Never Enough escrita por oicarool


Capítulo 14
Capítulo 14




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Durante a internação de Felisberto, Darcy raramente conseguiu visitar o vizinho. Em partes porque trabalhava durante toda a semana na fábrica e no bar, estava passando muitas noites na casa dos Benedito, e em partes ainda maiores porque ver Felisberto fazia Darcy sentir uma enorme culpa. Sabia que era irracional, mas era inevitável, e toda vez que encostava a cabeça no travesseiro era tomado por tal sentimento.

No dia anterior ao acidente havia prometido à Felisberto que o ajudaria nas mudanças da casa. Felisberto falou sobre as telhas soltas, e Darcy garantiu que no dia seguinte tudo estaria no lugar. Mas naquela manhã foi acordado por Ernesto e Elisabeta, e seus planos de ajudar Felisberto foram cancelados. É claro que não imaginou que ele tentaria fazer tudo sozinho. Mas a verdade é que, se estivesse lá, Felisberto estaria bem.

Sentia-se responsável pelo sofrimento intenso dos Benedito nos últimos quarenta dias. E, mesmo agora, quando estava em frente à casa, à espera do carro de passeio que finalmente traria Felisberto de volta, sentia-se culpado. Não dividira esse sentimento com ninguém. Sabia bem o que todos diriam, e concordava que não havia realmente sido sua culpa. Era apenas impossível não pensar que poderia ter evitado tudo isso.

As irmãs Benedito estavam preparando a casa desde cedo. Fizeram adaptações no banheiro, no quarto do pais e no escritório de Felisberto. Darcy ajudou como conseguiu. Ajudou a mudar os móveis de lugar, a instalar barras de ferro para que Felisberto pudesse se apoiar, e também apertou as rodas da cadeira de rodas que Elisabeta havia conseguido que o Barão emprestasse.

Veridiana preparara quase um banquete para que Ofélia não precisasse se preocupar com nada. Charlotte e Lídia a ajudaram a lavar os lençóis para que tudo estivesse impecável. Agora as cinco Benedito e os quatro Williamson aguardavam ansiosos, até verem o carro de passeio virar a esquina. Com o barulho, Veridiana e Archibald também saíram de sua casa em direção à casa da frente.

Felisberto sorriu, aliviado, ao ver sua casa. Darcy, Ernesto e Camilo terminaram toda a reforma pendente. Não havia uma telha fora do lugar, e o mais velho respirou aliviado por isso. Darcy rapidamente se aproximou para ajuda-lo, colocando-o na cadeira de rodas que Elisabeta aproximou. Os dois trocaram um breve olhar, repleto de significados, mas que nenhum deles se arriscava a interpretar.

— Minhas filhas, meus amigos. – Felisberto suspirou. – Que bom vê-los aqui. Finalmente estou livre daquele hospital.

Felisberto envelhecera durante a internação. O rosto estava emagrecido, os olhos um pouco mais fundos. Passara por períodos de dor intensa e por causa das fraturas dependia de ajuda para quase tudo. Apesar disso, não se deixava abater e estava genuinamente feliz de voltar para casa.

— Mas não pensei que vamos deixá-lo aprontando por ai, Felisberto. – Ofélia resmungou, com lágrimas nos olhos. – Os meus nervos não aguentam outro susto, ouviu?

— Sem sustos, minha querida. – Felisberto sorriu para a esposa. – Só estou muito grato por poder ver todos reunidos novamente.

As irmãs Benedito correram para o pai, todas transbordando emoção. O abraçaram ao mesmo tempo, com todo o cuidado que podiam. Logo Ofélia se reuniu à eles, e como eram todos uma grande família, os Williamson também se envolveram naquela demonstração de afeto.

##

Darcy ajudou Felisberto à passar da cadeira para a cama. O homem ainda não conseguia colocar os pés no chão, e nenhuma das mulheres da casa tinha força física o suficiente para erguê-lo. Os meninos Williamson sabiam que precisariam estar presentes para auxiliar sua segunda família, e apesar do sentimento de culpa que Darcy tentava deixar de lado, logo dispensou os irmãos, sentindo-se inteiramente responsável pela tarefa.

— Está confortável assim? – Darcy perguntou, e Felisberto assentiu.

O mais velho observou quando Ofélia os deixou sozinhos, e fez sinal para que Darcy se sentasse à seu lado.

— Meu rapaz, eu quero agradecer você. – Felisberto sorriu. – Soube que cuidou das minhas meninas, que ajudou nas despesas da casa.

— Ora, seu Felisberto, eu não fiz mais do que minha obrigação. – Darcy tentou sorrir.

— Não é verdade. Você não tinha obrigação nenhuma. – Felisberto segurou à mão de Darcy. – Você é um homem honrado, Darcy.

— Eu não poderia fazer diferente, seu Felisberto. – Darcy respirou fundo. – Afinal, se eu tivesse ajudado o senhor, como prometi, tudo seria diferente.

— Não diga isso. – Felisberto ficou sério, de repente. – Se estivesse aqui, seria você no meu lugar. E eu prefiro viver esse inferno quantas vezes forem necessárias, desde que nenhum de vocês precise passar por isso.

— Me desculpe por não estar por perto. – Darcy baixou a cabeça.

— Darcy, você é como se fosse um filho pra mim. – Felisberto sorriu, apertando ainda mais a mão de Darcy. – Eu o proíbo de culpar-se pelo que aconteceu.

