Carta para você escrita por Carol McGarrett


Capítulo 50
Susto


Notas iniciais do capítulo

Capítulo gingante? Confere.
Kelly sendo a exagerada? Confere.
Sophie sendo adorável? Confere.
Todo mundo dizendo Shalom Ziva? Confere.
Espero que gostem!
Boa leitura!



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Hey, Jen! Oi Sophie! (E sim eu estou escrevendo para ela também, e é muito bom que você leia para ela este e-mail, Agente Especial Shepard!)

Espero que a virada de ano de vocês tenha sido, ao menos, agradável. Mas acho difícil... creio que você deva estar trabalhando igual a uma louca para proteger o país.

Bem, por aqui as comemorações foram mínimas, apenas uma reunião na casa do Ducky. E sim, mais uma vez eu olhei embaixo da árvore de natal e achei o presente de vocês duas. Creio que a essa altura Ducky já deve tê-los enviado. Eu sei que o meu e o de Henry – o exibido tinha que comprar algo tão grande?! – já foram.

E nós já recebemos os seus, como sempre você é precavida e deu um jeito de enviar para que chegassem na data certa. Henry ainda está meio abobado em como você descobriu o endereço dele. Juro que dei um tapa atrás da cabeça dele e perguntei o que ele achava que você fazia. Mas por favor, não o chame de lesado, eu já faço isso...

Falando em pessoas lesadas, eu preciso te contar uma coisa.

Não sei se você ficou sabendo, mas papai agora é o líder da MCRT. Parece que vocês dois são chefes de algo agora... mas voltando à vaca fria, ele é chefe e está tentando montar uma equipe para ele.

Até agora ele só conseguiu achar uma pessoa que consegue aguentar o mau-humor dele.

O nome do lesado – e ele é realmente lesado— é Anthony DiNozzo. E eu não sei te dizer como ele ainda está vivo depois de levar tanto tapa na parte de trás da cabeça. O cara só dá vexame, é daqueles que faz o comentário na hora mais errada possível, se acha o galã de Hollywood e não pode ver uma mulher que já fala que esta é a garota. Fora que ele não para de falar. Ele fala o tempo to-do!! Sério! E em todas as frases dele tem que ter uma referência a algum filme. A figura simplesmente não se toca e, impressionantemente, meu pai parece não ligar, ou ele simplesmente ignora, não sei ainda.

Quanto à Abby, eu tenho certeza de que você vai adorá-la. O exterior gótico não diz nada sobre quem ela é. Eu já a considero uma irmã, e um dia eu vou apresentar a Sophie para ela, você querendo ou não. Sei que ela vai surtar pra caramba!

Ducky vai bem, disse que vai tentar uma folga e ir à Londres ver a Sophie no aniversário dela, eu queria poder dizer o mesmo, MAS, infelizmente, não posso. Se um dia eu achei que queriam me descascar na Escola, eu não sabia nada sobre esse lugar! Eles estão sugando a minha vida! Eu não tenho tempo nem de ligar para o meu namorado. De Mer e Maddie eu só tenho notícias por mensagens, e quando uma tem tempo, as outras duas estão ocupadas. Eu estou sempre na classe da ocupada. Crescer é um saco, quero voltar a ser um bebê que fala errado igual à Soph!

Acho melhor eu ficar por aqui e voltar a estudar Genética II, antes que seja tarde demais e eu acabe repetindo a matéria e perdendo a minha bolsa.

Beijos e estou com saudades de vocês!

Se cuidem.

Kelly. (Aquela que quando sair da faculdade vai estar com todos os cabelos brancos e sem vida! Bando de vampiros sem vida social!!!)

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Era bom saber que Kelly continuava a exagerada de sempre. Eu bem que tentei avisá-la, porém, entrou em um ouvido e saiu no outro. Se ela acha que está ruim agora, imagina quando começar a estagiar e a estudar.

— Sua irmã sempre foi dramática, Sophie. Sempre. Espero que você não seja.

Conversava com Sophie que estava sentada ao meu lado, tentando levar tudo o que encontrava à boca.

— Sophie Shepard, eu já te falei para parar de tentar comer tudo o que você vê. Que mania mais feia! – Segurei a mão dela e minha filha me lançou a sua versão do olhar Gibbs.

— Quelo! Quelo!! – Ela clamava.

— Não. E pode parar de tentar começar a chorar. Suas manhas não vão colar.

Ela fez um bico e começou a tremer o lábio inferior, tentando chamar a minha atenção.

— Não. Vai. Colar. – Avisei.

Ela se levantou e se sentou o mais longe de mim que ela poderia ir. Três passinhos dela, menos de um braço de distância para mim.

— Vai fazer birra? Ótimo. Vou guardar TODOS os seus brinquedos. - Me levantei e comecei a guardar os brinquedos que estavam pelo chão. Inclusive a Moranguinho e a boneca de pano russa, apelidada de Annia, diminutivo de Anastácia que era o que Sophie conseguia dizer. Quando ela me viu guardando as suas bonecas favoritas, ela começou.

— Mama. Não! Mama, não! – E desceu do sofá vindo para a minha direção.

— Não o que? – Perguntei para ela.

— Annia e Molanguinho não! – Ela me pediu. Seus grandes olhos – hoje azuis. – focados em mim.

Quase cedi, mas se cedesse hoje, teria que ceder sempre.

— Agora já guardei. Amanhã você pode brincar mais.

— Mamãe!! Po favo! – Com quase dois anos e ela ainda não falava a letra “r” muito bem.

— Não. Agora é hora do banho, depois janta e cama. Se quisesse dormir com elas do jeito que você quer agora, que tivesse juntado tudo e parado de birra. – Fui firme.

Sophie só se jogou no chão, se sentando e olhando para a caixa de brinquedos. Por mais que ela quisesse as bonecas, ela não era doida de derrubar todos eles no chão agora.

— O que eu falei, mocinha. Vamos para o banho! – Ordenei.

Ela ainda ficou sentada encarando a caixa.

— Sophie...

Ao meu tom ela se levantou e saiu andando para o quarto na minha frente, sem falar uma única palavra. Tão teimosa e cabeça dura quanto o pai.

