O Justiceiro: Exílio escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 1
Parte 1: Um velho galpão, um velho massacre


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/772689/chapter/1

Nova York, a cidade que nunca dorme. Para os visitantes mais ingênuos, um verdadeiro paraíso de luzes e prazeres. Bares, restaurantes, festas e tudo de melhor que uma vida boêmia pode pedir. Há ainda a aparente infindável fonte de riqueza e oportunidades na cidade, isso para não citar todas as portas que se abrem para aqueles que buscam viver da arte. Mas não era isso que Castle enxergava. Não. O Justiceiro buscava um outro tipo de arte, aquele tipo cujas paredes brancas são sujas com sangue, sangue esse dos imundos criminosos que se espremem aos montes pelas sarjetas da cidade em busca de espaço, dinheiro e poder. E ali estava ele em mais um velho galpão, lotado de criminosos da pior estirpe. Ao redor, todas as luzes e riquezas da cidade estavam invisíveis perante o vigilante que não se saciava por nada a não ser a morte dos demônios que tornavam a vida dos inocentes um inferno.

Usando um aparelho de escuta a distância, o homem nas trevas tentava decifrar o que se passava lá dentro antes de fazer uma incursão rumo ao sangue e à morte. Após ajustar o aparelho, ele logo pôde ouvir as primeiras palavras e, apesar de não entendê-las, sua experiência nas ruas o fez descobrir que se tratava do mais sujo russo. Apesar de não compreender o que era dito, Frank Castle conseguia sentir o ódio em cada sílaba pronunciada pela boca daqueles imundos. Dentro do galpão, no entanto, havia mais uma pessoa que sofria com essa perspectiva.

Amarrado a uma cadeira de ferro e vendado de maneira grosseira, um homem tinha seus sentidos entorpecidos pelo cheiro de suor e sangue. Já havia levado umas boas pancadas daqueles russos malditos que zombavam dele e davam gargalhadas sádicas. A pobre vítima se via dividida: ao mesmo tempo em que sentia uma curiosidade quase suicida de ver os rostos daqueles monstros, o medo e desejo por sobrevivência também brigavam por um espaço em sua mente.

— Vamos, vocês já brincaram tempo o bastante — um dos mafiosos falou em russo. — O que esse homem tem de especial?

— O que você tem de especial, azulzinho? — outro disse com um tom jocoso em um inglês recheado de sotaque. Do outro lado do aparelho de escuta, o Justiceiro ouvia tudo. — Pensei que todos os policiais já estavam pagos. Esqueceram do seu nome na folha de pagamento? Como é mesmo? Daniel Cage?

Daniel não só ouvia o russo a sua frente, como também sentia o seu terrível hálito ricamente marcado pelo álcool e outras nojeiras. A sua vontade era de cuspir naquele terrível homem, mas ele sabia que a máfia russa poderia ser bem cruel, afinal de contas, ele trabalhava como um infiltrado há algumas semanas. Naquele momento, na verdade, o pobre policial se maldizia por ter deixado sua identidade escapar pelos dedos depois de uma simples e azarada ligação de sua esposa. Como ele poderia cometer um erro tão básico? “Burro, burro e burro!”, ele repetia mentalmente incessantes vezes.

— Fale! — O russo de hálito desagradável gritou e acertou um soco no rosto do policial. — Eu tenho seu nome Daniel. Não vai difícil encontrar a sua casa. Já imaginou o que esses cretinos podem querer fazer com sua esposa? Com seus filhos? Bem, é lógico que nós amaríamos vendê-los, mas por que não aproveitar a mercadoria antes de passá-la pra frente, não é mesmo?

Ouvindo aquelas gargalhadas infernais, Cage cerrou os punhos e se imaginou com superpoderes. Queria se livrar daquelas cordas como nos filmes de ação, golpear cada um daqueles infelizes e logo em seguida extinguir a vida daqueles corpos terríveis. Sim, ele sabia que tal pensamento não era compatível com sua profissão: não devia agir por vingança, mas para servir a lei e a sociedade. No entanto, deixar aqueles homens vivos era realmente certo? O mal que eles causavam – e pior, ainda poderiam causar futuramente – não seria o suficiente para que se declarasse a necessidade de exterminar suas vidas?

