiam ser avistados. Ainda não era hora para causar alvoroço revelando a existência de uma nova raça ao mundo.

 A casa em que estavam tinha sido arranjada por Satoru, o menos conhecido, porém com mais conhecimento entre eles. Embora tivesse sido uma surpresa descobrir a quantidade de identidades falsas que o homem levava em seus pertences - devolvido a eles pelos youkais -, não podia negar que estava grata por aquilo. Graças a ele e seu plano de viajarem à noite enquanto descansavam de dia, tinham conseguido vencer boa parte do caminho até Tóquio em segurança.

Suspirou, agradecendo internamente por pelo menos aquilo estar ocorrendo como o planejado.

— O que foi? - respondeu ao chamado do primo.

— Estamos nos preparando para seguir viagem... Já comeu?

— Sim - disse, embora só tivesse comido uma fruta durante o dia inteiro.

— Você está bem? - questionou em um sussurro.

Agora... como responder aquilo? Sim, ela estava bem. Não tinha comido, mas não estava com fome. Também não tinha dor, embora o cansaço da viagem estivesse começando a afetá-la. No geral, estava bem. E talvez o problema fosse justamente esse. Depois do que tinha acontecido quatro dias antes, tinha todos os motivos para não estar se sentindo bem e ainda assim... 

— Eu não sei - confessou. - Acho que ainda estou em choque com tudo isso...

Sentando-se ao seu lado no chão de madeira, ele disse:

— Eu também não entendo, Aya... Por quê?

Por quê? Bem, essa parte parecia bem óbvia para ela, mas não o julgava por ainda não ter entendido. Hitoshi tinha o dom de sempre esperar o melhor das pessoas, por isso era mais difícil para ele acreditar.

Acreditar que tinham sido traídos.

Novamente, foi tragada para dentro de suas memórias, para o dia em que quase perdeu a vida.

Após a decisão de Yuki, Hitoshi e Aya tinham sido obrigados a seguir em direção à entrada de Edras. Apesar dos apelos de Satoru, apenas os dois receberam permissão para sair de onde estavam - onde quer que isso fosse. Novamente vendados, usaram o mesmo "transporte" para seguirem viagem - uma muito mais longa dessa vez. Em parte porque o caminho era realmente mais longo, mas também porque a guia da vez era uma completa desequilibrada.

— Pare com isso! - gritou desesperada quando Yuki fez uma nova pirueta no ar.

Rindo, a youkai respondeu:

— Você disse que queria saber em cima do quê estamos voando! Tente adivinhar!

— Apenas diga o nome! Não há necessidade disso!

— Mas assim não tem graça!

— Eu vou te dizer o que não tem graça, sua...

— Estamos chegando! - avisou, interrompendo o que seria um xingamento seu. - Segure-se, vamos descer!

Contra sua vontade, Aya segurou-se mais firmemente na youkai. Durante a partida, tinha recusado-se e quase caiu por conta disso. Não ia se arriscar de novo.

Já no chão, Yuki foi a primeira a descer enquanto ela permaneceu no mesmo lugar, agarrada à algo enrugado e levemente escamoso - diferente do outro "transporte", aquele não possuía uma cela -, sem saber o que fazer. Será que tinha permissão para retirar a venda?

Antes que pudesse questioná-la a respeito, no entanto, a youkai já estava segurando-lhe pela cintura e puxando-a rudemente para baixo.

Soltando um gritinho assustado, agarrou-se a ela, recusando-se a soltá-la antes de sentir o chão sob seus pés.

— Prontinho, princesa - Yuki debochou.

Irritada, Aya não esperou permissão e foi logo tirando a venda de seu rosto. Devido à claridade, precisou fechar os olhos por um segundo. Quando voltou a abri-los foi devagar, para que pudesse se acostumar. 

A primeira coisa que viu foram os olhos da youkai que, como pensou, pareciam com mel derretido quando banhados por luz solar. Ela a encarava fixamente, parecendo se divertir com a situação.

