Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 27
A magia da Raposa


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo cheio de mágica pra vocês!



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Renata nunca sentira tanto frio.

Tudo que seus sentidos podiam identificar é que estava deitada em uma mesa de aço comprida e gelada. Estava amarrada – sim, amarrada, com tiras de couro prendendo suas pernas e braços, de uma liga tão forte que nem mesmo sua força extra era capaz de romper.

O laboratório tinha um cheiro forte de produtos químicos e materiais esterilizados. Se ela levantasse um pouco a cabeça – com uma dificuldade absurda – podia ver bancadas e mesas carregadas de ampolas, béqueres cheios de produtos químicos, microscópios e tubos de ensaio. Ela nem queria saber pra que serviam.

Samir não estava em lugar nenhum. Ela temia mais que tudo o que estariam fazendo com ele.

A porta de vidro esfumado à sua esquerda se abriu, e o Dr. Augusto Meira entrou, com um sorriso benevolente e enervante no rosto. Renata o odiava mais que tudo; e tentou deixar isso claro no olhar penetrante que lhe dirigia.

O Dr. Não viu, ou fingiu não ver seu olhar de ódio. Em vez disso, se aproximou da mesa onde Renata estava presa e checou algo escrito em uma prancheta, para depois dar tapinhas de compreensão em seu braço. Renata desejou dar um chute em sua bunda.

— Como estamos? – perguntou ele por fim, como um médico em uma consulta de rotina.

Renata rangeu os dentes, quase num rosnado.

— O que você acha? – perguntou ela – Você me traz pra esse muquifo contra a minha vontade, me amarra numa mesa e está prestes a fazer sabe lá o que comigo. Eu cuspiria na sua cara, se pudesse. – ela respirou fundo, tentando impedir sua voz de tremer. – E o meu amigo? O que fez com ele?

O cientista não pareceu compadecido com a agonia da garota. Em vez disso, checou uma máquina ao lado da mesa de Renata, que zumbia e apitava. Pra que servia, ela não tinha ideia.

— Seus batimentos cardíacos são aceleradíssimos – comentou ele – Admirável. Quanto ao seu amigo Samir – acrescentou ele, quando Renata se moveu de impaciência – Garanto que ele está bem. Achamos melhor mantê-los separados, para evitarmos... Complicações.

Você quer dizer tentativas de fuga, Renata pensou. Porque ela ia fugir. Não deixaria que aqueles cientistas loucos tivessem poder sobre ela.

De repente, uma mulher de coque alto e jaleco entrou no recinto, trazendo folhas de um papel translúcido nas mãos.

— Doutor – disse ela – O resultado da ressonância está pronto.

Ressonância? Renata se perguntou, confusa. Devia ter sido quando ela estava inconsciente. Ela havia desmaiado em algum momento enquanto era trazida pra cá. Ficou furiosa que eles haviam feito exames nela enquanto estava desacordada.

O Dr. Segurou os exames avidamente, parecendo faminto.

— Fascinante – murmurou ele – Veja esses lóbulos parietais. São diferentes de tudo o que eu já vi.

Renata se mexeu, forçando as amarras. Se pudesse sair dali...

— É isto – falou ela – precisamos coletar um pouco de sangue, decodificar o DNA dela. Essa descoberta pode mudar o rumo da ciência pra sempre.

Não, Renata pensou. Aquele homem terrível não ia tirar seu sangue. Ela se recusava.

Ele percebeu a expressão dela, e lhe lançou um olhar de falsa compaixão.

— Lamento que não esteja confortável, Renata – disse ele, parecendo lamentar sinceramente – Mas você está contribuindo imensamente para a ciência. Não tem ideia do quanto.

E se retirou para fazer deus sabe o quê – provavelmente pegar agulhas que perfurariam a pele de Renata.

Ela estava sozinha.

Se ao menos pudesse sair dali... Se ao menos pudesse mover seu corpo...

Não adiantaria nada se transformar. As tiras eram apertadas o suficiente para prender sua circulação, apertadas o suficiente para nem as patas finas de uma raposa conseguirem se soltar.

Além disso, não queria dar o gosto aos cientistas de vê-la se transformar.

Mas se ao menos pudesse mover seu corpo. Renata fechou os olhos e desejou, fervorosamente, estar livre. Estar em outro lugar. Qualquer lugar.

De repente, seu corpo começou a formigar. Sentiu algo curioso, como se seu corpo estivesse leve e sem peso. Sua cabeça começou a rodar...

Abriu os olhos e constatou, espantada, que não estava mais na mesa.

Ainda estava no laboratório, na mesma sala, atrás de uma das bancadas repletas de vidro e tubos de ensaio. Mas definitivamente não estava mais presa.

O que eu fiz? Pensou, atordoada. Mas a resposta era clara em sua mente:

Mágica.

Ela havia acabado de se teletransportar por magia.

O que Santiago dissera mesmo?

— A raposa é um animal furtivo — falara – Consegue se mover e se esconder como ninguém. Seus movimentos são tão astutos que escapam aos olhos humanos.

