Memórias escrita por MiSwan


Capítulo 1
Memórias




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773538/chapter/1

Nunca pensei em voltar a este banco. Muito menos, poder sorrir no mesmo lugar onde tanto chorei. 

Durante 10 anos senti-me um lixo. A minha mãe, Renné, não gostava de mim e dizia-o a todos. O meu pai, Phil, nem sequer me dirigia a palavra. A minha irmã gémea, Rennesme, passava a vida a humilhar-me na escola. 

"Por quê? Por quê?" Era a única coisa que eu conseguia pensar. Vinha para este mesmo banco, fosse dia ou noite, para fugir de todos. Como é que eu e a Rennesme, nascidas no mesmo dia, com os mesmos pais, poderíamos ser tratadas de maneiras tão díspares? Para uma criança é dificílimo entender estas coisas. Como é que ela era tão querida por todos e eu um empecilho? Como é que ela herdou tudo dos nossos pais e eu era tão diferente? Como?! Ela tinha festas de aniversário e eu tinha que ficar fora de vistas. Tinha sorte se alguma das minhas avós me viesse trazer algo para comer... 

Mas tudo mudou, do dia para a noite. Estava a sair da escola, suja, com lágrimas e a ouvir os risos de todos. Alguém me fez uma rasteira, atiraram-me ovos e algo escuro. Nem pensei, apenas me levantei e corri. Corri o mais que pude, com dores nos joelhos, na cara, na alma. Não olhei. Apenas senti o impacto e pensei: finalmente! A escuridão tomou-me. 

Quando acordei, estava no hospital. O Doutor Cullen, amigo da mãe, estava a ver alguma coisa numa folha e ficou branco como papel quando acordei. Nenhum de nós disse nada, ele sabia como eu era tratada, mas quem se iria insurgir contra a senhora que tratava dos casos das crianças maltratadas e o senhor advogado tão querido da população? Ele sabia, todos eles sabiam, mas ninguém fazia nada. 

O Doutor Cullen saiu da sala e logo depois entrou um homem. Sorriu. Aquele sorriso era igual ao meu; aqueles olhos iguais aos meus... Quem era ele? O meu verdadeiro pai! Charlie Swan! Com 10 anos foi difícil entender aquelas coisas. A Renné tinha traído o Phil, engravidou, gémeas, quando nascemos fizeram-se testes de paternidade. A Rennesme era filha do Phil, eu, do Charlie. 

Charlie Swan. O meu pai! O homem de bigode, aparentemente duro, mas um amor de pessoa. O homem que me atropelou, mas salvou-me mesmo que eu tenha partido um braço. Mal me viu, estendida no chão, suja, percebeu que eu era a filha dele. A Renné tinha ligado para ele, estava ela com 5 meses de gravidez. Mencionou a gravidez, depois, desapareceu no mapa. Ele procurou-me. Tentou saber, quis-me. O processo em tribunal começou, eu passei a morar com ele no hotel. Ambos pensámos que seria um processo demorado. Não, mal se confirmou a minha real paternidade, os Dwyer afirmaram não colocar qualquer problema em trocar a minha paternidade e deixar todos os direitos para o Charlie. Não me queriam. Não senti nada. 

Mudei-me para San Diego com o meu pai. Forks era apenas o lugar onde nasci. Os anos seguintes foram os mais felizes. Os meus avós mimavam-me muito. O meu avô tinha sido oficial da Marinha, a avó tinha uma pequena livraria e editora que queria dar ao meu pai, mas, tendo uma neta que passava mais tempo lá do que em casa, a livraria passaria diretamente para mim. O meu pai estava mais do que feliz com isso! Não lia nada, não gostava de ler.... Gostava da carreira que tinha, era polícia. Não queria ler, mas oferecia-me livros, sempre com a ajuda da avó. Morávamos os quatro juntos, felizes, sem nada que me lembrasse os tempos de Forks. 

Com 16, finalmente!, tive a felicidade de ver o meu pai casar-se com a namorada que sempre lhe conheci: Sue Chanders. Ela é um amor de pessoa, com uma mão para doces que me agradou imenso. O meu pai ama-a, eu amo a capacidade dela na confeitaria (OK, eu também a amo, mas os doces são uma parte importantíssima). 

