O Colapso de Oak Falls escrita por Lótus Brum


Capítulo 1
Capítulo Um: Coisas Estranhas Caem dos Céus




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William Hayes era um policial normal na cidade de Oak Falls, que por sinal, também era normal. Tinha uma família normal, composta por uma esposa normal e um filho... Normal. Bem, talvez um pouco menos normal do que os outros garotos. O que ele tinha de diferente? Nada visível, pelo menos, mas carregava dentro de sua cabecinha inquieta uma curiosidade petulante, problemática, e esta mesma curiosidade o fez se esgueirar até a escadaria que levava ao segundo andar da casa enquanto seus pais discutiam no quarto do casal. Ele sabia que era por causa do trabalho, já que a “conversa” começara no jantar, quando William disse que não dormiria em casa no dia seguinte porque os militares viriam à cidade para investigar a estação de tratamento de água. Visivelmente insatisfeita, Sharon, mãe do garoto, dera a William o infame olhar de “conversamos lá em cima” e após o jantar, a discussão começou.

                Jonathan, sentado na escadaria, se aproveitava da penumbra para captar as informações por trás da porta. Roía as unhas enquanto escutava, incomodado. Ele se sentia na responsabilidade de intervir se a discussão fosse longe demais, quase como um guardião da paz dentro do lar, mas nunca havia prestado seus serviços ali. Sharon gostava de lembrar que ela e William discutiam como pessoas civilizadas, ao contrário dos Baker, vizinhos da frente, que faziam questão de botar toda a vizinhança a par de seus problemas quando a chapa esquentava.

                — Você sabe que eu odeio quando você dorme fora, droga! — ouviu a mãe dizer. A voz soava abafada por estar em outro cômodo, mas era suficientemente audível.

                — Eu sei, Sharon, mas a situação é diferente dessa vez! Aconteceu alguma coisa na estação, já interditaram o local e os militares estarão na cidade depois de amanhã! — William suspirou, tão irritado com a ideia de dormir fora quanto sua esposa. — Você sabe que eu odeio isso, é uma cidade pequena, não durmo fora há meses, mas... Eu preciso averiguar o local. Se for o que os rapazes da segurança disseram que é, podemos ter problemas com a água e eu preciso tomar as providências cabíveis.

                Houve um momento de silêncio, e o garoto subiu dois degraus para chegar mais perto da porta, a fim de ouvir melhor. Esticou as orelhas e os segundos que se seguiram pareceram uma eternidade para ele, que deveria estar em seu quarto dormindo, mas logo a voz de sua mãe retornou.

                — O que eles disseram? — perguntou ela, mais curiosa do que irritada.

                — O primeiro relatório que chegou até mim diz que foi um meteorito. Há risco de infecção na água e tudo mais, por isso a área foi isolada e a circulação de água interrompida. Amanhã emitirão um comunicado de racionamento, pelo menos até sexta-feira, quando os militares já deverão ter um parecer sobre a situação. Uma equipe de pesquisa fará os testes necessários para garantir que não haja risco e devem liberar o consumo em seguida, se estiver tudo certo. Essas coisas acontecem, esses dias mesmo caiu um no...

                — É, eu sei, no Peru. Com o volume que você assiste o jornal, querido, talvez eu saiba mais das notícias do que você. — Ela riu enquanto ele resmungava, e o clima tenso pareceu se desfazer, o que significava que a espionagem de Jonathan estava em perigo. O garoto se levantou como um gato na noite, com agilidade e leveza, e caminhou rapidamente até o quarto na ponta dos pés. Agradeceu por terem um grosso carpete no chão, pois aquilo o tornava tão inaudível quanto um ninja, ou assim costumava pensar. Fechou a porta sem fazer nenhum barulho e deitou-se de costas na cama, olhando para o ventilador de teto que girava de forma lenta e monótona. Mal conseguia imaginar que um meteoro podia ter caído na cidade. Meteorito, aliás, permitiu-se corrigir enquanto lembrava das palavras do pai. “Um meteoro destruiria a cidade inteira, idiota”, pensou, enquanto balançava a cabeça. Virou-se para a parede, puxando o cobertor até a altura dos ombros e fechando os olhos.

                Um pequeno sorriso cruzou seus lábios antes que pegasse no sono.

