O Homem que não era o Doutor escrita por Karina A de Souza


Capítulo 1
Perdido


Notas iniciais do capítulo

Quem acompanha minhas histórias de Doctor Who vai notar que essa tem algo de diferente, ela é mais obscura e não possui o estilo da série em muitos sentidos. Mesmo assim, decidi colocar a ideia no papel e levá-la adiante para não deixá-la "na gaveta".
Essa fanfic não é exatamente sobre o Doutor, e sim sobre o homem que ele não é.
A história tem apenas seis capítulos.



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Devia ser só mais um dia comum, mas eu devia ter percebido que algo ia acontecer... Algo ruim.

Cinco minutos antes tudo estava em paz na TARDIS. O Doutor lia uma HQ, sentado na sala de controle, e eu pesquisava vestidos para a festa de casamento dos meus pais. De repente... O caos chegou sem nem um mísero aviso primeiro.

—E-eu não e-entendo. -Gaguejei, confusa. -Doutor...

—Nós não temos tempo!-Se moveu pelos controles rapidamente, mal me deixando acompanhá-lo. -Há um ciborg atrás de mim, ele quer me matar...

—Então vamos... Destrui-lo.

—Isso não vai ser possível. Temos que nos esconder. Ele vai seguir meu rastro até o fim do Universo. A única maneira é me perder por aí.

—Eu não entendo...

—Existe um modo de esconder quem e o que eu sou. Mas isso ficará escondido até de mim. Enquanto durar, não saberei quem sou.

—Mas...

—Já fiz isso antes. Foi um desastre, mas é a única alternativa agora.

—Doutor...

—Eu não vou lembrar de você, Jessica. -Parou na minha frente. -Vou esquecer quem você é. Mas eu preciso que fique comigo. Temos que ficar juntos, não importa onde e como. O ciborg vai parar de me caçar se não receber meu sinal em um período curto de tempo, então eu posso... Voltar a ser eu.

—Como? O que eu preciso fazer?

—Vê isso?-Mostrou um relógio de bolso. -Tudo o que eu sou vai ficar aqui. Me faça abri-lo no momento certo, e serei eu mesmo de novo. Jessica, é importante que se lembre disso: eu vou me tornar outra pessoa. Não vou ser o Doutor. Serei... Sei lá, qualquer outra pessoa. Novo nome, novas memórias... Um humano que nunca viajou no espaço e tempo.

—Não parece um bom plano. Por favor, tem que ter outra opção...

—Eu sinto muito...

—Não quero fazer isso, Doutor.

—Jessica, eu preciso de você. -Segurou meus ombros. -Preciso que fique comigo. -Respirei fundo.

—Fale mais sobre o que vai acontecer.

—A TARDIS pode cuidar dela mesma. Vai ficar escondida, mas você sempre saberá onde ela está e terá acesso aos controles da nave. Eu sequer saberei o que ela é.

—Certo. Certo. Então... É isso?

—Mais ou menos. Não temos tempo. Eu queria explicar melhor...

—Acho que entendi um pouco.

—Ótimo. -Recuou. -É melhor começar o processo...

—Doutor... -O abracei, engolindo a vontade de chorar.

—Nós vamos ficar bem. Vai ficar tudo bem...

***

Minha cabeça estava doendo. A movi lentamente, olhando em volta enquanto tentava lembrar do que tinha acontecido.

O Doutor tinha ficado inconsciente depois de esquecer de si mesmo. A TARDIS, como se protestasse, se chacoalhou furiosamente, então caiu em algum lugar. Bati a cabeça durante a queda, desmaiando também.

O Doutor estava caído ao meu lado. Eu não queria continuar naquele plano... Mas jamais deixaria meu Doutor na mão.

Coloquei o relógio especial no bolso da calça dele e fiquei de pé, passando os braços por debaixo de seu corpo e o puxando para fora da TARDIS. O Doutor era magro, mas pesava bastante, foi difícil tirá-lo da nave.

Saímos num beco. O deitei no chão, cuidadosamente, então sentei ao seu lado. Minha cabeça ainda doía.

—Vamos ficar bem. -Sussurrei. -Nós vamos...

Então o mundo silenciou e apagou, e eu caí ao lado do Doutor, com medo do futuro.

***

Acordei como se tivessem gritado meu nome. Sentei depressa, o coração quase pulando pra fora do peito. Eu ainda estava no beco, mas havia anoitecido... E o Doutor não estava lá.

Fiquei de pé, olhando em volta.

—Doutor? Doutor?

Cobri a boca com a mão. O Doutor não lembrava de quem era, ele não responderia por esse nome... E sequer sabia quem era eu. Corri para fora do beco. Não conhecia aquele lugar. As pessoas na rua eram todas estranhas, e nenhuma sequer parecia com o Doutor.

