Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 11
Terra arrasada


Notas iniciais do capítulo

E agora vamos dar uma folga pra Lorena e mostrar um pouco do ponto de vista de outra personagem... Espero que gostem!



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A essa altura da história, você talvez esteja um pouco cansado de ouvir falar só de mim. Existem pelo menos outras 12 pessoas cujo ponto de vista merece ser considerado, e acho que é hora de mostrar um deles.

Enquanto eu, Samir, Gisele e Renata voltávamos da escola, empolgados com as transformações, Sofia já estava em casa, debruçada sobre a beirada da janela do quarto, o pensamento longe, muito longe.

Ela pensava sobre como a vida dela e dos colegas havia mudado, tudo por causa de um erro dela. Ela ainda não sabia o que tinha acontecido consigo mesma naquele dia do museu. Tudo o que sabia era que algo havia se apossado dela, uma sensação poderosa e ancestral, e as letras confusas naquele pergaminho de repente pareceram muito familiares, e tudo aquilo jorrou de dentro dela como numa enchente poderosa, e agora tudo estava aquela confusão, e ela e os amigos estavam metidos nisso sem ter com quem contar a não ser aquele professor Santiago – com quem ela não se sentia plenamente confortável. Algo nele lhe dava arrepios.

Uma batida de leve na porta fez com que ela despertasse de seus devaneios. Ela virou a cabeça.

Seu pai, vestindo o habitual suéter de lã – que ela havia feito pra ele aos oito anos de idade; na época, era de um vermelho e marrom coloridos e vibrantes, agora estava todo desbotado – o cabelo permanentemente despenteado e os óculos redondos escorregando pelo nariz, sorria para ela.

— Ei, joaninha – falou ele. Ele nunca superou o apelido de infância – Tudo bem?

— Tudo – murmurou – Só olhando a paisagem.

A casa deles não ficava muito longe dos bosques, e, da janela do seu quarto, era possível ver as árvores cobrindo os morros até onde a vista alcançava.

— Bem, não voe alto demais – advertiu o pai – Sabe o que acontece com quem voa longe.

— “Você pode não voltar” – completou Sofia. Era uma das citações preferidas do pai.

— Isso mesmo – brincou ele – Bem, estou saindo pra uma reunião bem chata com meu editor. Você vai ficar bem sozinha?

— Vou tentar não tocar fogo na casa enquanto isso – prometeu Sofia.

— Ótimo – sorriu ele – Até mais, joaninha.

— Tchau – murmurou ela, enquanto o pai deixava o recinto.

Tinha sido só os dois havia muito tempo; a mãe de Sofia morrera de câncer quando ela era pouco mais que um bebê, e seu pai jamais havia mostrado interesse em se casar de novo, provavelmente porque era difícil manter um relacionamento quando se vive viajando. Sofia não entendia porque seu pai se mudava tanto, parecia sempre buscar alguma coisa, talvez procurasse um lugar onde pudesse chamar de casa.

Olhou novamente pela janela, sentindo o vento bater no rosto. De repente, ansiou por uma sensação de liberdade. Queria poder se libertar daquela casa, das preocupações, da culpa por tudo o que tinha acontecido. Queria ser mais leve.

Libere suas emoções, a voz de Santiago, sem convite, entrou em sua mente. Deve botar tudo pra fora.

De repente, sentiu sua pele esquentar, seu sangue correndo mais rápido nas veias, tentando acompanhar os batimentos mais fortes de seu coração. Sofia fechou os olhos, sentindo o impacto da transformação cair sobre si.

Quando abriu os olhos, não era mais ela mesma.

Olhou no pequeno espelho afixado na parede do quarto, e lembrou-se da vez, quando era muito pequena, em que passeava por uma reserva florestal com o pai. Ele a fez parar diante de uma árvore com o tronco oco, apontando com a expressão divertida.

— Olha, filha – falou ele – Uma coruja.

A coruja, completamente marrom e redonda, parecia estar dormindo, mas, ao som da voz do pai de Sofia, abriu os grandes olhos amarelos e encarou os dois. Sofia recuou um passo, assustada.

— Ela não vai te machucar – prometeu o pai – Ela só está te dando as boas vindas.

A coruja refletida no espelho não era parecido com a que tinha visto com o pai; era marrom e branca, com o rosto e o bico achatados. Um taito, pelo que havia estudado nas enciclopédias do pai.