Será que era isso que ele queria dizer? Ela podia se teletransportar?

Não havia muito tempo para pensar nisso, concluiu. Agora, ela tinha uma chance. Podia encontrar Samir e sair dali.

— Muito bem, Renata, vamos coletar um pouco desse sangue – a voz do Dr. Flutuou através da porta, e Renata gelou – Vamos... Mas onde...?

Ela imaginou o cientista congelando de espanto ao ver que ela não estava mais na mesa. Não se atreveu a espiar por cima da bancada.

— Enfermeira! – berrou o Dr. Augusto, a voz colérica – Venha aqui agora mesmo!

— Sim, doutor? – Passos apressados adentraram a sala.

— Ela escapou – falou o cientista, entre os dentes – Como?

Houve um instante de silêncio perplexo, em que Renata imaginou que a enfermeira constatava que ela não estava mais lá.

— E-eu... Não sei, senhor – falou ela, perturbada – Não entendo...

— Não havia como – rosnou Augusto – A não ser que alguém a tenha deixado escapar.

Renata ouviu a enfermeira engolir em seco.

— Doutor, eu juro que não... Eu jamais...

Em seu nervosismo, Renata acabou movendo o ombro, que bateu contra a bancada, derrubando alguns tubos de vidro. Os olhares do doutor e da enfermeira imediatamente voltaram-se para onde ela estava.

— Lá está ela! – bradou o doutor, triunfante – Pegue-a!

A enfermeira se apressou na direção dela, e Renata fechou os olhos, quase numa prece. Por favor, aconteça de novo, pediu. Me tire daqui.

E então aconteceu. Quando Renata abriu os olhos, estava na parte de fora da sala, no meio de um corredor vazio.

Obrigada, obrigada, obrigada! Comemorou, mas foi cedo demais. No instante seguinte, uma luz vermelha banhou o corredor, e um som uivante ensurdecedor se fez ouvir.

Alerta! Paciente fugitiva! Todos os seguranças no corredor 5 da ala B!

Renata nem pensou duas vezes. Começou a correr. Precisava achar Samir e sair dali.

Passou por inúmeras portas, checando os vidros de cada uma delas. Em quase todas, grupos de cientistas a viam e se espantavam, como se não soubessem bem se ela deveria estar ali. Renata corria cada vez mais rápido.

Então, avistou Samir.

Ele estava numa sala no fim do corredor, sozinho. Uma seringa estava presa a seu braço, e um tubo plástico removia seu sangue para uma bolsa. Os pelos de Renata se eriçaram de fúria.

Imediatamente, tentou a maçaneta. Trancada. Bem, isso agora não era problema para ela.

Ela se transportou. Em um segundo, estava ao lado do amigo.

— Samir – ela sacudiu o ombro dele, com urgência. Ele parecia inconsciente. – Vamos, acorde. Precisamos sair daqui.

Lentamente, Samir abriu os olhos. Parecia grogue com a perda de sangue.

— Renata...? – balbuciou, confuso – Você está aqui... Mas como...?

— Não há tempo pra perguntas – ela falou, frenética – Precisamos sair daqui antes que...

De repente, a maçaneta começou a sacudir. Renata congelou. Um grupo de seguranças enormes estava parado atrás da porta.

— Abram! – bradou um deles – Não nos faça arrombar a porta!

Renata olhou para o amigo, que ainda ostentava uma expressão confusa.

— Samir, precisa se levantar, agora! – falou ela, em desespero.

Samir também estava preso por correias. Freneticamente, Renata procurou por algo que pudesse cortá-las. Havia uma faca em uma das bancadas. Rapidamente, ela soltou as amarras, e Samir levantou com dificuldade, cambaleando.

— Ótimo – disse ela – Agora vamos...

A porta cedeu com um estrondo. Meia dúzia de seguranças adentraram o recinto, todos com armas de choque nas mãos.

— Se cooperarem – falou o que liderava, um brutamontes de quase dois metros de altura – Ninguém vai se machucar.

Renata duvidava. Mas os seguranças custavam a se aproximar, por algum motivo. Estão com medo da gente, ela percebeu.

De repente, sua cabeça se iluminou com uma ideia.

— Samir, ouça – ela sussurrou para o amigo, que estava pálido como uma parede – Eu consegui fazer mágica.

Ele arregalou os olhos, distraído por um momento.

— Sério? – falou ele – De que tipo?

— Eu consigo me teletransportar pelos lugares. Mas – ela suspirou – Não tenho certeza se consigo transportar outra pessoa. Além disso, é só por pequenas distâncias. Mas você – ela sorriu – Você também tem mágica dentro de si. Só precisa fechar os olhos e se concentrar. O que quer que seja, pode nos ajudar a sair daqui.

Samir arregalou os olhos, como se em dúvida. Na frente, os seguranças começavam a se aproximar, sem pressa. Sabiam que os dois estavam cercados.

— Rápido! – murmurou Renata entre os dentes.

