Adão e Eva, na guerra dos iguanas. Parte II escrita por Paloma Her


Capítulo 14
Capítulo XI. Fim do caminho


Notas iniciais do capítulo

Eles só começaram a chorar, quando chegaram a um planeta em cujo lugar morriam lado a lado os homens, as bestas e as flores. Primeiro, os viram através das janelas da nave, a uns 50 metros de altura. Depois, em naves menores, com voos rasantes, e máscaras no rosto por causa do ar poluído ao extremo.
Nesse planeta, uma guerra nuclear havia eliminado as cidades mais importantes do mundo. Estava escuro, pois não havia mais eletricidade, com bestas competindo com os homens nas caçadas. Os sobreviventes estavam convertidos em primitivos que comiam ratos, lagartas, baratas, bichos que haviam sobrevivido à radiação. Viviam em tocas, para fugir dos lobos, dos morcegos, e vestiam farrapos imundos.



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Enquanto Adão e sua tripulação continuavam essa experiência arriscada, o espírito aventureiro os fazia enfrentar o dia a dia com otimismo e alegria. Estavam terminando uma existência fantástica. Cruzaram a imensidão e deixaram amigos para trás sem nunca ter conhecido o sofrimento. Ninguém ficara viúvo, como acontecia em outras guerras, e o suicídio ficara obsoleto. Toda a frota de guerreiros estava casada, tendo filhos lindo nos dois planetas das cobras, fazendo dessa civilização o lugar mais belo desse canto universal. E as conversas sobre o próprio futuro, após a passagem da morte, era o tema principal nas rodas de amigos. Afinal, os únicos que teriam que morrer no espaço eram eles mesmos.

Ênio falava que com certeza “00” os enviaria a todos a renascer no centro do Universo, e nasceriam anjos. Mas a pergunta geral era: - Afinal, o que fazia um anjo?

Adão afirmava que estavam rodeados deles, pois era nos confins universais que eles trabalhavam. Cada vez que um planeta agonizava, os anjos tinham que encontrar-lhes novos lares, percorrer os mundos que estavam nascendo, ou, ajudar a natureza com sementes, para fazer a vida abrolhar.

Uma médica acrescentou:

— Mas, para onde será que os espíritos humanos desse planeta agonizante serão levados? Acabamos de lhes fechar uma porta. No mundo dos iguanas, não há mais entrada para matadores...

Amon-rá deu um palpite:

— Acho que vão ser lagartos... Já imaginaram? Nascer com rabo no traseiro e uma boca de crocodilo? Não deve ter castigo pior para um ser humano.

Eva falou-lhe:

— É filho, você teve sorte, pois nasceu de nós quando éramos muito lindos, já seus irmãos foram todos eles macaquinhos bem peludinhos...

Adão completou-lhe a fala:

— Mas, acredite, filho, nascer bicho não é tão ruim assim.... Os espíritos inteligentes vão instruir os cavernícolas na música, nas danças, e uma nova civilização vai brotar com vigor.

Jorge acrescentou:

— Mas, os lagartos são ruins. Acho que os bons vão nascer entre as moscas... Duas civilizações vão evoluir com essa sabedoria.

Madalena falou depois:

— Mas, não seriam possíveis que os dinossauros fossem os próximos homens desta dimensão?

E as aleivosias, as hipóteses, as adivinhações eram de todos os encontros. Essa viagem havia lhes aumentado à visão universal. Todos os seres viventes faziam parte de uma corrente interminável. Tanto os bichos quanto os homens se encontravam num tempo marcado pelo acaso. Bichos viravam homens, e homens reencarnavam de bestas em evolução.

E o tempo transcorreu prazeroso.

Fechavam-se nas suítes a fazer amor, como sempre fizeram, e quando davam a cara era para desfrutar da amizade, e dos banquetes preparados pelas esposas. Eva, como fizera sua filha Nohiki no passado, preparava cucas, bolos, sobremesas, ao lado de outras amigas que gostavam de mexer nas panelas. Depois sentavam no colo dos maridos para dar-lhes comida na boca. Eles nunca foram tão mimados. Além disso, gostavam de contar piadas, beber, jogar um carteado, e tinha vezes que assistiam a um filme nos cinemas. Era a nave do encanto, cruzando a escuridão, em busca de novos horizontes. Até onde a existência lhes permitisse sobreviver.

Eles só começaram a chorar, quando chegaram a um planeta em cujo lugar morriam lado a lado os homens, as bestas e as flores. Primeiro, os viram através das janelas da nave, a uns 50 metros de altura. Depois, em naves menores, com voos rasantes, e máscaras no rosto por causa do ar poluído ao extremo.