Peguei um jornal caído no chão. Estava em Nova Iorque. Ano 2018. País diferente, ano diferente. E eu tinha perdido o Doutor.

Voltei para a TARDIS lentamente, sem saber o que fazer.

—Ele se foi. Eu o perdi. Sinto muito, mas eu o perdi. -Meus olhos se encheram de lágrimas. -Ele está em algum lugar lá fora. Mas Nova Iorque é imensa... E... Ele não sabe quem eu sou, não sabe quem ele é...

Caí de joelhos no chão, ao lado da HQ agora esquecida. Alias: Névoa Púrpura. O Doutor tinha insistido em comprar quando passamos pela loja, todo animado e sorridente depois de um dia bom.

—O que eu faço?-Perguntei em voz alta. -O que eu faço, TARDIS?

Se ela sabia a resposta não disse, e talvez nem pudesse.

Eu tinha perdido o Doutor... E agora estava sozinha.

***

Em algum momento acabei adormecendo no chão da TARDIS. Quando acordei, por alguns minutos, fiquei deitada encarando o teto, sem lembrar de nada do que tinha acontecido, então todas as lembranças vieram como uma tsunami, me arrastando para a realidade.

Eu estava com problemas, muitos problemas.

Não tinha nenhum plano. O Doutor teria, ele sempre tinha um, sendo capaz de formar planos em segundos. Ele era esperto, eu era apenas... Eu, uma garota humana e comum que foi encontrada no caminho. Alguém que foi convencida a conhecer o tempo e espaço ao lado do último Senhor do Tempo.

—Essa cidade é enorme. -Sentei na cadeira do capitão. -Como vou encontrá-lo? Sair por aí andando? É, não parece uma ideia maravilhosa, mas... É a única que tenho no momento.

Uma luz piscou na tela. Me aproximei, tentando entender do se tratava. O Doutor tinha falado sobre isso... Ah, claro. O ciborg. Era a leitura do ciborg. Enquanto aquela luz tivesse ali, não era seguro abrir o relógio de bolso. Se bem que agora nem fazia sentido me preocupar com isso... Com o Doutor perdido por aí.

—Ótimo. Um ciborg assassino, um Senhor do Tempo perdido e sem memória... E uma humana inútil. Parece o começo de uma piada bem ruim. Você bem que podia me ajudar, não é, TARDIS? Espera... -Olhei em volta. -Ativar interface de voz!

Nada aconteceu. Suspirei, chateada. Talvez só se ativasse com a voz do Doutor.

—Interface de voz ativa. -Me virei, pega de surpresa.

—Você quase me matou de susto! Olá, Doutor.

—Eu não sou o Doutor. Sou uma interface de voz.

—É, eu sei disso. -Sentei de novo. A cópia exata do Doutor se manteve de pé, uma expressão indecifrável no rosto. Era tão estranho... -Tudo bem. Eu estou numa péssima situação e preciso de ajuda. O Doutor sumiu, e não sabe quem ele é. -Sem resposta. -O Doutor está perdido.

—Então o encontre.

—Eu não sei como. Nova Iorque é imensa. Ele pode estar em qualquer lugar.

—O encontre.

—Como? Como eu faço isso?

—Use sua cabeça.

—Nossa, obrigada. Valeu. Pode se desativar...

—Você tem a TARDIS, não está sozinha. Use seu cérebro, encontre o Doutor.

—Como...?

—Ele a encontraria, independente do tempo necessário. O Doutor nunca desiste. Não desista dele.

—Você tem razão. Ele salvou minha vida tantas vezes... Não posso desistir dele. É minha vez de salvá-lo. -Fiquei de pé, me sentindo mais confiante. -Vou encontrar o Doutor!

***

Nos primeiros dias, eu tinha medo de me perder. Mas, como mágica, sempre encontrava o caminho de volta para a TARDIS. Ela sempre estava lá, no fim da minha busca diária, quente e acolhedora. Era uma sensação ótima ter pra onde voltar, onde descansar e chorar um pouco pra desabafar.

O frio chegou de repente na cidade, enchendo o chão de neve e me obrigando a procurar casacos no guarda roupa. Me perguntava se o Doutor estava bem e aquecido, em algum lugar.

Todos os dias, independente das minhas pernas reclamarem e me punirem com cãibras, eu saía pelas ruas com meu celular, perguntando para as pessoas se elas tinham visto o homem que estava comigo na foto, e procurando o rosto do Doutor pela multidão. Comecei a pensar em espalhar cartazes de “Desaparecido”, mas a ideia parecia meio maluca. O Doutor tinha sumido, mas o homem que ele achava ser agora, não.