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Eu dormi e já era março, metade do semestre. E eu nem sabia o que estava fazendo mais. O cansaço era tanto que eu ansiava pela minha cama e cobertores quentinhos toda santa vez que piscava os olhos.

Estava na biblioteca – o que não era novidade nenhuma. – Celular no silencioso e enfiado na mochila, um monte de livros e genética na minha frente, uma garrafa de café para conseguir me manter acordada e o meu fiel amigo de todas as noites, meu travesseiro. Sim, eu estava dormindo na biblioteca para dar conta de tanta matéria.

Minha ideia era simples. Quando eu notava que estava parada na mesma página por muito tempo sem entender nada, eu fechava o livro, abraçava o meu travesseiro e tirava um cochilo de meia hora. Acordava, tomava uma caneca de café e voltava a estudar. Até agora tinha funcionado para as demais provas. TINHA que funcionar para essa também.

Quando meus olhos pesaram, peguei meu celular para ajustar o contador regressivo em quarenta minutos, quando olhei a data.

— CARAMBA! - Gritei em plenos pulmões e metade da biblioteca deu um pulo de suas cadeiras e começou a focar nos livros que estavam dispostos nas mesas à sua frente.

Quando foi que o tempo começou a voar dessa forma? Sophie já estava fazendo dois anos e, mais uma vez eu não estava lá. Maldita distância. Porém, eu conhecia alguém que estava lá. E era muito bom que Ducky me trouxesse todas as fotos desse aniversário. Pelo bem dele!

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Eu não tive como fazer uma viagem com Sophie para o segundo aniversário dela, a única coisa que consegui foi tirar uma folga na data, depois de muito pedir para Morrow. De início ele recusou veementemente, mas aí eu perguntei se ele perdeu algum dos aniversários dos filhos dele, quando ele estava na mesma cidade. Ele desconversou e me deu a folga.

Ducky tinha conseguido vir. Disse que ninguém iria se desesperar se ele tirasse uma semana para passar com a sobrinha. Sophie assim que o viu, veio correndo e abraçou os joelhos dele. Agradecendo os presentes de Natal pessoalmente – eu já a tinha colocado ao telefone para fazer isso. – E toda feliz, levantou sua mãozinha na direção dele e, assim que ele agarrou a mão dele, ela o saiu puxando até o quarto, onde, muito orgulhosamente, mostrou o gatinho que ele havia dado, bem como a coleção de livros infantis.

— Eu já li quase todos! – Ela disse orgulhosa.

— Você, Sophie? – Ele perguntou com um sorriso no rosto.

— Mamãe e eu. Ela sempe lê um pa mim antes de domi! – Ela respondeu.

— Isso é muito bom, depois você vai me contar qual é o seu favorito.

— TODOS! – Ela pulou feliz.

— Fico feliz que a sua paixão por livros foi herdada da sua mãe. – Ducky falou com um sorriso de lado.

Sophie ficou sem entender a piada e olhava de Ducky para mim com as sobrancelhas levantadas.

— Ducky está dizendo que seu pai não é lá muito fã de livros, Sophie. – Expliquei para a confusa ruiva.

Ela abriu um sorriso e se voltou para a cômoda. Pegando a foto de Jethro e mostrando para Ducky.

— Papa.  – Ela falou feliz e estendeu a foto. – O nome dele é Jetho.

Ducky bagunçou os cabelos dela e respondeu.

— Eu conheço o seu pai, pequena.

— Conhece? – Ela tombou a cabeça para o lado.

— Sim. Conheço.

— Papa tabalha no NCIS, como a mama. Mas é loooooooonnnnngggeeeee! – Ela explicou a distância abrindo os braços. – E ele não pode vi aqui! – ela falou séria.

Ducky olhou para mim, com um sorriso triste nos lábios.

Acabamos por jantar no meu apartamento mesmo. Mas de sobremesa Noemi fez um bolo de aniversário que daria para alimentar uma cidade de tão grande. Colocando duas velas em cima. assim que terminamos de cantar os parabéns, Noemi disse:

— Tem que fazer um pedido, pequeña.

Sophie puxou o ar e assoprou as duas velas que estavam fincadas no bolo, e, mais rápido do que eu pude reagir, falou.

— Quelo que papai esteja aqui no meu anivesaio!

Meu coração se apertou, isso não iria acontecer.

Três dias depois, Ducky, que se encarregou de mostrar todas as atrações culturais para Sophie na sua estadia, embarcava para os EUA, levava um monte de fotos, não só para ele, como para Kelly, que havia ordenado um pequeno álbum da irmã quando ele voltasse.

Eu voltava para o NCIS e Sophie ficava em casa com Noemi. Ela que aproveitasse a folga, pois eu tinha a clara intenção de mandá-la para a escola ainda esse ano, nem que fosse para ela ficar desenhando em folhas de papel.

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Ducky tinha voltado de sua folga na Inglaterra, ele falou que iria rever velhos amigos a quem ele devia uma visita há algum tempo.

O legista substituto tinha deixado uma senhora bagunça para trás e estava me preparando para que tipo de histórias Duck contaria assim que eu aparecesse na autópsia.

As portas se abriram e acabei por ver Abby debruçada na bancada dele, ela parecia ter várias fotos em suas mãos e a cada uma que ela via, acaba por exclamar:

— Mas Ducky, ela é tão linda!! Olha essas bochechas vermelhas por conta do frio! E esses olhos! Sua sobrinha é muito linda!

Olhei para Abby e depois para Ducky.

— Não sabia que você tinha irmãos, Ducky. Muito menos sobrinhas. – Falei.

— Ah, Jethro. A garotinha é só a neta de um dos meus amigos, ela começou a me chamar de tio assim que me viu. A considero a minha sobrinha agora. – Ele me respondeu indo para a mesa onde o último corpo estava.

Assenti.

— O que tem para mim?

— Bem, não muito. A causa da morte foi um golpe na base do crânio. Não há sinais de cortes e eu acabei por encontrar algumas lascas do que parece metal, mas essa é a área da Abigail. – Ele terminou.

Abby ainda passava algumas fotos, e ficava murmurando algo que eu não entendia.

— Abbs! – Chamei.

