Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 12
Cara e Coroa


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo aqui vai pra Neide hehe, adoro seus comentários! Espero que goste desse aqui.



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Então, na terça feira, estávamos todos de volta na casa de Santiago, e a tensão entre o grupo era palpável. Eu e Ricardo tínhamos acabado de narrar os acontecimentos que enfrentamos no sábado, e todos pareciam bastante preocupados, pra não dizer apavorados, com a perspectiva de criaturas sinistras invadindo a cidade.

— Então, o que eram aquelas coisas? – Ricardo perguntou, no final da narrativa – Eram os bruxos do mal que você falou? Porque não pareciam nem humanas.

Santiago bebericava lentamente uma xícara de café, uma expressão pesarosa no rosto.

— Não, não eram bruxos – falou por fim – Eu já li a respeito de criaturas como essa. São entidades malignas, com certeza, e são chamadas de sugadores de vida. Porque é precisamente o que fazem. Elas sugam a juventude das pessoas, tomando-as pra si até que drenem completamente a vida de suas vítimas. Foi muita sorte vocês terem conseguido salvar o homem antes que elas terminassem seu trabalho.

Estremeci, pensando em como o homem parecia velho quando nós o vimos pela primeira vez, e em como ele lentamente voltou a ser jovem depois que nos destruímos os monstros.

— Mas elas ficam mais jovens quando sugam a juventude dos outros? – perguntou Ricardo – Porque elas não tinham a aparência jovem de jeito nenhum. Pareciam múmias.

Santiago balançou a cabeça lentamente.

— A sucção não as deixa mais jovens – falou – As deixa mais fortes, e faz com que vivam mais. Elas roubam os anos de vida restantes de suas vítimas e os pegam pra si. Dessa forma, conseguem sobreviver por séculos.

— Que horror – Gisele estremeceu.

— Será que tem mais delas por aí? – perguntou Samir, recostado no sofá ao lado de Gisele – Ou... Coisas piores?

Santiago suspirou. Seus olhos eram velhos num rosto jovem.

— Receio que sim – disse – A magia que vocês liberaram naquele dia, no museu, foi como soltar um sinalizador gigante. Ele vai atrair todo tipo de criaturas das trevas pra essa cidade, algumas, temo dizer, muito piores que esses espíritos vampiros. Vocês terão de estar preparados pra enfrentá-los.

Engoli em seco, e vários dos outros fizeram o mesmo. A ideia de criaturas monstruosas a solta na cidade me fazia tremer nas bases, e eu só conseguia pensar na minha família, no que aconteceria se minha mãe ou minha irmã fossem atacadas. Imaginei se os outros estavam pensando nisso.

— Como você sabe todas essas coisas? – perguntou Eduardo, a expressão desconfiada – Como sabe tanto sobre esses bichos?

Santiago abriu um sorriso cansado.

— Como eu disse, há muitas escrituras que encontrei e não compartilhei com o museu – falou – A população indígena possuía muitas lendas sobre criaturas desse tipo, que eles descreviam como demônios e deuses malignos. Posso mostra-los a vocês a qualquer hora, se quiserem.

— Uma espécie de bestiário indígena – murmurou Eric, de um canto da sala – Que foda.

— E como nós vamos conseguir lutar com essas coisas? – Paulo ergueu a sobrancelha – A gente vai ter que aprender magia, né? Eu meio que to esperando que a gente chegue logo na parte da magia.

Santiago lhe dirigiu um olhar paciente.

— Tudo a seu tempo – disse – Assim que vocês assumirem controle sobre suas transformações, então estão preparados pra começar a praticar magia.

Isso gerou uma onda de murmúrios pela sala. A essa altura, metade de nós já havíamos conseguido fazer a transformação, enquanto outros não conseguiam – ou não queriam. Alguns estavam bem ansiosos pra isso, como os gêmeos, outros pareciam com medo, como Eduardo. Pâmela continuava insistindo que não se transformaria em bicho nenhum, e que só estava indo às reuniões na casa de Santiago “por precaução”.

— Eu até teria conseguido me transformar – falou Paulo – se o lesado do Daniel não ficasse me atrapalhando o tempo todo.

— Eu?! – Daniel protestou – Quando eu estava tentando me transformar, você colocou Metallica pra tocar e me desconcentrou todo!

— Certo, vamos deixar pra lá esse negócio de culpa – apaziguou Paulo – A verdade é: Eu não consigo. Você não consegue. Nós dois estamos travados.

