São Francisco

As duas desceram do táxi rapidamente e Kate pagou pela viagem, já que Lian não mostrou nenhuma iniciativa de fazer aquilo. A jovem Wayne olhou ao redor quando o automóvel se distanciou, finalmente dando um bom vislumbre no bairro periférico em que se encontravam. Algumas crianças brincavam de bola no meio da rua, rindo e gritando umas com as outras, algumas outras poucas pessoas olhavam pelas janelas de seus prédios de tijolos vermelhos e antigos, observando as duas forasteiras. Kat voltou seus olhos para a Harper e começou a segui-la quando a mesma foi se dirigindo por um beco sujo e malcheiroso.

— Não é o que você está acostumada, não é mesmo Wayne? — A arqueira debochou com um sorriso de canto, elas pararam em frente a uma porta de um prédio preso entre outros dois. — Nada comparado com a alta classe de Gotham.

— Será que você pode parar?! — Revirou os olhos com os comentários desnecessários. — Vamos fazer o que viemos fazer e assim poderemos encerrar esse dia juntas.

— Como quiser. — Lian esmurrou a porta sem dó e resmungos foram ouvidos do outro lado, antes de uma senhora forte e em pijamas rosa choque vir atendê-las.

— Ah Lian, pensei que você fosse me deixar em paz por mais alguns dias, que azar. — A mulher deu as costas a elas e entrou numa portinha que dava acesso a um pequeno escritório com cheiro de cigarro. — O Afonso está lá em cima, suba logo e não faça confusão com os vizinhos igual da última vez.

A outra tomou a dianteira escadas acima e Kate a acompanhou.

— Pelo visto você é bem conhecida por aqui. — Comentou olhando para os números que apareciam nas portas, a medida que elas iam subindo.

— Meu namorado mora aqui, o que esperava? Que eu entrasse pela janela?

Kat suspirou e resolveu não puxar mais assunto, talvez as duas não tivessem nascido para se darem bem, uma infelicidade para Karoline que ainda torcia que um dia as duas fossem se resolver. Ambas continuaram a subir lances de escadas até chegarem no número 64, Lian tirou uma chave do bolso e abriu a porta, dando passagem para Kate que entrou no recinto. Era pequeno, mas bem arrumado e decorado, ao contrário do que imaginava devido ao resto do prédio.

— Afonso! Cheguei e trouxe uma visita indesejada! — Ela gritou e indicou o sofá de couro preto, ela se sentou e a Harper foi até a geladeira cheia de ímãs. — Quer alguma coisa? Pelo menos não vai poder dizer que deixei você morrer de sede. 

— Não, obrigada. — A porta que provavelmente dava acesso a um quarto foi aberta e de lá surgiu o suposto namorado da oriental. Ele beijou Lian e seguiu para cumprimentar a Wayne que apertou sua mão.

— Você deve ser a Kate, certo? — Ela confirmou com um aceno de cabeça. — Prazer em te conhecer, a Lian falou muito de você, mas não precisa se preocupar que eu não acreditei em muito do que ela disse.

Kat virou-se para a arqueira que deu de ombros, pegou uma cerveja e sentou-se em um banco na ilha da cozinha.

— A Wayne queria te fazer umas perguntas sobre seu pai e os negócios dele, eu disse que você não gosta de tocar no assunto, mas ela insistiu tanto que eu cedi para ela largar do meu pé.

— O que a Lian quis dizer é que, eu estou em uma investigação muito importante e preciso da sua ajuda.

— Eu não quis dizer isso nada. — A Harper rebateu e tomou mais um gole da garrafa.

Afonso riu e sentou-se na poltrona.

— Eu realmente não gosto de me envolver com as coisas do meu pai ou qualquer coisa relacionada a ele, mas se isso vai te ajudar não vejo muitos problemas, contanto que eu não me envolva diretamente com isso. — Ele explicou.

— Eu só preciso fazer algumas perguntas que talvez você possa me responder.

Ele acenou com a cabeça dando-lhe a deixa para prosseguir.

— Bem, eu preciso que você me fale o que sabe sobre o tráfico e a rede do seu pai nas ilhas da América Central, o que vem acontecendo, se houve algo de estranho ou incomum nos últimos tempos.

— Eu não tenho muito contato com ele, mas alguns amigos meus de infância ainda andam no mal caminho e me contam algumas coisas sobre uma tal contrato que rolou há alguns meses atrás.

— Contrato? Que tipo de contrato? Para qual finalidade?

— Um outro grupo, ou organização, não sei ao certo, queria acesso a um tipo de minério específico que está enterrado em algumas ilhas, esse contrato dá a eles o direito de ficar escavando por lá e serem acobertados pela gangue do meu pai. Acho que isso é tudo o que eu sei.

— Sério? Não sabe de mais nada? Nenhum detalhe que venha a sua mente? Isso é muito importante e se você pudesse…

— Ei! — Lian reclamou do seu lugar. — Ele disse que é tudo o que ele sabe Wayne.