—Ah! GIBBS!!! – Ela veio me abraçar. – Não ouvi você aqui. Estava distraída com as fotos que Ducky tirou! – Abby falou. – Acredita que vim aqui para pegar a amostra do que Ducky achou na cabeça do cadete e acabei por ficar vendo as fotos da viagem dele. Você deveria ver que garotinha mais linda é a “sobrinha” dele! – Ela me puxou pela mão até a estação de trabalho de Ducky.

— Abbs, a única coisa que preciso é saber o que acertou o cadete. Qualquer outra coisa fica para depois. – Falei e ela se virou, tinha uma foto na mão e a única coisa que notei da garota, era que tinha cabelos vermelhos.

— Tudo bem, Gibbs. Essa é a minha deixa, Ducky! Depois você me conta mais o que essa garotinha aprontou! – Ela falou e saiu pulando para o elevador.

— Posso te ajudar em mais alguma coisa, Jethro? – Ducky perguntou, já voltando para terminar o relatório da autópsia.

— Você a viu? – Perguntei.

Ele virou a cadeira na minha direção.

— Está perguntando de Jennifer? – Me respondeu com uma outra pergunta.

— Você sabe que sim.

— Sim, Jethro, a vi e fui o hóspede dela por dois dias. Jennifer está muito mudada, e, se algum dia você escutou algum dos meus conselhos, te aconselho a engolir o seu orgulho e conversar com ela. Sei que Kelly faz muito isso. Ela tem muito o que te explicar.

Balancei a cabeça como que agradecendo e rumei para o elevador. Eu não tinha mais nada o que conversar com Jen. Ela tinha deixado tudo muito claro na carta que mandara.

Estava para entrar no elevador quando a voz de Ducky me alcançou.

— Eu presumo que você leu a última carta que ela te mandou, não leu, Jethro? Deveria considerar respondê-la.

Tentei ignorar o que ele disse, nem me lembrava que ela havia mandado outra carta. O que ela queria? Que eu lesse mais mentiras? Será que uma carta repleta de mentiras não era suficiente?

Quanto mais eu tentava ficar longe dela, mais eu me pegava pensando nela. Isso deve ser culpa de todos os pesadelos que tenho com a garotinha ruiva.

Dei um tapa na minha própria cabeça. Eu tinha que enterrar esse passado. Pelo menos esse.

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Estava no meio de uma semana abençoada – mentira, era infernal mesmo! - quando me chamaram no centro de ameaças, dizendo que o Diretor Morrow e o Diretor David queriam me ver.

Até gelei. Morrow era conhecido por trabalhar como um relógio, e nunca fazia teleconferências fora do dia previamente estabelecido, e hoje não era esse dia, para o escritório de Londres é toda sexta-feira, às 15:00 horas. Portanto, ele me chamar em plena tarde de quarta-feira, e ainda ter a companhia do Mossad, a coisa estava feia.

Subi o mais rápido que meus saltos me permitiam e assim que vi o rosto dos dois homens na tela eu soube que a notícia não era lá muito agradável.

— Senhores, boa tarde. – Cumprimentei.

— Agente Shepard. – Os dois disseram.

— Em que posso ajudá-los?

— Na verdade, Agente Shepard, estamos aqui para te informar que você sairá da parte de inteligência do contraterrorismo e voltará a ser agente de campo.

Eu sabia que isso não era boa coisa.

— Agente de campo? Em qual área, senhores?

— Vai fazer missões, de início, no leste europeu. Temos que extinguir um braço da Al Qaeda que está começando a se estabelecer por lá. – Diretor David me respondeu.

Eu consegui manter a minha face inexpressiva enquanto os dois homens me passavam as coordenadas sobre o que eu deveria fazer. Mas, por dentro eu estava desesperada. Eu tinha uma filha agora, e essa garotinha dependia de mim para tudo. Eu não poderia deixar a minha pequena órfã.

— Você irá atuar como parceira da Oficial Ziva David. Ela irá se encontrar com você no escritório do NCIS em Londres, dentro de dois dias e vocês irão seguir a pista a começar pela Sérvia.

— Sim, senhor. Compreendo. Obrigada pelo voto de confiança. – Isso não deixava de ser uma promoção, oficial de ligação do NCIS com o Mossad, ainda mais na conjuntura política de hoje era um cargo e tanto, porém, eu começava a me preocupar em sobreviver a isso. Eu tinha que sobreviver, e pelo que pude notar, Ziva não tinha muito amor à vida.

Dois dias depois, eu me despedia de Sophie. A minha miniatura estava agarrada aos meus joelhos e não em deixava ir embora.

— Hey, Ruiva. Mamãe só está indo trabalhar. Ela vai voltar.

— Mala! – Ela apontou para a minha duffel bag. – Kell quando vai tem mala. Ducky também. E eles não voltam. – Ela chorava.

Fui obrigada a segurar as lágrimas.

— Olhe para mim, Sophie. – Ordenei. E ela levantou os seus olhos na minha direção. – A mamãe pode demorar, mas ela vai voltar. Você pode me esperar porque eu vou voltar! Essa é a minha promessa para você. – Disse a pegando no colo e a abraçando com toda a minha força.

— Mas mama! – Ela me olhou nos olhos, e hoje compartilhávamos a mesma cor. - Fica. Por favor! – Pela primeira vez ela falava “por favor” corretamente.

— Mamãe tem que trabalhar, pequena. – Falei a colocando no chão. – Seja boazinha com Noemi e quando eu voltar nós vamos sair para brincar no parque. – Eu coloquei a Annia na mão dela e dei um beijo demorado na sua testa. – Te amo, ruivinha! – Falei.

Antes que ela pudesse falar ou pensar em agarrar minhas pernas saí e fechei a porta, chorei até chegar ao NCIS. Mal tinha colocado o meu pé no escritório, quando me informaram que Ziva já tinha chegado.

— Oficial David. – A cumprimentei com um aperto de mão.

— Shalom, Agente Shepard. – Ela respondeu ao cumprimento. – Pronta para ir?

— Claro. – Respondi.

Um jato do Mossad nos aguardava em um aeroporto privado. O voo não seria demorado. Em cinco horas estávamos na Sérvia.