Nesse planeta, uma guerra nuclear havia eliminado as cidades mais importantes do mundo. Estava escuro, pois não havia mais eletricidade, com bestas competindo com os homens nas caçadas. Os sobreviventes estavam convertidos em primitivos que comiam ratos, lagartas, baratas, bichos que haviam sobrevivido à radiação. Viviam em tocas, para fugir dos lobos, dos morcegos, e vestiam farrapos imundos.

Era um espetáculo tão macabro, insólito, pois não havia nada a se fazer, além de chorar com asco, pois desta vez os esqueletos que secavam embaixo do Sol escaldante eram de gente. Milhões deles. 

Mesmo assim, os médicos se reuniram para discutir o que é que se podia improvisar.

Um gênio inventor achava que podiam construir uma tubulação para sugar o veneno e lançá-lo ao espaço. Eva achava que podiam também desintegrar o veneno nas próprias nuvens. Outra dizia que havia um micro-organismo que se alimentava de radioatividade no laboratório dessa nave. Essas bactérias limpariam a água dos rios. Amon-rá queria desintegrar todos os cadáveres, tanto da bicharada quanto dos homens. Junto com Jorge e Regina, podiam limpar a terra inteira. Adão acrescentou que havia que fazer de tudo. Pelo menos, conseguiriam impedir que se morresse de fome, ou de frio. Podiam lhes dar uma morte menos sofrida. Afinal, ninguém teve coragem de falar sobre assassinato em massa. Matar não era com eles. Quem os estava matando eram os anjos, e com toda crueldade.

E tudo foi feito, com a sabedoria superior.

Recuperar o planeta foi fácil, pois sem venenos radioativos na atmosfera, as árvores reviveram como por encanto. Sem toxina, as águas se encheram de alevinos, plâncton, e Adão desta vez tirou fora toda a bicharada da horta. Até as moscas foram evacuadas para dar vida a esse planeta. Abelhas voaram em busca de flores para mordiscar, Adão lhes construiu colmeias, colou-lhes mel suficiente para o nascimento de novas colônias, e os ratos se espalharam fazendo tocas, enquanto as galinhas começaram a bicar o chão em busca de alguma minhoca gostosa.

Mas a luta para ajudar esses homens, foi difícil.

Aos moribundos os juntaram na beira de uma lagoa que estava sendo recuperada pelos cientistas, longe das manadas das bestas famintas. Trouxeram-lhes barracas para camping, camas infláveis, fogões que aqueciam água, roupas de material indestrutível, sabão para tomar banhos, e comidas. E os ressuscitaram lentamente, dando saúde aos corpos, e fazendo-os dormir com tranquilidade.

Mas, mesmo assim, não conseguiram dar felicidade para suas almas. Todos eles sofriam. Uns falavam de seus entes amados, outros de suas casas, suas cidades, de tudo que perderam nessa guerra insana. E ali só havia vítimas. Pessoas que viram descer sobre suas cabeças as nuvens tóxicas para envenenar cidades inteiras. Nenhum soldado sobrevivera. Não havia mais frentes de guerras. Nem líderes a quem culpar, pois 99,9% da população mundial não existiam mais.

E Adão dividiu seu pessoal. Mulheres ficaram nessa colônia tentando dar consolo para quem chorava, e já outras faziam a criançada comer, nadar, correr, para alegrar o ambiente. Alguém trouxe um violão para entoar canções ao luar, e Regina passou a ler histórias junto à fogueira.

Enquanto isso outros tripulantes mexiam nuvens, que viravam chuvas e limpavam o chão, varrendo a terra. Fizeram o capoeirão selvagem cobrir esse mundo, como um manto verde, e em redor dos sobreviventes plantaram o jardim do éden. Árvores floridas, com frutos suculentos, arbustos com grãos deliciosos, e mantos gigantes de melões, melancias e morangas, que se alastravam pelo chão entre o capim. Para que os animais carnívoros e devoradores de homens não invadissem as plantações, ou matassem os homens, evacuaram-nos a todos para outro continente, onde outra selva foi plantada só para eles. Ou seja, o que fizeram no mundo dos dinossauros agora repetiam com os humanos.

Um dia, as mulheres pararam as lamúrias entre elas, e os homens levantaram os rostos envergonhados. Entreolharam-se, e sorriram pela primeira vez. Haviam sobrevivido por algum motivo. Ninguém ali se conhecia. Eram solitários de algum lugar, reunidos em uma terra fértil por homens vindos das estrelas. Alienígenas que chegaram para lhes poupar uma morte de fome e de loucura.  E que não ficariam por muito tempo. E como o idioma não era problema, graças ao medalhão que os fazia se entender entre todos, pouco a pouco essa colônia mexeu por conta própria. Homens pegaram a enxada para se juntarem nas plantações, mulheres começaram a cozinhar, enquanto os mais jovens se entreolhavam iniciando as primeiras paqueras entre eles.

Adão e sua tripulação riram satisfeitos, pois sabiam o que cada um deles pensava. E o desejo de sobrevier às adversidades da vida aumentou cada vez mais.

