Um dia. escrita por keemi_w


Capítulo 6
O melhor ravióli da América.


Notas iniciais do capítulo

Oiii, galerinha! ♥ como cês tão? Gostaria de pedir aos fantasminhas para aparecerem e darem um reviewzinho aí para me aujdar! Ótima leitura.



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Ouça: Mil razões (Tiago Iorc).

— Eiii, você! – ouvi uma voz familiar e dei de cara com uma Mari (Marina? Mariana? Mariane? Marilda?) muito sorridente. – Oi, “loirinha do Nando”.

Falar que fiquei vermelha era o eufemismo do século. Thiago tentou ao máximo reprimir a gargalhada.

— Oi, Mari! – ele respondeu cumprimentando-a. – Cadê o resto?

— Ah, a gente está no andar de cima, no lounge. O João não conseguiu sair do trabalho a tempo, o Renan está chegando. O Fernando está nos esperando, vamos?

Eu estava me sentindo uma adolescente apaixonada. Toda a vez que tocavam no nome do dito cujo eu sentia meu estômago se revirando. E lá estava ele: sentado despojadamente na cadeira mexendo no celular enquanto bebia... Um copo de água? Oi?

Então ele me avistou e abriu o sorriso mais fofo mostrando sua covinha e deixando seus olhos quase que fechados. Se aquilo não era muito fofo eu não sei mais o que é.

— Oi, loirinha que ainda não descobri o nome – ele me cumprimentou com um longo abraço.

— Oi, cowboy que já sei muito bem o nome – respondi no mesmo tom.

Thiago e Fernando se cumprimentaram como se fossem amigos há muito tempo.

— E aqui estamos – Mari comentou. – Unidos pela bebedeira do Fernandinho.

— Para de retornar a esse assunto, Mari – Nando revirou os olhos. – Você já tem vídeos, fotos... Não é o suficiente?

— Jamais! – ela argumentou. – Eu já tinha prometido que nunca ia te deixar esquecer disso! – ela sorriu maliciosa e olhou para Thiago. – Aliás, nem sei porque eles aceitaram sair com você de novo.

— Na verdade, eu sei! – Thiago completou e olhei significativamente para ele para não estragar o momento bom e falar merda, como sempre. – Todo mundo já levou um porre feio de bebida. Inclusive a Fabi... Gente, vocês não têm ideia...

Em um momento eu estava sentada e no outro tinha atravessado a mesa para tampar sua boca com as duas mãos.

— Acho bom você ficar bem quietinho, Thiago. O cowboy nem vai ficar mais constrangido depois que eu contar sobre o Natal de 2012.

Mari e Nando vaiaram.

— O que aconteceu no Natal de 2012? – Mari perguntou com os olhos arregalados demonstrando toda sua curiosidade.

— NADA! – Thiago gritou me fuzilando com o olhar.

— Eu acho válido todos vocês contarem – Nando deu de ombros e tomou mais um gole da sua água. – Vocês já me viram no meu estado mais fragilizado, então seria bom se eu não me sentisse muito sozinho... sabe? – Então Fernando me encarou com seus olhos azuis bem penetrantes. – Começa aí, Fabi-loirinha-a-qual-eu-recém-descobri-o-nome.

Ri, mas em parte foi de nervoso. Thiago arqueou uma sobrancelha para mim sugestivamente.

— Tá bom, tá bom – espalmei as mãos em sinal de redenção. Mari se aconchegou melhor na cadeira para me ouvir. – Quando eu estava no último período da faculdade...

— Eu amo bebedeira de faculdade! – Mari exclamou animada e todos riram do seu comentário. – Desculpa, pode continuar.

O final do semestre na faculdade acho que é sempre o que mais revira sua vida. Eu estava um pouco triste por ter terminado um relacionamento de uma forma nada amigável (lê-se: ele, após um período que só brigávamos, o cara decidiu dar um tempo e esse tempo serviu para que ele se relacionasse com outras garotas), Thiago estava mal por não passar em nenhuma entrevista de emprego na área de veterinária e Clara tinha tido uma briga feia com Benjamin (ela nunca me contou o real motivo, ela só chegou chorando em casa e soluçou algumas partes da história como: “Momentos diferentes” “ele gritou” “eu gritei” “nunca ia fazer uma coisa dessas, Bibiiiiiiiiii”, “momentos diferentes”. O que realmente significava tudo aquilo? Nunca perguntei, pois era desesperador ver minha melhor amiga daquele jeito e depois ela parecia muito feliz quando eles fizeram as pazes e decidi não tocar mais no assunto). Nós três decidimos ir à uma festa que a galera inteira da turma estava se programando. Festa? Faculdade? Não dá em outra, né?

