Ainda Estou Aqui escrita por Moonkiss


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus anjos! Tudo bem com vocês? Bom, essa história tem estado no meu coração faz algum tempo, então resolvi compartilhá-la com vocês. Espero que gostem, foi escrita com carinho. Desde já agradeço aos favoritos e aos comentários!
Enfim, boa leitura! ❤



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/772861/chapter/1

Ainda Estou Aqui – Capítulo Único

Escrito por @Moonkiss

• • •

                                                        

Era uma agonia ouvir apenas sua respiração descompassada no quarto. Via-se de repente revistada por algum oficial da lei, e possivelmente guardasse um ou outro objeto ilegal. Há dias que pretendia verificar aquilo, mas a falta de tempo e de coragem interrompeu seus planos. As vozes azucrinantes ainda ecoavam em sua mente e não fazia ideia alguma de como pará-las. Engoliu seco. Às vezes sentia vontade de estraçalhar aquele espelho grande, que poderia ser considerado um de seus piores inimigos. Por fim Sakura expeliu todo ar contido nos pulmões e permitiu que a mão, fria e trêmula — tanto pelo banho gelado de minutos atrás quanto pelo medo —, soltasse a toalha branca.

Uma mulher fantasmagórica então apareceu diante de si. Grunhiu ao observar cada estria, cada celulite que ganhara na região das coxas ao longo de sua gravidez. Não que a pequena Sarada fosse um estorvo, no entanto, aquelas marcas a incomodavam, embora estivesse cuidando delas através de tratamentos caseiros bem eficazes. Além disso, também havia a magreza, consequência da fome insaciável de sua filha, por mais que Sakura houvesse tentado regularizar os horários para amamentar. Em seu íntimo não se preocupava tanto com a aparência, afinal, orgulhava-se da oportunidade de ser mãe. O problema mesmo era o que seu marido achava.

Fazia tempos que não tinha um momento a sós com Sasuke. Obviamente a faculdade de Medicina estava desgastando-a; as aulas integrais e os trabalhos eram em parte responsáveis por sua indisponibilidade. Porém, ele não conversava mais, não lhe beijava ou tocava mais com aquela intensidade, não lhe tratava como antes. Suas tentativas de criar um diálogo quando estavam desocupados não valiam de nada. Ocasionalmente conseguia algo, e nos raros instantes em que surgia uma pontada de esperança eram somente breves conversas sobre o emprego cansativo. Sasuke era um bom pai, apesar de tudo. Sakura podia contar com sua ajuda quanto aos cuidados com o bebê de sete meses, entretanto, sentia falta de seu papel como esposo.

Odiava-se por ponderar tais hipóteses, todavia não era capaz de negar que a ideia de um adultério passava pela sua mente frequentemente. Talvez Ino estivesse certa: e se Sasuke cometeu um ato adúltero? E se essa possível traição ocorreu devido ao estado atual de seu corpo? Ou até mesmo por sua ausência constante? Sabia bem que deveria manter uma opinião própria e a confiança em seu cônjuge, mas Sakura encontrava-se à beira de um desespero. Haviam batalhado demais para ficarem um ao lado do outro, logo não imaginava uma atitude infiel vinda dele. Seria então apenas um simples desinteresse?

Ciente de que suas pálpebras já se enchiam d’água, contou rapidamente quantas estrias ainda precisavam ser removidas a fim de acabar de uma vez com aquela tortura. Por sorte os sulcos avermelhados do ventre tinham sumido, contudo, os das pernas permaneciam, mesmo que estivessem quase invisíveis. Nos fins de semana livres, quando Sarada cochilava à tarde, praticava alguns exercícios em casa para eliminar as celulites e tornear os músculos. Funcionavam até, no entanto, algo sempre a interrompia. Três, quatro... quatro estrias em cada coxa. Sakura respirou profundamente e abriu um meio sorriso, tentando deduzir que faltava pouco para as marcas desaparecerem, e começou a hidratar a pele com o óleo de amêndoas em cima da cômoda na intenção de firmar a elasticidade da epiderme. Em seguida vestiu suas roupas estendidas na cama, agora um tanto largas por ter emagrecido.

Subitamente, depois de pôr a calça branca, escutou o choro de Sarada, tão suave quanto o miado de um gato. Correu ao quarto da filha enquanto fechava o zíper, surpreendida por ela ter acordado cedo. Assim que chegou ao berço deparou-se com os olhinhos mais adoráveis e alegres que já vira; como se não tivesse chorado há poucos segundos, Sarada sorria e movia de maneira desajeitada as perninhas, feliz somente pela presença da mãe. Era seu jeito único de desejar um bom dia e chamar atenção. Ainda que surgisse uma repentina preocupação por presumir que o bebê estava em apuros, Sakura amava aquele gesto. Conteve um suspiro.

— Bom dia pra você também. — cumprimentou sorridente, conferindo se a fralda continuava limpa. Limpa, graças a Deus.

Pegando-a no colo com cuidado, Sakura esfregou delicadamente a ponta de seus narizes uma na outra, algo que causou uma risada na criança. Ela possuía o mesmo sorriso esperto, o mesmo olhar penetrante e os mesmos cabelos negros e lisos do pai. Enxergava nela uma versão feminina de Sasuke, de vez em quando visualizava a probabilidade de o futuro andar de Sarada ser semelhante ao dele. A seriedade também, quem sabe?

Lembrou-se então de que ele tinha saído há uma hora para trabalhar e não se despediu da filha, embora esta estivesse dormindo. Quanto à Sakura, deu um “Tchau” rápido e partiu. Antes era mais cordial, muito mais. Comprimiu os lábios, acariciando a bochecha alva e macia de Sarada.

— Ele também te ama, tá? — beijou levemente sua fronte — Eu sei que ama...

Seu único desejo era estar bonita para o marido, porém, duvidava que fosse voltar a reparar nela. Repentinamente uma luz surgiu em seus pensamentos: e se aprontasse uma surpresa marcante para ele? Em controvérsia as chances de Sasuke não se importar eram altas. De qualquer modo não custava tentar. Mas o que poderia organizar? Decidiu pedir ajuda a uma amiga confiável e experiente no assunto, e Hinata era a pessoa perfeita para tal.

— Não, não vou te dar “mamá” agora. — disse firmemente no instante em que Sarada tentou retirar seu sutiã. Desviou a mãozinha de seu seio direito — Vou fazer seu purê de maçã.

