Sombra e Penumbra escrita por Seok


Capítulo 1
O que você quer ser quando crescer, Noah?


Notas iniciais do capítulo

Dedico esta história para os dois únicos amores que tive em toda minha vida: Guilherme, que me ensinou o que é estar apaixonado, e João, que marcou minha vida mesmo enquanto eu era um adolescente problemático. Os dois são o motivo de eu escrever histórias de amor.

A previsão para a postagem é de 1 (um) capítulo por semana!



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Escutar todo o universo ao redor é tão dramaticamente delicioso que te faz esquecer dos problemas que dizem respeito à sua vida. De olhos fechados, atentei-me aos sons que ecoavam na gélida floresta. O farfalhar das árvores, o som das aranhas se prendendo em suas próprias teias, as gotas da chuva do dia anterior se desfalecendo ao chão. Pude identificar o coração das pequenas criaturas que por ali residiam, e até mesmo o som do sangue correndo em suas veias. O som dos pássaros bicando os galhos das árvores, as formigas e insetos que seguem dentro de suas colônias. A água das cascatas morrendo ao cair em seus lagos, mesmo estando vários quilômetros de distância delas.

Então, abri os olhos. Tudo estava tão bonito. Mais vivo. Mais brilhante. Existe mais vida na floresta do que os humanos conseguem enxergar. As rochas pareciam reluzir sob a fraca luz diurna por detrás das nuvens. Ainda que a chuva tivesse ido embora, o Sol não parecia estar à vontade em banhar a cidade com a sua luz. Quando se é um vampiro, você pode enxergar o mundo de uma maneira diferente. Fui capaz de ver os mosquitos florestais e até as lascas de musgo presas nas copas das árvores.

E tinha o cheiro. Ele é, em minha opinião, a melhor parte de todas. Terra ainda úmida. Os odores de madressilva e jasmim eram tão reais quanto qualquer coisa que eu já experienciara. Diversas fragrâncias, cada uma com singularidades próprias e agradavelmente perfumadas. Você pode identificar o cheiro dos pequenos camundongos que se escondem na relva, do orvalho preso nas folhagens e de tudo que está ao seu redor.

Estar ali, em contato com a energia da natureza e tudo que a cerca me era atrativo. Fazia-me destoar o pensamento de como eu odiava a minha vida e como eu era infeliz. Infeliz, pois mesmo sendo dono de grandes poderes, as responsabilidades não eram as que eu escolheria para mim. Viver com os Volturi — o clã de vampiros mais temido e respeitado de todos os tempos — é uma regalia que poucos podem alcançar. É, entretanto, terrivelmente assustador. Você sente como se estivesse — e está — sendo observado todo o tempo. Dá-lhe a sensação de que tu não serves mais do que um mero capacho.

Na beleza sombria da floresta, tudo estava nos detalhes. Detalhes estes que, captados pela minha audição vampírica, identificaram algo que destoava completamente dos sons naturais da mata. O som de gritos desesperados vindos de alguma região próxima, perdida entre as folhas e arbustos da vasta extensão de verde que cobria a Volterra.

O chão pareceu deslizar abaixo de mim quando passei a correr. O mundo ficou lento, como em todas as vezes em que minha velocidade é posta à prova. Ultrapassei galhos de árvores, pedras sem a menor dificuldade. Quando se é vampiro, tudo ao seu redor parece estar mais frágil. Até mesmo concreto. E, além disso, você pode sentir a força abrupta de cada membro seu, e te faz sentir capaz de saltar mais de cem metros sem a menor complicação. O misto de velocidade e foco singular levou-me por um labirinto de árvores e, mesmo que tudo não passasse de um borrão esverdeado, eu era perfeitamente capaz de enxergar os detalhes de todas as folhas. Cinco segundos — foi esse o tempo que levei para alcançar a margem da clareira de onde os gritos estavam. Cada vez mais desesperados, um momento mais aterrorizado que o outro. Até serem sufocados por algo — ou alguém.

Esgueirei-me, então, pela mata fechada e um arbusto. A clareira tratava-se de uma descida, como uma rampa, da qual eu pude observar de cima sem ser notado. O caminho deslizava para baixo até ficar plano novamente, e a luz do sol banhava o epicentro do local — ainda que ela fosse fraca por detrás das nuvens. E, uma vez lá, pude ver: um homem adulto, musculoso e com o rosto marcado por uma barba mal-cuidada, que estava agredindo uma jovem donzela. A diferença de idade dos dois era notória. A garota não aparentava mais do que vinte anos e ele… bem, eu diria que mais assemelhava-se a um daqueles porcos que passam o dia todo bebendo em bares pé-sujo.

— Por favor! — suplicou a mulher. — Me deixe em paz!

O mais velho segurava a garota pelos braços, a tensão de seus dedos era visível na pele branca da donzela, demarcando a região com característica vermelhidão. Seus corações vibravam intensamente em seus peitos, sua pulsação banhando-me em um nervosismo típico da caçada. O homem cheirava à bebida alcoólica, e aparentemente não tomava banho há uma semana.