Mas nada disso importava. Ele não tinha poderes e não estava em condições de escolher entre se vingar ou servir a lei. A única opção era tentar sobreviver e proteger sua família, de forma que até mesmo a degradante submissão era algo admissível para a sobrevivência daqueles que amava.

— O que vocês querem? Eu faço o que vocês quiserem, só peço que deixem minha família em paz — falou com uma calma que surpreendeu até mesmo seus algozes.

Do lado de fora, Frank já tinha largado seu equipamento de escuta. Caminhava lentamente em meio a escuridão carregando consigo uma pistola equipada com silenciador e uma faca tão afiada e mortal quanto suas intenções. Agindo de maneira praticamente inaudível, o Justiceiro foi ceifando as vidas dos russos um a um, sempre de maneira discreta e se aproveitando dos espaços sombrios existentes no galpão. Em meio as prateleiras ocupadas por caixas roubadas das Indústrias Hammer, a caveira ambulante fazia o seu trabalho sanguinário em prol de um mundo mais limpo.

— Veja bem, digamos que os policiais da sua divisão tomaram posse de um note... — o bandido parou de falar quando sentiu o cano frio da pistola ir de encontro a sua nuca.

Começando a suar frio e virando seus olhos para identificar quem era o portador da arma, o torturador pôde apreciar a fileira de corpos que o Justiceiro havia feito. Todos estavam com suas gargantas cortadas e o chãos antes frio do galpão, agora se encontrava aquecido com sangue que era derramado dos corpos.

— Tenho balas suficientes para te transformar em pó. Guardei todas para sua cabeça, aliás — Frank Castle disse com uma frieza digna de medo.

Ainda vendado, Daniel não conseguia entender muito bem o que acontecia. No entanto, um bom pressentimento havia tomado conta de sua alma e ele torcia para ser libertado em breve daquelas terríveis amarras.

— O que foi? O gato comeu sua língua? — O Justiceiro agora zombava da expressão de pavor do russo que antes se apresentava como o dono do destino do pobre policial. — Vamos. Faça a sua maldita pergunta, seu imundo!

Estando de costas para o homem de preto, o russo respirou fundo e disse:

— Tudo bem. Eu só queria saber onde... — interrompeu sua fala para tentar pegar o Justiceiro desprevenido.

Virando-se com agilidade, o mafioso conseguiu se desvencilhar da arma de Frank, tentando logo em seguida acertar o sorrateiro homem com um soco. Escolha terrível! Envolto do ódio que sempre o acompanhava, o Justiceiro segurou firmemente o punho cerrado do russo e apertou-o sem remorsos, causando dor intensa no homem que o atacava. Com a mão que antes segurava a arma, Frank desferiu um forte soco na boca de seu inimigo, o que não só causou um notável ferimento e sangue, como também o voar de um dente.

Caindo no chão, o imundo tentou se levantar para fugir, mas logo sentiu a pesada bota da justiça esmagar suas costelas com violência.

— Será pior pra você! — O Justiceiro sacou sua faca ainda suja com o sangue dos colegas do homem e começou a espetá-lo nas costas com sadismo.

Tudo que Daniel ouvia eram os gritos de horror do russo torturado. Ao mesmo tempo em que ouvir aquilo lhe dava um certo alívio, o policial ainda temia pelo seu destino. “E se esse vigilante ou justiceiro for na verdade um concorrente ou coisa do tipo? Eu não estarei a salvo de forma nenhuma”, refletiu. Com isso em mente, preferiu se manter silencioso e impassível, como se não notasse o ambiente de pura sanguinolência apesar da venda em seus olhos.

Após a eternidade de dois minutos, os gritos do russo deram lugar a um silêncio mórbido. Com a caveira em seu peito pintada de sangue, o Justiceiro se levantou enquanto encarava sua obra de arte: as costas completamente abertas e dilaceradas daquele verme. Finalmente se virando para o policial, Frank fez questão de acalmá-lo, pois era perceptível um tremor nos lábios do homem.