Indignada, a criança crispou o cenho e mostrou a língua para ela num gesto infantil. Sakura praguejava contra Naruto por ter ensinado aquela mania. Para repreendê-la, ergueu o indicador e o balançou em sinal negativo, o que fez a menina obedecer — apesar de prosseguir com a expressão carrancuda. Sarada já estava crescida o suficiente para se alimentar de frutas, legumes, carnes e cereais, logo havia resolvido amamentá-la apenas antes de dormir.

Com a decisão de ligar mais tarde para Hinata, caminhou até a cômoda para pegar uma gaze e uma garrafa de soro fisiológico a fim de limpar a secreção lacrimal do bebê. Um breve sorriso criou-se em Sakura, crente de que os velhos tempos provavelmente retornariam.

Depois de cozinhar o purê de maçã para Sarada, colocar finalmente uma blusa e varrer a casa, Sakura se sentou à mesa de jantar ao lado da cadeira de refeição onde o bebê estava. Apanhou o celular do bolso da calça e digitou o número da amiga de infância. Sentiu um nó rondando o estômago pela ansiedade enquanto encostava o aparelho na orelha e monitorava a filha terminando de comer sem sua ajuda. Achava graça do jeito desarranjado que ela segurava a colher de plástico. Pus o babador justamente para não sujar a camisa e ela conseguiu fazer isso. Ao terceiro toque, Hinata atendeu com sua costumeira delicadeza:

— Alô?

— Oi, Hinata, bom dia. Está tudo bem? — saudou, tentando aparentar a maior calma possível. Pôde escutar o ruído de seu sorriso.

— Bom dia, Sakura! Está sim, e com você? Como vai a Sarada?

— Tudo sim. — olhou de relance para o neném, que se alimentava enquanto prestava atenção na mãe — Ela vai bem, está aqui comendo. E o Boruto?

— Ah, mais bagunceiro do que nunca. Naruto e eu estamos quase enlouquecendo com esse menino.

— Ha, ha, o bom é que tem saúde. Cadê esse idiota, por falar nele?

— Dormindo ainda com o filho dele, não está ouvindo os roncos?

— Não!

— Espera um pouco então.

Hinata se levantou e andou em direção ao seu quarto. O marido estava jogado sobre o colchão ao passo que tinha aninhado em sua costela esquerda o pequeno Boruto, envolto no mais profundo sono. Fitando-o dormir daquela maneira tão angelical, encolhido e chupando o próprio polegar, nem parecia o garotinho travesso que havia aprontado a noite inteira.

De repente Sakura escutou grunhidos chocantes e assombrosos, típicos de monstros de desenhos animados. Ela reprimiu uma gargalhada ao reconhecer que Naruto mantinha os mesmos hábitos. Recordou-se dos cochilos que seu melhor amigo tirava durante as aulas na época em que eram simples colegiais e quase sempre aquelas sonecas vinham acompanhadas de sermões por parte dos professores no final das contas.

— Uau, parece um porco. — ambas continuaram rindo, até que se acalmaram — Por que ele não foi trabalhar? Está de folga?

— Na verdade, Naruto recebeu férias essa semana. Boruto acordou no meio da noite e ele resolveu cuidar do assunto, mas os dois fizeram tanta farra por aqui que não consegui dormir direito. Não aguento mais. — Sakura refreou mais um riso — Mas enfim, e o Sasuke? Vai bem?

— É sobre ele que quero conversar. Você está ocupada agora?

— Não, acabei de pôr umas roupas na máquina de lavar. Pode falar, Sakura. Aconteceu algo?

Uma parte de seu fardo se esvaeceu ao desabafar com a amiga. E chorou. Chorou quando revelou que há meses que Sasuke quase não a olhava nos olhos. Chorou quando contou o quão se sentiu humilhada ao encontrar Ino Yamanaka no mercado, que comentou de modo malicioso sobre seu corpo pós-gravidez e sugeriu que o esposo pudesse se desencantar e buscar “novos ares”. Em seu normal a atacaria utilizando as mesmas armas, entretanto, Ino estava mais bela do que nunca e acompanhada do namorado Sai. A reação de Sakura se resumiu somente ao silêncio. Até passou por sua mente uma lembrança da adolescência, onde a rival também era apaixonada por Sasuke e foi rejeitada por ele, porém, estava tão fragilizada que sequer conseguiu proferir algo além de uma despedida. De qualquer maneira conversar com Hinata lhe ajudou bastante.

— Ora, Sakura, eu te entendo. Mas não se preocupe, tenho certeza de que o caso é outro. Sasuke não te trairia. Você já tentou conversar com ele sobre isso? — falou em um tom acalentador, se recostando no sofá da sala. Sakura enxugou as próprias lágrimas com o dorso da mão.

— Não, ele nem sequer me dá uma oportunidade...

— Hmm... ah, caso nenhum dos dois tenha compromisso hoje à noite, que tal preparar um jantar à luz de velas com tudo o que ele mais gosta? Então você aproveita o momento para desabafar. E amanhã é domingo, imagino que seja a folga dele, assim vocês não iriam se preocupar com o horário de sono.

— Hinata, essa é uma ideia perfeita! — exclamou ao traçar um sorriso. No entanto, se desfez ao olhar a filha de esguelha — Mas o que faço com a Sarada? Mesmo que eu a ponha para dormir, em algum momento ela pode acordar.

— Eu ficaria com ela, mas combinamos de visitar o meu pai e a Hanabi hoje e só voltamos na segunda-feira. Não nos vemos há tempos.

— Sem problemas. — vendo que o bebê já havia comido, foi apanhar a tigela e a colher para pôr em cima da pia da cozinha — Vou ver com a Tenten se ela pode cuidar da Sarada.

— OK então. Segue esse plano e seja sincera com o Sasuke. Ah, e mantenha a calma acima de tudo!

— Pode deixar, Hina. E muito, muito obrigada mesmo pelo conselho.

— Estou aqui para ajudar. E mais uma coisa: para de escutar a Ino. Sabe bem que ela sempre quis te prejudicar. — explicou Hinata, pregueando a testa. Sakura abriu um sorriso torto enquanto pegava na geladeira o copo d’água infantil de Sarada.

— Ha, ha, já aprendi a lição. Vou indo, preciso cuidar dessa coisinha e da casa, sem contar que pretendo ir ao mercado para comprar os ingredientes do jantar. Manda um abraço para esses dois preguiçosos.

— Está bem, um abraço para o Sasuke e para a Sarada também. Beijos, fiquem com Deus. E que tudo dê certo entre vocês!

— Agradeço novamente. Vocês também, beijos!