Forks era passado até ao dia em que esbarrei nele. Eu estava com 18 anos, tinha que fazer uma entrega de livros perto da faculdade de San Diego, a um cliente regular. Estacionei, fiz a entrega e depois, como tinha tempo, decidi espreitar a biblioteca da faculdade onde esperava entrar. Mas, filha de Charlie Swan no comando, me espetei contra uma pessoa, não pensei que fosse ele. Edward Cullen, o filho do doutor Cullen, também envolvido na última humilhação que sofri. O cabelo denunciava-o. Contra todas as minhas expectativas, ele reconheceu-me, puxou conversa, falou, falou, falou. Tinha crescido, tanto física como mentalmente, pediu-me desculpas por tudo. Contou-me que a Nessie, nome "carinhoso" dado à minha irmã, estava a namorar com o Jacob Black, também aluno daquela universidade, tinha, nos últimos tempos, sido vítima de bullyng. Alguém se lembrara de mim e a Rennesme passara a ser gozada por ter uma mãe assim. Mãe que perdeu o emprego por causa das provas (que nunca foram negadas) dos maus tratos físicos e psicológicos que sofri. O próprio Phill sofreu algumas consequências na carreira, mas manteve-se firme no negócio. Durante muito tempo, ninguém falou de mim em Forks. Eu era uma espécie de tabu. Até ao momento em que alguém se fartou do reinado de Rennesme Dwyer e eu era a arma de arremesso. 

— Ela arrependeu-se, sabes? Ao fim de algum tempo, disse que lhe faltava ter mais alguém em casa para ajudar e evitar as discussões entre eles.

Arranjei uma desculpa para me escapulir dali, mas, ao virar-me, dou de caras com a Rennesme e o Jacob. Apenas disse olá e segui. Não podia voltar ali, não queria. 

Algumas semanas depois, lá chegou a resposta da faculdade: tinha sido aceite! Gestão de empresas, mas estudando algumas matérias do curso de Biblioteconomia e Documentação, que também queria concluir. Nunca mais tinha visto o Cullen e os outros, mas era uma questão de tempo até isso acontecer. 

Aconteceu logo no primeiro dia, cruzei-me com a Rennesme e ela pediu para conversar. Disse-lhe que não podia, que precisava de ir trabalhar. 

— Eu tenho tempo. Em que trabalhas?

— Na livraria da minha avó. 

— Há cafés por perto?

— A própria livraria tem cafetaria. É uma livraria com cafetaria e editora independente. 

Lá veio comigo. A viagem de carro foi assustadoramente silenciosa. Por um lado, éramos irmãs; por outro, totalmente desconhecidas. Durante a tarde fomos falando de coisas leves. O tempo, as diferenças entre Forks e San Diego, mas nunca falamos do elefante na sala. A Renné. As humilhações. A minha partida. 

A minha avó estava numa consulta, acompanhada pelo meu pai. A Sue aproveitou a viagem para a consulta do pequeno Seth, o meu irmão de um ano. O meu avô foi passear, não queria conduzir, mas queria o passeio. Quando entraram na livraria perceberam logo quem era aquela pessoa. O choque foi visível, principalmente no rosto do meu pai. Sorri, eu estava bem. Era estranho, mas estava bem. Ela sorriu para eles, apresentei-os e pedi que alguém ficasse no balcão para eu conversar com ela. 

— Então, primeiro queria pedir-te desculpa por tudo. Fui uma péssima irmã e uma péssima pessoa, de maneira geral. Era o que eu via, se a mãe o fazia, eu ia imitar. É uma merda, eu sei... As coisas ficaram difíceis depois de ires. Eles discutiam muito, por causa da traição, das carreiras... Durante uns cinco anos tive medo que eles se separassem. Nem me notavam. Percebi o que era ser invisível. Comecei a pensar tanto em ti, na maneira como ficaste quando a mãe disse que não te queria. Quando te vi estendida no chão, no dia do acidente e quando conheceste o Charlie, fiquei com medo. Percebi que eras minha irmã. Que te estava a matar aos poucos. Não foste buscar nada, a mãe pegou nas tuas coisas e foi colocando tudo no sótão. Se antes não tinhas existido, depois não havia nada. Acho que o Edward já te disse que tive uns problemas na escola... Não é desculpa, eu sei, mas pensei tanto em ti. Eu sempre tive tudo, não ligava a nada e tu estavas ali. Agora sinto que não tenho nada... a mãe está distante, o pai também. Estou mais próxima dos meus sogros do que dos meus pais... Acho que só te queria pedir desculpas e, se quiseres, já que estamos na mesma cidade, sei lá, podíamos tentar ser amigas? 