***

                — Tô  te falando, cara! Caiu alguma coisa do espaço na estação de tratamento de água e os militares tão pra chegar amanhã mesmo pra fechar tudo!

                — Não sei, Jonathan. Desde que você fez a gente ir até o lago pra ver o suposto corpo boiando lá há três dias, no meio da noite, e não tinha absolutamente nada lá, você deixou de ser uma fonte confiável. — Simon ajeitou os óculos, sequer olhando para o filho do xerife, que se aproximou, colocando as duas mãos sobre sua mesa escolar e obrigando-o a olhar para cima.

                — Pago sua assinatura da Network por três meses se não tiver nada lá.

                Simon olhou para cima e Jonathan sorriu, sabendo que captara a atenção do amigo.

                — Eu quero detalhes. Não vou pular a cerca de uma área interditada pela polícia só porque você diz, a gente pode ir preso!

                Jonathan bufou, debochado, e deu a volta para sentar-se ao lado do colega enquanto puxava o caderno de suas mãos e procurava um lápis para anotar algumas coisas. Ele fez um quadrado, depois um círculo em volta dele e marcou um “x” aqui e ali, destacando alguns locais no desenho.

                — Primeiro de tudo, não vamos pular a cerca. Há um buraco aqui, e antes que você diga algo... — Simon já estava abrindo a boca para comentar, mas deixou que o amigo continuasse. — É óbvio que a segurança no buraco vai estar reforçada. É bem provável que já tenham até fechado ele, desde que alguns garotos idiotas colocaram aqueles peixes para nadar no tanque de água. — A expressão cínica de inocência que Jonathan fez arrancou risadas dos garotos, e logo ele continuou a descrever o plano. — Mas são só dois funcionários trabalhando no turno da noite, e se formos só nós dois e o Ralph, jamais seremos pegos. O exército só chega amanhã, então eu arrumo uma desculpa qualquer hoje, digo que vou dormir na sua casa ou sei lá...

                — Na minha não, na do Ralph. Ele mora só com a avó, é mais fácil de convencer os nossos pais de que não incomodaremos. Usarei a mesma desculpa, sendo assim. — Simon ajeitou os óculos, já entrando no clima que Jonathan criara ali. — E quanto à iluminação?

                — Qual é, Simon! Um meteorito caiu naquele lugar, você acha que os postes estão intactos?

                Simon deu de ombros e continuou olhando para o papel, fazendo algumas anotações após tomar o lápis das mãos de Jonathan.

                — Quantos guardas estarão lá?

                — Os de sempre. Pelo menos, pelo que o meu pai deu a entender, nada mudou por enquanto, já que estão aguardando a chegada dos militares. Não cabe a eles checar a área, e tá na cara que não podem bisbilhotar muito. Essas coisas de jurisdição e tal. Logo... Temos o Gordo Bill, que sempre dorme no turno, e o Howard, que não larga o celular. Não sei de onde ele e a namorada tiram tanto assunto...

                Simon ergueu uma sobrancelha, estranhando que Jonathan soubesse daquilo, mas desistiu de perguntar. O garoto era um enxerido de carteirinha, sabia de tudo, sabia de todos. Suspirou e bateu com a ponta do lápis no caderno repetidamente, com calma.

                — Temos que agir antes da troca de turnos da madrugada. Ela acontece três da manhã, não mudou desde que colocamos os peixes lá. Temos então...

                — Meia hora, no máximo. Saímos da casa do Ralph depois das duas, chegamos lá quase duas e meia e entramos, sem perder tempo. Deixamos os celulares no quarto dele, pra não ter risco de algum deles fazer barulho. Eu levo uma das lanternas do meu pai. Talvez um alicate, caso precisemos abrir um novo buraco na cerca e...

                — Não, sem buracos dessa vez. Vamos pular, esse xis é perto das árvores, vai ser mais fácil se subirmos e pularmos lá dentro.

                — E pra sair, gênio?

                Simon parou para pensar um momento, e então balançou a cabeça negativamente, irritado com a própria estupidez momentânea.

                — Tá, beleza, abrimos um só pra sair. De preferência, no lugar do antigo buraco. Esses caras devem ter feito um remendo qualquer, vai ser mais rápido.

                — Aham... — Jonathan já pegara o lápis novamente e anotava os detalhes que conversavam, acrescentando-os na folha em um cantinho.

