Ao Cair da Noite escrita por MilkandHoney


Capítulo 1
O segundo inverno


Notas iniciais do capítulo

Olá! :)
Publiquei essa Fanfic algum tempo atrás, porém houveram muitas mudanças pra que ela ficasse como está hoje.
Espero que gostem e continuem acompanhando!



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Um vento gélido passou pelo garoto fazendo sua nuca se arrepiar por completo. O verão havia começado há três semanas atrás, porém o clima não acompanhou a estação e Niangard sofria com temperaturas abaixo de zero todos os dias desde a última primavera. Aquela província que era conhecida por seus vales repletos de vegetação verde e rios de águas transparentes estava impossibilitada de revelar suas belezas naqueles dias e aquilo não parecia normal para os habitantes daquela região.

O caminho para a casa do avô era apenas uma trilha formada por pedras lisas, fazendo com que ele quase escorregasse várias vezes desde que saiu de casa. Já havia escorregado ali na semana anterior, o que lhe rendeu dores nas costas e um pequeno arranhão em seu queixo.  A Casa do sr. Ento, ou casa de pedra, como a maioria dos moradores conhecia, era uma construção do século passado, fincada no topo de uma colina de onde se podia ver grande parte de Niangard. Feita somente de pedras sobrepostas e um telhado de madeira escura, era facilmente identificada por sua arquitetura. Enquanto caminhava com cuidado, Sasuke podia ver a fumaça clara e densa que saía pela chaminé. Passava das quatro da tarde, então possivelmente seu avô preparava o café.

— Ora, ora... Encarou o frio, valente Sasuke? - disse o sr. Ento, sem se virar para a porta.

— Mamãe ainda está na feira. Acho que vou dormir aqui com senhor, se não se importar...

— Importar? Ora essa, não é só porque sua avó morreu que você não pode mais dormir aqui, menino.

Sasuke, que ainda estava parado ao pé da porta olhou demoradamente para o fogão onde a chaleira tremia com o calor. Em alguns momentos parecia esquecer-se de que sua avó não estava mais ali. Afinal, 2 meses antes era ela que estaria fazendo o café, enquanto seu avô estaria na varanda admirando a paisagem. Bons tempos.

Os devaneios tiveram que ficar para depois, pois sentiu que suas mãos estavam a poucos minutos de petrificarem devido ao frio extremo. Sentou-se no pequeno banquinho de carvalho próximo a porta e pôs-se a tirar as botas pesadas de couro de crocodilo. Presente de seu tio Ank, aliás, o melhor presente que ele ganhou nos últimos tempos. Não se lembrava de ficar tão feliz com algo além da época em que ganhou Gothar, seu cavalo, e isso já fazia dois anos.

— Você não gosta de café, não é? Posso preparar um chá com mel se quiser.

— Talvez mais tarde... Acho que por enquanto fico com os biscoitos de coentro.

Os biscoitos de coentro de Mikoto eram os melhores de toda Niangard. Havia deixado um pote deles com seu avô na manhã do dia anterior, quando sua mãe o obrigou a enfrentar um frio de gelar a alma o ameaçando com o olhar. Se não a obedecesse, poderia dar adeus aos seus dentes, que não eram muito bons, mas fariam falta.

A velha cadeira de balanço rangia alto a cada vez que sr. Ento colocava seu peso para frente a para traz, ao mesmo tempo em que olhava para a leve fumaça que saía da caneca de metal em suas mãos.

— Sabe Sasuke... Acho que algumas coisas podem mudar em breve. – Disse Ento sem olhar para o mais novo, ainda contemplando a fumaça que já se dissipava devido ao frio.

— Odeio mudanças. Nunca são boas, ao menos não para mim – O avô não pôde segurar uma forte risada, algo o garoto não via há meses.

— Você não vê com os olhos que deveria, meu neto. Mudanças servem para provar que estamos vivos. – Ele virou seu olhar para a paisagem á sua frente. A grama coberta de neve e árvores sem folhas, exibindo seus galhos longos e sem vida – Além disso, a vida ás vezes precisa de um balanço, não é?

O neto olhou na mesma direção e passou a contemplar aquela árvore. No ano passado, naquela mesma época, ele e sua avó improvisaram um pic-nic em baixo daquela árvore. Lembrava das folhas caindo sobre eles e de ver ninhos de pardais por entre os galhos carregados. Aquilo parecia tão distante da realidade...

— Vovô, o que o senhor acha desse inverno que não acaba? – Perguntou Sasuke sem tirar os olhos da planta e ouviu a seguir um suspiro cansado ao seu lado.

— Você acabou de fazer dezesseis anos, não é? Eu tinha mais ou menos a sua idade quando vi algo parecido acontecer.

— Então... Isso já aconteceu?

— Bem, aquele ano teve dois invernos. E foi, como posso dizer? Assustador.

O dia começava a escurecer anunciando mais uma noite gelada, quando o vento passou assobiando sua triste canção por entre as madeiras que revestiam o telhado da velha casa de pedra.  

— O senhor teve medo do frio?