Sofia agitou as asas, olhando para o céu, ansiosa. Será que...?

Inspirando fundo, e sem parar pra pensar melhor, deu um impulso forte para fora da janela.

Antes que pudesse perceber, estava voando.

Era uma sensação incrível. Ela nunca tinha percebido como o céu era tão imenso. As possibilidades pareciam infinitas, e, sentindo o vento bater no rosto, ela sentia como se pudesse ir para qualquer lugar, fazer qualquer coisa.

Sobrevoou o bosque, observando as árvores se transformarem num grande borrão verde. Sua visão parecia muito mais aguçada, e ela podia identificar detalhes da paisagem abaixo.

De repente, uma visão a fez parar.

Em meio a imensidão verde no bosque, havia um círculo de um raio de vinte metros que estava completamente negro. Com um pressentimento horrível percorrendo seu corpo, Sofia desceu até ele.

Pousou no galho de uma das árvores e observou, com espanto, a terra dizimada. As árvores estavam completamente secas, desfolhadas e com os troncos podres e enegrecidos. A grama estava morta, mas, em vez de estar amarela e seca, tinha adquirido uma coloração negra e um aspecto úmido, como se alguém houvesse derramado piche ali. Nenhum ser vivo parecia estar em qualquer lugar perto dali, e a região estava tão vazia quanto como se fosse amaldiçoada.

De uma coisa Sofia tinha certeza: Aquilo não era normal.

Ela deu mais uma olhada ao redor. No centro da grama enegrecida, havia uma espécie de buraco imenso, de onde saíam imensas rachaduras. Alguns vermes se arrastavam de dentro dali, e Sofia sentiu ânsia de vômito. Se perguntava o que teria feito aquilo, ou pior o que havia saído dali.

Com um arrepio na espinha, ela teve a nítida sensação de estar sendo observada. Com um último olhar para a paisagem destruída ao redor de si, levantou vôo e voou para o mais longe que pôde.

Voltou para perto da região onde morava. Não estava pronta pra voltar pra casa, não ainda. Precisava respirar um pouco. Havia um parque grande e aberta há algumas ruas de sua casa, e parecia o lugar perfeito para descansar um pouco.

Pousou discretamente atrás de uma árvore, e após dar uma olhada para se certificar que não havia ninguém por perto, deixou que o calor da transformação a tomasse.

De volta a sua forma humana, foi andando até um dos bancos e sentou, expirando pesadamente. Não sabia o que era que tinha visto nos bosques ou o quê significava, e tudo o que queria era esquecer a imagem da cratera terrível e cheia de vermes.

Fechou os olhos por um instante, até que ouviu passos vindo na sua direção. Por um instante horrível, ela pensou que a coisa que ela sentira a observando havia de alguma forma seguido ela até ali, mas uma voz amigável a fez mudar de ideia:

— Ei – disse – Você por aqui?

Abriu os olhos. Diante dela havia um garoto grande e forte, tão grande que projetava uma sombra em cima dela. Ela o reconhecia, claro – da última vez que estivera tão perto dele, ele estava transformado em urso. Bernardo. Ele sorria tímido pra ela, e segurava pela coleira um buldogue que parecia estar babando um rio inteiro.

— Oi – ela sorriu, falando baixo, como sempre. Por mais que tentasse, a timidez parecia acompanhá-la onde quer que fosse. Forçou-se a esticar a conversa: - Você mora por aqui?

— Moro naquela rua – Bernardo apontou a direção – Então somos vizinhos.

— Parece que sim – Sofia sorriu. O sorriso pareceu um convite para que o cachorro de Bernardo praticamente pulasse em cima dela, e ela riu, surpresa.

— Oi, bonitinho – disse ela, rindo enquanto ele lambia sua mão – Qual é o seu nome?

— Esse é o Brutus – apresentou Bernardo – Cuidado; ele baba muito.

— Não tem problema – disse Sofia, apesar de suas mãos já estarem encharcadas. Ela sempre se sentia mais à vontade com animais do que com seres humanos. Fez um carinho na cabeça de Brutus, que se inclinou pra ela e fechou os olhos.

Bernardo olhava pra ela com um sorriso hesitante nos lábios, e, após um momento constrangedor, apontou para o banco.

— Eu... Posso sentar?