                — E se formos pegos?

                — Não falamos nada e exigimos os nossos advogados.

                — Tô falando sério, Jonathan!

                — Não seremos, ô! Até parece que não me conhece, logo eu, Jonathan, a sombra viva! — o garoto puxou o capuz do moletom e cobriu a cabeça, fingindo ser alguma espécie de espião do cinema. — Tenha fé, homem!

                Simon revirou os olhos e pegou seu lápis pela última vez, apontando-o para a cara de Jonathan.

                — Se formos pegos, jogo a culpa toda em você e digo que você obrigou a mim e o Ralph, dizendo que mataria a avó dele e o meu cachorro. — E após cinco segundos de silêncio, os dois caíram na gargalhada. Tocaram os punhos e Jonathan foi para sua cadeira logo que o professor entrou, sabendo que o plano estava traçado. Se tudo corresse como o esperado, os três amigos seriam os primeiros garotos da cidade a verem um meteorito! Algo do espaço! Seriam populares durante todo o colégio, talvez até mesmo no ensino médio! Todas as sessões de filmes de ficção científica que assistiu com Simon e Ralph vieram à sua cabeça enquanto ele tentava imaginar a aparência do meteorito, e assim continuou durante toda a aula. No final, o professor comunicou-lhes exatamente o que seu pai havia dito na noite anterior, que estariam racionando água e por isso precisavam utilizar o mínimo possível até sexta-feira, prazo provisório informado pelas autoridades. Após alguns resmungos e uma pergunta sobre o que era racionamento, foram dispensados e Jonathan pôde respirar aliviado.

                Saciaria sua curiosidade naquela noite. Seria o primeiro garoto de doze anos a ter contato com alguma coisa extraterrestre em Oak Falls.

***

                — Primeiro o seu pai, agora você? — Sharon reclamou enquanto lavava as mãos na pia da cozinha. Secou-as em um pano de pratos e voltou-se para o garoto, encostando-se no balcão para encará-lo. — Qual é a sua emergência, jovenzinho?

                — Trabalhos de fim de ano, Dona Sharon. Eu e o Simon nos encontraremos na casa do Ralph antes do pôr-do-sol, horário seguro para crianças andarem de bicicleta nas ruas — fez questão de lembrar — e passaremos a noite lá. É uma maquete, coisa demorada, precisamos nos reunir pra ficar tudo nos conformes!

                — Sei... — ela o olhava dentro dos olhos, tentando identificar qualquer anormalidade na história do garoto. Seu cenho levemente franzido a tornava ameaçadora enquanto pensava, mas não tardou a pressionar os lábios e olhá-lo com uma expressão desconfiada. — Você tá liberado, quero você aqui antes do almoço amanhã. Não...

                — Não incomode a Senhora Flores, eu sei, mãe! — ele correu para abraça-la e após uma rápida despedida, foi até a sala de estar e pegou a mochila que estava sobre o sofá. Jogou-a nos ombros e seguiu até a porta da frente. — Tchau, mãe!

                — Tchau, querido. Tome cuidado, evite a avenida! — vendo o garoto assentir com a cabeça, deu um sorriso. — Amo você, pestinha.

                — Eu sei, quem não amaria? — Jonathan fez uma cara de “galã de Hollywood” e abriu a porta. — Também te amo, mãe! — E fechando a porta, encarou o lado de fora. A rua de sua casa era sem saída, terminava em um círculo cercado por uma larga calçada e pelos jardins, comuns em todas as casas por ali. Ao redor delas, a floresta reinava imponente. Seus pais escolheram Oak Falls para morar pela tranquilidade, e o fato de ser uma cidade pequena e afastada de qualquer outra metrópole americana ajudava a sustentar aquela paz que eles tanto gostavam. Ele não se importava muito com isso, desde que pudesse ir e vir da casa de seus amigos sem que precisasse ouvir um sermão sobre os perigos da cidade e blá, blá, blá.