— Talvez não funcione com vocês porque os dois já são animais – sugeriu Renata.

— Meu deus, garota – falou Paulo – Você precisa disfarçar um pouco, senão todo mundo vai perceber que você está apaixonada por mim.

— Nem nos seus sonhos, seu...

— Algumas vezes a transformação é impedida por um bloqueio físico ou emocional – interrompeu Santiago, parecendo divertido – O de vocês parece estar ligado à relação entre os dois. Talvez, se começarem a trabalhar juntos, possam romper o bloqueio.

Os dois trocaram olhares. Paulo deu uma piscadela pro irmão, que revirou os olhos em resposta.

— Vocês trabalham muito bem juntos quando vão fazer um trote na escola – disse Gisele – Qual é a dificuldade agora?

— A dificuldade é que o Paulo é um babaca – resmungou Daniel.

— Ele ainda está chateado porque eu bati ele no FIFA. – confidenciou Paulo.

— Você trapaceou, porra!

— Admita a derrota, garotinha.

— Vocês dois devem ser jumentos – falou Eduardo com desprezo – Eu não tenho bloqueio nenhum. Só não tenho interesse em saber em que animal eu posso virar.

— Deve ser um veado – zombou Leo, cutucando Ricardo com o cotovelo.

Eduardo olhou para ele com raiva, o rosto muito vermelho.

— E você deve ser uma anta!

O riso morreu no rosto de Leo, e ele encarou Eduardo com a expressão séria.

— Qual é, bichinha? Tá querendo comprar briga?

— Você não tem coragem – falou Eduardo, mas havia um traço de medo no seu rosto.

— Vem aqui pra ver se eu não tenho...

— Parem com isso! – exclamei, me sentindo incomodada e impaciente. Pra minha surpresa os dois pararam na mesma hora. Eduardo se encolheu no sofá, parecendo ainda mais retraído que o normal. Leo ainda mostrou o dedo do meio para ele antes de calar a boca.

Santiago estivera observando a discussão com o rosto impassível. Imaginei se ele estava preocupado que o destino do mundo estava na mão de um bando de adolescentes, que ainda por cima não paravam de brigar.

Voltei o olhar pra ele, me sentindo um pouco envergonhada.

— Professor – falei – O senhor disse que a pedra e os escritos foram achados no meio de umas ruínas no bosque. Será que eu podia ir até lá?

Santiago levantou o olhar, surpreso. Seu rosto tinha uma expressão curiosa.

— Suponho que sim – disse ele – Os guardas florestais, a essa hora, estão de folga. Mas as ruínas ficam bem fundo no bosque, no meio da mata fechada. Porque exatamente você quer ir até lá, Lorena?

Antes que eu pudesse abrir a boca, Bernardo interrompeu:

— Você acha que as páginas do contra feitiço podem estar lá? – falou. Tinha um olhar esperançoso no rosto. Ele estava sentando num canto da sala, ao lado da Sofia, e os dois tinham estado tão calados que eu tinha esquecido que estavam ali. Pareciam estar estudando.

Santiago balançou a cabeça, lentamente.

— É muito pouco provável. Os arqueólogos escavaram todo o terreno. Não havia mais nada para encontrar lá.

— Eu sei – falei – Mas não sabemos por onde começar, e achei que esse seria o melhor lugar pra procurar pistas.

Santiago assentiu, parecendo pensativo.

— É justo – disse – Mas recomendo que não vá sozinha. Pode ser perigoso se aventurar no bosque sozinha, considerando que podem haver várias criaturas das trevas a solta.

Tremi só de pensar em encontrar uma coisa daquelas de novo.

— Eu vou com você – sorriu Ricardo, colocando a mão sobre a minha. Meu coração deu pulinhos de alegria enquanto eu sorria de volta pra ele.

— Legal – falei, olhando em volta – Mais alguém quer ir?

Todos desviaram o olhar pro chão ou pro teto. Ninguém parecia ansioso com a possibilidade de topar com um monstro por aí.

— Não olhem pra mim – falou Pâmela, torcendo o nariz – Nem morta que eu vou sujar minha roupa andando naquele lamaçal do bosque.

— Ah, não, o que vamos fazer sem você? – ironizou Renata – Eu vou. Tô precisando esticar as pernas.

Os gêmeos trocaram um olhar, parecendo tomar uma decisão silenciosa.