O jogo era truco. Toda vez que alguém gritava “Truco” ou “Ladrão” ou “Seis/Nove/Doze” todos na roda tinham que beber. Eu sou extremamente intolerante ao álcool, ao contrário de Thiago e Clara que eram extremamente resistentes. Chegou no meio da brincadeira eu já estava totalmente louca, não sabia nem mais o meu nome. Eu só me lembro de dar muita risada, de correr muito e vômito. Muito vômito. Uma enxaqueca terrível.

No dia seguinte eu descobri que: Havia corrido dos meus amigos quando eles disseram que eu deveria parar de imitar um coala usando o poste no meio da rua. Thiago disse que muitos caras estavam conotando a cena sexualmente. Fiquei muito aliviada de ter pessoas incríveis do meu lado que nunca deixariam que nada acontecesse comigo. Enfim. Eu estava simplesmente impossível e não queria desgrudar do poste de jeito nenhum, além disso gritava que aquilo era bambu. Imagina o tamanho da besteira que poderia ter acontecido!

Por amor a mim, Clara e Thiago desistiram da festa que mal tinha começado (ainda era uma da manhã, as festas da faculdade costumavam acabar depois das seis) e me levaram para casa. No dia seguinte, brigaram muito comigo porque queriam ter bebido para se esquecer dos problemas e eu só tinha dado mais problema ainda para todos. Enfim, foi uma história engraçada, era uma ótima lembrança que eu tinha da Clarinha. Aquela cara de marrenta brigando comigo no dia seguinte, sua risada alta durante o jogo de Truco. Algumas brigas que ela tinha ocasionalmente durante o jogo com seu parceiro Thiago... Apesar de tudo, eu só tinha memórias boas.

Acabei de contar tudo e imaginei que eles estariam rindo da minha cara.

— O que aconteceu, Fabi? – Mari perguntou preocupada.

— O que foi? – rebati.

— Você contou tudo de uma maneira tão... triste – ela continuou.

Olhei para Thiago que me observava atentamente, apesar de tentar fingir costume tomando sua cerveja.

— Ela fica meio nostálgica às vezes – ele tentou consertar. Olhei para o Nando que franziu a testa, mas não disse nada. – A faculdade foi um período conturbado – eles riram. – Enfim, minha vez! Era Natal na casa da Fabi e adivinha quem levou o maior porre e tentou pegar a mãe dela? Sim, eu! “Dona Theresa, um beijinho, vai! Você tá linda de mamãe Noel, eu nunca havia notado como seu corpo tem ótimas curvas”, segundo Fabi foi assim que aconteceu! Juro.

Isso serviu para quebrar o gelo que tinha se instaurado no ambiente e eu nem havia notado.

— Por que você diz “segundo a Fabi”? – perguntei fingindo estar brava. – Você pode confirmar com minha mamãe, mas imagino que nunca tenha tido coragem para lidar com a verdade e a rejeição.

Nando riu com gosto.

— Você sabe argumentar, hein? – alfinetou.

— Você nem tem ideia – Thiago revirou os olhos.

O papo foi muito agradável mesmo. Mari nos contou que, na verdade, Nando não bebia e era tão ou mais fraco para álcool do que eu. Então como ele nunca tinha levado um porre e estava tendo um dia meio ruim decidiram que era a oportunidade perfeita para unir o útil ao agradável.

Quando deu cerca de onze e meia já estávamos bastante amigos. Nando e Mari eram iguaizinhos a mim e ao Thiago. Amigos desde sempre, se conheciam melhor do que qualquer um, sabiam todos os podres um do outro. Renan, o outro amigo, se juntou a nós por um breve período, pois estava terminando um Mestrado e precisava ir embora, só aparecera para espairecer um pouco.

Então Thiago, que já flertava com Mari claramente, chamou-a para dançar um sertanejo que estava tocando, deixando-me a sós com Fernando. Ele era uma cara que me deixava super à vontade para conversar sobre qualquer coisa, não sei que tipo de conexão que tivemos naquele outro dia no bar, mas tinha sido bem forte. Parecia que nos conhecíamos há tempos, não existia desconforto. E isso era tão aliviador.

— Fabi é de Fabiane, Fabiana ou Fabíola? – ele perguntou me tirando um riso natural.

— Só Fabi – provoquei.

— Ninguém é “Só Fabi” – ele rebateu. – Hm... Eu diria Fabíola...

— Eu não tenho a menor cara de Fabíola! – contra-argumentei.