— Solte-me! - ordenou, assim que notou que as mãos delas continuavam em sua cintura.

Criatura abusada!

— Calma, princesa, nada de movimentos bruscos - aconselhou, fazendo pouco caso de sua ordem. - Você não vai querer que minha amiga Danai pense que está tentando me machucar.

Amiga?

Foi quando começou a prestar atenção ao seu redor. Estavam em uma clareira, onde flores e ervas-daninhas cresciam indiscriminadamente. Mas não foi isso que chamou sua atenção e sim a imensa sombra formada no chão. Não poderia ser a copa de uma árvore já que a mais próxima estava a metros de distância...

Empertigou-se quando a sombra mudou de posição. Tinha ficado claro tratar-se do "transporte" que usaram para chegar até ali. Arrepios subiram da ponta de seus dedos dos pés até sua cabeça quando, com sua visão periférica, captou o movimento de uma cauda cheia de escamas pontudas remexer-se rasteira pelo chão, podando as flores no processo.

— Deus! - gritou assustada quando Yuki fingiu empurrá-la em direção àquilo.

A youkai afastou-se dela, rindo histericamente. Aya usou essa oportunidade para afastar-se daquela criatura o máximo que suas pernas trêmulas permitiram - o que acabou sendo uns míseros cinco passos -, antes de cair de joelhos no chão.

Ofegante, sentia como se seu coração fosse sair por sua boca a qualquer momento, tão forte ele batia.

— Ei... - a outra chamou, hesitante. Tinha finalmente parado de rir. - Você está bem?

Aproximando-se tentou tocá-la, mas teve seu toque rejeitado com um tapa.

— Não é pra tanto...

— O que é aquilo? - perguntou, sua voz trêmula.

— O quê? Você ainda não descobriu? - soou surpresa. - É um dragão...

— Um... dragão?

— Exato.

Um dragão, é claro. Dragões existiam e viviam ali, em Edras. Fazia todo o sentindo. 

— E veja, mais um se aproxima! - alertou.

Dois. Agora eram dois.

Ainda de joelhos, murmurava um mantra em específico em sua mente:

"Eu posso lidar com isso! Eu posso lidar com isso!"

Pôde sentir o vento e poeira em seu rosto quando a outra criatura pousou.

— O que está acontecendo? - perguntou Shippou, sua voz um pouco longe de onde elas estavam.

— Acho que os dragões foram extintos do lado de lá...

— Dragões? - outra voz questionou.

"Hitoshi..."

Sabendo que não podia passar por aquele papelão na frente do primo, Aya fez de tudo para recompor-se. Firmando as mãos no chão, conseguiu apoio para levantar-se. Embora suas pernas ainda estivessem um pouco bambas, firmou-se de pé sem maiores problemas. Engolindo em seco, criou coragem para finalmente abrir os olhos...

... E encantar-se com uma bela visão. 

À sua frente, com apenas alguns metros de distância os separando, estava uma majestosa criatura. Enorme, com a pele de aparência grossa, preto como a noite, suas asas estendidas no chão, servindo como escada para Shippou descer trazendo consigo Hitoshi, ainda vendado... Lá estava outra criatura saída direto das páginas de um livro....

— Dragão... - sussurrou, encantada.

— Dragão! - gritou Hitoshi, ao mesmo tempo que ela, olhando e apontando para algo às suas costas.

Não precisava virar-se para descobrir o que tinha chocado tanto o primo, mas ainda assim o fez. 

Aquele era um pouco diferente. Menor, com uma cor mais esverdeada... Entretanto a maior diferença encontrava-se no fato daquele dragão possuir duas cabeças. Duas enormes cabeças, ambas voltadas para ela, quatro olhos a encarando...

 Não sabia como ainda estava de pé...

Riu, abobada. Aquilo era simplesmente...

— Fantástico...

