para que se mantenha escrita por Astaroth


Capítulo 1
para que valha a pena


Notas iniciais do capítulo



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  Assinou mais um documento. O descanso da poltrona começava a incomodar suas costas, e a pilha ao seu lado não tinha muita perspectiva de diminuir. Reclinou-se, apoiando a cabeça nas mãos e colocando o pé em cima da mesa. Com os olhos fechados, respirou fundo.

A vida não costumava pegar leve com ele: aprendera desde cedo a cuidar de si e dos seus, mesmo que as chances não fossem favoráveis. Conseguira realizar seu mais antigo sonho e gostava de pensar que, desde então, tinha feito o possível para manter o estado pacífico que se assentara sobre o mundo.

Deveria estar feliz, não?

Conseguia ouvir algumas crianças brincando ao pé do prédio em que trabalhava. Sorriu ao lembrar-se dos tempos em que era ele, ali embaixo, o garoto que brincava de acertar pedras em alvos de feno, fingindo ser kunais; que olhava para o Monumento e sentia latente no peito o desejo de ter seu rosto cravado, de ser reconhecido, de fazer a diferença.

Merda, o que tinha acontecido?

Um estalo súbito o retirou de seus devaneios. Um clone que havia designado para uma reunião desmaterializara-se, trazendo toda a carga de informações e decisões tomadas durante o encontro. Mais trabalho. Mais documentos. Mais assinaturas. Soltou um palavrão. Girou a poltrona e olhou para a grande janela atrás de si. O sol estava escondido, tímido, atrás de leves nuvens — em outros tempos, diria que era uma manhã agradável.

As vozes das crianças deram lugar a vozes femininas. Um puxão de orelha seguido por um choro agudo, de quem ainda tinha tanta imaginação e muito fôlego para continuar brincando. Riu consigo. Não tivera essa experiência na época, mas o sinal era claro.

A sombra de seu próprio corpo começou a tomar mais espaço na mesa à medida que o sol descia. Embora quisesse, não poderia dar-se o luxo de sentir a ventania vinda do fim da tarde: com certeza iria bagunçar a papelada. Mais documentos. Mais decisões. Mais clones retornando e ainda mais sendo enviados. Algumas pessoas entravam na sala, mas não permaneceriam por muito tempo. Recebiam uma afirmativa ou negação e se retiravam tão rápido quanto apareciam.

Raspava os resquícios de rámen que ainda havia na tigela até que uma voz amiga reverberou:

— Naruto? — O cabelo espetado estava preso no costumeiro rabo de cavalo. O olhar entediado, uma barbicha. Cordão balançando em cima do peito liso e um livro debaixo do braço. — Você fez o que pedi?

— Ah...

Puta merda. O que era mesmo? Solicitação para enviar o time nove para a aldeia da areia? Analisar o relatório dos gennis? Não, não... O que era?!

Ouviu Shikamaru rir.

— Devia ver a tua cara, é impagável. Espero que continue sempre caindo nessa porque, acredite, nunca perde a graça. —  Naruto respirou fundo, como alguém que afrouxa um nó dado muito forte em seus sapatos. — Acho que podemos encerrar por hoje.

Quê?

Olhou para a pilha ao lado. Não estava tão grande quanto antes, mas, agora que tinha lembrado, o relatório dos gennis devia estar em algum lugar. Pra quando era mesmo?

— Ouviu o que eu disse? — continuou Shikamaru — Tá bom por hoje.

Demorou algum tempo para processar.

— Obrigado — respondeu, distante —, mas ainda tenho algumas coisas pra terminar antes de fechar o prédio... — Olhou para uma estante ao canto. Será que tinha colocado em alguma das pastas?

— Eu adio.

— Quê?

— Você é muito cabeça dura às vezes. — Shikamaru se aproximou. Afastou alguns papeis e sentou em cima da mesa. Suspirou. — Sabe, Naruto... tem coisa aí que nem é pra hoje. Ou pra essa semana.

— Sabe que não posso deixar acumular.

— Você é o Hokage, merda. Ninguém vai te cobrar pra terminar tudo com...

Eu vou me cobrar — interrompeu.

— A custo de quê?

Naruto olhou para Shikamaru e ouviu seu pescoço fazer um som estranho. Fez uma careta.

— A aldeia vai continuar aqui, Naruto. Ele... ele eu já não sei.

Sentiu seu coração pular. As pernas tremeram um pouco, e a boca ficou mais seca do que já estava.

— Não... não o ouvi chegando. Os sensores...

— Foi de surpresa. Sendo quem é, dificilmente os sensores o capitariam, você sabe disso.

Naruto não respondeu.

Shikamaru pôs ambas as mãos nos ombros do velho amigo.

— Eu adio.

Sorriu.

—  Você é o melhor. Do mundo, sabia disso?

—  Sei, sei... — respondeu, envolto em um abraço agradecido.  —  Vai logo, vai.

Nem precisara perguntar onde estava. Correu escadas a cima, mas parou na porta que dava acesso ao terraço. Arrumou o cabelo. Contou até 3.

Estava sentado no parapeito, de costas para Naruto. O cabelo tão negro quanto sua capa caía por cima dos ombros. Naruto deu um passo. Depois outro. Depois outro. Um de cada vez.

Sentou-se ao seu lado, em um silêncio aconchegante. O vento balançava o manto, deixando a bainha da espada visível, bagunçando as madeixas e revelando o olho púrpura, tão observador de um céu laranja.

— Está fazendo um bom trabalho — iniciou Sasuke, em seu tempo, sem olhar para ele.

— Faço o que posso.

Mais silêncio. O céu começava a escurecer. Andorinhas mergulhavam, perfurando as nuvens.

— Eu não estava esperando você. Não hoje — continuou.

A resposta não chegou rápido.

— Fracassei. Achei que estava seguindo a pista certa, mas acabou que era um beco sem saída. Vou recomeçar amanhã, mas achei que seria bom...

Naruto descansou a cabeça nos ombros do outro mas se arrependeu logo depois devido à repentina dor nas costas. Endireitou-se.

Sasuke riu.

— Tá meio enferrujado.

— Cala a boca.

Mais silêncio.

— Sabe... você sentou do lado errado — disse Sasuke, os olhos fixos no céu.

Naruto demorou um pouco para entender, mas logo percebeu. Tinha sentado do lado esquerdo: justo aquele cujo braço Sasuke havia perdido em sua batalha anos atrás. Ficou um tanto envergonhado e logo mudou-se, sentando à direita.

— Sabe que a gente podia ter dado um jeito nisso, né?

— Sei — respondeu, pela primeira vez virando o rosto e se afogando nos olhos de Naruto. — Mas eu não preciso disso.

Sasuke repousou a mão em sua bochecha e o aproximou para um beijo simples, mas terno.

Naquele instante, Naruto chamou todos os clones de volta. De supetão, todas as informações, as reclamações e as responsabilidades invadiram sua mente. A enxurrada poderia até ter atrapalhado o momento se não tivesse empurrado tudo para o canto mais distante de sua mente.

Não era a hora.

Não havia outro lugar em que devesse estar agora.

Retirou sua capa de Hokage e foi envolto pelo braço de Sasuke.


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