— Nós vamos também – disse Paulo – O Ricardo e a Lorena não tem que ser os únicos sortudos a ver um monstro de perto.

— Ótimo – falei, ignorando o último comentário – Então vamos.

Mas eu soava mais confiante do que me sentia.

*                                               *                                                   *

— Eu não agüento mais esses mosquitos – resmungou Renata, dando um tapa no próprio braço – Preferia encontrar um monstro.

— Eles não param de me ferrar – concordou Paulo – Deve ser o meu mel.

— Ou esse seu perfume enjoado – rebateu Renata.

— Eu sei que você adora – sorriu ele. Era o tipo de discussão que poderia levar horas.

— Tem certeza que estamos no caminho certo? – perguntou Daniel, interrompendo os dois – A gente tá andando há quase meia hora.

— O Santiago falou que ficava bem fundo no bosque – retruquei, mas eu não tinha tanta certeza. O professor havia orientado sobre como chegar às ruínas, mas estávamos nos embrenhando no mato a tempo demais.

Eu podia sentir todo o meu corpo se agitando à medida em que absorvia os sons e cheiros da mata. Era como se o tigre dentro de mim estivesse despertando, lutando pra ser libertado. Imaginei se os outros estavam sentindo o mesmo.

— Será que se eu der uma cuspida pra cima – falou Paulo – eu acerto algum mosquito?

É, talvez não.

De repente, comecei a sentir uma sensação estranha. Uma espécie de formigamento que ia da ponta dos pés até a cabeça. Um sentimento de antecipação se avolumou dentro de mim, mesmo que eu não soubesse exatamente por que.

A resposta me veio a cabeça no segundo em que me perguntei.

— Gente – falei – Acho que estamos chegando.

Troquei um olhar com Renata e Ricardo, que assentiram. Eles também pareciam estar sentindo.

— Então – Ricardo falou, após alguns segundos – Acho que chegamos.

Ergui o olhar, e minha respiração falhou por um instante. Na nossa frente estava um conjunto enorme de ruínas do que parecia ter sido uma enorme mansão. Os restos de pedra pareciam como se tivessem sido carbonizados, as pontas enegrecidas e deterioradas pelo tempo. Apenas quatro estruturas permaneciam intactas, quatro pilares de pedra eqüidistantes um do outro, formando um quadrado.

Todos nós nos aproximamos em um silêncio respeitoso. Até mesmo Renata e Paulo pararam de brigar por um instante.

— Caramba – murmurou Ricardo – Quem construiria uma casa assim aqui, no meio do bosque?

Trocamos olhares, e a resposta veio quase imediatamente.

— Bruxos – falei – Os primeiros guardiões.

— Será que isso era tipo, o quartel general deles? – perguntou Paulo, erguendo uma lasca de pedra do chão e examinando – E a gente só tem a sala apertada do Santiago...

— Que merda que eu não trouxe meu celular – Daniel reclamou – Isso daria umas fotos muito fodas pro Instagram.

— Não acho que você deva postar isso no instagram – murmurou Renata, parecendo embevecida enquanto examinava os pedaços quebrados do que um dia fora uma casa.

Inspirei fundo. Alguma coisa em todas as minhas moléculas dizia que aquilo ali era o lugar certo, que eu de alguma forma pertencia ali.

Parecia abandonado havia muito tempo. Será possível que ainda existisse magia ali?

— Bom, eu vou dar uma volta e ver se acho alguma coisa – falei – Se vocês encontrarem algo, avisem.

Os outros murmuraram em concordância enquanto eu me afastava, pisando no chão que era uma mistura de mato com pedaços ocasionais de piso aqui e ali. Tentei imaginar aquele lugar quando ainda estava inteiro - devia ter sido muito bonito.

Estava perto de me aproximar de um dos pilares quando tropecei em algo. Curiosa, me abaixei pra olhar. Parecia o resto de uma espécie de placa antiga. A maioria dos escritos estava tão queimado e enegrecido que era impossível de ler, mas uma palavra ainda estava legível.

Lux — murmurei, pensativa – O que...

— Significa “luz” em latim – falou uma voz atrás de mim. Com um susto, olhei sobre o ombro e vi Ricardo atrás de mim. – Desculpa. Achei que você tivesse me ouvido chegar.

— Eu tava meio distraída – falei, embaraçada – Quer dizer que você sabe latim?

Ele se agachou ao meu lado, exibindo um sorriso tímido.