                Jonathan levantou a bicicleta que estava jogada de lado no gramado de casa, conferiu se a mochila estava bem fechada e montou, começando a pedalar pela rua pouco movimentada. O clima era agradável. Era primavera, precisava aproveitar enquanto o sol não tentasse mais uma vez exterminar a humanidade durante o verão. O vento fresco vinha de encontro ao seu rosto. Seus cabelos crespos se moviam discretamente, agora que estava deixando-os crescer. Desde pequeno seguia o exemplo do pai e usava o corte militar padrão, mas tudo mudou depois de assistir “Blade, o caçador de vampiros” e perceber que havia outras opções para seu tipo de cabelo além de ser um quase-careca. Aliás, depois que a Shelly Waters da sétima série o elogiara, tivera ainda mais certeza que de estava no caminho certo.

                Simon e Ralph já estavam lá quando finalmente chegou. Simon estava visivelmente explicando algo para o outro garoto e interrompeu a fala quando viram Jonathan virando a esquina de bicicleta. Levantaram-se para cumprimentar o amigo, aproximando-se da calçada.

                — Fala, Ralph! Tudo pronto pra hoje a noite?

                — Acha que vou perder uma visitinha a uma pedra que veio do espaço e vai ser levada pelos fardados, em segredo, sem contar pro pessoal o que é? Vai sonhando. — Os três garotos sorriram enquanto Jonathan descia da bicicleta, cumprimentando-os com um toque de mãos.

                — Esse é o meu garoto! — o filho do xerife abriu a mochila e mostrou para eles a lanterna-tática do pai. — Vou levar essa belezinha aqui com a gente, pra não ter perigo de ficarmos sem luz lá dentro. Você trouxe o alicate, Simon? — O amigo confirmou com a cabeça, indicando que estava dentro da casa, junto com suas outras coisas. — Certo, certo. — O sol já começava a se pôr, então tinham algumas horas pela frente antes de encarar a missão. Os garotos entraram na casa após um sinal de Ralph e desceram para o porão, onde era o seu quarto, passando pela sala e uma vovó Flores que dormia na poltrona, recostada no alto de seu conforto.

                As horas voaram enquanto os garotos repassavam os detalhes do plano e comiam pizza da noite passada que ainda restara na geladeira. A senhora Flores já havia dado boa noite para eles há um bom tempo e se dirigira para o quarto, pronta para dormir. Simon conferiu o relógio e já passara da uma da manhã. Avisou ao Ralph, que se dirigiu até o sofá-cama no canto do porão, perto da televisão, e chacoalhou Jonathan, acordando-o da soneca pré-invasão.

                — Acorda aí, Bela. Tá quase na hora.

                — Que bom que você me acordou, Príncipe Ralph. Achei que iam me deixar pra trás. — Jonathan e Ralph riram, e Simon precisou dar um cascudo em cada um para lembra-los de que era madrugada e a avó de Ralph já estava dormindo.

                — Ai, ai, ô! — reclamou Jonathan, enquanto pegava sua mochila. Os outros dois também pegaram as suas e sem fazer barulho, dirigiram-se à porta dos fundos da casa, pé por pé. Lá fora a rua estava completamente deserta, exceto por um gato rajado que os olhava de cima do telhado. Cada um com a sua bicicleta, os três desceram a rua da casa de Ralph e seguiram pela avenida que os levaria até as montanhas, onde ficava a estação de tratamento de água. Àquela hora, apenas uma ou outra loja de conveniência se encontrava aberta. Nenhum deles seria visto por algum fofoqueiro de plantão, o plano era simples, porém bem feito. Suas roupas eram discretas, o que também facilitaria a entrada e saída da estação. Enquanto Jonathan vestia uma calça de moletom cinza e uma camiseta preta com a estampa do Rob Zombie em preto-e-branco, Simon estava com uma jaqueta de couro marrom e jeans azul e Ralph com um boné preto dos Yankees, uma camiseta de manga longa toda preta e uma calça cargo verde-oliva, cheia de bolsos.

                Chegaram na estação antes das duas e tiveram tempo de repassar o plano. A lua encarava sua travessura lá de cima, por trás das nuvens, sem atrapalhá-los com sua luz. As bicicletas ficaram dentro da floresta, próximas da cerca por onde fugiriam quando terminassem o que foram fazer.

                — Todos prontos? — Jonathan perguntou, desta vez em um tom mais sério.

                Os outros dois concordaram com a cabeça, embora Simon não parecesse estar tão à vontade agora que já estavam ali, prestes a executar o plano.

                — Certo, rapazes. Vamos entrar.


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