Ao finalizar a ligação, Sakura pôs o celular onde tinha guardado anteriormente e entregou por fim o copo de plástico para a filha, que o pegou pelas alças. Observando Sarada beber água, sorriu quando sua imaginação viajou para longe. Prometeu a si mesma que aquele jantar seria inesquecível e que o resultado seria o melhor. Ansiosa, foi buscar seu porta-moedas e o carrinho de bebê para irem ao mercado. Um fio de esperança a iluminou.

 

[...]

Parecia que o espelho havia dado uma trégua. Continuou admirando-se por mais alguns segundos até que a sensação de ter sido teletransportada a um mundo mágico se dissipasse. Há meses que Sakura não se vestia daquela forma, e adorou o jeito como ficara tão linda e tão sedutora naquele vestido justo vermelho, mesmo estando mais magra. Seus quadris consideravelmente largos — uma das únicas partes de seu corpo que achava atraente — lhe atribuíam um desenho curvilíneo, deu graças aos céus pelos treinos diários fazerem efeito. Abobalhada, buscou em seu armário a necessaire de maquiagem para finalizar o visual.

Sabia que Sasuke preferia seu rosto limpo, então optou somente por um batom escarlate, um rímel e uma base líquida para omitir as olheiras. Quando terminou deu uma última olhada no espelho. Estava realmente deslumbrante. Sakura admirou-se com o coque bagunçado que fizera nos cabelos curtos e róseos e, além do par de brincos dourados que ganhara do marido no primeiro aniversário de namoro, gostou também de como lhe caiu bem aquele colar folheado a ouro e em estilo ponto de luz. Franziu os lábios ao reparar que as unhas não haviam sido feitas, mas provavelmente Sasuke não se importaria com esse detalhe. Até uma roupa íntima tinha comprado ao voltar para casa depois de ter deixado Sarada sob os cuidados de Tenten. Ao vestir a lingerie em tom de vinho, achou que não lhe concedia a sensualidade que transmitia, contudo, era necessário arriscar. Enfim borrifou de modo delicado em seu pescoço o perfume de aroma floral, e em seguida o guardou junto com a necessaire no armário.

Assim que desceu as escadas e se direcionou à cozinha, desligou o fogo que cozinhava os tomates ao constatar que estavam macios o suficiente. O relógio de parede marcava por volta das oito horas da noite. Já havia preparado os omusubis* com okaka* antes de banhar-se, logo o que faltava apenas era pôr a mesa. Ficou despreocupada no que diz respeito à sobremesa, posto que ele detestava doces. Sorriu quando idealizou um Sasuke surpreendido, principalmente por conta da decoração romântica.

Com a lembrança de última hora, não tinha mais tempo para comprar um dos elementos primordiais do jantar: as velas. Zangada consigo mesma, Sakura teve a súbita ideia de colocar os pisca-piscas usados durante o Natal dentro de uma garrafa vazia transparente, que repousou no centro da mesa de jantar após decorá-la com pequenos corações de papel e um fitilho vermelho. Pensou inclusive em comprar rosas a fim de decorar alguns lugares com suas pétalas, todavia não quis correr o risco de ser atendida por Ino, visto que a família Yamanaka é dona da floricultura mais próxima do bairro. A sorte que tinha um vinho da melhor qualidade guardado para uma ocasião especial. Para iluminar um pouco mais o ambiente, prendeu o restante dos pisca-piscas atrás das cortinas das janelas. E no final das contas estava bonito demais.

No instante em que Sakura arrumou os pares de hashis ao lado dos pratos, sentiu a frequência cardíaca acelerar ao escutar o tilintar das chaves. Ele chegou! Como uma criança que aguarda a chegada de seu pai, ela ajeitou o vestido e correu ansiosamente para destrancar a porta antes dele. E conseguiu. Respirou e expirou quando começou a rodar a maçaneta. Deparou-se então com a figura recorrente de Sasuke: o olhar vago e cansado, o fôlego consternado e a nuvem negra do mau humor pairando sobre sua cabeça. Nervosa, Sakura mordiscou a bochecha interna e deu um passo para trás no intuito de permitir a passagem do marido.

— Oi, Sasuke. — cumprimentou quase num murmúrio. Ele, depois de dar-lhe um simples selinho e entrar, respondeu no mesmo tom:

— Tudo bem, querida?

— Tudo sim. — fechou a porta e a trancou novamente, observando Sasuke deixar as chaves de casa em cima da mesa de centro e a mochila no sofá — Como foi seu dia?

— Normal como sem... — pausou ao perceber os pisca-piscas já ligados atrás das cortinas — O que vem a ser isso?

— B-Bem, é que... eu queria te fazer uma surpresa.

Naquele exato segundo, Sakura desligou a luz da sala, e o local de repente foi tomado por um clima atrativo. O esposo a acompanhava através da visão enquanto ela se dirigia à garrafa que reaproveitou como luminária e acendia os pisca-piscas emaranhados dentro do recipiente. Sasuke então passou a analisá-la; há algum tempo que não a via com aquele vestido, e a achava tão sensual quando o colocava. Gostava também do jeito que a pele branca da esposa contrastava com a cor vermelha. Riu um pouco ao reparar nos sapatos pretos de salto alto, afinal, era somente um jantar caseiro. No entanto, ela estava belíssima. Talvez um tanto fora de seu feitio. Apesar de não entender bem o porquê, aquela variação o agradou. Uau. Ele retirou o próprio blazer azul petróleo.

— E por quê? Que eu saiba o nosso aniversário de casamento é daqui a três meses.

— Só quis fazer algo diferente, entende? — falou Sakura, acanhada, pondo uma mecha de cabelo atrás da orelha — Não gostou?

— Gostei sim. — Sasuke abriu um sorriso discreto e apanhou a mochila, jogando-a nas costas — Bom, posso tomar um banho rápido antes de jantarmos?

— É claro, amor!

Sorridente, ela teve a famosa sensação de haver borboletas rondando seu estômago. O sorriso dele alegrou-a, tanto que sentia também um calor aquecendo-lhe o coração. Aquele pingo de esperança aumentou ao ponto de querer agarrá-lo ali e debochar de Ino por ele ainda estar interessado em si mesma. Sobretudo no momento em que o marido aproximou-se e selou sua testa com um beijo. Na escadaria, Sasuke parou e se virou para Sakura, arqueando uma sobrancelha.

— A propósito, cadê o furacãozinho?

— Ela está com a Tenten. Vamos ficar a sós hoje. — informou, rindo devido ao apelido que ele deu à filha. Sasuke assentiu, continuando a subir as escadas.