— Meus pais me fizeram ter aulas de grego e latim quando eu era mais novo – falou – Mas essa palavra não é tão difícil de traduzir.

— Realmente – admiti – Imagino o que estava escrito no resto da placa.

Ricardo abriu a boca pra dizer alguma coisa, mas foi cortado pelas vozes de Renata e Paulo atrás de si.

— Você não cansa de falar merda, garoto? – berrava ela.

— Você adora as merdas que eu falo, admita – não era preciso virar pra olhar pra saber que Paulo estava sorrindo.

— Eu adoraria era dar um murro nessa sua ca... Ahhhh! – berrou ela, seguido de um ruído imenso de batida.

Levantei e comecei a correr na hora, com Ricardo atrás de mim.

— O que foi isso? – gritei para os gêmeos, que olhavam pálidos pra baixo.

— O chão cedeu embaixo dela – falou Daniel, frenético.

Olhei pra baixo. Um buraco enorme havia se formado no chão, espalhando terra e pedaços de granito pra todo lado.

— Renata, você está bem? – gritei, sentindo o coração bater apavorado no peito – Você se machucou?

— Só minha dignidade – a voz de Renata flutuou até nós – Bem, na verdade, não. Meu tornozelo tá doendo muito. Acho que torci.

Suspirei, um pouco menos assustada. Olhei pra baixo. O buraco abrira uma queda de uns bons três metros, e Renata estava caída lá embaixo, com uma expressão irritada no rosto.

— Só estava faltando isso pra completar meu dia – resmungou ela – cair de bunda num buraco no meio do nada.

— Você acha que consegue escalar? – perguntou Paulo. Ele parecia mais assustado que todos ali.

— Não com o meu tornozelo machucado, besta – resmungou Renata – Além disso, é muito íngreme. Mesmo que eu estivesse bem, acho que não conseguiria subir.

Paulo franziu a testa, parecendo estar se concentrando muito. Ele e o irmão trocaram um olhar e pareceram tomar uma decisão silenciosa. Paulo olhou para Ricardo, a expressão tão séria quanto ele podia ter.

— Cara – falou – Me dá sua camisa e seu casaco. Por favor.

— Pra quê? – Ricardo parecia espantado.

— Só me dá, doido. Lorena, você também. Quer dizer, hum, só o casaco. Pode ficar com a sua blusa.

Eu e Ricardo nos entreolhamos e demos de ombros. Entreguei meu casaco pra ele, que também havia tirado a camisa, assim como Daniel.

— Eu volto em um minuto – disse Daniel, desaparecendo por entre as árvores.

— O que você está fazendo? – perguntei, curiosa, enquanto o Paulo juntava as roupas.

— Fazendo uma corda, ué – ele respondeu, começando a amarrar as roupas umas nas outras – Eu fiz isso uma vez no acampamento quando era mais novo. Vai por mim, é tiro e queda.

— Mas não vai ficar longa o suficiente – observou Ricardo.

— Eu sei. É isso que o Daniel foi fazer.

Como numa deixa, Daniel saiu detrás das arvores segurando uma boa quantidade de cipó.

— Alguém aí pediu uma ajuda? – sorriu.

Paulo sorriu para o irmão, e, juntos, começaram a amarrar as roupas ao pedaço de cipó. No fim, o que restou foi uma bela corda improvisada.

— Uau – assobiei – impressionante.

— Eu sei, né? – Paulo sorriu, animado – Teve uma vez que a gente foi escalar um morro, e...

— Ei, gente – chamou Renata do fundo do buraco – Eu ainda estou aqui, lembram?

— Opa! Desculpa, meu amor! – exclamou Paulo – Daniel, desce a corda aí!

Daniel jogou a corda buraco a baixo, segurando a outra ponta com firmeza.

Após alguns segundos, pudemos ouvir o som da corda atingindo o fundo.

— Ok, peguei! – anunciou Renata.

— Beleza – falou Paulo – Lorena, Ricardo, vocês são os mais fortes, então ajudem a gente aqui, tá? Mas não com muita força, por causa do tornozelo dela.

Eu e Ricardo agarramos parte do cipó, e eu me contorci de nervosismo. Ainda não estava acostumada com a minha nova força, e temia que se forçasse demais podia romper o cipó.

— Então tá – disse Paulo – Um, dois, três... Puxem!