— Dragões existem?! - Hitoshi questionava ao mesmo tempo que afirmava: - Dragões existem! Nee-san, olhe!

Contagiada pelo entusiasmo dele, sua risada aumentou.

— Estou vendo!

— Uau! - O rapaz levou as mãos à cabeça, sua boca formando um perfeito "o". - Isso é incrível! Assustador! Mas incrível!

— Tenho de concordar com você, humano, Danai é incrível - disse Yuki, acariciando o longo pescoço do animal.

— E Kuroo não fica atrás! - Shippou concordou, cruzando os braços e olhando satisfeito para o outro dragão.

— Eles têm nomes?! - Hitoshi inquiriu.

— É claro que tem nome! - a youkai respondeu, ofendida. - Eles são da família!

— Ah, entendo... Desculpe... - pediu, levemente constrangido.

Contudo, seu constrangimento durou quase nada.

— Eu posso ter um?!

— Hitoshi! - exclamou, horrorizada pelo pedido do primo. - Por favor, controle-se!

— Foi mal, humano, mas duvido que sua raça seja digna de domar um dragão - Yuki provocou, divertindo-se com a atitude da criança humana.

— Ah... - murmurou, abaixando a cabeça.

— Não se preocupe, Hitoshi - Shippou falou, tentando consolar o jovem, após as palavras rudes da amiga -, isso não é exclusividade dos humanos. Dragões são seres exigentes. Eles odeiam ser montados por qualquer um. A própria Yuki levou algumas décadas para conquistar Danai e olha que ela já pertencia à sua família!

— Essa gatinha aqui foi a garota mais difícil que tive! - admitiu, sem nem um pingo de vergonha.

Todavia, não foi aquilo à que Aya se prendeu e sim a uma parte da frase dita pelo youkai-raposa: "Yuki levou algumas décadas para conquistar Danai". Como assim décadas? Ela não seria tão velha assim, certo?

Cogitou externar seus pensamentos, mas não teve tempo. A general logo os redirecionou para o motivo que tinha os levado até ali: encontrar os humanos invasores e impedir que eles fizessem alguma besteira.

— Mudando de assunto, vocês dois se lembram do que devem fazer, certo?

— Hai! - concordaram, assumindo expressões sérias.

— Quero ouvir - ordenou.

— Não que não confiemos em vocês, é claro - o kitsune emendou -, só precisamos ter certeza de que sabem como agir.

Embora insultada pelo novo ataque à sua inteligência, deu a eles o que queriam ouvir:

— Irei simular um encontro "casual" com eles. Obviamente, haverão perguntas de ambos os lados e quando for minha vez de responder fingirei não ter encontrado nada, embora tenha de deixar claro que não voltaremos com eles. Se preciso, os levarei até o nosso "acampamento", onde Hitoshi usará sua posição para forçá-los a partir. Após vocês terem se certificado que eles deixaram os limites de Edras, nós retornamos para nosso ponto de encontro, essa clareira. - Fechou os olhos, entediada. - Satisfeitos?

  - Quase...

Ela aproximou-se tão rápido que quando Aya se deu conta a youkai já tinha afastado-se, levando com ela pedaços de panos arrancados de sua roupa.

— Ai... 

Levando a mão à face esquerda, sentiu um filete de sangue molhar seus dedos.

— Ei! O que está fazendo?! - Hitoshi saiu em sua defesa.

— A atuação de vocês têm que ser perfeita, estou apenas ajudando. - Deu de ombros. - Lembre-se que se eles desconfiarem de algo, não poderão sair daqui...

— Eles não vão - garantiu, limpando o sangue de qualquer jeito. Daquela forma pareceria que tinha se arranhado durante suas andanças pela floresta.

— Ótimo.

— Faça em mim também! - sugeriu Hitoshi.

— Não.

— Por que não?!

— Porque você é o precioso Imperador que foi deixado em segurança no acampamento enquanto seus súditos arriscam suas vidas para conseguir comida e água para Vossa Majestade. É por isso - debochou, revirando os olhos. - Não destrua o disfarce, sim?