Sakura, plenamente radiante, o seguiu com o olhar até ele desaparecer no corredor do segundo andar. Sentiu as bochechas corarem ao pensar se Sasuke havia apreciado seu visual, dado que o bichinho da insegurança resolvera picá-la. Mas ainda precisava tratar de assuntos sérios. Aquilo não era o bastante. Suspirosa, puxou uma cadeira para aguardá-lo. Seu coração retornou ao mesmo dilema.

[...]

— Acho que esse é o melhor omusubi com okaka que você já fez. — comentou Sasuke enquanto limpava discretamente os cantos na boca com o guardanapo. A mulher abriu um sorriso quase que forçado.

— Que bom que gostou.

Com o punho escorado sobre o queixo, Sakura observava o semblante satisfeito do marido. Devia confessar que não via Sasuke tão agradado com sua comida há tempos. No entanto, a questão da postura desprendida dele ainda a incomodava. Apesar de não a tratar com ignorância, o silêncio pairou sobre ambos durante o jantar inteiro. Ela até cogitou a ideia de iniciar um assunto, porém, o olhar do esposo voltou ao habitual desde que terminou o banho, como se alguém ou algo tivesse operado uma lavagem cerebral nele.  Por que Sasuke estava tão esquisito, afinal? Mesmo desapontada, Sakura se espreguiçou um pouco e apoiou os cotovelos na mesa, pronta para tentar mais uma vez. Havia prometido a si mesma que daquela noite não passaria. Teria seu Sasuke Uchiha novamente.

— Sasuke?

— Sim? — atendeu, amassando o pedaço de papel e o deixando em cima do prato já vazio. Sakura, com o coração afoito ao ponto de ouvi-lo bater, engoliu seco e indagou timidamente:

— Gostou mesmo de tudo que fiz para você?

— Sim, Sakura. Eu gostei da decoração e do jantar. — ele apanhou a garrafa de vinho dentro do balde de gelo no chão — Por que essa insegurança?

— Bom... eu na verdade preparei tudo isso porque quero conversar com você. E é coisa séria. — balbuciou, lhe estendendo o saca-rolha que estava em cima da mesa. Sasuke pegou o objeto e o usou para abrir o recipiente.

— Estou te ouvindo.

As cordas vocais de Sakura subitamente falharam. Sentiu-se em meio à deriva do mar, não sabia qual rumo sua vida e a de Sasuke tomariam a partir daquela conversa. Antes esperançosa, elaborou mil e uma teorias sobre o que ele estaria omitindo de si. As mãos suavam frio conforme tentava formular uma indagação, dado que em sua mente a imagem de uma gigante sopa de letrinhas havia sido visualizada. Após anos, a sensação de ser uma criatura fraca e desprezível retornou; aquela tristeza que lhe atordoava durante a infância por causa do bullying que sofria por parte dos colegas de escola bateu fortemente. Já no Ensino Médio, moldou uma personalidade autoconfiante e jurou a si mesma que jamais permitiria que alguém a humilhasse outra vez. Contudo, agora Sakura encontra-se em um estado deplorável. Tudo porque tinha medo da resposta. Tinha medo de perder o seu grande amor, o homem com quem sempre quis viver ao lado. Quase chorosa, perguntou num timbre baixo:

— Você não me ama mais?

Outrora ocupado em despejar o vinho em cada taça, Sasuke ficou imóvel. Quando a observou, insegura e frágil, algo em seu interior lhe ocasionou um sentimento inexplicável, como se fosse obrigado a ativar sua autodefesa. Não que Sakura estivesse sendo impertinente ou tola, mas como ela ousou em articular aquela pergunta? Reconhecia que há alguns meses se afastara um pouco dela, todavia existia um motivo. Mesmo assim não era o suficiente voltar todos os dias para casa, prezar pela segurança dela e de Sarada, nunca retirar a própria aliança de casamento enquanto estivesse em um ambiente fora do lar? Inevitavelmente a olhou com rigor, pondo a rolha na garrafa para fechá-la.

— Você já sabe muito bem a resposta. Só não entendo a razão para fazer uma pergunta tão inconsistente.

— Você está diferente... — disse, fitando sem propósito a bebida no interior da taça. Ele bebericou um gole e pigarreou devido ao calor que descia a garganta. Arqueou a sobrancelha, incrédulo.

— Como assim, Sakura? Eu amo você. E se não fosse por isso não teria casado contigo, não?

— Mas não parece.

Desta vez os dois se encararam. O tom rígido que Sakura usou para proferir a frase espantou Sasuke. Ela não é indelicada — às vezes um tanto temperamental —, e em controvérsia o olhar dela também irradiava aspereza, tal qual uma arma carregada. Acontece que inexplicavelmente sua desolação se tornou em raiva. Talvez porque o olhar duro e a primeira resposta insensível do marido a machucaram. Não sabia distinguir ao certo o que sentia, e com ele ocorria o mesmo. Como se estivessem presentes na Guerra Fria, um representando os Estados Unidos da América e o outro a extinta União Soviética, o casal continuou analisando quaisquer reações que poderiam manifestar. Contendo um suspiro e estreitando os olhos, Sasuke se desencostou da cadeira para enfrentá-la. Sua voz estava em um volume comum, porém, transmitia pouca paciência:

— O que está acontecendo com você?

— Eu é que pergunto: o que está acontecendo com você? — ralhou ela, repetindo o gesto. Ele revirou os globos oculares e deu uma risada sarcástica.

— Comigo? É você que está duvidando dos meus sentimentos, e ainda acha que o problema é comigo?

— Sim, é com você! — Sakura vociferou de repente — E não me enrole!

— Se controla, Sakura... — respondeu entre dentes, desviando a visão dela por alguns segundos. Estava tentando manter o equilíbrio, até que a esposa apontou o indicador para ele e gritou:

— Não desvie do assunto e me responda!

— Não vou responder nada se continuar agindo dessa forma.

— Para de esconder algo de mim! Me fala a verdade!

— Acalme-se primeiro — Sasuke levantou-se de súbito, agora retribuindo o mesmo tom gritante —, caso contrário, eu vou subir!

Como se tivesse recebido um sedativo injetável, Sakura imediatamente paralisou. Percebeu então os punhos tão cerrados que suas unhas fizeram marcas profundas na pele. O maxilar relaxou e a circulação sanguínea gradativamente parou de borbulhar em suas veias. O grito de Sasuke havia despertado-a. O que foi que eu fiz?! E um de seus maiores receios se concretizou: protagonizar uma briga com ele. Seu peito doía ao vê-lo frívolo, sabia que tinha se exaltado. Por mais que estivesse magoada, culpou-se pelo ocorrido, e provavelmente agora seria mais complexo de resolver a situação. Uma, duas, três lágrimas rolaram até tornar-se uma torrente.