— Ah! Claro – Sofia arredou para que ele sentasse, sentindo as bochechas corarem. Mais uma vez, amaldiçoou a própria timidez.

Bernardo sentou, amarrando a coleira de Brutus na ponta do banco. Ele inspirou fundo e fechou os olhos por um instante, como Sofia tinha feito.

— Adoro esse lugar – disse.

— Eu também – sorriu ela – Você vem muito aqui?

— Eu costumava passear aqui com o Brutus todo dia – contou ele – Não nas últimas semanas, porque ele parecia estar com... Medo de mim – falou tristemente – Mas agora ele parece ter superado isso.

Sofia olhou para Brutus, que se deitara na grama e agora pegava sol despreocupado, a língua de fora num arfar constante. Sofia sentiu a culpa bloquear sua garganta e suspirou.

— Essa confusão toda é culpa minha – disse ela – Desculpe.

Bernardo a olhou como se ela tivesse enlouquecido.

— Não é culpa sua – disse ele – Isso é besteira. Ninguém culpa você.

— Algumas pessoas culpam – murmurou ela, pensando no dia em que Bernardo se transformara.

Bernardo balançou a cabeça.

— O Leonardo e a Pâmela são uns idiotas – falou – Você não sabia o que estava fazendo. Não foi sua culpa tudo o que aconteceu.

Sofia expirou. De alguma forma, ouvir aquilo da boca de outra pessoa a fazia sentir muito melhor. Ainda mais dele, que era claramente um dos mais incomodados com a situação.

— Além disso... – ele falou, hesitante – Se não fosse você ter me ajudado aquele dia... Eu teria... Nem quero pensar no que podia ter acontecido.

Sofia estremeceu um pouco, pensando em Eduardo, preso debaixo do banco, completamente apavorado, e o urso enorme avançando contra ele.

— Também não sei como fiz aquilo – confessou ela – Parece que andam acontecendo muitas coisas que eu não sei explicar.

— Bom, o que quer que tenha sido, me salvou – afirmou ele – Então, obrigado.

Eles sorriram um pro outro. De repente, ela não se sentia mais tão tímida. Era quase como se estivesse completamente à vontade ali.

— Sabe, não é tão ruim assim – continuou Bernardo – A super força até que é legal. Agora posso carregar duas vezes mais comida do que antes.

Sofia deu risada, e pensou na sensação maravilhosa que tivera ao voar.

— Entendo o que quer dizer – disse.

Bernardo assentiu.

— Mas toda essa história de perigos... E bruxos do mau... Não sei, não – falou ele – Parece uma responsabilidade muito grande. Não sei se estou preparado pra isso.

Sofia assentiu, mordendo o lábio. Pensou na terra morta que havia encontrado e a sensação ruim voltou com tudo. Cogitou por um instante em contar pra ele, mas achou melhor guardar aquilo pra si, por enquanto.

— Bem, existe um contra feitiço – foi o que acabou dizendo – Se acharmos, podemos dar um fim nessa história toda. A Lorena e alguns dos outros estão planejando sair em busca dele amanhã.

Bernardo a olhou, parecendo meio cético e preocupado.

— Acha mesmo que podemos achar?

Sofia pensou por um momento.

— Acho que temos uma chance.

Ele assentiu, como se só a resposta dela tivesse sido o suficiente para convencê-lo.

— O pior de tudo é que, por mais idiota que seja – disse ele – O que mais me preocupa disso tudo é que tá tirando a minha concentração nos estudos. Minhas notas já não são lá essas coisas, e eu to zerado pra prova de filosofia que vamos ter semana que vem.

— Eu sou bom em filosofia – disse ela – Se quiser, posso te ajudar.

Ele arregalou os olhos pra ela, parecendo esperançoso.

— Você faria isso?

— Claro – sorriu ela – Nós somos dois estranhos. Temos que nos ajudar, certo?

Ele abriu um sorriso, revelando um par de covinhas, e pela primeira vez Sofia notou o quanto ele era bonito.

— Certo – ele sorriu, e por um instante, Sofia esqueceu de bruxos malignos, terras arrasadas e da sensação de estar sendo observada, que ainda não tinha passado.

Por um breve instante, tudo ficou bem.


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Notas finais do capítulo

Estou percebendo alguns leitores fantasmas por aqui... Se quiserem fazer comentários, ficarei muito feliz! :)



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