— Não vim matá-lo, Daniel. Muito pelo contrário.

Cage finalmente respirou aliviado quando sentiu as amarras que o prendiam sendo cortadas e, logo em seguida, retirou a venda de seus olhos. Pôde então desfrutar do cenário de morte e carnificina que havia minutos atrás construído em sua mente. No entanto, agora que o calor do medo e do ódio havia passado, o galpão pintado de vermelho não dava mais prazer, mas repulsa. Teve que se segurar para não vomitar quando viu o corpo ao lado da cadeira que jazia com as costas abertas. Enquanto isso, o homem de preto que havia o salvo investigava as caixas dispostas no armazém.

— O que você estava fazendo quando te pegaram? — Frank perguntou com tremenda naturalidade, como se seu corpo e rosto não estivessem cobertos de sangue.

— Eu sou policial. Estava infiltrado, tentando descobrir algo sobre exatamente isso: o roubo das armas das Indústrias Hammer. Acabei vacilando feio — Daniel explicou.

Abrindo uma das caixas, Castle se deparou com um armamento de extrema qualidade: uma arma automática potente, de fácil uso e assustadoramente leve.

— Isso deve vender como água — comentou enquanto olhava pela mira do armamento e pegava a munição que estava guardada na caixa. — Como os desgraçados conseguiram colocar as mãos nisso?

— Transporte roubado. Imagino que alguém de dentro da empresa tenha deixado vazar alguma informação. — Daniel, aos poucos, acalmava-se até que se sentiu confortável o suficiente para se levantar.

— Espere — alertou o Justiceiro com a potente arma em mãos. — Está ouvindo isso? Esconda-se!

Daniel podia ouvir muito bem o som de carros se aproximando. Aquilo trazia uma expectativa assustadora: podia tanto ser policiais, o que seria ótimo para Cage relatar todos os acontecimentos, ainda que ele soubesse que o homem de preto teria que fugir se quisesse escapar da prisão. No entanto, o lado mais sombrio do policial dava outra informação: os russos poderiam vir para averiguar o armazém tendo em vista a tão valiosa mercadoria que ele continha. E tal lado estava certo.

Deitando-se ao lado de uma das prateleiras mais escuras e esquecidas, Daniel rezou para que fosse completamente esquecido. Frank, por outro lado, subiu nas prateleiras e ficou em uma posição privilegiada para disparos letais. E não tardou para que ele pudesse começar a disparar: o som de carros logo se extinguiu e, lentamente, homens começaram a adentrar o galpão.

— Mas que desgraça é essa? — Um deles falou em bom russo enquanto segurava firmemente uma metralhadora. Ele era acompanhado de mais uns seis ou sete colegas, todos fortemente armados e com uma consciência sem receio algum de ser manchada. — Ali!

Mal houve espaço para reação. Frank Castle foi mais ágil e começou a disparar contra os homens que se aglomeravam. Em suas mãos, a arma foi como um ceifador sinistro e extinguiu vidas em uma velocidade inimaginável. O Justiceiro sentia a força de cada disparo ao mesmo tempo em que uma chuva de sangue e pedaços humanos tomava conta da entrada do galpão. Poucos segundos foram necessários para não haver mais nenhum russo ali dentro, com exceção daqueles perfurados e dilacerados no chão. Encarando sua nova arma, Frank sorriu ao saber que ela seria muito útil em suas futuras empreitadas.

— Vamos dar o fora daqui! — gritou para que o policial que jazia escondido ouvisse. — Não vai demorar para chegarem mais desses cretinos. Chame a polícia e vá cuidar de sua família, Daniel.

— Não se esqueça — o policial se levantou e estendeu a arma silenciada para Frank. — Obrigado por ter salvo minha vida.

— Você faz o seu trabalho e eu faço o meu — Castle disse antes de pegar de volta sua pistola.

Finalmente caminhando para fora do armazém, o Justiceiro fez questão de verificar os arredores daquele odioso lugar. Não tendo encontrado nada de alarmante, retornou para Daniel e comunicou:

— Nenhuma atividade. Tenha cuidado e deixe que eu cuido desses malditos.