Sasuke compartilhava do mesmo sentimento. Sentiu-se um demônio sem coração ao fitá-la chorando, apesar de ela ter exagerado. Mas também notou o quanto errara em dar aquela resposta seca à esposa, logo liberou que os olhos cedessem ao arrependimento. É claro que o estresse cotidiano contribuía para uma ação insensata de sua parte, no entanto, isto não poderia justificar a falta de sensibilidade para com Sakura. Quanta estupidez minha... Embora não houvesse dito de modo flexível, realmente a amava. E foi por esta razão que, com a consciência pesada, caminhou até a mulher e agachou-se diante dela. Ela escondia o próprio choro com as mãos. Sasuke abriu um meio sorriso ao lembrar que adorava aquelas mãos, delicadas como as de uma boneca. Ele destampou o rosto de Sakura e beijou o dorso de sua mão esquerda, algo que a deixou ligeiramente pasmada.

— Por que isso? — questionou, enxugando uma gota d’água que descia com o polegar — Por que você acha que eu estou diferente?

— Não somos mais amigos. Não somos tão amantes quanto antes. Eu te sinto tão longe de mim... sinto falta das nossas conversas. Dos passeios, das declarações... dos beijos que eram dados como se fossem o primeiro. Das suas carícias. De quando trocávamos olhares que diziam o quanto nos amávamos. De como éramos apaixonados. Você há uns meses tem se afastado de mim e eu nem sei por quê. — ela fungou e secou a própria face — Tem algo de errado comigo? Eu te magoei ou coisa parecida?

Em partes Sakura se sentia mais aliviada em revelar sua decepção a Sasuke. Mesmo que a atitude dele de ir consolá-la tenha sido gentil, ainda podia escutar a voz da desconfiança retumbando todos os cantos de seu cérebro. Achou aquilo bem estúpido, mas imaginou o quão estaria horrorosa com seus olhos já em carne viva e a maquiagem borrada por conta do pranto. O estômago repentinamente começou a remexer de tão exasperada.

O jovem homem, por sua vez, teve a sensação de presenciar a explosão de uma bomba atômica. Se antes estava pesaroso, agora mais ainda. Muito mais. A última coisa que desejava no mundo era ferir sua amada, e ironicamente acabou cravando um punhal no coração dela. Não foi proposital. Sasuke, ao longo daqueles meses, passava por tensos acontecimentos no ambiente de trabalho. Os problemas o afetaram tanto que sua saúde psicológica estava entrando em decadência. Ponderou inclusive a ideia de conversar com ela, que sempre foi sua melhor amiga, entretanto, Sakura lhe parecia tão ocupada, tão desnorteada. Quando estava em casa cuidava de Sarada, dos afazeres domésticos, às vezes malhava e estudava bastante devido às matérias complexas da faculdade. Sentiu-se um pouco desprezado assim como ela, mas seu dever era tratar do assunto através de um diálogo com a esposa, apesar do cotidiano atarefado de ambos. Culposo por ter prejudicado o próprio casamento, Sasuke afagou vagarosamente os cabelos de Sakura e esclareceu:

— Você nunca me fez nada. O problema não é contigo, meu amor. Eu só... — ele reprimiu um suspiro, evitando contato visual pela vergonha — me desculpe por tudo, de verdade. Nunca tive a intenção de te magoar. Tenho algo para te contar, e já deveria ter feito isso há um tempo...

— O que aconteceu, Sasuke?

Ao passo que ela se recompunha e o observava de um jeito sobressaltado, Sasuke direcionou-se a sua cadeira e a pôs em frente à Sakura, em seguida sentou. Encurvado, ele entrelaçou os dedos das mãos e tentou encontrar uma maneira mais fácil para lhe contar tudo. Após alguns segundos, e nesse meio-tempo os dois prestavam atenção um no outro, Sasuke umedeceu os lábios e declarou:

— Fui demitido na quarta-feira. Há uns seis meses que a situação lá na editora está decadente... então o Kakashi decidiu ter uma conversa conosco e aí aconteceu. Eu, o Naruto, o Shikamaru, a Karin, todos foram mandados embora.

— Meu Deus... — ela ficou boquiaberta e esbugalhou sutilmente os olhos — mas o senhor Hatake já entrou com o processo de falência?!

— Sim, inclusive já fez o levantamento dos valores dos débitos. Mas o dinheiro em caixa não é o bastante para ele quitar as dívidas conosco, com os fornecedores, com o governo e etc. Nós estávamos tentando consertar as coisas, porém... — desabafou, estalando a língua enquanto se recordava de seu esforço para manter a empresa de pé junto com os colegas de trabalho.

Sasuke trabalhava há anos como editor-chefe da revista Sekai, especializada em economia, política e negócios. O sentimento de culpa o invadiu outra vez ao pensar no cargo que lhe pertencia, pois era o responsável pelo conteúdo da obra impressa — embora seguisse as orientações do diretor Kakashi Hatake. Sempre fora bem sucedido no que fazia, e agora não conseguia lidar com o fracasso. Contudo, a pior parte era ter que arcar com as consequências dentro de casa; como sustentaria a própria família até que arranjasse um emprego tão bom quanto o anterior? E ainda mais relevando o fato de que pagava a faculdade de Sakura enquanto ela não estivesse trabalhando? Além dos materiais necessários para estudo, a mensalidade de um curso de Medicina é cara demais. Ele, desgostoso, bufou. Sua mente parecia um barril de pólvora prestes a explodir.

Sakura estava atônita. Sabia o quão grande era a dedicação do marido para com a empresa e a preocupação dele em cuidar da família. Apesar de não ter compreendido tanto a história, decidiu não perguntar mais sobre o assunto quando reparou no olhar deprimido dele. Raramente Sasuke ficava triste. Também se preocupou com seus amigos, em especial Naruto, que logo raciocinou que ele não havia contado à Hinata por causa da conversa que ambas tiveram pela manhã. De algum modo se sentiu a pior parceira do mundo. Seu papel como melhor amiga fora ultrajado a partir do momento em que passou a culpar Sasuke pela decaída da relação, mais ainda a duvidar sobre a fidelidade dele. Encabulada, deu um abraço apertado e caloroso no esposo, que retribuiu.

— Ah, Sasuke... eu sinto muito. — ela se desvencilhou e segurou o rosto dele calmamente — Sei o quanto você se dedicava pela editora. Mas por que não me contou antes?