Eu puxei. O esforço foi o mesmo de abrir uma garrafa d’água, tal foi a facilidade com que eu fiz isso. Eu podia sentir o peso da Renata subindo pela corda enquanto nós pressionávamos a corda.

Por fim, Renata chegou até a superfície, caindo no chão ruidosamente, enquanto nós largávamos a corda, os gêmeos parecendo exaustos.

— Renata! – me curvei para dar um abraço nela, que estava sentada na grama, o rosto muito pálido – Que bom que você está bem!

— Vou te falar, vou ter que inventar uma linda explicação pra minha mãe sobre como torci o tornozelo durante o grupo de estudos... – resmungou.

— Eu te ajudo a levantar – Paulo se prontificou rapidamente, apoiando o corpo de Renata em seu ombro. Ela se levantou com uma careta, se apoiando num pé só e se escorando no corpo de Paulo.

— Sabe, por um instante eu pensei em te largar lá no buraco – disse Paulo – Mas aí eu pensei, quem é que iria reclamar das minhas pia... – ele não pôde concluir a frase, pois Renata pôs as mãos em seu rosto e plantou um beijo estalado em sua boca.

— Você ainda é um idiota – disse ela – Mas obrigada por ter me tirado de lá.

Paulo parecia como se tivesse sido atropelado por um caminhão. Ele abriu e fechou a boca como um peixe, parecendo sem palavras pela primeira vez na vida.

Troquei um olhar com Ricardo, um sorrisinho de divertimento na boca.

— Bom, acho melhor irmos embora – falou Daniel, cutucando o irmão para que ele voltasse à vida – Tá quase escurecendo, e nós já olhamos tudo. Não tem nada aqui.

— É... – concordei, desapontada. Parte de mim não queria deixar aquele lugar. Era como se algo ali me chamasse. – Acho que você tem razão.

— Certo, certo – disse Renata – Mas vocês garotos não acham melhor botar as camisas primeiro?

Pisquei, de repente muito consciente de que o Ricardo, ao meu lado, estava sem camisa. Olhei sem conseguir evitar pro seu peito nu. Ah, caramba. Ele tinha gominhos.

Ele percebeu meu olhar e enrubesceu, e eu corei mais ainda, provavelmente chegando ao nível de um tomate.

— É – falei – Acho melhor vocês se vestirem, pra evitar acidentes.

    *                                               *                                      *

A caminhada de volta pra casa de Santiago foi lenta e silenciosa. Estávamos todos cansados, e não podíamos ir muito rápido por causa da perna de Renata.

Quando chegamos, tivemos que explicar aos nossos amigos preocupados o porquê de toda a demora.

Santiago olhou impressionado para os gêmeos no fim da nossa narrativa.

— Parece que vocês trabalharam muito bem juntos por lá – disse – Eu me pergunto se agora... Vocês conseguiriam realizar a transformação.

Paulo e Daniel se entreolharam. Os dois pareciam um misto de animação com medo.

— Bom... – Daniel deu de ombros – Pode ir primeiro, mano.

— De jeito nenhum, seu frouxo – sorriu Paulo – Vamos juntos.

Todos nós assistimos com expectativa enquanto os dois fechavam os olhos e assumiam uma expressão concentrada.

Paulo foi o primeiro. Em um segundo, olhávamos para ele, no outro, um animal amarronzado de orelhas pontudas e feições caninas estava no lugar.

Por um segundo, achei que fosse um lobo, mas as feições do animal não eram muito ferozes, e sim um pouco travessas, como as de alguém prestes a aprontar alguma. Na verdade, lembravam muito a de Paulo.

— O coiote— anunciou Santiago – Bem como imaginei.

Daniel foi logo em seguida. Assim como o irmão, ele também se transformou num animal canino, mas este tinha o corpo muito mais fino, o dorso negro contra o pelo marrom, e as orelhas bem maiores.

A expressão de Santiago se tornou grave.

— O chacal — murmurou. A expressão em seu rosto era estranha. Parecia quase... Preocupada. – Eu devia ter previsto.

Ninguém mais pareceu prestar atenção no que ele dissera. Todos estavam observando Paulo e Daniel rodearem um ao outro, como dois cachorros de rua. Num instante, os dois pararam de rodar e se lançaram numa corrida ao redor do gramado.

— Esses dois – Gisele balançou a cabeça, sorrindo – Nunca param de palhaçada.

— Queria estar correndo assim – lamentou Renata – Aposto que meu eu - raposa ganhava desses dois fácil, fácil.