Quando sobrevoávamos a Alemanha, Ziva começou a puxar conversa:

— Vi que você tem uma filha. Quantos anos ela tem?

Me sobressaltei. Depois me recompus, é lógico que o Mossad iria investigar a minha vida nos mínimos detalhes.

— Tem dois anos. E você sabe disso.

Ela abriu um sorriso de lado, como se desculpando.

— Ela ficou com o pai? – A preocupação dela era genuína.

— Sou mãe solteira. – Falei para encerrar a conversa.

Contudo, Ziva não se deu por vencida.

— Deve ser difícil, deixar uma criança tão pequena para trás.

Minha mente voltou algumas horas atrás, e os olhos verdes de Soph, cheios de lágrimas encheram a minha mente.

— Não é fácil. E não vou me acostumar, se isso era o que você iria dizer a seguir.

— Não. Eu iria dizer que eu ficava com o mesmo humor quando tinha que sair para alguma missão e minha irmã mais nova não queria que eu fosse. Eu sempre tinha que fingir que tudo estava bem para que ela não ficasse ainda mais assustada.

— Sinto muito. Você deve gostar muito de sua irmã.

— Gostava sim.

Estranhei o tempo verbal. E olhei para a israelense, ela brincava com o pingente de seu cordão. Logo vi que era uma Estrela de David.

— Ela... ela foi morta a pouco tempo. Tali e minha mãe foram mortas em um ataque de míssil. Por isso me candidatei para isso. Não quero que mais crianças inocentes percam a vida. – Ela falou com emoção.

Balancei a cabeça confirmando o que ela disse.

Nossa estadia na Sérvia não era longa, ao todo nos foi ordenado uma vigilância de, no máximo, trinta dias. Acontece que a primavera não havia chegado ainda por essas bandas, e a neve ainda se fazia presente.

Dirigir na neve sempre é complicado, a falta de um solo firme impede que o carro fique estável. Porém Ziva, que tinha insistido em dirigir parecia não se importar.

Loucamente ela desviava por milímetros dos outros carros, indo muitas vezes parar na contramão para fazer uma ultrapassagem proibida na terceira faixa. A cada farol que vinha na nossa frente, eu tentava não demonstrar o meu medo pela morte iminente.

Eu sabia que meu trabalho era perigoso, sabia que a qualquer momento alguém poderia atirar em mim e eu poderia morrer, mas nunca pensei que poderia morrer em um acidente de carro provocado por uma israelense maluca ao volante.

Eu que nunca fora de ficar enjoada, estava tentando segurar a bile que subia pela minha garganta. E, comecei até a rezar, sim. Eu lembrei de cada uma das orações que Noemi havia me ensinado quando eu era mais nova e comecei a rezá-las dentro daquele carro. Por fim, fiz uma promessa, se eu saísse viva dessa viagem, eu jurava que iria à igreja todo domingo, pelos próximos dois anos e que levaria Sophie comigo.

Escutei um pneu cantando, vi a traseira de uma enorme carreta dar um L bem na nossa frente, e os pneus da carroceria virem bem na nossa direção.

Ziva soltou uns três palavrões em hebraico do meu lado, virou todo o volante e puxou o freio de mão, nos levando direto em encontro à parte lateral do caminhão.

— PELO AMOR DE DEUS!! EU TENHO UMA FILHA!! E VOCÊ DIRIGE PIOR QUE O PAI DELA!!! – Eu gritei assim que ela parou o carro no hotel em que ficaríamos e eu consegui, com as pernas trêmulas, descer do carro. – Na volta, se sobrevivermos a isso, eu dirijo. Você é louca!!

Ziva me olhou espantada e ficou sem entender nada.

Demoramos mais de dois meses, mas conseguimos desmantelar não só a célula, como também os contatos que eles tinham espalhados. Com isso, eu pude, finalmente, voltar para casa.

Como havia dito quando chegamos, tomei as chaves da mão de Ziva e segui para o aeroporto dirigindo a velha BMW.

Ziva, entediada do meu lado, limpava suas facas.

— Achei que você era mãe solteira. – Ela soltou do nada.

— E sou. -Respondi sem me virar para ela.

— Mas você disse que eu dirijo pior que o pai da sua filha.

— Ela tem um pai, eu só não sou casada com ele.

— Ah... sim. – Ziva falou, mas acho que ela estava guardando a informação para poder pesquisar mais tarde.

— O nome dele não consta na certidão de nascimento da minha filha. E eu não vou contar quem é para você. Assim, pode parar de tentar anotar mentalmente essa informação no arquivo que o Mossad tem sobre mim. Deixe tanto a minha filha, quanto o pai dela fora disso – Sibilei para ela que recebeu o meu recado.

— Sim, eu vou deixar.

Chegamos no aeroporto e Ziva era a primeira que embarcaria.

— Shalom, Jenny. Até a próxima. Aproveite o tempo com a sua filha.

— Shalom, Ziva. Até a próxima.

E a ninja louca do volante seguiu para o portão de embarque, enquanto eu fiquei esperando o voo que me levaria para Londres.

Dei uma olhada no calendário. Já era junho. Meio ano tinha se passado. Logo setembro estaria aí e Sophie começaria sua vida escolar. Eu iria sentir falta das palavras erradas, de vê-la tropeçando nas coisas e correndo pela casa.

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Ai meu Deus! Ai meu Deus!! Ai meu Deus!!! Eu estou ferrada. Muito ferrada. Isso não pode estar acontecendo. Não pode!! Eu não posso ser tão burra!!!

Eu contava e recontava os dias no calendário. Sim, eu estava duas semanas atrasada.

— MERDA!!! – Eu xinguei e chutei a lixeira para longe, lágrimas, que não era de dor, mas sim de desespero, começaram a rolar pelo meu rosto.

Eu precisava conversar com alguém.

Pensei em ligar para Mer. Ela estava viajando para algum lugar, mas seria capaz de me atender.

Um toque, dois, três, no quarto caiu na caixa postal.

Maddie estava em algum lugar desconhecido com o namorado, ela disse que era um retiro zen, sem nenhuma presença de tecnologia.