— Estava tão nervoso que não sabia como te contar. Não queria que você parasse a faculdade, acumulasse dívidas, enfim... sei que se tornar médica é o seu sonho. E também temos a Sarada. — mais descontente, ele dizia quase em um sussurro — Além disso, não quis te contar sobre o transtorno de ansiedade que desenvolvi com tudo aquilo para não te preocupar... eu me sinto um estúpido. E posso ser sincero com você?

— É claro...

— Eu também te sentia longe de mim. Achei que estava mais focada no futuro da sua vida profissional do que no nosso casamento. Você sempre foi uma boa mãe, mas sinto sua falta como amiga e esposa... e então fiquei muito feliz quando cheguei, quando vi que você tinha preparado todo o jantar para nós dois... e também quando vi você assim, tão linda e tão carinhosa. — Sasuke sorriu tristemente, acariciando a bochecha dela — Me desculpa por tudo, Sakura.

Numa mistura de felicidade e de vexame, Sakura repetiu os gestos dele. Seu sorriso foi dominado por um contentamento tão vasto que o contagiou. O detalhe mais engraçado daquela confusão era um paradoxo; ela o apontava como o réu do caso, todavia não enxergava os próprios crimes que cometera. Ambos eram culpados pelo declínio do relacionamento. De mais a mais, perceberam também que a falta de diálogo ocasionou tudo aquilo. A jovem mulher encheu-se de alívio ao concluir que poderia continuar ao lado de Sasuke, que o problema não era tão grave. Que suas indagações eram somente fruto da maldade de Ino. Arrependida, Sakura conduziu o queixo dele para si e lhe deu um beijo curto e afetuoso.

— Me desculpa por tudo também. Principalmente por ter desconfiado de você.

— Como assim?

— Com toda aquela distância achei que você estivesse me traindo ou que não me amasse mais. Eu tive tanto medo porque depois que a Sarada nasceu meu corpo ficou tão feio... não que eu esteja sendo fútil, mas... sei lá, você poderia ter ficado desinteressado. Também não consegui encontrar tempo para quase nada por cuidar dela e estudar para a faculdade. E quando conseguia você me parecia frio. Se eu tivesse conversado com você as coi... — ele a calou com o indicador:

— Shh, eu também errei por não ter sido franco contigo desde o início. Fique calma. Sobre as supostas traições, eu jamais faria algo do tipo. Você é e sempre será a única mulher que me satisfaz, independente da sua aparência. E também não tem como não te amar. Foi você que me salvou, que foi minha única amizade quando o mundo inteiro parecia desabar. E esse seu jeitinho cativante... — riu, roçando suavemente a ponta de seus narizes uma na outra — eu te adoro muito, Sakura, muito mesmo. Não preciso de mais ninguém com você ao meu lado.

— Eu também te adoro muito, Sasuke, e também não preciso de mais ninguém com você ao meu lado. Obrigada. Agora, me conta sobre essa ansiedade. — proferiu com severidade, se distanciando um pouco dele. Sasuke coçou a nuca e expeliu um suspiro, desconfortável.

— Há um mês que fui ao hospital para ver o que estava acontecendo comigo e acabei sendo encaminhado ao psicólogo. Tive uma crise na época, estava na empresa e senti muita falta de ar. Sem contar nas noites mal dormidas e em outros sintomas...

A preocupação de Sakura naquele instante se agravou mais. Mesmo perante as dificuldades que enfrentou ao longo da vida, sobretudo a morte de seus pais e de seu irmão mais velho Itachi, o marido nunca desenvolveu algum distúrbio psicológico ou condição semelhante. Aliás, se recordou de que tinha estudado sobre psicologia em um dos períodos do curso, e com isso decidiu que apoiaria Sasuke. Ela inflou os pulmões de ar e o liberou.

— Você está tomando remédio?

— Sim.

— Me desculpa mais uma vez por ter gritado com você. Imagino que deve ter te deixado bastante tenso. — Sakura afastou a franja dele — Bom, então vou me informar mais sobre isso para te ajudar. OK?

— OK. E obrigada por entender, meu amor.

— É o meu dever. Só mais uma coisa: se você foi demitido essa semana, por que continua saindo?

— Estou procurando emprego desde quinta-feira. Não posso ficar parado. — ele massageou a têmpora direita e endureceu um pouco a voz — Inclusive chamei o idiota do Naruto para ir comigo hoje, mas ele não apareceu.

— Ah, sim. Naruto deve ter perdido a hora. Falando nele, avisa para ele contar logo à Hinata sobre o trabalho. Conversei com ela hoje e tinha dito que ele estava “de férias”.

— E quando você acha que não existe alguém mais imbecil do que si mesmo, o Naruto se supera... — ambos riram por alguns segundos — pode deixar que eu vou conversar com ele.

— Está bem. Enfim, eu sei que a situação é difícil, mas tenta manter a calma. Se você não conseguir algo em breve, tranco minha matrícula na faculdade e volto a trabalhar. Agora fica mais fácil para você cuidar da Sarada, ela está praticamente desmamada. E o jeito é economizar. Mas vai dar tudo certo. Combinado? — propôs, tornando a mexer na franja dele que lhe cobria o rosto outra vez de tão lisa. Ele sorriu ao vê-la se atentando em olhá-lo nos olhos.

— Combinado. Fiquei de receber algumas ligações por causa das entrevistas que fiz, mas se não acontecer fazemos o que você falou. Vou tentar me acalmar.

Sorridente, Sakura novamente o abraçou. Quando Sasuke correspondeu ao carinho, este sentiu que recuperara tudo que lhe era mais precioso, como o retorno de um planeta que havia sido dizimado. Prometeu a si mesmo que diariamente faria com que a esposa se apaixonasse cada vez mais por ele e jamais permitiria que os problemas voltassem a afetá-los. E ela tinha o mesmo pensamento. Estar dentro dos braços dele, sentir seu calor e as batidas de seu coração, ouvir sua respiração tão próxima era reconfortante. Quase se esquecera de como era gostoso o cheiro dele; um peculiar aroma amadeirado que impregnava desde sempre.

— Sakura? — chamou, desprendendo-se um pouco a fim de fitá-la. Sakura devolveu o olhar repleto de ternura.

— Hm?

— Quer fazer as pazes comigo?

— Sim!