— Calma Lian, está tudo bem. — Afonso disse se virando para a namorada e depois novamente para Kate. — Me lembro do meu amigo falar alguma coisa sobre encobrir os americanos e dele não gostar de babar ovo para a menina da A.R.G.U.S.

Kate parou um segundo para pensar. Então o Governo tinha algo haver com tudo aquilo? Estavam encobrindo uma ação ilegal com a ajuda de bandidos?

— Mas isso é realmente tudo o que eu sei, foi mal.

— Você ajudou mais do que possa imaginar.

~*~

Happy Harbor

— Tá legal, me desculpa pelo atraso, mas eu acabei ficando ocupada depois de um ensaio para uma revista. — Samantha se desculpou de antemão assim que chegou a sala de treinamento.

— Bom, você não é a última a se atrasar. — Nereus comentou e Sam percebeu a falta de Kat no grupo.

— A Kate ainda tá de cama? Pensei que ela já estava melhor, foi o que o Andy me disse.

— E isso foi o que a Diana me disse, mas aparentemente ela está super atrasada, o que é impossível da Kat fazer, ou algo realmente não está certo. — Andrew explicou e depois deu uma mordida no sanduíche gigante.

— Você realmente vai comer tudo isso? — Sam perguntou apontando para a comida nas mãos deles.

— O quê? Eu tenho metabolismo acelerado, preciso comer muita coisa.

— Só estava perguntando. — A alada levantou as mãos em defesa.

— E então, iremos treinar ou não? — Nereus questionou prático.

— Oh, eu realmente queria ver aquele circuito com obstáculos que vocês me falaram.

— Eu acho que nós devíamos ao menos saber da nossa líder antes de tudo não? — Sam disse com uma sobrancelha erguida.

A porta se abriu após sua fala e todos olharam na mesma direção ansiosos para ver o rosto da Moça Maravilha.

— Vocês ainda não começaram? Eu apenas vim para saber se estava tudo bem. — Kara explicou indo na direção deles. — Que caras são essas? Estou com alguma coisa no dente?

— Não é nada, apenas estávamos esperando pela Kate. Sabe o que aconteceu com ela? — Jane perguntou, já começava a criar uma certa preocupação pela colega de equipe. E se algo tivesse acontecido?

— Eu pensei que ela já tivesse melhorado, perguntei para a Mulher Maravilha mais cedo e pelo que entendi ela não estava mais de cama. — Superwoman disse.

— Isso é a mesma coisa que ouvimos. — Andy comentou dando a última mordida em seu sanduíche que havia comido mais rápido do que qualquer pessoa podia considerar ser possível.

— Estranho, mas vocês já tentaram ligar para ela?

— Ela não atende. — O Allen respondeu mais uma vez.

— Então talvez devêssemos tentar localizá-la.

— Podemos fazer isso? — Jane indagou um pouco chocada com aquela solução.

— Se ela estiver com o comunicador dela sim.

— Então mais tempo a perder, vamos logo. — Samantha tomou a liderança saindo da sala de treinamento.

~*~

São Francisco

Kate respirou fundo inalando uma boa quantidade de ar, aquilo a ajudava a pensar e a colocar as ideias em ordem, tudo estava uma bagunça em sua mente e ela precisava se organizar para encontrar as respostas que necessitava, só assim resolveria aquele quebra-cabeça. Estava sentada no parapeito, no alto do prédio de tijolos vermelhos. Dava para ver o pôr do sol, em tons de amarelo e laranja, meio escondido pelas nuvens tingidas pelas cores solares.

Nesse turbilhão de pensamentos demorou para perceber o ar ficando mais forte ali no topo da construção. Só notou quando seu cabelo começou a voar loucamente, ela olhou para cima e uma escotilha se abriu de uma nave que agora ela percebeu estar camuflada. Assumiu uma posição defensiva por instinto, mas abaixou a guarda quando percebeu que era sua equipe. Jane voou até ela e pulou em seu pescoço lhe abraçando com força.

— Eu fiquei com medo que algo tivesse acontecido! — Ela explicou com um sorriso brotando nos lábios. — Onde estava? Está tudo bem?

— Eu que pergunto o que vocês estão fazendo aqui!

— Olha, você que sumiu do treinamento de hoje, então não nos culpe por vir atrás de você.

Kate levou a mão a cabeça surpresa consigo mesma.

— O treinamento! Eu me esqueci… — Murmurou consigo mesma e se martirizando por ter sido tão irresponsável e ter se deixado levar tão facilmente com toda a investigação que deixou o resto de lado.

— Tá bom, você já pode começar a explicar o que está acontecendo? O que ocorreu com a minha amiga que sempre chega primeiro que todo mundo em todos os compromissos? — Andy demandou saber um pouco preocupado.

Ela suspirou e passou a mão pelo cabelo pensando em como explicar todas as teorias e questionamentos que rondavam sua cabeça. Mas enfim começou a explicar tudo, sua investigação sobre Savage, suas suposições, a nova descoberta sobre a A.R.G.U.S e tudo o que havia conseguido descobrir até agora. No fim todos os quatro se entreolharam sem saber muito bem como dirigir tanta informação.