Dia após dia, o sinal do ciborg continuava lá, piscando irritantemente. Ele não desistia, não ia embora. A presença daquela pequena luz vermelha me deixava nervosa. “Nos deixe em paz!”, mandava, como se ele pudesse me ouvir. “Você não vai machucar o Doutor!”. Mas a luz continuava lá.

Na segunda semana, toda aquela confiança desapareceu. Quando vi, estava sentada num banco, chorando como se fosse uma condenada no corredor da morte. Eu estava entrando em desespero, mais uma vez.

—Dia difícil?-Uma garota perguntou, sentada ao meu lado. Limpei o rosto com a mão e olhei pra ela. Pequena, magra, traços asiáticos, cabelos escuros e... Hematomas?

—Você está machucada.

—Ah, isso?-Fungou. -Nada demais. Já tive piores. Sou Lynn.

—Jessica. Alguém te bateu?-Olhou pra longe, limpando o nariz com a as costas da mão.

—Não é a primeira vez.

—Devia ir na polícia. -Riu.

—Como se eles fossem dar bola pra uma viciada que é presa dia sim, dia não. -Cruzei os braços, tremendo com o vento frio. A garota usava apenas uma blusa fina, mas não parecia ligar.

—Foi... Foi seu namorado?

—Não. Foi um doido aí. Conheci numa festa. Bem que disseram.

—Disseram o que?-Olhou pra mim.

—Que ele é maluco, perigoso. Mas eu gosto de pessoas assim.

—Por que ele te bateu?

—Não quis dormir com ele. Normalmente chuto caras que não tem certas coisas pra me oferecer. -Me perguntei se ela estava falando de drogas. -Aí eu despertei a fúria dele.

—Devia mesmo ir na polícia.

—Nah. Não ia fazer diferença. E já faz um bom tempo que eu perdi minha “moral”. -Riu de novo. -Mas e aí? Você tava chorando pra caramba. Seu namorado te chutou?

—Não. Eu... Estou procurando alguém... Um amigo, e não consigo achá-lo.

—Que merda, ein. -Tirei o celular do bolso e procurei pela minha foto com o Doutor: estávamos no jardim da minha casa, alegres e sorridentes... Sem saber dos problemas que viriam. -Bizarro.

—O que?

—Por que você tem uma foto de Zebediah?

—Quem?-Apontou para o celular.

—Esse aí. Zebediah. É o cara que me bateu.

—O que? Não... Impossível...

—É ele, tenho certeza. Tá com um visual diferente, mas é aquele maníaco. Eu tava chapada, mas não vou esquecer a cara dele.

—Ah, meu Deus. -Cobri a boca com mão, sem saber o que fazer.

—Você o conhece?

—É ele quem estou procurando... Mas...

—Ele é um maníaco.

—Não, ele... Ele perdeu a memória. Não sabe quem é... Deve estar confuso e...

—Confuso? Confuso e agredindo pessoas, só se for. Eu o vi quebrar o nariz de um cara que só esbarrou nele. Sério.

—Onde você o viu? Onde... Onde ele está? Você sabe?

—Purple Club. É uma boate. Em cima há um hotel, ele mora na cobertura. Seu amigo sempre foi bem de vida?

—Eu diria que sim. Onde essa... Purple Club fica?

—Fica na... Espera. Você não tá pensando em ir lá, está?

—Eu tenho que achar meu amigo. Ele precisa de ajuda.

—Ele precisa é de um psiquiatra e uma cela na prisão. E você não pode ir naquela boate.

—Por que não?

—Por que garotas como você são comidas vivas lá. Aquele lugar não é pra você. Existem dois tipos de pessoas na Purple. Caçadores e presas. Qual grupo você acha que está? Zebediah é um dos caçadores. E você... Ah, garota, você definitivamente é uma presa.

—Eu preciso achá-lo. -Fiquei de pé. -Não posso abandoná-lo. Ele não desistiria de mim. Vou fazer o que for preciso para encontrá-lo e fazê-lo lembrar quem é.

—Okay. -Se inclinou para trás no banco. -Boa sorte, colega. Você vai precisar.


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Notas finais do capítulo

O motivo do Doutor se esconder do ciborg, pelo menos nesse momento, não é relevante.
A série Jessica Jones, onde David Tennant faz o vilão, me inspirou, em parte, a ter a ideia dessa fanfic. A HQ citada (Alias) é sobre a personagem Jessica Jones, onde, se não estou enganada, tem a primeira aparição do vilão Homem Púrpura (interpretado pelo David na série, numa versão diferente).
Pelo que Lynn disse, o Doutor assumiu uma identidade totalmente diferente da que possui. Como será o primeiro encontro de Zebediah e Jessica, se ela encontrá-lo? Veremos no próximo domingo.
Até mais e lembrem-se: não estamos lidando com a série, e sim com uma fanfic.
Nos vemos.



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