Tal qual estivessem dando o seu primeiro beijo, os dois foram guiados pelo encanto do momento e tocaram seus lábios um no outro. Sasuke sentiu saudades de realmente apreciar o doce sabor de Sakura, da maneira que ela extraía uma boa parte de sua sanidade. Fascinado, ele invadiu lentamente a boca dela com a língua. Seu sangue fervia como a lava e em fração de segundos abastecia o coração, que se assemelhava a um vulcão prestes a entrar em erupção. De algum jeito aquilo o fazia constatar que estava vivo. A mulher, também embalada por sensações extasiantes, envolveu os braços no pescoço dele. Foi a brecha para que Sasuke segurasse a pequena cintura e a puxasse de forma cuidadosa para seu colo. Ambos sentiam ondas de choque eletrizarem os poros de suas peles, principalmente conforme ele apertava as coxas de Sakura. Por um súbito tempo o homem deduziu que seria melhor aproveitar mais dela depois, caso contrário, a louça suja e a mesa prosseguiriam intactas. Mesmo a contragosto, Sasuke finalizou o beijo com sutileza e em seguida jogou a cabeça levemente para trás. Ah...

— Vai comer mais?

— Não, eu perdi a fome. — Sakura respondeu, talvez com um punhado de malícia a julgar pela expressão cínica. De cenho erguido, ele sorriu.

— Então eu retiro a mesa e lavo a louça. É justo.

Segundo o consentimento dela, o esposo a retirou do próprio colo cautelosamente e começou a recolher os utensílios em cima da mesa. Abobalhada com o ato prestativo dele e o beijo que foi capaz de levá-la às estrelas, ela resolveu subir para desabotoar e guardar os sapatos — que inclusive a incomodou em alguns momentos devido ao salto alto. Até considerou a ideia de beber o vinho ali esquecido na taça, mas não teve vontade.

Quando chegou ao quarto fez o que pretendia e logo após enviou uma mensagem para Tenten perguntando sobre o comportamento da filha. Sarada era uma boa menina: dormia a noite inteira, se distraia com qualquer coisa, comia de tudo que lhe era permitido e chorava apenas em casos necessários. Não era preciso se preocupar tanto, mas por via das dúvidas não custava saber. A amiga respondeu depois de cinco minutos com uma foto, e assim que a baixou derreteu-se como a típica mãe coruja. O bebê assistia desenhos animados enquanto tomava a mamadeira, provavelmente de vitamina de morango. Sakura, rindo do modo como Sarada estava entretida, digitou um agradecimento e explicou que o resultado do jantar foi positivo. Ainda risonha, bloqueou a tela do celular, o largou na cômoda ao lado da cama e andou até o banheiro.

Grata ao universo pelo rímel não ter borrado, apanhou a escova e a pasta dental dentro da espelheira no intuito de escovar os dentes. No instante em que terminou, viu o reflexo de Sasuke encostado no batente da porta. Ambos se observavam através do espelho ao passo que ela tirava os brincos e o cordão. Embora fosse diferente de antes, o rosto dele estava enigmático. Para Sakura foi incompreensível, pois ele demonstrava tanta afeição há momentos atrás. Lembrou-se então do beijo que trocaram. Por um triz não deixou que um sorriso bobo escapasse. Sentir os toques dele novamente foi incrível, a sensação de ser uma garotinha aprendendo a namorar lhe arrebatou como nos velhos tempos.

— Tenten me mandou uma foto da Sarada. — mencionou, desfazendo o penteado — E sabe o que notei? Ela está a cara da sua mãe.

— Acho que ela é mais parecida com você. — rebateu, cruzando os braços. Ela fez uma careta e o olhou por cima do ombro.

— Não! Sarada é a cópia escarrada da família Uchiha!

— Só o cabelo e os olhos. As feições dela são iguais as suas.

— Mesmo?

— Sim. Ela é linda como você.

Sua circulação sanguínea fluiu com mais vigor na região das bochechas, gerando uma coloração avermelhada. Sasuke, apesar de não abandonar a postura séria, achou graça do embaraço dela. Imóvel, ficou admirando-a enquanto ela penteava os cabelos. Ainda não entendera o que Sakura quis dizer com “corpo feio” durante a conversa, se em todas as noites insones a desejava e se mantinha calado somente para que ela pudesse descansar. Tinha notado uma ou outra estria após o nascimento de Sarada, mas gostava delas. Gostava porque sempre que as olhava se recordava da gravidez da esposa. Da barriga crescendo gradativamente, dos desejos sem nexo, dos hormônios aflorados, do dilema que ocorrera sobre a escolha do nome do bebê. Aquelas lembranças o fizeram gargalhar baixinho. Desconfiada, Sakura deixou o pente em cima da pia próximo aos acessórios e o fitou pelo reflexo.

— O que foi?

— Nada. Eu só me lembrei de quando você ficou grávida. — os dois reprimiram uma risada. Depois de alguns segundos em silêncio, ele a chama — Amor?

— Fala.

— Eu te amo. — disse carinhosamente, mesmo que se incriminasse por não declarar aquilo há meses. Ela relutou, porém, virou-se para ele. Seus olhos brilhavam.

— Eu também te amo.

Já em chamas, Sasuke se aproximou dela e a beijou. Tudo que era referente a ela de repente soou muito mais encantador: seu perfume, o gosto do seu beijo, sua pele aveludada, seu charme. Como se estivesse sendo enfeitiçado pela beleza de Sakura, ele sem delongas segurou as pernas dela a fim de que as enlaçasse em sua cintura. Com o recado atendido, carregou-a até o quarto sem interceptar nada. Lá Sasuke a repousou na cama com cautela e a partir daí os dois retiraram cada peça de suas roupas até ficarem nus. 

Extasiados um com o outro, o casal uniu seus corpos durante uma boa parte daquela noite de verão. Obviamente não era a primeira vez que faziam aquilo, no entanto, sentiram como se fosse. Souberam então que, embora os obstáculos sugerissem o contrário, deveriam cuidar do amor que os conectava. Ambos tinham em mente que seria assim dali em diante.

• • •

 

Por alguns segundos reviveu mentalmente os momentos mágicos que compartilhou com o marido. Sonolenta, a luminosidade do Sol que se difundia no quarto através das cortinas da janela fez com que Sakura esfregasse as pálpebras. Apesar de se sentir um tanto incomodada com o calor já intenso, não foi o bastante para evitar que abrisse um sorriso. Especialmente ao perceber que trajava somente a lingerie que comprara no dia anterior, que, aliás, ele gostou. Corada com aquele pensamento, sentou, deslizou até a beirada do colchão e prosseguiu com as recordações da noite.