Falar com Henry agora não ajudaria em nada. Com meu pai? Fora de cogitação.

Só sobrou você, Jen. De novo.

Meus dedos tremiam enquanto eu procurava o número dela através dos contatos, estava tão nervosa que nem lembrar o número eu consegui.

Achei e com um suspiro apertei o botão ligar.

Um toque, dois toques, três toques.

— Shepard. – Ela atendeu com voz de sono. Dei uma olhada no relógio, era tarde na Inglaterra.

— Oi Jen... Sou eu. – Minha voz tremia e eu não consegui disfarçar o choro.

— Kelly. O que aconteceu? – Pude ouvir que ela agora estava desperta e preocupada, muito preocupada.

— Eu... eu... eu preciso de ajuda.

— Meu Deus, o que aconteceu? Por que você está chorando?

— Eu acho que... – respirei fundo. Tinha medo de dizer a palavra em voz alta e o medo se tornar realidade. – Eu acho que estou grávida.

E Jenny ficou muda.

— Jen... você tá aí?

— Sim, estou. Como assim você acha?

— Eu estou muito atrasada, quase duas semanas. E eu sempre fui um reloginho. Jen, se eu estiver grávida era uma vez a minha bolsa! – Eu me sentei no chão do apartamento de Henry. Ele estava fora em uma reunião com o pai dele e eu estava passando um pouco do tempo aqui.

— Você já fez algum teste de farmácia? Exame de sangue? – Ela me perguntou, tentando ser aquela que mantem a cabeça no lugar enquanto eu me desesperava.

— N...Não. Tenho medo de descobrir a verdade.

— Kelly. Se você estiver grávida, a realidade vai saltar aos olhos em poucos meses. Você precisa saber agora! – Ela falou. – Achei que você se cuidava. Ou melhor, que nem você ou o Henry queriam filhos tão cedo, ainda mais depois que vocês viram o trabalho que um bebê dá.

Passei a mão pelo meu rosto.

— Eu tomo anticoncepcional. Eu só não sei o que aconteceu! – Me defendi.

— Kelly. Você sabe muito bem o que aconteceu e quando foi. – Jenny me falou calma. – Nós sempre sabemos.

Prendi a respiração. Ela tinha razão. Eu sabia. Eu sabia muito bem quando foi que eu esqueci de tomar o remédio. No feriado de quatro de julho. Era para Henry e eu nos encontramos com a família dele para comemorar a independência, mas nós dois, bem... aproveitamos o feriado e os dias de descanso de outra forma. Me lembro de acordar de manhã na intenção de tomar o remédio, mas Henry me trouxe de volta e....

— Eu tô ferrada! Papai vai me matar!

— Você tem que ter certeza primeiro, Kelly. Vista uma roupa e vá até a farmácia mais próxima. Compre uns quatro testes, um de cada marca. Quando chegar em casa, faça os testes. – Ela soou eficiente.

— Jen, seu eu estiver grávida, como eu vou criar um bebê e estudar?

— Do mesmo modo que eu crio a Sophie e trabalho. E Henry TEM que te ajudar. Agora vá até a farmácia.

— Você vai comigo.

— Eu estou em Londres, Kelly.

— Eu sei, estou dizendo que não vou desligar o telefone.

Ouvi Jenny se ajeitar na cama e suspirar alto, claramente não muito feliz por eu ter perturbado a sua noite de sono.

Vesti a primeira roupa que achei e saí de qualquer jeito, a farmácia mais próxima não era tão longe mesmo.

— Desculpe atrapalhar a sua noite. – Falei depois de algum tempo. – Espero que você possa recompensar a pessoa.

Jenny riu do outro lado.

— Recompensar a Sophie por ela estar dormindo depois de quatro noites com febre e acordada direto, Kelly? – Ela disse.

— Soph está doente?

— Gripada, com dor de garganta e dor de ouvido. Só agora que parece que ela conseguiu voltar a respirar.

— Tadinha. Você a levou ao médico?

— Sim, levei. Ela está medicada.

— Eu realmente não deveria ter te ligado, acho que vou te deixar dormir...

— Kelly, sua irmã está dormindo agora, a febre cedeu e eu estou do lado dela, nada vai acontecer aqui. Posso muito bem te dar apoio moral nessa sua espera.

— Obrigada. – Era para que eu soasse agradecida, mas eu estava era aliviada de saber que pelo menos uma pessoa estava do meu lado.

— Onde está Henry? – Ela perguntou.

— Eu uma reunião com o pai dele aqui em NY.

— Nossa, você está no apartamento dele?

—Sim.

— Seu pai não surtou?

— Ele não gosta, mas a vida é minha.

— Sei... você não pode culpá-lo para sempre, Kelly. Ele é seu pai e te ama. Pare de ser tão amarga e aceite que todos tem o direito de tomar as decisões que tomamos, sendo elas as certas ou não.

— Eu... eu só acho injusto o que ele fez. Deixar a filha crescer sem pai e querer ser um pai para mim? Tadinha da Sophie.

— Você já parou para pensar que eu sou tão culpada quanto ele? Fui eu quem fui embora.

Apressei o passo. Tinha chegado na farmácia.

— Mas você engoliu o orgulho e o procurou. Ele não fez esse favor. Vamos mudar de assunto? Cheguei na farmácia.

— Agora compre os testes.

Corri para o corredor onde eles ficavam e peguei cinco. Paguei por eles e a moça do caixa me lançou um sorriso como que me congratulando pelas boas novas.

— Você acredita que a moça estava sorrindo na minha direção, como que feliz por eu estar grávida? – Disse com raiva.

— Até onde sei, Kelly, você já foi fotografada ao lado de Henry e do Congressista Sanders, muita gente sabe que você é a nora de um político... você é quase famosa, Kelly.

E agora mais essa!

Corri até o apartamento.

— Cuidado para não cair, sei que você é um tanto estabanada. – Jenny falou sorrindo enquanto escutava os meus passos rápidos.

Abri a porta do apartamento de supetão e despejei os cinco testes no sofá da sala.

— Eu fico na espera quando você terminar. – Jen me avisou.

Abri cada uma das caixinhas e tirei os sticks. Céus, onde fui me meter? Eu pensava.