— Fique tranquilo - disse Aya -, certamente eles exigirão vê-lo e então o senhor poderá ajudar. 

— Entendo... - concordou, ainda um pouco abatido.

— Certo, se não há mais dúvidas, vocês podem ir - comandou Yuki. - Eles estão há trinta minutos de distância daqui, sentido sudoeste. Há uma caverna na metade do caminho, ajeite tudo por lá enquanto sua prima segue em frente. - Apontou para a mochila que o jovem carregava. Tinham a devolvido especialmente para aquela ocasião. - Lembrem-se: vocês perderam quase tudo durante a viagem. Enfim... não iremos com vocês por motivos óbvios, mas já sabem... 

— Estão de olho, sim, sabemos. - Ignorando os youkais, voltou-se para o primo, sorrindo. - Vamos lá.

— Vamos - acenou em concordância.

Juntos, começaram a andar em direção às instruções recebidas e, como previsto, quinze minutos depois, localizaram a tal caverna, onde tiveram que se separar. Hitoshi sugeriu que seria melhor ir com ela, mas Aya foi terminantemente contra. Sabia que estavam sendo vigiados. Quebrar a confiança deles assim seria tolice.

Desse modo, rejeitou a companhia do primo e seguiu em frente, sozinha.

Tinha de confessar que foi uma escolha difícil. Andar por aquela floresta já não lhe parecia tão interessante. Aquela aura, outrora tão acolhedora, agora lhe causava uma sensação ruim. Perguntava-se o que teria mudado...

Estava tão distraída com seus pensamentos e com o ato de procurar plantas e frutos comestíveis pela floresta que nem precisou fingir surpresa quando uma voz disse às suas costas:

— Ora, ora se não é Sua Alteza Aya, Princesa Toshi.

Assustada, virou-se rapidamente em direção a voz, deparando-se com dois homens vestidos com roupas de estampa camuflada. Seus rostos pintados e as armas que impunham deixavam claro tratar-se de militares, enviados especialmente para encontrá-los.

Mas por quem?

— Quem são vocês?! - Deu alguns passos para trás, seguindo à risca o plano.

— Não é óbvio? - Um deles revirou os olhos. - Somos militares e fomos designados para levá-los de volta à Tóquio em segurança.

— O exército japonês...? - perguntou, hesitante. - Como posso saber que são quem dizem ser?!

Ambos olharam-na como se ela fosse um pequeno e irritante inseto, mas não chegaram a esboçar seus pensamentos a respeito de sua pessoa. Um deles apenas retirou de dentro de sua roupa a placa que o identificava como um soldado japonês e exibiu para ela. 

Tendo a confirmação de quem eles eram, deu continuidade ao seu plano individual: era hora de saber quem os tinha enviado.

Aproveitando-se que estava sozinha e que mesmo que os youkais estivessem vigiando-na eles dificilmente poderiam ouvi-la, perguntou:

— Quem os enviou e como sabiam onde nos encontrar?

Foi a vez do segundo militar puxar um papel de um dos bolsos de seu colete.

— Cortesia de Satoru Matsumoto - disse ele, entregando o papel para Aya. - Não que isso o vá livrar de uma severa punição por ter envolvido-se em tal absurdo, é claro.

No papel, havia uma curta mensagem em uma caligrafia impecável. Aya imediatamente reconheceu tanto a letra quanto a latitude e longitude ali representadas. Ele tinha revelado a localização de Edras e deixado uma aviso: 15 dias.

Então não tinha sido improviso quando horas antes ele disse que os humanos estavam adiantados em suas ordens.

"Aquele cretino!", amaldiçoou-o internamente.

— Pode apostar que a punição será severa o suficiente - comentou, já planejando como castigaria o traidor.

— E então? Ao menos encontraram o que procuravam?