— Não é uma boa ideia se transformar com seu pé machucado – alertou Santiago – Pode piorar o ferimento.

Renata lançou a cabeça pra trás e bufou.

— Ótimo.

— Não se preocupe – assegurou Santiago – Uma das vantagens de ser guardiã é que o processo de cura de vocês é bastante acelerado. O ferimento deve se curar em cerca de doze horas.

Isso pareceu animar Renata um pouco mais. Segundos depois, Paulo e Daniel retornaram, já de volta a forma humana, apoiados um no outro, rindo.

— Doido, isso foi muito foda – riu Paulo – Você é muito lento, Dani. Ganhei de você na maior moleza.

— Isso porque você cortou caminho – reclamou Daniel.

— Tua cara que cortei – revidou Paulo – Então eu sou um coiote? Tudo o que eu sei sobre eles é que gostam muito de correr atrás de um papa-léguas.

— Parece que um pouco de pesquisa não vai fazer mal – zombou Eric.

— Não sei nada sobre chacais – falou Daniel – Se bem que eu acho que eu vi alguma coisa no Yu-Gi-Oh! Tinha um deus egípcio com cara de chacal, coisa assim...

— Anúbis – falou Samir, que quando o assunto era mitologia, era uma enciclopédia ambulante – O deus dos mortos.

Por alguma razão, senti um arrepio percorrer minha espinha.

— Isso – concordou Daniel.

— Muito bem – Santiago bateu palmas pra chamar nossa atenção – Acho melhor voltarmos pra dentro. Vocês todos devem estar querendo comer um pouco, e depois voltar pras suas casas. Já está ficando tarde.

Todos, lentamente, foram entrando de volta na casa. Antes que Santiago pudesse segui-los, porém, eu o segurei pelo braço.

— Professor – falei – Não quero me intrometer, mas eu percebi que quando o Daniel se transformou, o senhor pareceu meio... Assustado.

Santiago hesitou por um instante, e depois suspirou, parecendo cansado.

— Não diria assustado, exatamente – disse – Preocupado, eu diria. Veja, o coiote e o chacal são, de muitas formas, dois lados da mesma moeda. Cara e coroa. Yin e Yang. Luz e...

— ... Escuridão – completei, num sussurro.

Santiago balançou a cabeça, como se para espantar pensamentos ruins.

— Provavelmente não há nada com que se preocupar – falou – E eu agradeceria se mantivesse essa conversa entre nós, tudo bem?

Assenti em silêncio. Ele não havia exatamente explicado muita coisa, mas ainda assim, me dera o que pensar.

Entrei na casa em um silêncio pensativo, por isso levei um susto quando senti um puxão pelo braço.

Olhei pra trás, Renata estava apoiada contra um móvel na cozinha, o pé machucado descansando numa almofada.

— Eu não quis te falar quando os outros estavam ouvindo – sussurrou ela – Mas eu achei uma coisa nas ruínas. Lá no buraco, enquanto vocês estavam fazendo a corda.

Meus olhos brilharam de interesse enquanto Renata retirava algo do bolso.

— Parece um retrato – falou ela, botando na minha mão – Tem os nomes gravados atrás.

Examinei o objeto. Era realmente um retrato, pintado com tanta delicadeza que eu temi que pudesse desmanchar com o meu toque. Estava muito maltratado pelo tempo e pela sujeira, mas ainda era possível identificar a imagem de um casal no centro, ambos de cabelos escuros, abraçados.

No verso, uma letra caprichosa dizia: Lauro Portell e Jaqueline França, 1826.

Voltei a examinar a imagem. A garota tinha uma expressão suave no rosto, irradiando o tipo de paz que se tinha quando se estava do lado de alguém que amava muito. Seus cabelos escuros estavam presos em uma longa trança, e ela usava o que parecia ser um longo vestido branco de linho. Uma roupa um tanto estranha pra época.

Já o rapaz tinha uma expressão séria no rosto, como se tentasse transmitir um recado a quem quer que o estivesse pintando. Subitamente, senti uma onda de familiaridade ao encarar o rosto dele. Era como se já o houvesse visto antes...

E então a lembrança veio como um raio.

Aquele mesmo rosto, embora mais velho, e com os olhos brilhando como os de um gato, brilhou na minha mente, juntamente com a voz reverberando: Eles estão vindo. Cuidado.

Era o mesmo homem do meu sonho.


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Notas finais do capítulo

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