Inspirando fundo, Samir fechou os olhos. Parecia muito concentrado. Por favor, que seja algo útil, rezou ela. Que seja algo que possa nos ajudar.

De repente, sem aviso, Samir começou a sacudir os braços em movimentos circulares. Renata ficou perplexa. Os seguranças também, pois pararam e encararam Samir como se ele fosse louco.

Renata se irritou.

— Samir, o que é isso?! – perguntou – A dança da galinha louca?!

— Cale a boca e veja – exclamou Samir.

E Renata viu. Ondas de vento descomunais começaram a vir dos braços de Samir. Os seguranças começaram a ser arrastados. Tentavam se segurar nas bancadas, em qualquer coisa, mas o vento era forte demais. Mesmo Renata, do outro lado, precisou se proteger. No fim, todos os seguranças colidiram contra a parede, desmaiando na hora.

Renata olhou para Samir, boquiaberta.

— Mandou bem – disse ela, sorrindo espantada.

— Mandei, não é? – ele sorriu de volta – Agora vamos sair daqui!

— Espera! – Renata pediu, indo até a mesa onde Samir estivera preso.

— O que está fazendo?! – exclamou ele – Vamos antes que venham mais seguranças!

— Não vou deixar esses palhaços examinarem seu sangue – afirmou ela, pegando a bolsa de sangue e guardando-a por baixo da blusa. – Agora vamos, rápido!

Os dois dispararam para o corredor. Não havia ninguém, de maneira estranha. Estavam quase lá, chegando à porta principal, e Renata torcia para que finalmente escapassem.

Mas, quando chegaram, a porta estava completamente cercada. Toda a equipe do laboratório parecia está-la bloqueando.

O Dr. Augusto Meira estava à frente, com um sorriso sinistro.

— É melhor cooperarem, crianças – falou ele – Não vão querer que ninguém se machuque.

Samir e Renata se entreolharam. Estavam num beco sem saída.

— Samir – sussurrou ela – Não pode fazer seu truque do vento de novo?

— Não dá – ele sussurrou de volta – Eles estão colados na porta. Você vai ter que fazer o seu truque.

Renata o encarou, apavorada.

— Mas...

— Renata! – ele implorou – É agora ou nunca!

Renata inspirou fundo. Agarrou Samir pela cintura, e se concentrou como nunca havia se concentrado na vida. Sentiu um tremor violento se espalhando pelo seu corpo, muito mais forte do que já havia sentido antes...

Quando abriu os olhos, estava fora do laboratório.

Ela e Samir estavam entre um aglomerado de árvores, há alguns quilômetros de distância. Ainda era possível ver a silhueta do laboratório ao longe.

Renata suspirou de alívio. Isto é, até perceber que ela e Samir ainda estavam abraçados.

Os dois se entreolharam, surpresos, e pularam um metro para longe um do outro. Renata sentiu algo estranho no estômago, algo parecido com um borbulhar, mas não devia ser nada. Somente a adrenalina do que haviam acabado de passar.

— É... Então... – Samir começou, esfregando a nuca, parecendo sem jeito – Para onde vamos agora?

Renata inspirou fundo. Não havia pensado nessa parte.

— Não sei – admitiu – Ir pra casa não é seguro. Eles podem estar monitorando nossas famílias. Muito menos voltar pro colégio.

Samir suspirou, pensativo. E então seus olhos se iluminaram.

— A casa de Santiago! – falou – É o único lugar seguro!

Os olhos de Renata brilharam, espelhando os dele.

— Tem razão – ela concordou – E...

Ela se inclinou e deu um beijo estalado na bochecha de Samir, que corou violentamente.

— Obrigada por estar vivo – ela sussurrou.

Samir deu um abraço forte nela, que foi pega de surpresa.

— Graças a você, baixinha – ele afirmou.

Os dois se soltaram, olhando um pro outro com sorrisos tímidos, e, devagar, começaram a andar rumo à casa de Santiago.

         *                                             *                                 *

No laboratório, havia um clima diferente. De derrota e desolação.

O Dr. Augusto Meira andava de um lado pro outro na sala onde havia prendido Renata, rangendo os dentes. Sua enfermeira assistente o assistia temerosa, com medo de um surto de raiva a qualquer momento.

— Doutor... – começou ela, hesitante – O que faremos agora? As crianças fugiram, levaram as amostras de sangue... Não temos nada.

Para a sua enorme surpresa, Augusto a encarou nos olhos e sorriu.

— Minha cara – começou ele – É aí que você se engana. Veja, em situações como essa, é preciso examinar os detalhes.

Ele se curvou, e do chão, retirou uma coisa.

Um fio de cabelo ruivo.

— É isso aí, Renata – ele exibiu um sorriso cruel – Ainda vou descobrir seus segredos.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada por lerem!
Gente, queria fazer um apelo a vocês, leitores fantasmas. COMENTEM a história. Comentários são importantes e fazem com que nós, autores, continuemos a história com ânimo e esforço!
E aos que comentam, muito obrigada! Vocês são incríveis!
Abraços!



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