Deixei os cinco testes na beirada da banheira e corri para a sala para pegar o telefone.

— Agora é só esperar.

— Quanto tempo? – Jenny me perguntou.

— Achei que você sabia.

— Eu nunca fiz esse teste.

— E como você descobriu que estava grávida?

— Depois de quase morrer de vomitar e ser obrigada a consultar o médico do escritório de Londres. – Jen me respondeu séria.

— Nem na faculdade você passou por isso?

— Não! Não mesmo. – Ela tentou segurar a risada.

— Ok, eu entendi. Eu sou a burra do segundo ano de Medicina!

— Você nem sabe se está mesmo grávida, Kelly.

— Mas Jenny, eu estou atrasada.

— Você como estudante de medicina sabe que tem outros motivos, além do mais provável que é a gravidez, para estar atrasada. Stress muda toda a sua fisiologia, e pelo que você vem em contando, acabaram com você nesse ano. Talvez essa seja a resposta, atrasada na verdade, de seu corpo a todo o stress e correria do seu ano letivo.

— Eu rezo para que seja isso. – Falei sem emoção.

— Temos que esperar por quanto tempo?

— Mais cinco minutos.

— Céus, isso tudo? Por que demora tanto? – Jenny reclamou.

— Está ansiosa para ser chamada de vovó? – Eu brinquei com ela.

— Ei, ei, ei.... pode ir parando, no máximo tia. Não sou tão velha!! – Ela se defendeu. E nós duas caímos em um silêncio pesado.

Ainda faltava uns dois minutos quando ouvi a porta sendo destrancada. Henry estava chegando.

— Não creio! Henry está chegando. – Sibilei.

— Bem... dependendo do resultado, acho que ele vai desmaiar nessa noite. - Foi o comentário de Shepard.

Henry entrou na sala e veio me dar um beijo.

— O que aconteceu? – Ele parecia genuinamente preocupado com a minha aparência.

— Fale para ele. Não cometa o mesmo erro que eu!! – Foi o conselho que recebi.

— Eu acho que estou grávida, Henry. – Falei de uma vez. E vi ele ficar pálido. – Estou esperando os resultados dos testes de gravidez que eu comprei.

Henry se sentou do meu lado, ainda pálido.

— E quem está do outro lado da linha? Seu pai?

Ouvi uma gargalhada do outro lado.

— Se fosse o meu pai, você já estaria morto, Henry. É Jenny.

— Falta muito? – Ele perguntou.

— Trinta segundos.

— Você já pode ir para o banheiro. Quanto antes melhor. – Jenny falou do outro lado, agora estávamos no viva-voz.

— Não tenho coragem. – Disse baixinho.

— Você tem que ter Kelly Gibbs.

— Não. Eu não vou!  - Bati o pé e escondi o rosto no peito de Henry, ele estava apático.

— Olha aqui, mocinha. Você vai lá naquele banheiro e ver o resultado destes testes ou eu vou ligar anonimamente para o seu pai e falar que ele vai ser avô. E vou dar o endereço de Henry para ele. Te garanto que antes do dia amanhecer ele vai estar chutando essa porta abaixo e tirando o seu namorado da cama na base do soco. Agora solte Henry e seja corajosa o suficiente para encarar a realidade! – Jenny ralhou comigo.

Henry me olhou assustado, ele nunca tinha visto esse lado de Jen.

— Ter seu pai aqui de manhã vai tornar tudo pior. – Ele sussurrou no meu ouvido.

Respirei fundo e fui até o banheiro, os cinco testes enfileirados na beirada da banheira pareciam rir da minha cara. Dependendo do que estivesse ali, minha vida estava mudada para sempre. Peguei uma das caixinhas e li o que deveria esperar ver nos palitinhos.

Dei um passo de cada vez, minha garganta se fechando cada vez que eu chegava mais perto.

Olhei para o primeiro, para o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto. Todos eles me mostravam o mesmo resultado.

Soltei um grito! De saí correndo para a sala.

— EU NÃO ESTOU GRÁVIDA! NÃO ESTOU!! QUE ALÍVIO!! – Dei um beijo e Henry e ele pareceu respirar pela primeira vez desde que entrara no apartamento.

— Muito bom saber que a minha filha de dois anos não será tia. Agora tire esse celular do viva-voz que eu quero conversar com você Kelly. Adeus Henry, e você tome mais cuidado, Jethro pode fazer coisas muito piores do que te matar se vocês se tornarem pais agora. – Jenny falou.

Peguei o celular e tirando do viva-voz o coloquei na orelha.

— O que você quer conversar comigo, Jen?

— Eu não ouvi uma palavra vinda de Henry, Kelly. Então eu não sei dizer o que passou na cabeça dele quando você disse que poderia estar grávida. Assim, eu peço para você, tome cuidado. Não atrapalhe a sua vida acadêmica. Você ainda quer ir para a Marinha. Você tem tempo para ser mãe, não precisa ser agora. Porque eu tenho a impressão de que se você engravidar agora, a família Sanders não vai deixar Henry ser o pai do filho dele. Eles vão te dar um belo dinheiro para você ficar quieta e sumir da vida dele e você será mãe solteira como eu. Não que isso seja algo ruim, não é, mas isso vai te magoar porque eu sei o quanto você ama esse rapaz. Se cuide, é o que eu te peço. Agora vá dormir e não se esqueça de tentar ter um bom relacionamento com Jethro, por favor.

Eu fiquei sem palavras com o que ela me disse. Eu sabia que Henry não faria isso, mas todos aqueles assessores poderiam fazer a cabeça do Congressista para que o que Jenny disse acontecesse.

— Eu vou me cuidar, Jen. E vou tentar conversar com meu pai. Muito obrigada por aguentar o meu surto. Vai me dando notícias da Sophie. Boa noite. – Falei de volta.

 - Boa noite, Kelly. – Ela respondeu e desligou.

Por conta de uma noite eu quase tinha arruinado tudo. Tive sorte dessa vez!