— Eu sou pago para isso, soldado. Aliás, posso saber seu nome? — Daniel sentia uma estranha curiosidade, ainda que ele tivesse consciência que aquela informação poderia ser confidencial.

Parando de caminhar por um instante, o homem com a caveira no peito se virou e disse:

— Os seus me chamam de Justiceiro. Quase sempre atiram em mim quando me veem. Espero que você faça diferente — brincou antes de finalmente desaparecer nas sombras que contrastavam com toda a luz de Nova York.

Alguns minutos se passaram quando, já longe da escuridão, Daniel viu as luzes da polícia se aproximarem. Quando o primeiro carro se tornou completamente visível, ele logo percebeu a presença do Comissário Martin. Estendendo a mão para o carro em movimento, viu o veículo ser freado e o comissário colocar o rosto para fora.

— Que confusão foi essa, Daniel? Você não foi o único a nos chamar: algumas pessoas ligaram alegando terem ouvido tiros e há ainda mais confusão nas proximidades. Como você escapou dessa? — Martin podia ver o terrível estado em que estava o rosto do pobre policial. — Como sou mal educado. Vamos lá, entre no carro e me explique no caminho.

 Adentrando o velho veículo, Cage viu o Comissário ajustar o seu grosso bigode branco, enquanto o novato Bill dirigia o carro sem dirigir-lhe uma palavra sequer.

— Vocês conhecem um cara chamado “Justiceiro”? — Daniel foi direto ao ponto. — Ou ao menos foi assim que ele me disse que vocês o conheciam.

— Que diabos, Daniel! — Martin exclamou e tossiu com intensidade logo em seguida. — Esse homem é um doido, um psicopata, um maníaco sádico e sem escrúpulos. O que tem ele?

Depois de tais adjetivos nada agradáveis, o policial machucado sentiu uma leve indisposição para revelar que o “maníaco sádico” havia salvo a sua vida e lhe recomendado que retornasse em segurança para casa. Olhando pela janela, percebeu que já retornavam para a cena onde vivera o pesadelo do cárcere e o alívio da salvação, ainda que ao custo de muito sangue.

— Homem silencioso — Bill comentou perante a não resposta de Daniel.

— Você se acostuma — Martin soltou uma gargalhada entrecortada pela tosse constante.

Os três homens desceram do veículo, enquanto observavam o cenário de horror. Corpos mutilados e sangue se acumulavam pelas quatro paredes do galpão, ao mesmo tempo em que a ânsia de vômito retornava ao policial que momentos atrás era torturado na cadeira ensanguentada.

— É disso que eu estou falando, Daniel — o Comissário começou a explicar enquanto examinava a cena do crime. — O tal do Justiceiro é um animal da pior estirpe. Veja isso!

Ele apontava sua lanterna para o homem cujas costas foram completamente abertas. Pedaços de seus pulmões saltavam dali.

— Qual a necessidade disso? Nós somos policiais para manter a ordem, Daniel Cage. Esse homem é o caos. Ele é juiz, júri e executor. Não cabe a ele decidir quem deve viver ou morrer. E se um dia ele...

— Ele me salvou! — De maneira corajosa, Cage interrompeu o comissário. — Esses vagabundos ameaçavam a mim e a minha família. Não havia ordem alguma para me proteger. Que bom que o caos me salvou, não é verdade?

Ouvindo aquilo, Martin ficou em silêncio enquanto Bill chamava a equipe de investigação para averiguar aquele horrendo cenário. Respirando fundo, Daniel chegou à conclusão que já havia passado da hora de dar o fora dali.

— Já deu meu tempo — informou. — Irei pegar um táxi.

— Daniel — Martin interrompeu sua saída. Seu olhar era melancólico e as palavras saíram com dificuldade. — Eu defendo a justiça e as leis acima de tudo. Dito isso, fico feliz que sua vida tenha sido preservada, ainda que condene a ação dele. Vá abraçar sua família, parceiro.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Muito obrigado por ter lido até aqui. Deixe seu comentário :D

Forte abraço e até a próxima parte ;)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Justiceiro: Exílio" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.