Após um ano, e quando esses homens estavam engajados no trabalho comunitário, Adão e todos os viajantes rumaram para a escuridão.  Não com a sensação do trabalho bem feito desta vez, mas com a incerteza de ter feito algo desnecessário. A maioria dos cientistas achava que eles iam morrer da mesma maneira, pois a natureza era imprevisível. Bastava um terremoto, ou algo imprevisto, como o surgimento de uma bactéria assassina, ou um vírus, e tudo se acabaria de vez.

Adão deixou um tempo passar, para matar a dor que trouxeram junto, pois ver esses homens foi algo aterrador. A insanidade, a ambição desmedida, o desejo de subjugar uns aos outros, havia colocado fim a uma civilização. E pelo que viram nas ruínas, eram mais avançados na tecnologia que os iguanas. Uma cultura que não teve a graça de receber guerreiros intergalácticos, porque naquele lugar do universo só viajavam os anjos. E na forma de espíritos.

Quando Adão viu os sorrisos reaparecerem, numa reunião de conversas sem fim, pediu a todos para marcar o dia da morte. Madalena estava fazendo a viagem de retorno para o centro do Universo, e podiam falecer quando quisessem.

Amon-rá e Jorge falaram que iriam atrás de Fernando, onde quer que ele estivesse. O mais provável era no centro do Universo convertido em anjo. Ou seja, nasceriam em A de Alpha.

 Já Ênio e Madalena queriam mais ação, e deixar a vida dos anjos para o futuro. Ênio disse que ele e Madalena seriam espiões, viajariam pelo universo, teriam vida eterna, e, um dia do futuro, voltaria nesse mesmo lugar, para ver se os moribundos sobreviveram, ou não.

Adão pediu detalhes sobre esse mundo de espiões. Ênio lhes disse:

— É um planeta igual ao Mundo dos Gorilas. Um paraíso terreno, pois toda a civilização fica nas Luas desse planeta. Portanto, a minoria estuda nessas Luas, e a maioria vive na terra uma vida mansa, sem fazer nada além de fabricar meia dúzia de filhos...

Eva riu feliz, abraçou Adão, pois se nascessem lá, ia viver fazendo somente uma coisa, parir um guri atrás do outro. Seria uma mãe coelha mais uma vez. Teria a vida perfeita. A vida que Adão gostava tanto quanto ela. E muitos de seus filhos viajariam a nascerem com eles. Afinal, Jesus só queria uma vida mansa, Paulo também. Então, eles iam nascer com eles novamente. Adão beijou Eva, olhou para seu amigo e disse:

— Então, Ênio, no mínimo, tu serias meu irmão... O que achas?

— Legal! Mas eu pretendo estudar, cara... não quero essa vida mansa de vocês, não... quero explorara o universo de novo...

— Tudo bem... Eu vou fugir cedo de casa, raptar Eva para o mato, e vamos viver como trogloditas... O que acha, meu amor?

— Vai ser a vida que sempre quis... E vamos ser imortais, meu amor...

E depois, dessa conversa, esperaram pelo dia da morte sem presa.

Como toda civilização superior, eles deveriam falecer de amor. Ou seja, fariam amor até o coração parar. Comeriam coisas que não os nutririam, e o coração não aguentaria o namoro sem fim. Pararia esgotado em meio de um orgasmo tão forte, mas tão forte que era mortal. E depois, a nave explodiria como uma bomba. Afinal, quem mexia com a nave e quem a nutria com sua energia, eram os tripulantes.

Desta vez eram combatentes que terminavam uma longa jornada em meio da escuridão universal. Guerreiros que possuíam tantas estrelas no peito, que poderiam ser aquilo que eles quisessem ser, e marcar seu próprio destino.

Embora lá no alto, “00” sempre fazia alguns truques imprevisíveis...

Fim


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Notas finais do capítulo

Adão pediu detalhes sobre esse mundo de espiões. Ênio lhes disse:
— É um planeta igual ao Mundo dos Gorilas. Um paraíso terreno, pois toda a civilização fica nas Luas desse planeta. Portanto, a minoria estuda nessas Luas, e a maioria vive na terra uma vida mansa, sem fazer nada além de fabricar meia dúzia de filhos...
Eva riu feliz, abraçou Adão, pois se nascessem lá, ia viver fazendo somente uma coisa, parir um guri atrás do outro. Seria uma mãe coelha mais uma vez. Teria a vida perfeita. A vida que Adão gostava tanto quanto ela. E muitos de seus filhos viajariam a nascerem com eles. Afinal, Jesus só queria uma vida mansa, Paulo também. Então, eles iam nascer com eles novamente. Adão beijou Eva, olhou para seu amigo e disse:
— Então, Ênio, no mínimo, tu serias meu irmão... O que achas?



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