A convivência não era forçada por nenhuma das duas, mas sim pelos rapazes. Cruzava-me muitas vezes com o Edward, algo estranho, afinal ele estava a fazer uma especialização em Cardiologia. Mas ele mostrou-se sempre muito simpático e pronto a falar pelos dois e puxar mais um tema de conversa. Um dia, apareceu na livraria, num domingo. Eu estava com o Seth para deixar tempo para os pombinhos dos nossos pais. Ele conversou comigo, brincou com ele, conquistou a minha avó. Eu não entendia. Aqueles estranhos do meu passado, que me tinham feito chorar, eram, agora, personagens recorrentes da história da minha vida. Os convites eram constantes, apareciam na livraria. 

Na manhã do dia em que eles foram para Forks para passar o Natal, ligaram-me a pedir ajuda e uma boleia para o aeroporto. Lá fui. A Rennesme estava a correr de um lado para o outro, até que gritou que se tinha esquecido de comprar algo! Saiu a correr com o Jacob, não entendi nada, apenas ri. Mas ele ficou. Parado, atrás de mim. Passou o braço pela minha cintura, inspirou os meus cabelos e abraçou-me, pousando a cabeça em cima da minha cabeça. Ele era alto! Parei logo de rir. Ele virou-me e, sem dizer nada, beijou-me. Tão simples como isto: tocou com os lábios nos meus, sorriu, beijou-me. Fiquei com os olhos arregalados, como pratos. O que era isto? 

— Digamos que, hipoteticamente, alguém do teu passado volta e muda tudo o que pensas? Alguém que te faz, finalmente, pensar em fazer como o Jake e esconder um anel de noivado num presente... alguém como tu. - Sorriu, com as mãos pousadas nas minhas ancas. - Antes éramos pequenos. Eu era idiota, admito, mas cresci. Encontrei-te e acho que me apaixonei. Tão simples como isto. Quero tentar, contigo, mostrar-te que não sou mais o idiota com 14 anos que te viu atravessar a estrada sem veres nada. 

Não lhe disse nada porque os outros voltaram. Afastei-me dele e mal o olhei durante o resto do dia. Quando os deixei no aeroporto, ele foi o último a despedir-se, com um beijo na minha testa. Pensei muito, pesei os meus sentimentos, os presentes e os passados, e percebi o que queria, o que era mais importante. E, naquele momento, sentada à mesa com a minha família, feliz, percebi que nada do que se passou no passado me importava mais. Eu tinha amor, amor de sobra. E o passado lá estava, como uma miragem. Quando eles voltaram, em janeiro, fui buscá-los ao aeroporto. O Edward tentou falar comigo, mas não teve tempo, nem hipótese, afinal a Rennesme estava a tratar-me como uma irmã. Falava pelos cotovelos, sobre o presente, o anel de noivado, o vestido, os convidados. Tudo! Aquele ano seria o ano em que ela casava e eu tinha que ir a Forks. Eu e a minha família. Ia ter que participar em tudo!

— Ela fala imenso, tenho pena do Jacob. - Foi a primeira coisa que ele me disse, mal o casal saiu do carro. - Quando for a tua vez, vais fazer o mesmo que ela? Ainda o anel estava frio, nem há cinco minutos que o tinha no dedo e já tinha um caderno para apontar tudo.

— E por que razão é que eu ia tratar de um casamento?

— Do nosso?

— Não temos nada, Cullen.

— Ainda... Consegues perdoar o meu eu movido a hormonas, borbulhas e supostos atos que me iam tornar num ícone naquela escola e dar uma chance a este pobre apaixonado?