Sasuke estava tão cuidadoso, tão romântico — mesmo que do jeitinho dele, oscilando entre ser o príncipe e ser o ogro. Era como se tivesse destrancado em si o homem apaixonado que sempre foi. Ela ainda podia sentir suas carícias irradiando todas as camadas de pele que a cobria. Antes de dormir, Sakura reparara que as próprias unhas haviam feito marcas nas costas dele e estava louca para vê-las sob a luz do dia. A sensação de ter os lábios finos do esposo nos seus também lhe consumia. E o ponto mais instigante de tudo aquilo foi a voz de Sasuke ecoar em sua cabeça, dizendo num determinado momento que amava o corpo dela. Com o coração acolhido, calçou os chinelos e avistou a camisa preta dele jogada ao pé da cama.

Estranhou a ausência de Sasuke. Tinha notado que o lado dele estava vazio, entretanto, só agora parou para raciocinar. Não escutara nenhum som que denunciava sua presença. Fitando brevemente cada grão de poeira exposto ao feixe de raios solares, Sakura caminhou até o banheiro a fim de realizar a higiene bucal e tomar um banho.

Assim que fechara o chuveiro, ouviu passos no corredor. Ela rapidamente se enxugou e se enrolou na toalha branca, em seguida espionando atrás da porta para ver quem era. Quase não pôde acreditar naquela visão: Sasuke, aparentemente sigiloso, trazia consigo um belo buquê de rosas vermelhas e um obentô* de alumínio. Seu instinto de gargalhar e de pular de alegria foi restringido, já que não quis deixá-lo acanhado. Sorridente, saiu do cômodo e o seguiu.

Sasuke tinha entrado no quarto, e no segundo em que Sakura chegou estava observando a paisagem lá fora através da janela. Virou-se quando sentiu a aproximação dela. Um pouco tímido, mordiscou o próprio lábio inferior. Seu objetivo era fazer uma surpresa para a esposa, do mesmo modo que ela fizera em relação ao jantar, logo resolveu acordar mais cedo e comprar o buquê e a refeição matinal vinda do restaurante favorito dela. A culpa que carregava pelo afastamento nos últimos meses ainda não fora embora totalmente e desejava mostrar à Sakura o quão era querida e amada por ele.

— Achei que ainda estivesse dormindo... — falou, inibido — já tomou o café da manhã?

— Ainda não.

— Menos mal. Espero que goste.

Naquele momento em que Sasuke lhe entregou os presentes, cogitou a ideia de beliscar-se no intuito de descobrir se estava dentro de um sonho ou não. A ficha da realidade caiu quando tateou e sentiu o cheiro agradável das rosas e da comida, embora o obentô estivesse fechado. O peixe grelhado cheirava tão bem que seu estômago roncou. O barulho tinha sido alto o suficiente para provocar uma risada no casal. Com cada mão segurando o buquê e a marmita, Sakura sorriu enquanto o olhava nos olhos. Ele correspondeu ao gesto.

— Tanto as flores quanto a comida são cheirosas! — exclamou, rindo por conta do nervosismo. Sasuke escondeu as mãos nos bolsos da bermuda.

— Queria eu mesmo ter preparado a comida, mas você sabe que não sei cozinhar tão bem. Sobre as rosas, dizem que as vermelhas significam amor profundo, paixão eterna ou algo parecido. Não entendo muito sobre o assunto.

— São lindas, Sasuke. Eu amei. — elogiou, desviando o olhar meigo para elas. Subitamente um semblante assustado lhe tomou — Espera, onde você as comprou?

— Na floricultura dos Yamanakas... — murmurou com a testa franzida, sem entender o motivo do assombro dela. Sakura controlou um riso alto.

— Quem te atendeu?!

— A Ino. Por que a pergunta?

Com uma vontade quase invencível de rir, Sakura tentou imaginar a reação de Ino ao atender Sasuke. O que ela teria pensado quando este pediu que preparasse um buquê tão bonito? Não que ele fosse um troféu a ser exibido por puros caprichos seus, mas achou que seria hilário encontrar a dita cuja na rua acompanhada do esposo e da filha. De alguma forma se sentiu divertida ao ganhar aquela informação. Para quebrar o clima esquisito, Sakura desconversou e deixou os presentes em cima da cômoda a fim de pegar uma roupa no armário.

— N-Nada, por nada. Vamos buscar a Sarada assim que eu terminar de comer?

— Iria sugerir isso agora. — ele apanhou o buquê — Quer que eu ponha as flores dentro do vaso?

— Sim, por favor. E muito, muito obrigada pela surpresa.

Sorridente, dirigiu-se a ela e a abraçou por trás. Estava feliz com a áurea exultante que a esposa propagava, sabia que coisas simples a cativavam. Passou então a distribuir pequenos beijos em seu pescoço. Sakura se encolhia devido à timidez, contudo, adorava receber os carinhos do marido. Sasuke ofegou ao inalar a essência deliciosa de morango que tinha o sabonete líquido que ela costumava usar. Relembrou de repente da noite passada, onde obteve alguns arranhões dela na região das costas. Arderam um pouco quando a água gelada do chuveiro colidiu contra sua pele, mas era um prazer ser marcado pela mulher que amava. Antes que pudesse agarrá-la de vez ali, encostou a testa com a de Sakura e afagou o rosto dela.

— Você merece isso e muito mais. — deu-lhe um selinho prolongado — Vou fazer um chá verde para você também.

Ela assentiu, o acompanhando com o olhar até que saísse do quarto. Não conseguia conciliar tudo que estava acontecendo. Esperava que a consequência daquele jantar fosse positiva, todavia não lhe ocorreu a ideia de ser mais do que o esperado. Sakura sentia-se como uma estrela de tão iluminado que se encontrava seu estado de espírito. Com as portas do armário ainda abertas, decidiu procurar logo uma peça de roupa para vestir. Sorrir ao passo que escolhia um vestido leve foi inevitável.

“O amor”, Sakura refletia, “é tal qual uma flor: cresce e desabrocha através de simples ações, mas morre pela falta delas”.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

OBS.: *Omusubi (ou oniguiri) = bolinho de arroz envolto por folhas de nori, geralmente feito em formato oval ou triangular;
*Okaka = flocos de atum-bonito molhados com shouyu e secados novamente;
*Obentô = marmita tradicional japonesa.

E aí, pessoal, o que acharam? Críticas construtivas são bem-vindas! Espero que tenham captado verdadeiramente a mensagem que a fanfic transmite. Mais uma vez obrigada desde já pela atenção de todos e até a próxima! Beijos!! ❤



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ainda Estou Aqui" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.