— Tá, então quer dizer que você vem fazendo isso tudo escondido de nós? — Sam foi a primeira a recuperar a fala.

— O que? Não, eu não estou escondendo nada de vocês! — Rebateu o que ela disse rapidamente, pois de forma alguma era o que ela estava fazendo ou queria fazer.

— Mas é o que está parecendo Kat. — Andy confirmou com um aceno triste.

— Essa nunca foi a minha intenção, eu apenas… eu…

Não soube que argumento usar para rebater aquilo e se sentiu sem falas, algo incomum para ela. Deu as costas a eles e sentou-se no parapeito mais uma vez, agora mais contemplativa do que antes.

— Talvez eu não esteja tão pronta como pensava para estar em uma equipe e liderar ela, eu achava que conseguiria me adaptar facilmente, porém… — Sentiu um nó formar em sua garganta e parou de falar.

Uma mão se fechou em seu ombro, ela olhou para Nereus.

— Estar nessa equipe é novo para todos nós. É ainda mais estranho para mim, um príncipe atlante vivendo aqui na superfície e tendo que lidar com tanta coisa estranha e diferente, mas eu estou tentando. Assim como sei que todos estamos tentando fazer isso tudo dar certo, fazer essa equipe dar certo.

— Estamos longe de sermos perfeitos, ainda vai ter problemas pela frente Kat, mas a gente dá um jeito, é só o grupo ficar unido que tudo vai dar certo. — Samantha sorriu e acenou positivamente para ela.

— Você nos convenceu a nós unirmos e agora precisamos de você, então não saía por aí resolvendo todos os problemas por si só, confie na Young Justice e em nós.

— Isso aí, nós ficamos junto a partir de agora! — Jane sorriu e a abraçou mais uma vez, fazendo Kate sorrir também.

~*~

Gotham

Celeste ainda tinha uma pulga atrás da orelha em relação a tudo aquilo, seu sexto sentido dizia para ela ter cuidado e a vilã estava atenta a tudo a sua volta à medida que subia os poucos degraus para entrar no jatinho que se encontrava estacionado em um pequeno aeroporto particular nos arredores de Gotham City.

Notou rapidamente as armas nos coldres dos homens dentro do avião e ela passou a mão levemente pela cintura, certificando que seu chicote estava ali, assim como algumas outras coisas úteis caso as coisas saíssem do controle. Era incomum ser chamada daquela forma e ela não sabia exatamente nada do porquê de estar ali, mas o um milhão depositado em sua conta apenas para aparecer ali no dia e na hora marcada foi o suficiente para chamar sua atenção, já que aquilo era apenas um aperitivo, de acordo com as poucas informações que recebeu previamente.

Levaram ela até um compartimento luxuoso e mais caro do que muitas coberturas de Gotham. Sentou-se na poltrona que a indicaram, de frente para uma garota que ela não conhecia, mas aparentemente era a chefe por ali. Uma garrafa de vinho escuro repousava em sua mão erguida e seus olhos cortantes observaram Celeste assim que ela entrou no recinto.

— Você deve ser Celeste Kyle.

— Sim, sou sim. — Confirmou.

— Dentre todas as pessoas que eu pesquisei você foi a que mais chamou minha atenção e a que mais se enquadra na características que estou procurando. Esperta, calculista, sorrateira e o mais importante, uma líder. — A morena bebeu um gole de seu vinho devagar, assim a obrigando que esperasse que ela continuasse, Celeste não gostou disso mas se manteve paciente. — Tenho quase certeza que aceitará a minha proposta.

— E qual proposta seria essa? — Questionou um pouco sedenta para chegar no fim daquele mistério.

— Num mundo cheio de monstros, eu preciso dos piores. E procuro alguém como você para liderá-los.

— Então você precisa de mim?

— Não entenda errado senhorita Kyle, disse que você se enquadra nas características que procuro, não que é a única.

— E porque eu iria liderar tal equipe? Posso chamar assim?

— Chame como quiser, contanto que faça seu trabalho. Isso é, se você realmente irá aceitar, todavia como já tomou tanto do meu tempo imagino que sua resposta será sim.

— Não se apresse, ainda não falamos do mais importante.

— O pagamento é claro será bem generoso, não teremos problemas em relação a isso. — A outra mulher deu sua taça para uma atendente e descruzou as pernas em um movimento simétrico. — Agora, como disse, você já tomou muito de meu tempo e necessito de uma resposta. Você é a líder que eu preciso?

— A minha resposta é realmente sim, mas de que tipo de monstros estamos falando.

— Não se preocupe quanto a isso, você está indo encontrá-los agora.

— Você?

— Os verdadeiros líderes não se colocam na linha de frente, mantém-se nas sombras, maquinando atrás das cortinas. Não se preocupe, iremos resolver as pontas soltas durante o caminho. — Ela deu um sinal para um dos agentes armados que fechou a porta do avião e logo a máquina se preparou para planar.

Celeste semicerrou os olhos, analisando a garota a sua frente.

— Você ainda não me disse seu nome.

Ela voltou sua atenção para os papeis em seu colo antes de responder calmamente.

— Alexis, Alexis Waller.