Assistir ao espetáculo me era atrativo. As emoções da dupla estavam borbulhando e faziam-me sentir em um êxtase indescritível. O bêbado, então, arremessou a garota no chão e acertou-lhe a cabeça com uma pedra. Sangue jorrou pela ferida aberta, e a pobrezinha não mais se moveu, embora ainda fosse possível ouvir sua respiração. Estava viva. Talvez o impacto a tivesse desmaiado.

Quanto pior o homem, mais gostoso é o sangue.

O chão se moveu em minha direção no momento em que saltei em direção à clareira, com suavidade e graça. Pousei com os pés no chão e o som foi silencioso, sereno. O mesmo som de se colocar um livro sobre uma mesa. Prestes a cometer violência sexual contra a indefesa dama, o beberrão divergiu sua atenção para mim e pareceu ser tomado por uma típica confusão.

— Quem é você?

No momento em que me viu, meus olhos vermelho-sangue captaram uma oscilação na aura do desconhecido. Esse é o meu talento. Identificar a substância metafísica caracterizada como ''aura'' e manipulá-la ao meu bel prazer, causando dor, roubando vitalidade — ou acrescendo —, criando pesadelos, sonhos, mergulhando pessoas em felicidade... ou tristeza e tudo que se possa imaginar — sou limitado única e exclusivamente pela minha criatividade. Tudo depende do efeito que eu desejo causar.

E, naquele momento, a aura do homem ostentava uma pigmentação escura. Medo. O coração disparado soava em meus ouvidos tão intenso quanto a explosão de uma bomba. A garganta pulsava, sufocando uma sede descomunal.

Mais uma vez, tudo que precisei fazer foi dar um passo. Levou menos de um segundo para que eu estivesse diante do homem. A sola do meu pé foi de encontro ao seu tronco, que parecia frágil como um pedaço de isopor. Ele voou de encontro à copa de uma árvore da clareira e eu pude escutar o som de seus ossos quebrando, estatelando-se no chão de modo a assemelhar-se à uma boneca de pano. Tentou gritar — grito este que foi sufocado pelas suas costelas, agora fraturadas. O desespero era visível em seus olhos e isso só atiçava ainda mais o meu desejo pelo seu sangue. A caçada. A melhor parte de ser um vampiro.

O rosto vermelho pela dor lacerante de ter suas costelas quebradas anunciavam o quanto o homem estava desesperado. Não pude sentir culpa. Não conseguia. Ele merecia aquilo.

Então, caminhei pacientemente até o bêbado caído e flexionei os joelhos, alcançando sua estatura. Nossos olhares se interligaram, os dele recheados de medo, pavor, pânico e desespero. Eram castanho-escuro, contrastando com os meus, completamente vermelhos.

— Como se sente quando o caçador vira a caça? — Minha voz soou melodicamente serena. Recheada de prazer e satisfação.

— P-Por… Por quê… — ele tentou dizer, entre gemidos agonizantes de dor. — Por que está fazendo isso?

Eu sorri. Um sorriso astuto e sórdido.

— Porque seu sangue deve ser delicioso. Porque eu queria que você sentisse o mesmo pânico que ela sentiu, mas principalmente…

Meus dentes perfuraram e rasgaram a carne do beberrão. O sabor ardente do sangue , resultado de um alcoolismo desenfreado, invadiu minha boca. O homem sequer conseguia gritar. Meus hormônios borbulhavam dentro de mim, queimando como fogo. O frenesi que sentia era incomparável, como em todo abate. Delicioso. A pigmentação de sua aura vibrou, banhando-me em um êxtase irrefreável. O medo, o desespero: todos se uniam em um magnífico mix de sentimentos, dos quais eu jamais conseguiria esquecer. Pouco a pouco, seus movimentos tornavam-se cada vez mais fracos, até que ele não mais se mexeu.

Caiu ao chão de forma a assemelhar-se à uma boneca de porcelana. Vazia. Isenta de sangue. Morta.

Deslizei a língua pelos lábios, deliciando-me com o gosto característico do homem que, naquele momento, fora reduzido à uma mera carcaça. Levemente ácida era sua essência.

— Porque é divertido.

Transferi minha atenção para a garota inconsciente, admirando sua ferida por onde o sangue escorria. Recém saciado, ainda pude sentir minha garganta pulsando para experimentar o sangue da desconhecida. Lutar contra os instintos vampirescos é um exercício do qual poucos imortais podem sair vitoriosos.

Eu estava prestes a apressar-me para fora dali, contudo, uma sombra surgiu junto à minha. Alguém estava parado bem atrás de mim e, ao me virar, pude ver.