— Aquele período levou muitas pessoas, foi muito cruel com o povo.

— Como assim levou pessoas? – Perguntou o garoto interessado.

— Bem, pra começar, houve alguns boatos... Muitos diziam que ouviram passos pesados na floresta quando a noite caía. Não foram poucas a pessoas que disseram ter visto vultos de monstros enormes pelas frestas de suas casas. Mas nunca ouvi dizer que alguém que deu de cara com isso, seja lá o que for, sobreviveu.

O mais novo sorriu e pendeu sua cabeça um pouco para o lado, com o semblante de quem não parecia acreditar no que ouvia.

— Ah, mas podiam ser ursos, não? Nós já vimos ursos por aqui!

Ento balançou a cabeça devagar, negando com veemência o argumento de seu neto.

— Não, não. Você já deve ter ouvido sobre ogros em alguma história infantil que escutou. Ao que parece, eram como ogros fortes e pesados. Acharam inclusive pegadas grandes o suficiente para amassar um pequeno curral.

— Isso parece uma lenda...

— Você pode acreditar ou não, Sasuke, mas aconteceu. Houve dias em que cadáveres apareciam no meio da floresta como passe de mágica e pessoas desapareciam da mesma forma. Perdi meu único irmão e minha melhor amiga nessa mesma época.

O garoto olhou seu avô com uma feição de descrença e diversão. Naquela época as pessoas não pareciam distinguir muito bem um ogro de um urso, afinal, ursos também são enormes e pesados. Ele mesmo já viu um. Terminou o biscoito que estava em sua mão e lambeu seus dedos que estavam repletos de farelo.

Ainda ficaram por mais algum tempo sentados ali, até que a temperatura baixou tanto que seus casacos de pele não foram suficientes para mantê-los aquecidos. Sasuke já sentia seus lábios baterem um contra o outro e seu pé parecia que iria se transformar em uma pedra de gelo a qualquer momento. Seu avô se levantou e anunciou que iria dormir, pois segundo ele “velhos vivem mais se dormem cedo”.

O convidativo ar quente que vinha da lareira que havia na sala fez com que ele recusasse dormir no quarto com o avô, jogando o velho colchão de penas no chão e usando os cobertores que sua avó fez especialmente para ele. Não costumava dormir tão cedo, porém o frio e a caminhada até ali fizeram seus olhos pesarem. Dormiu sentindo o calor do fogo próximo a si e o cheiro de sua avó nos panos que o envolviam.

— Alguém... Por favor!

Sasuke abriu um dos olhos com dificuldade. A primeira coisa que viu foi o fogo da lareira que ainda queimava sem trégua. Por entre a antiga cortina da janela, não viu nenhum resquício de luz. “Acho que acordei cedo demais”, pensou.

Do quarto de seu avô, ouviu o rangido estridente da cama e logo após, passos apressados em direção a porta da sala. Ainda com os olhos enevoados pelo sono, ele pôde ver Ento tentando abrir com pressa os ferrolhos da porta. Quando enfim conseguiu abri-la, algo caiu dentro do recinto fazendo um barulho oco quando se chocou contra o piso.

Sasuke permaneceu deitado, sem entender coisa alguma do que estava se passando ali. Aquilo respirava alto e mais parecia um amontoado escuro de couro e neve. Quando se deu conta, viu algo que parecia cabelos cor-de-rosa e... O que quer que fosse, estava se levantando. Era uma menina! Agora de pé, podia ver com clareza os olhos e a pele um pouco queimada, talvez devido ao frio.

— Você... – Seu avô falava baixo e com a voz rouca, parecendo estar em completo choque – Sakura... Não pode ser.

— Ento! É você! Sabia que te encontraria aqui, monsaritch!

Monsaritch significa “velho amigo” na antiga língua de Niangard. Sasuke aprendeu um pouco dela na escola, mas nunca havia utilizado aquele conhecimento até agora. Seu avô continuava com um ar incrédulo, a boca aberta e os olhos azuis não piscavam como se não pudesse perder nenhum segundo da visão á sua frente.

— Mas co- como? Achei que tivesse morrido!

— Bem, posso explicar depois se me permitir. Mas antes, feche a porta, acredito que estou sendo seguida.

Sr. Ento se apressou o máximo que pôde em arrastar a pesada porta contra o vento frio e fechou os ferrolhos com certa dificuldade. Soltou um suspiro alto e voltou a olhar para a moça que retribuía o olhar com um tom divertido.

— Bem, parece que alguém envelheceu um pouco, não é?

— Nem me fale, monsaritch. Nem me fale... – Disse ele rindo baixo.

Sasuke permanecia imóvel por entre os cobertores, temendo atrapalhar algo se levantasse. Continuava sem entender o que se passava, mas algo lhe dizia que aquela garota trazia problemas. Fechou os olhos e foi a vez dele mesmo suspirar. Aqueles dois ainda conversavam e ele decidiu não interromper, não naquela noite. Preferiu ficar ali e cobrar alguma explicação na manhã seguinte e se o seu palpite estivesse correto, havia muitas explicações a serem dadas.


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