E aí estava... É claro que Haru Shinzou mandaria que eles se certificassem a respeito daquele assunto.  O Primeiro-Ministro podia não acreditar na existência de youkais, mas, caso soubesse que eles realmente existiam, seria o primeiro a querer tirar proveito disso. Aquela era a pergunta de um milhão de dólares, a qual deveria responder com extremo cuidado.

Altiva, respondeu:

— Estamos cada vez mais perto.

Bingo! Sabia que o modo perfeito de enganá-los era agir com a arrogância de quem sabia estar errada, mas não pretendia dar o braço a torcer. Pelo modo que os dois se olharam, deviam estar rindo de sua suposta ingenuidade. 

— Sinto muito, Vossa Alteza, mas o passeio de vocês acaba aqui.

— Não irei voltar! - deixou claro. - Nenhum de nós irá!

— Acredito que Vossa Alteza não tenha entendido a gravidade do que fizeram...

— Estou plenamente ciente e pronta para aceitar as consequência de meus atos! - retrucou. - Contudo, não planejo ser punida pela metade! Só sairei daqui quando tiver encontrado o que procuro, não antes!

— Nós temos ordens... 

— Kazuki-san, certo? - perguntou, repetindo o nome que tinha lido na placa de identificação dele. - Esqueça as ordens que recebeu. Vocês dois e qualquer um que esteja com vocês têm novas ordens: deem meia volta, retornem para Tóquio e digam para Haru Shinzou ir cuidar de seus próprios assuntos!

— Sem ofensa, mas a senhorita não está em posição de nos dar ordens - ele retrucou. - Nossa equipe está à serviço do Primeiro-Ministro e...

— Vocês e essa irritante mania de esquecer que a família imperial sempre esteve e sempre estará acima de qualquer Primeiro-Ministro... - Uma voz conhecida soou próximo a eles.

Virando-se para trás, deparou-se com Hitoshi ostentando arranhões e uma expressão enfurecida.

— Vossa Majestade... - As vozes dos militares ecoaram em uníssono. Eles deviam estar realmente surpresos já que não se curvaram como mandava o protocolo. 

Hitoshi percebeu e não gostou disso.

— O que estão esperando? Prestem seus respeitos - ordenou ele.

— Hitoshi...

Aya nunca tinha visto o primo daquela forma. Estava tão surpresa quanto os demais.

— Peço que me perdoe, Aya-nee-san, mas não pude aguardar como me pediu - disse, sorrindo levemente para ela.

Contudo, seu sorriso esmoreceu quando o segundo soldado, aquele que Aya não sabia o nome, debochou:

— Devia ter ouvido a princesa e permanecido escondido, Vossa Majestade.

— O que significa isso?! - Aya exclamou ao vê-los apontar suas armas para ambos. - Vocês perderam o juízo?!

— Como dito anteriormente: temos ordens.

— Acham mesmo que podem apontar suas armas para o Imperador e a princesa e saírem impunes disso? - inquiriu Hitoshi, tentando parecer calmo.

— Sim - foi a resposta insensível de Kazuki. O único aviso que ofereceu antes de atirar no Imperador.

— Hitoshi! - gritou, agachando-se perto do primo, que tinha caído com o impacto.

Ele permanecia em posição fetal, suas mãos levadas à perna esquerda, pressionando o ferimento. Apesar de tentar não demonstrar, sua expressão deixava claro que estava sentindo dor. Muita dor.

— Hitoshi... - continuava repetindo o nome dele, um medo indescritível tomando conta de seu corpo.

Tudo o que conseguia pensar naquele momento é que seu primo iria morrer e ela, mais uma vez, não poderia evitar que algo como isso acontecesse. Porque era fraca, inútil.

— E-estou bem... - ele assegurou, ainda que fosse uma mentira deslavada.

— Por pouco tempo - retrucou Kazuki.

— Tem certeza disso? - questionou o segundo militar. - Não seria melhor finalizá-los depois de encontrarmos todos?

Finalizá-los.