Darcy assentiu, sem conseguir deixar o sentimento de lado. Elisabeta entrou no quarto naquele momento e estranhou a expressão de Darcy e Felisberto.

— O que está acontecendo aqui? – ela perguntou, erguendo a sobrancelha. – Papai, você está com dor?

— Está tudo bem, minha filha. – Felisberto sorriu.

— Eu já estava mesmo indo embora. – Darcy forçou um sorriso. – Se precisarem de mim, estarei em casa.

Elisabeta observou Darcy sair do quarto, com uma expressão preocupada no rosto. Passou algum tempo conversando com Felisberto, mas não conseguia evitar a sensação de que algo estava errado. Por isso, quando Mariana e Cecília invadiram o quarto dos pais, Elisabeta beijou a testa de Felisberto e foi em direção à casa dos Williamson.

Veridiana informou que Darcy estava no jardim, e se a mais velha estranhou que Elisabeta procurasse por ele, não demonstrou qualquer sentimento. Elisabeta o viu tão logo cruzou a porta. Darcy estava sentado em um pequeno banco de madeira, sua grande figura contrastando com as flores tão bem cuidadas por Charlotte. Ele olhava para o chão, uma linha entre as sobrancelhas.

Elisabeta se aproximou com calma e cuidado, e Darcy estava tão absorto em seus pensamentos que ergueu o olhar apenas quando ela já estava em sua frente. Elisabeta notou um brilho diferente no olhar dele, como se estivessem marejados, e conteve o impulso de tocar seu rosto. Darcy desviou o olhar rapidamente, voltando a encarar os próprios pés, agora também os dela.

— Darcy, está tudo bem? – ela perguntou, em uma voz suave.

Darcy queria dizer que sim. Como disse para sua mãe e para cada um de seus irmãos. Queria dizer que eram problemas de trabalho, mas quando seu olhar encontrou o dela novamente, viu sua boca ganhar vida própria.

— Eu não consigo parar de pensar o que teria acontecido se não fossemos àquele passeio. – Darcy soou vulnerável. – Se não estivéssemos envolvidos com aqueles malditos palhaços. Seu pai não estaria nessa situação.

Elisabeta ergueu a sobrancelha, em surpresa. Nos últimos quarenta dias demonstrara inúmeros momentos de fragilidade. Chorara nos braços de Darcy mais vezes do que podia lembrar. Ouvira as palavras de consolo dele, e em nenhum momento, em nenhuma dessas vezes, Darcy dissera qualquer coisa naquele sentido.

— Eu poderia ter ajudado, Elisa. – ele suspirou, cansado. – Não teria deixado que seu pai subisse naquele telhado.

— Darcy, meu Deus, o que você está falando? – ela perguntou.

— Que talvez seja culpa minha. Que eu poderia ter evitado tudo.

Naquele momento Elisabeta deixou a cautela de lado, e suas mãos foram rapidamente parar no rosto de Darcy. A barba era mais macia do que ela esperava, e Darcy fechou os olhos ao toque dela.

— Você não teria evitado nada. – ela disse, em voz baixa. – Poderia ter acontecido com qualquer um, à qualquer momento, e teria acontecido com meu pai se você estivesse ou não aqui.

— Você não sabe disso. – ele manteve os olhos fechados.

— E nem você tem como saber se evitaria alguma coisa. – o polegar dela acariciou o rosto dele. – E não importa, Darcy.

Elisabeta engoliu em seco quando os olhos dele se abriram de novo, novamente a sensação de que, tão de perto, as cores se confundiam. Mas chegou mais perto mesmo assim, sem conseguir controlar seus instintos.

— O que importa é o que você fez por nós. – ela respirou fundo. – Tudo o que fez por mim.

— Eu não fiz nada, Elisa. – uma das mãos dele segurou a mão dela, sem retirá-la do lugar.

— Fez. Você me ouviu quando eu precisei, me abraçou quando eu senti que iria desmoronar. – uma lágrima correu pelo rosto dela. – Você foi minha força, Darcy, quando eu não sabia mais de onde tirar esperança.

— Você faria o mesmo por mim. – ele sorriu, virando o rosto para beijar a palma da mão dela.

— Eu não teria tanta certeza. – ela também sorriu, piscando para ele.

Mas os sorrisos se desfizeram quando ela acariciou o rosto dele com mais cuidado. Darcy olhava para cima, nos olhos dela, e Elisabeta estava próxima à ele. Não resistiu à cruzar a pequena distância, encostando a testa de leve na dele. Os dois fecharam os olhos, imersos naquele momento.

— Obrigada. – ela disse, em voz tão baixa que Darcy mal ouviu.

Elisabeta encostou de leve os lábios nos dele, para a surpresa de Darcy. Foi fugaz, carinhoso, mas fez correr um arrepio pelo corpo dos dois. Ela se afastou tão rápido quanto se aproximou, e Darcy abriu os olhos, atordoado. O olhar de Elisabeta tinha um brilho travesso, e Darcy teve vontade de puxá-la para seus braços naquele momento.

Mas, antes que qualquer um dos dois pudesse se mover, a voz de Veridiana chegou aos ouvidos deles. Antes que Elisabeta se afastasse completamente, Darcy segurou a mão dela, e depositou um beijo em seu pulso. Ela se despediu com um sorriso, e nenhum deles conseguiu tirar aquele toque de lábios dos pensamentos.


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