Violeta escrita por Ludwik Boyko


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

O formato do prólogo será único. Os demais capítulos seguirão a narrativa padrão.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773149/chapter/1

Charles e Peter se conheciam desde o primeiro ano do fundamental. Os dois, muito tímidos, brincavam sempre afastados dos outros. Foi Charles quem deu a Peter o seu primeiro carrinho, que antes brincava somente com os que haviam na escola. Foi Charles que, sendo filho de professora, aprendeu a ler antes e a contar livros de historinhas para Peter. Era pensando em Charlie que Peter ia à escola todos os dias, e era para ele que rabiscava desenhos com frequência, buscando compensar tudo que o amigo lhe fazia. 

Em dias ensolarados, escapavam da última aula para ir brincar no campo atrás da escola. Corriam e rolavam pela grama, subiam nas árvores e, quando um súbito desejo por aventura os tomava, iam para dentro da floresta brincar de se esconder. Peter sempre encontrava os melhores esconderijos e Charlie parecia nunca se cansar de ficar na contagem, feliz ao ver o amigo orgulhoso pela vitória. 

Quando já era tardinha, caminhavam de mãos dadas pela rua do colégio até a de suas casas. Moravam muito próximos um do outro, de tal modo que Peter por tantas vezes acabava dormindo na casa de Charlie. Pela manhã, a senhora Morris, mãe do garoto, os dava bom dia e trazia café da manhã na cama. Ela, que havia parado de trabalhar logo após o pequeno Charles nascer, vinha desde então se dedicando a ser uma mãe coruja em tempo integral. Já o senhor Morris era dono de uma mercearia no centrinho da cidade, e fazia questão de levar Peter para casa quando ele ficava lá até de noite, dizendo que ele era o irmãozinho de Charlie. 

Entre as noites que Peter passou na casa de Charlie, dormindo lado a lado, um segredo foi confesso entre os dois. Por debaixo das roupas largas que Peter sempre usava, marcas arroxeadas se espalhavam por todo seu corpo. Não foram necessárias explicações. Charlie sempre questionara a aversão de Peter ao contato físico, quando isso vinha de qualquer um que não dele, e ali parecia estar a resposta. Os dois eram ainda muito jovens na época, 13 e 14, e Peter o fez prometer que não contaria a ninguém. Charlie foi ensinado a nunca quebrar suas promessas. 

As marcas não diminuíram com o tempo, e a cada vez que Charlie as via, a inquietação lhe tomava. Longos questionários foram feitos ao passar dos meses, sobre como, e por que e quando. Peter fazia questão de desviar de assunto em suas respostas, dizendo que não doía tanto e que não importava, mas não foram poucas as vezes que o viu chorando quando pensava estar sozinho. Tornava-se claro, para Charlie, que nada fosse feito, Peter nunca se recuperaria dos abusos. 

Certa vez, quando Charlie e o pai se despediam de Peter à frente de sua casa, viram um senhor abrir a porta para recebê-lo. Era o pai de Peter, mas nenhum dos dois havia o visto antes. Na verdade, por tantas vezes Morris questionou ao jovem Peter se ninguém precisaria ser avisado quando passasse a noite fora – a resposta não era mais do que um inocente “Ele não liga”. Ele não liga, repetiu consigo mesmo, lembrando das palavras do garoto. Quando tentou se aproximar para falar com o homem, ele puxou o filho pela gola da camiseta e bateu a porta. Após chamar algumas vezes, insistindo para que a abrisse, Morris desistiu e foi embora. Pouco depois, Charles foi questionado sobre a estranheza do ocorrido. O pequeno, que não sabia mentir e não mais poderia ficar parado, falou do segredo que os dois garotos guardavam. Estava certo de que aquela traição significaria o fim de sua amizade. 

Poucos dias se passaram até que o pai de Peter fosse acusado de abuso contra o infante e então efetivamente preso. Charles, contudo, não descobriria ainda o quão severo fora o tratamento que Peter sofrera. A cidade com pouco mais de mil moradores não tinha nenhum orfanato ou assistência social, argumento que se mostrou suficiente persuasivo para que os Morris ganhassem o direito de adotar Peter. Para a surpresa de Charlie, o garoto não estava zangado. Ele estava, na verdade, estranhamente satisfeito. Charlie nunca questionou como ele se sentia, já que Peter nunca deu indicação de querer falar, e para ele bastava que nunca mais repousassem marcas roxas sobre o corpo do amigo. 

Os anos seguintes passaram rápido para os dois. Rápido demais, dizia Charlie, que só olhou para trás quando já estavam no colegial. As brincadeiras foram substituídas por conversas sobre os livros e músicas que gostavam, mas a amizade, no fundo, permanecia a mesma: ainda caminhavam de mãos dadas até a casa, e Peter ainda lhe dava desenhos, agora não mais rabiscados, sempre que tinha oportunidade. Charlie lhe devolvia violetas, aquelas coletadas no campo em que brincavam quando pequenos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigado por ler. Por favor, fique à vontade realizar críticas construtivas.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Violeta" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.