Os cabelos loiros em um tom escuro, semelhante ao mel e a pele pálida como a mais pura da neve dos alpes. O manto negro descia como uma cascata pelo seu corpanzil, dando-me a sensação de que ele não queria ser notado por ninguém. Era Demetri, um dos vampiros da Guarda dos Volturi. Junto dele, estava uma garota de aparência indolente e aparentemente inofensiva — embora eu soubesse que ela representa um perigo notável para qualquer pessoa, imortal ou não. Era uma criança de cabelos grossos, em um tom único de castanho-pálido que desciam por seu pescoço até o ombro.  Os olhos eram de um vermelho vivo, e neles não se encontra luz, apesar do dia estar bastante claro. Eles parecem vazios, na mesma medida em que são intimidadores. Trata-se de Jane, uma das vampiras com o talento mais assustador de todos.

— O que significa isso? — O olhar de Jane deslizou da minha figura até o cadáver do homem que eu atacara. Em seguida, volveu-se para a garota inconsciente antes de voltar para mim.

— Pode ser mais precisa? — Minha voz saiu sem a tensão que eu sentia por dentro.

Mesmo que o dom de Jane não funcionasse em mim, sua forma de falar é incisiva. Ela tem um jeito único de fazer com que sua ‘’vida’’ não pareça valer nada. Sua habilidade é fazer com que seus alvos sofram uma dor excruciante, dando-lhe a sensação de que todos os seus ossos estão em chamas. Por conta da minha capacidade de controlar as ‘’auras’’ de cada ser, torno-me imune aos talentos de Jane.

— Aro nos mandou para ver o porquê de você demorar tanto. — Os olhos da imortal pareciam estar fixos em mim. Tenho certeza de que Jane adoraria fazer com que eu sentisse a mesma dor que suas vítimas. — O que aconteceu aqui?

— Ela estava em perigo — respondi. — Vi a oportunidade de me alimentar e foi o que eu fiz. Isso é um problema?

— O problema não está no que você fez — interviu Demetri. Ele, assim como Jane, não parecia estar satisfeito com o meu comportamento. — E sim no que você deixou de fazer. A humana. Por que ainda está viva?

Estar na presença dos dois fez com que eu me sentisse menor. Inferior. Como se, de fato, eu não valesse nada. Jane era intimidadora, e Demetri incisivo. O desprezo em seus olhares era notória, indisfarçável às mentes mais atentas. Engoli em seco.

— Você é ingênuo. — A voz de Jane saiu recheada de prepotência. — Não é assim que os Volturi agem. Você tem sorte, Noah. Agora terá a chance de consertar seu erro.

Senti-me confuso. Achei não ter entendido ou, pelo menos, desejei não ter entendido. A sombra de um sorriso surgiu no rosto da menor, que parecia se divertir com o meu nervosismo perante sua insinuação. Não poderia dizer se ela estava sorrindo de fato ou se estava apenas com vontade.

— O que eu preciso fazer, Jane?

Tive a certeza de que por um momento mínimo, quase insignificante, Jane sorriu. Não um sorriso de felicidade, e sim algo repleto de perversidade. Ela olhou para Demetri por poucos segundos antes de voltar-se para mim. Falou, em um tom sereno e, ao mesmo tempo, autoritário — e um tanto sádico:

— Mate-a.

As palavras de Jane traduziam com exatidão tudo que eu menos queria ouvir. Acertaram-me em cheio, como dardos. Levaram alguns segundos para que eu processasse o que acabara de ouvir.

— Perdão? — eu tentei protestar. Jane não parecia estar disposta a negociações.

— Você me ouviu — ela respondeu. A calmaria no tom de sua voz era assustadora. — Os Volturi não devem intervir em assuntos humanos. Você cometeu um erro e, agora, eu estou te dando a oportunidade de consertá-lo. Então mate a humana.

— Mas, Jane…

— Não é uma negociação. É um comando.

Jane foi bem clara em suas ordens. A conversa acabou ali. Os olhos escarlate da garota pareciam fixos em mim, aguardando ansiosamente para ver o desfecho sádico da situação. A dor seduz as retinas de Jane, prendendo sua atenção por mais tempo do que a maioria das pessoas conseguiriam em um ano.

Se eu tivesse um coração, ele com certeza estaria acelerado. Minhas emoções amplificadas por conta da imortalidade eram sufocantes — mas eu sabia que argumentar com Jane, além de perigoso, é uma perda de tempo. Ela tem um jeito único de fazer com que as pessoas a obedeçam. Cada fibra do meu corpo me dizia para fugir, correr, ou recusar a ordem da proeminente Volturi. Era, entretanto, uma terrível decisão a se tomar. Lutar contra os meus instintos e contra minha própria índole era uma batalha árdua; esta da qual eu não sairia vitorioso.

Fulminei Jane através do olhar, e ela tampouco pareceu se importar com isso.

Minha atenção decaiu sobre a humana inconscia. Parecia tão vulnerável e tranquila. No entanto, o tom anormalmente pálido em seu rosto anunciavam que sua situação não era boa; possivelmente por conta do sangue perdido e pelo impacto que a pedra tivera em seu rosto. Eu não queria fazer-lhe mal. É contra a minha índole machucar pessoas que não merecem. Mas não havia para onde escapar. Não havia nada que eu pudesse fazer.

E o mundo ao redor pareceu ficar escuro.


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