Manhã de Sábado. O tão esperado dia da palestra, nem lembro mais quantas vezes o Saga falou e falou desse suposto curso, acabei até ficando curioso. O que me surpreendeu, pois ninguém nunca havia despertado tanta curiosidade assim em mim. Geralmente eu ficava curioso sozinho, chega a ser estranho.

- Hey! Shou! Aqui! – ouvi assim que me aproximei de um prédio que mais parecia um cursinho. Para variar um pouco, era o Saga, afinal, quem mais iria me chamar assim? – você demorou, passou na escola de novo para tocar?

- Ah! Não! Eu só me atrasei por que peguei o metrô errado e...

-Ok! Ok! Vou fingir que acredito – ele disse parando na minha frente e me analisando dos pés a cabeça, aquilo realmente estava me incomodando – quando saímos daqui... Vamos ter dar um banho de loja! – completou depois da ‘analise’ enquanto me puxava para uma das salas do curso onde uma placa grande na entrada dizia:

“Vamos polir o homem que mora dentro de você: as chaves para fazer sucesso nos encontros! Professor Ishihara Takamasa”

- Bem-vindos, rapazes! – saudou-nos o ‘sensei’.

-‘Meu Deus o que é isso?!” – perguntei-me em pensamento ao colocar os olhos na figura à frente da sala – ‘Homem? Mulher? Travestir?’ – realmente fiquei em duvida! Com toda sinceridade. Aquele...professor... era a coisa mais bizarra que eu já havia visto em toda a minha vida adolescente. E olhe que eu conheci o Saga um dia desses.

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Hahaha! Amigos, como eu rio quando lembro da cara que o Shou fez naquele dia! Quando o sensei entrou... com toda a sua beleza, dos pés a cabeça. Desde a ponta do primeiro fio de cabelo azulado até o ultimo milímetro do corpo magro e cheio de tatuagens.

- Meu nome é Ishihara Takamasa – disse virando-se de costas para nós e escrevendo seu nome no quadro – Mas podem me chamar de Miyavi se quiserem... sensei Miyavi. Soa bem não? – perguntou sem voltar-se para a sua pequena platéia que em sua maioria mantinha o olhar fixo e assustado na excentricidade dele – É! Soa melhor, mas vamos ao que interessa logo! Nesta curta palestra de 5 horas vamos trabalhar 4 temas fundamentais na conquista de uma bela dama, sendo que no intervalo de cada tema vamos praticar! – completou de forma energética ao terminar de colocar tudo o que disse no quadro, inclusive os temas enumerados:

1 . Informações Gerais

2. Técnicas de conversação.

3. Sorriso

4. Moda

5. Cavalheirismo

6. Autoconfiança/Segurança

7. Caminho do coração

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Por mais que eu tenha ficado assustado com o visual... fora do normal... do sensei, tive que admitir que ele era de fato um mestre, e que sabia o que estava falando. Até tomei um susto quando ele começou a falar, o contraste visual com a voz um pouco calma foi de fato algo surpreendente.

- Bem... senhores, vamos começar então pelas informações gerais! Mais especificamente o que é e como é uma mulher – fez-se uma breve pausa, pois um abafado de risadas debochadas rondou a sala – Ah! Acharam engraçado não foi? Pois bem senhores saibam que estão aqui, justamente, porque não sabem o que é uma mulher a fundo – novamente ele fez uma pausa, levantou os grandes óculos escuros até a cabeça e olhou de forma penetrante e ao mesmo tempo assustadora para todos nós.

Eu fiquei com medo. Com muito medo mesmo! Era como se um frio cortante se apoderasse da minha alma. Como o Saga conseguia ficar tão calmo sendo olhado assim?

- Mulheres... Mulheres são os seres mais belos do mundo, os mais fortes, os mais determinados e também os mais frágeis. Não no sentido que nós homens damos de fragilidade... E sim no sentido que elas dão! – Após calar a boca de todos os marmanjos da sala o sensei começou a andar pela sala enquanto falava de uma forma magistral tudo o que deveríamos saber. Fiquei encantado. Nunca iria se quer imaginar o tamanho da complexidade que uma só mulher pode ter - E acreditem senhores, mulheres gostam de alguém que saiba conversar, pois acreditem ou não... Elas se comunicam... Falando!

Aquele último comentário foi estranho, e ao mesmo tempo engraçado. Pude perceber também que algumas pessoas se surpreenderam ao ouvi-lo... Isso me deixou um pouco chocado, afinal, não era obvio?!... Pensei na minha mãe... Ela vivia falando...

- Bom! Isso nos leva para o nosso primeiro exercício! Conversação! -  

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- E ai Shou? O que achou da palestra? – perguntei assim que saímos da aula.

- Hm... mais ou menos...

- Ah! Não vá me dizer que você ainda está com vergonha por causa do seu sorriso?! – repreendi-lhe impaciente enquanto ia entrando em meu carro – Vamos para o centro, Kyo.

- Saga... Como é que eu vou sorrir ao cumprimentá-la? Isso é loucura! Meu pai sempre disse que todo homem deve se manter sério ao conhecer a mulher de seus filhos, para mostrar à ela e a sua família o quanto ele é digno de...

- Ahhh!! Chega! – o interrompi – Seu pai ainda tem essa visão antiquada de como falar com as mulheres?! É por isso que você é desse jeito! Lembre-se o que o sensei falou: “a seriedade ao cumprimentar é um dos maiores problemas do homem Japonês, causa medo e receio na moça”.

- Mas... Saga

- Nada de ‘mas’ nem meio ‘mas’! Você tem um sorriso bonito! Vai se sair bem! – falou dando tapinhas no meu ombro - Agora me diga... Que estilo de roupa você gostou mais? – já fora do carro mandei meu mordomo voltar para casa para então virar-me para meu amigo ainda mais acanhado do que antes – O que foi? – perguntei notando a angustia no rosto dele.