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O verão, ou a parte dele em que eu pude passar ao lado da minha filha, passou em um piscar de olhos. Kelly conseguiu vir por alguns dias, sem Henry. Ela ainda não havia se recuperado do susto do início de agosto. E, resolveu que cuidar de Sophie por duas semanas era o melhor método contraceptivo que existia, porque ela iria se cansar e pensar duas vezes antes de esquecer de se cuidar.

Sophie, por sua vez estava variando o humor, ora ela estava ansiosa por começar no maternal, e tinha hora que tudo o que ela fazia era ficar emburrada e me encarando como se eu a estivesse obrigando a ficar longe de mim.

Kelly tentava de todas as formas animar a irmã:

— Olha, Sophie, você vai se divertir na escolinha, tudo o que vai fazer é desenhar um sol, uma casa, uma árvore e um cachorro.

Sophie, que estava sentada em meu colo, enquanto tomávamos um sorvete, apenas disse:

— Eu não sei desenhar um cachorro! Minha casa sempre sai torta. Eu não quero ir.

— É para isso que você tem que ir, tem que aprender a desenhar.

— Mas porque eu tenho que saber desenhar, se eu quero ser que nem a mamãe? A mamãe não fica desenhando naqueles papeis. Lá só tem um monte de letra! – Sophie disse encarando a irmã mais velha.

Kelly olhou para mim com os olhos arregalados e eu encarei a minha filha.

— Ruiva, todo mundo tem que aprender a desenhar.

— Mas mamãe, a senhora não sabe! A senhora falou!

Que bela hora para Sophie demonstrar a memória dela.

— É claro que depois que você aprender a desenhar, você vai começar a escrever. O desenho é só para que você possa aprender a segurar o lápis. – Kelly tentou salvar a conversa.

Sophie não estava convencida disso. E ficou olhando para nós duas como se mandá-la para a escola fosse algum tipo de complô contra ela.

— Não quero ir! – Ela disse mais uma vez.

— Mas a mocinha vai. Todo mundo tem que ir para a escola. – Falei firme e encerrei a conversa.

E esse perrengue continuou até o primeiro dia de aula. Kelly partiu no sábado, e me fez prometer que iria descrever como foi deixar Sophie na porta da Escola.

Na segunda-feira cedo, o problema começou a parecer muito pior do que realmente era. Sophie nunca foi uma criança matutina, e sempre preferiu ficar dormindo. E eu vi que acordá-la era mais difícil do que eu pensava.

Ela se revirou na cama, se escondeu no meio das cobertas, quando dei o ultimato para que ela se levantasse, minha filha só me encarou como o pai costumava me encarar.

— Eu volto em cinco minutos. E quero ver você de pé! – Falei e saí para a cozinha.

Cinco minutos depois, voltei ao quarto dela, e ela não estava lá. Procurei debaixo da cama, fui na sala e olhei atrás do sofá, entrei no meu quarto, indo direto para o banheiro, procurei até dentro da banheira. Nada de Sophie. Quando estava para apagar as luzes, eis que uma mecha de cabelo vermelho chama a minha atenção debaixo das minhas cobertas.

Para que ela não percebesse que eu a tinha visto, apaguei as luzes e fingi andar pelo corredor, na sala tirei os sapatos e voltei descalça e sem fazer barulho para o quarto. Fiquei parada perto da cama vendo até onde a pequena ruiva fujona iria com o plano dela.

Vi Sophie relaxar debaixo dos cobertores e dos travesseiros achando que eu não estava mais por perto, até que ela ficou confortável e estava começando a pegar no sono, foi quando eu resolvi mostrar para minha filha, quem mandava ali, dei mais um passo e fiquei perto da cama e puxei as cobertas.

— Haha! Achei a dorminhoca e fujona!  - Falei assim que ela se encolheu com o susto.

— Mamãe! – Sophie chiou, encolhida perto dos travesseiros. – Eu não quero ir para a escola.

— Mas você vai. – Disse enquanto a pegava no colo e levava a birrenta ruiva de volta ao quarto dela. – Agora vamos trocar de roupa e pôr o seu uniforme.

— O que é um uniforme? – Ela perguntou.

— É uma roupa que você tem que usar todo dia, assim como todos os alunos da escola.

— Todo mundo igual? – Sophie estava assustada.

— Sim.

— E como a senhora vai me achar no meio de tanta gente? – O medo e a preocupação ficaram evidentes em seus grandes olhos.

— Pode ter certeza de que eu serei capaz de te reconhecer a qualquer distância, bebê!

Sophie não estava convencida da minha promessa e passou todo o café quietinha, balançando os pezinhos enquanto comia.

Cheguei perto dela e perguntei:

— Uma moeda pelos seus pensamentos.

Sophie deu um pulo e só respondeu:

— Eu tô com medo da senhora não me achar no meio de tanta gente.

Noemi saiu rindo para a cozinha, e eu só soube dar um beijo no topo da cabeça dela.

— Vamos apostar que eu consigo?

— Não. – Ela estava cabisbaixa.

Depois desse café melancólico, descemos para a garagem e ela caminhou devagar até o carro. A danadinha é tão esperta que já sabe se prender sozinha na cadeirinha. Mas, como sempre, fui lá e conferi.

A escola não era longe, fiz questão de escolher uma excelente e que fosse próxima de casa, para o caso de Noemi ter que levar ou buscar Sophie nos dias mais complicados.

Já na entrada, peguei minha filha olhando para as outras crianças e depois para si mesma, conferindo que, realmente, todos estavam vestidos iguais. Ela deu um suspiro audível.

Fui orientada para deixá-la na sala de aula, assim, segui as instruções e cheguei na porta, Senhorita Watson nos esperava com um sorriso no rosto.

— E quem é essa adorável ruivinha? – Ela perguntou se agachando e ficando na altura de Sophie.

Minha filha se escondeu atrás de mim e incorporou as péssimas manias do pai, ficando calada.

— Por favor, filha, se apresente. Eu te eduquei direito. – Chamei sua atenção ao mesmo tempo em que dava um empurrãozinho em suas costas para que ela ficasse do meu lado.

Sophie, muito resignadamente, estendeu a mão direita na direção da futura professora e disse:

— Bom dia, senhorita. Sou a Sophie Shepard.