— Não será necessário. A essa hora os outros já os encontraram. O acampamento deles não deve ser longe daqui.

Finalizá-los.

Aya tornou-se alheia a tudo que ocorria ao seu redor. Essa única palavra era tudo o que atravessava a cortina que havia cobrido seus sentidos.

Eles seriam finalizados, mortos. Os dois.

— Por favor... - deixou escapar sem notar.

Não tinha certeza de pelo quê imploraria - para que eles não os matassem? Para que alguém os salvasse? Ou simplesmente para que eles fossem rápidos? -, também não teve tempo para descobrir.

Assim que começou a implorar, a ajuda veio.

Os acontecimentos seguintes estavam confusos em sua mente e era melhor assim. Pelo pouco que se lembrava dos gritos de horror, era melhor mesmo que sua mente tivesse apagado a maior parte daquilo. Mas, resumindo, os youkais chegaram bem na hora, os salvando. Aparentemente, ao tomar conhecimento das ordens que os tinha levado até Edras, Yuki ordenou que os demais humanos tivessem o mesmo destino que aqueles dois cretinos. 

Aya não sabia exatamente como devia se sentir sobre isso. Porém, acreditava que sentir-se grata era um começo.

Suspirando pesadamente, balançou a cabeça para espantar as memórias. Voltando para o presente, para o pequeno cômodo de uma pequena casa na cidade de Yamanouchi, olhou para o homem ao seu lado. Graças ao tratamento dos youkais, seu primo estava completamente recuperado do tiro que havia levado. Quer dizer, recuperado fisicamente. Duvidava que ele fosse se recuperar do choque de ter sido traído por seus próprios súditos.

"Ao menos Satoru-san não estava envolvido...", pensou. 

Sua primeira preocupação tinha sido com a possibilidade dele estar envolvido naquele terrível plano - embora agora admitisse que não fazia sentido. Era até mesmo difícil imaginar um cenário no qual aquele homem planejasse fazer algum mal à Hitoshi. Felizmente, o interrogatório feito pelos youkais revelou exatamente isso: ele não tinha conhecimento daquele motim. 

Contudo, isso não o isentava do erro de ter revelado aonde estariam. Embora todos soubessem que isso permitiu que o inimigo se revelasse, dando-lhes a oportunidade de ficar em guarda, não impedia que ficassem chateados com ele. Hitoshi, em especial, passou a dispensar ao seu tutor um tratamento de silêncio. Aya sabia que aquilo feria os dois, mas tinha optado por não se meter.

Tinha mais com que se preocupar.

— Está na hora de ir - Yuki avisou.

A princesa ainda gastou mais alguns segundos olhando fixamente para o nada antes de levantar-se e oferecer uma mão ao primo:

— Vamos?

Aceitando sua ajuda, ele levantou-se.

— Vamos - respondeu, pouco animado.

Seguiram atrás da youkai até o próximo e último cômodo - uma espaçosa sala - onde encontraram seus demais companheiros de viagem: Shippou, Mirai, Sumire e Satoru.

Ao ver todos reunidos, Satoru deu um passo a frente - por estarem em território humano, Yuki havia permitido que ele liderasse - e pôs-se a falar:

— Agora são 17:35h, nossa próxima parada será às 05:00h da manhã. Precisamos cobrir o máximo de distância possível durante essas horas então, se precisarem ir ao banheiro... Bem, é melhor não precisarem.

— Bem, há janelas nesse tal de carro, certo? - brincou Shippou, arrancando um revirar de olhos de Mirai.

— Pare com essa porquice! 

— Por falar nisso, esse automóvel que você conseguiu nos trará alguma vantagem se comparado ao outro? - questionou Yuki.

— Se comparado à bicicletas? - debochou. - Definitivamente!