- Saga... Essas são as lojas mais caras de Tókio... – disse-me quase que em sussurro.

- Ah! Não se preocupe com dinheiro! Eu vou te dar um banho de loja! Agora vamos, deixe-me ver – Olhei-o dos pés a cabeça - Você tem que ser elegante, mas estiloso ao mesmo tempo! Tem que chamar a atenção sem que percebam que está chamando! Vem! – coloquei meu braço em volta no seu ombro e o arrastei até a loja mais proxima, no começo ele até tentou relutar, mas eu venci... Como sempre.

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Às vezes eu acho que aquele dia foi o mais traumático de toda a minha vida, ao mesmo tempo em que foi o mais divertido. Nunca havia saído para fazer compras com um amigo... Sempre ia sozinho e na maior mau vontade, só porque tinha que comprar vestes mesmo.

Mas aquela tarde com o Saga foi divertido, eu não queria o deixar pagar pelas roupas. Permitir que ele me bancasse ia contra todos os meus princípios, mas é incrível o poder de persuasão que aquele desgraçado tem, outra coisa incrível também é o seu bom gosto para roupas. Casacos, blusas, regatas, bonés, cintos, e mais um monte e outros acessórios que compramos... Eram todos analisados minuciosamente por seu olhar biônico, as vendedoras chegaram até a achar que ele era meu irmão mais velho. Foi engraçado.

Depois de várias viagens e reservas em diversas lojas e compras em outras, adentramos na ultima e meus pés clamavam por um merecido descanso. Estava tão péssimo que nem notei que havíamos entrado em uma ótica.

- O que você acha Megumi? – perguntou tirando os meus óculos e mostrando para uma moça no balcão que aparentava ser um pouco mais velha que ele. Era impressão minha ou ele conhecia todos ali?

- Nossa, ele é muito cego – fiz uma careta ofendida para ela – Oh! Desculpe. Caham, bom... No rosto dele, esses aqui ficariam mais bonitos, caso ele prefira óculos... Mas é como eu sempre falo...

- “...Nada valoriza mais um belo rosto do que lentes” – saga completou o que ela ia dizer e os dois riram como se aquela fosse a coisa mais engraçado do mundo. Revirei os olhos, entediado e tão cansado que não tinha nem forças para vomitar com tanta melação.

- Mande preparar as lentes então, aqui está a receita – Como ele conseguiu o meu grau de miopia? - Mando Kyo pegar mais tarde.  

- Claro! Muito obrigada, Saga! Volte logo, sim?! De preferência para me ver – dizia a jovem assim que saiamos dali.

- Sabe que só tenho olhos para você mon cherie – continuei com a minha cara de tédio enquanto ele mandava um beijo para ela. Me pergunto se ela acreditava mesmo nisso - Agora, vejamos... Iremos ao salão mudar esse seu corte de ‘wanna be nerd’ – ele me informou enquanto digitava alguma coisa em seu celular.

- QUÊ?!  – deduzi depois que ele havia mandado um e-mail para Kyo para que viesse nos buscar, pois minutos depois ele estava ali, com a sua velha cara de ‘sou mal’, como Saga costuma dizer, carregando as sacolas e EU para dentro do carro. Se tinha uma coisa que eu me negava a ir era num salão de beleza, mas eu lá ia relutar com o Saga? Não né? Impossível... Sempre perco.

Nota mental: melhorar meus argumentos.

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Nunca vi alguém amar tanto um cabelo tão feio quando o Shou. Quando chegamos ao salão fui logo falando com meu cabeleireiro favorito o que eu queria que fizesse com a minha pequena cria e como eu queria. Ainda lembro do espanto nos olhos grandes dele, talvez pelo salão ser de cinco estrelas, talvez pelo cabeleireiro ser tão andrógino quando Miyavi, ou simplesmente pela mudança que ele ia sofrer... Não sei... Nunca parei para perguntar para ele.

Deixei-o nas mãos cuidadosas de Takuya e fui me sentar na sala de espera, apreciando um bom livro que Kyo me trouxe.

- Deseja alguma coisa para beber, Saga-san? – ouvi a recepcionista perguntar e sorri cordialmente.

- Um cappuccino, por favor – pedi e logo ela se retirou com um sorriso contido nos lábios, fingi não ver, mas pelo vidro pude notar os risinhos histéricos que ela trocou com outras vendedoras.

Isso me fez sorrir novamente e voltar para o meu livro... afinal, o alisamento, a hidratação, a pintura e o corte no cabelo de Shou iria demorar quase a tarde inteira, ainda bem que este livro é interessante... Em que parte parei mesmo? Ah sim...

“Esta floresta, agora tão pacifica, deve ter estremecido

outrora com gritos de morte”, pensei. E a imagem

era tão convincente que até hoje penso ouvir os gritos”

Robert L. Stevenson, A ilha do tesouro

Olhei meu relógio de pulso... Seis horas se passaram desde que deixara Shou nas mãos habilidosas de Takuya e o livro estava para chegar ao final emocionante, esperei mais um tempo para ver como estava ficando... Na verdade, terminei li até o final mesmo, isso me rendeu mais uma hora mergulhado naquela maravilhosa trama.

Sorri ao fechar o livro e me levantei dando o objeto nas mãos do mordomo antes de caminhar até a cadeira onde um Shou completamente modificado terminava de fazer chapinha.

Vi pelo reflexo do espelho o rosto do menor com um misto de assombro e encanto no olhar, para falar a verdade nem mesmo eu achei que ficaria tão bom.

-Takuya... Você é um gênio!