— Muito bom dia! Sou a Senhorita Watson e serei a sua professora, Sophie. Vamos entrar para conhecer a sala e os seus amigos? – Ela estendeu a mão e Sophie me olhou incerta.

Foi nessa hora que meu coração se apertou, minha boca secou e eu não sabia o que fazer. O tempo estava passando rápido, parece que foi ontem que ela estava dentro de uma incubadora, lutando para viver, e hoje eu já tenho que entregá-la para uma estranha, para que ela comece a sua educação básica.

— Vá. É a sua vez.

E minha filha congelou. Incerta se poderia confiar na simpática jovem – ela tinha cara de ser mais nova do que eu – ou se ficava de pé ao meu lado. Então olhou para mim e seus olhos me disseram tudo o que ela não conseguia falar. Ela estava com medo e não queria ser deixada ali. Para tentar resolver esse impasse, me agachei ao seu lado e, dando um abraço de urso nela, falei em seu ouvido:

— Você pode ir, nada de ruim vai acontecer com você, a Senhorita Watson é uma boa pessoa e vai cuidar muito bem de você enquanto a mamãe trabalha.

— Mas mamãe... – Ela tinha os lábios tremendo e os olhos cheios d’água. E fui eu quem lutei para não chorar.

— A mamãe volta quando o relógio estiver aqui. – Mostrei o relógio no meu pulso desenhando o horário de quinze horas.

— E falta muito tempo para o relógio chegar aí?

— Vai passar rapidinho, agora dê a mão para a sua professora e entre na sala, sendo a garota corajosa que eu sei que você é. – Falei.

Ela me deu um último abraço e um beijo na bochecha e estendeu a mão para a professora. Senhorita Watson me deu um sorriso compreensivo enquanto levava a minha menininha para dentro da sala.

Quando a porta foi fechada, caminhei o mais rápido para o carro, e, atrás do volante, eu chorei. Estava com mais medo em deixá-la ali, do que Sophie poderia sentir ou saber.

Apesar de ter uma tonelada de relatórios para fazer e para traduzir do hebraico, árabe e pashtu para o inglês, eu não consegui parar de pensar um minuto sequer em Sophie. Ficava pensando se ela estava bem, se tinha se alimentado, se a estavam tratando bem, se ela estava feliz.

O Big Ben soou quinze horas e eu saí correndo do escritório, nem me dignei em despedir dos demais. A porta do elevador já estava fechando quando ouvi Willows, rindo, explicar para os agentes assustados com a minha correria:

— Primeiro dia de aula da Sophie. E é a mãe quem está mais preocupada.

As risadas dos agentes que já eram pais ecoaram por todo andar.

Eu dirigi mais loucamente do que seria necessário, e em tempo recorde cheguei na escola. Antes mesmo de descer do carro eu localizei minha filha, por mais incrível que se possa parecer, ela era a única criança com cabelos vermelhos ali, ou pelo menos, com um tom tão forte de vermelho, ou seja, o medo de Sophie de que eu não a encontrasse no meio de tanta gente com a mesma roupa era em vão.

Caminhei para o portão e vi pais e mães, muitos juntos, encontrando seus filhos, se agachando para ficarem na mesma altura dos rebentos e lhes perguntarem sobre o primeiro dia.

Quando dei o meu nome e de minha filha ao segurança, ele apenas disse:

— Ah, sim. A garotinha de cabelos vermelhos. Eu já vou trazê-la.

Era o primeiro dia, e Sophie já estava famosa na escola. O que ela tinha aprontado?

Srta. Watson veio com minha filha até o portão e, antes de me entregá-la, disse:

— Sophie foi muito bem hoje. Toda a sua preocupação da manhã foi em vão. Ela se comportou muito bem e fez amizade com todo mundo, não é, Sophie?

Minha filha balançou positivamente a cabeça e abraçou meus joelhos.

— Fico feliz em saber disso. Agora Sophie, se despeça.

— Tchau Senhorita Watson. Tchau gente. – Ela gritou para a turma que estava mais atrás e assim que passamos pelo porteiro, ela continuou. – Tchau Senhor Harris. Amanhã eu vou trazer mais biscoitos para você.

— Adeus, Sophie, até amanhã.

Estávamos perto do carro quando me agachei na frente dela e perguntei:

— Gostou do seu primeiro dia?

— Foi chato. Eu só fiquei desenhando. Isso não é difícil. Difícil é esperar que todo mundo termine o que está fazendo. – Ela disse com um muxoxo.

— E depois?

— Depois nós fomos para o pátio, foi onde eu conheci o Sr. Harris. Lá foi legal. Eu subi na árvore. Brinquei no trepa-trepa, eu fui a única que conseguiu chegar no alto. Depois almoçamos, e a barriga do Sr. Harris estava fazendo um barulho estranho, igual a sua quando a senhora está dormindo, mamãe, então eu dei uns biscoitos para ele. Ele devia estar com fome. – Ela terminou solenemente. E eu senti meu rosto esquentar quando ela falou sobre a minha barriga roncar, vários pais estavam passando atrás de mim.

— Isso é muito bom. – Eu falei, a colocando no carro. – E só mais uma coisa, mocinha, por acaso a mamãe perdeu você no meio de todas essas crianças?

— Não! Mas como foi que a senhora me achou?

— Acho que foi a cor do seu cabelo, mas não tenho certeza! – Beijei a testa dela e ela soltou uma gargalhada.

E por todo o caminho até em casa, ela continuou a me atualizar sobre o que havia feito. Até que veio a outra pérola:

— Agora que eu já sei desenhar uma árvore, um sol, uma casa, um cachorro e até um gato, eu já posso virar agente do NCIS, mamãe?

E foi quando eu percebi que Sophie só me colocaria em saia justa.

Eu estava perdida!


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Notas finais do capítulo

Jenny pode ser dura na queda, mas ela mesma disse que Ziva não é lá essa motorista... e eu não sei quem dirigi pior, se a Ninja do Mossad ou o Marine emburrado...
Sim... Sophie foi para a escola, e ela já está causando... coitada da mãe dessa garota!
Obrigada por lerem!
Até o próximo capítulo!
Já foram 50... isso aqui vai ficar maior do que os livros do Geoge R. R. Martin..



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