Aya esboçou a sombra de um sorriso pela primeira vez em muito tempo. Depois que cruzaram a fronteira de Edras, deixando os dragões para trás, precisaram andar a pé até a cidade mais próxima, onde o único transporte que conseguiram - emprestado por tempo indefinido - foram as bicicletas de uma loja aparentemente abandonada. Durante dois dias viajaram com elas pelas estradas quase vazias daquela parte do país, passando-se por ciclistas destemidos. Era engraçado imaginar a bela pintura que eles sete deviam ter formado. Mais engraçado ainda era lembrar-se dos tombos que os youkais levaram até dominarem o guidão - o que aconteceu surpreendentemente rápido.

Felizmente, após esses dois dias, tinham alcançado aquela cidade, na qual Satoru possuía velhos conhecidos - sob um nome falso, mas quem se importa? - que arranjaram não apenas um lugar no qual poderiam ficar, como também um carro para seguir viagem.

— Então vamos logo!

A youkai caminhou a passos rápidos até a porta, abrindo-a e saindo em seguida. Conforme a seguiam, descendo a escada lateral do pequeno sobrado no qual estavam, iam ajeitando seus bonés e mascaras hospitalares. Em qualquer época do ano aquilo poderia ser considerado um exagero, mas não durante o florescer das cerejeiras. Bastava olhar ao redor para notarem que os poucos transeuntes circulando por aquelas ruas vestiam-se quase igual a eles.

— Rápido! - Satoru apressou, adentrando o carro.

Quando todos já estavam sentados, Aya no colo de Hitoshi e Sumire no de Mirai, ele deu partida, deixando aquele lugar e seus conhecidos para trás.

Conforme avançavam pelas ruas, notaram uma movimentação estranha dos pedestres. Eles se aglomeravam em frente às várias televisões expostas na entrada de uma loja - uma das poucas que ainda resistiam à crise.

— O que está acontecendo? - Sumire perguntou, parecendo incomodada.

— Um anúncio! - Aya, Hitoshi e Satoru responderam em uníssono.

— Anúncio?

— Um anúncio oficial. Sempre que a família imperial ou o Primeiro-Ministro tem um comunicado a fazer, toda e qualquer transmissão é interrompida para que falemos - Hitoshi explicou. - Mas isso não acontece há um bom tempo... A última vez foi quando...

Praguejando, Satoru ligou o rádio do carro e uma voz conhecida logo alcançou seus ouvidos:

— ... com nossos corações cheios de pesar, nos vemos obrigados, mais uma vez, a compartilhar com todos vocês que o inimigo venceu mais uma batalha. Aquele que outrora chamamos de amigo nos apunhalou pelas costas, da forma mais covarde possível! - A voz dele ia assumindo um tom mais alto, quase desequilibrado. - Três dias atrás, após todas as nossas tentativas de negociação com os líderes russos terem mostrado-se infrutíferas, uma equipe foi enviada para a Área SG52 com a missão de libertar Sua Majestade Imperial, Hitoshi, e Sua Alteza Aya, a Princesa Toshi, do cativeiro no qual os russos os mantiveram durante as últimas duas semanas!

Mesmo através dos vidros do carro Aya pôde ouvir: o silêncio. Nada era dito. Nenhuma daquelas pessoas ousou dizer coisa alguma conforme as palavras do Primeiro-Ministro iam sendo assimiladas por suas mentes.

— Infelizmente, como todos nós sabemos aquela é uma área proibida por um motivo... - A voz dele vacilou, como se a coragem para dizer as próximas palavras tivessem o abandonado por um momento. Baixo, como se estivesse falando consigo mesmo e não tivesse intenção que alguém ouvisse, disse: - São em momentos como esse que desprezo minha posição... - Após alguns segundos de silêncio, ele pigarreou, voltando a falar: - Hoje sou obrigado a informá-los de que novamente, e pela última vez, o povo nipônico entra em luto por um membro da Dinastia Yamato. Sua Majestade Hitoshi e Sua Alteza Aya já não estão mais entre nós.


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Notas finais do capítulo

o/ agora deu ruim



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