Tive que me esticar, quase pedir para que ele se baixasse, mas beijei-o. Ele percebeu a mensagem. Começámos a namorar. 

Naquele ano precisei dele. Os meus avós morreram, amavam-se mais que tudo e morreram no mesmo dia. Foram deitar-se, depois do jantar. Mas antes, beijaram-me tanto. Beijaram tanto o Seth. Que tinham muito orgulho em todos nós. Fiquei angustiada com aquilo... mas, por alguma razão desconhecida, eles sabiam, sentiram que aquela era a última paragem. Durante aqueles dias, o Edward esteve sempre lá comigo e para mim, assim como o Jacob e a Rennesme. Agora sim, sentia que tinha uma irmã em quem me apoiar. 

O casamento chegou, em pleno mês de setembro, dia 13. Aniversário das gémeas, que eram prova da superfecundação heteropaternal. Cheguei a Forks no dia 5, de mão dada com o Edward. Ajudei a Rennesme no que precisava, mal falei com a Renné, mas fui muito bem recebida por todos os outros. O Phill continuava distante, sem falar. A cerimónia foi linda, mesmo com o Edward sempre a fazer comentários sobre como eu devia ir com um vestido diferente, o cabelo arranjado de outra forma... "não és das que choram em casamentos?" foi o que ele me perguntou mal os noivos se beijaram. Não contive a gargalhada. 

Hoje volto à minha casa, ao meu mundo. Mas precisava de me sentar neste banco. Antes, dos tormentos, hoje da boa ventura. 

— Ei... - Voltei-me e sorri para o homem de mãos nos bolsos, cabelos despenteados e sorriso fácil. - Pensei que fosses estar aqui. 

— Como sabias?

— Bem, era uma vez um menino pequeno que gostava de seguir as pessoas. Um dia, esse menino viu uma menina a correr, descalça, pela rua. Seguiu-a. A menina parou neste mesmo banco. Sozinha, enquanto na casa dela estava uma festa. A menina estava a chorar, mas ele não se aproximou. Alguma coisa aqui - e apontou para o peito, enquanto se sentava -, doeu. Ela não era feliz e o menino sabia que algumas pessoas morriam de tristeza. O menino pensou "amanhã vou ser melhor". Mas, no dia seguinte, a menina teve um dia mau na escola e fugiu. Quando fugiu, um carro acertou-lhe e ele ficou com medo. A menina foi embora. Passados muitos anos, o menino viu a menina e pensou no passado. Nas vezes em que olhava para ela, naquela vez em que a viu a chorar. Pensou no sorriso que estava a ver, naquele preciso momento, e falou até à exaustão. O menino aproximou-se dela, beijou-a e passou o Natal todo a pensar como seria se ela estivesse ali, ou se ele estivesse com ela. A menina beijou-o e aceitou ser namorada dele. Ele teve que a apoiar em momentos maus, mas ela sabia ver o bem em tudo. Sorrir sempre. Mesmo no pior dia do mundo... Mas, sabes que mais? - Eu sorri, enquanto chorava. - Quando a menina disse que queria ser namorada dele, o menino pensou "quero que ela volte àquele banco e que fique com memórias boas. Mesmo que nunca mais voltemos cá, é preciso que ela vá com um sorriso". 

— Pensei que ninguém sabia que eu vinha para aqui.

— Não te quero ver a chorar... 

— Eu estou bem, Edward, são de alegria. 

— Então és das que choram em casamentos? - Ri-me, mas abanei a cabeça. - Nem no teu? É que... - tirou uma bolsa pequena, de veludo, do bolso traseiro das calças - gostava mesmo que usasses isto. Isto significa que o menino fez um bom trabalho. Tão bom, que a menina é namorada dele e vai casar com ele. Assim, o menino sabe que o banco é o lugar feliz.

Ele mostrou-me o anel. Sorrimos. Acenei e ele deslizou o anel pelo meu dedo. Nunca pensei ficar noiva em tão pouco tempo, muito menos ficar noiva em Forks. 

— Tens a certeza que não vais chorar no nosso casamento?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

A superfecundação heteropaternal é algo real. Raro, mas real.