— Na verdade seu nome é Gabriela, com o apelido Gabi, mas o Thiago é fanho e te chama de Fabi há tanto tempo que você nem liga mais.

Dessa vez eu ri muito com esse comentário. Nem Fernando se aguentou e começou a rir também, deixando seu rosto bem perto da claridade do local mostrando como seu cabelo liso e jogado pro lado era cor de mel. Eu amava esse tom. Desde quando?

— Você é só um cowboy – eu falei.

Ele riu pelo nariz e se empertigou na mesa para chegar mais perto de mim.

— Você se sentiu desconfortável com a história do seu porre?

— Desconfortável? – perguntei novamente e refutei. – Acho que não. Por quê?

Ele sorriu amigavelmente.

— Porque você estava toda animada e quando terminou a história parecia muito... hm, incomodada.

Parei por alguns instantes para refletir. Talvez eu tivesse mudado meu tom até sem perceber. Toda a vez que falava da Clarinha eu, sem querer, assumia um tom mais pesado. Apesar de ter sido uma história super feliz, com uma lembrança maravilhosa, talvez eu tivesse soado meio melancólica mesmo.

Ouvi o ritmo da música aumentando e estava mais difícil de conversar com Nando.

— Quer tomar um ar lá fora? – ele perguntou notando o mesmo que eu.

Assenti sorrindo e fomos em direção à rua.

— Fabiana – respondi abraçando meu corpo quando chegamos à calçada.

— Prazer – ele sorriu com covinhas e se sentou no meio-fio. Acompanhei-o. – Sabe, não sei porque, mas parece que te conheço há tempos...

Ri pelo nariz e o fitei.

— Eu tenho a mesma impressão! – exclamei e ele riu.

— Aquela sua amiga... Aconteceu alguma coisa, né?

— Melhor amiga – corrigi. – Sim, faz quinze anos.

— Sinto muito – ele pegou na minha mão. – Faz três do meu irmão.

Minha boca se abriu em um perfeito “O”. Qual é? Esse cara fica bêbado, age de maneira extremamente fofa, fala comigo por uma semana inteira, flerta comigo no bar e agora quer decifrar minha alma e confiar em mim um fato bem triste de sua vida?

— Sinto muito – repeti ainda sem acreditar que a gente mal se conhece.

— Veterinária, é? – perguntou como se nada tivesse acontecido.

— Ah, sim – respondi meio atordoada. – E você?

— Cozinheiro – ele me fitou com seus olhos azuis e sorriu daquele jeito que eu gostava.

Esse cara me surpreendia cada vez mais.

— Eu sou uma grande amante da culinária – confessei.

— E do cozinheiro?

Ri com vontade.

— Você tá flertando comigo, né?

Foi a vez dele rir com gosto.

— Claro que estou. Percebeu agora?

— Claro que não! Percebi faz um tempo já.

— E decidiu perguntar agora só pra se autoafirmar?

— Não, só para saber se não estou imaginando coisa onde não tem.

Fernando era uma cara muito leve. A conversa e naturalidade só fluíam. Era muito estranho como não havia constrangimentos. Em uma situação normal, eu nunca teria tocado em tantos assuntos pessoais quanto esses.

— E o que você tá imaginando, então?

— Pode parar! – exclamei cruzando os braços. Ele repetiu o movimento imitando a cara que eu deveria estar fazendo. – E-eu só perguntei para não pensar qu...

— Eu vou cozinhar para você semana que vem – ele me interrompeu. – A Mari e o pessoal vão lá em casa comemorar o aniversário do João, quero que você vá porque o melhor ravióli da América é meu.

Esse cara vai me deixar louca desse jeito!

— A América inteira falou isso? – arqueei a sobrancelha.

— Você não sabe de nada – ele voltou a segurar a minha mão e piscou para mim.

Sorri e coloquei uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.

— Eu vou.

***

Nando estava sendo uma pessoa incrível. Com ele até acabei me esquecendo momentaneamente dos problemas com Benjamin e da distância que era quase insuportável da Annaju. Eu sei que ela deveria estar ocupada com outras coisas, da mesma forma que eu também estava, mas a saudades da minha menina era de matar. Porém, eu simplesmente ainda não conseguia ir para a casa dela. Não, ainda doía.

Estava na clínica refletindo sobre as mudanças das últimas semanas, quando meu celular tocou. Era Luciano. Logo estranhei ele me ligar, sempre fui mais próxima da Carol. Atendi e o tom que ele usava era de partir meu coração ao meio.

— Bi, recebemos uma denúncia de maus tratos – ele disse. – Precisamos de você e de toda a ajuda que você tiver.

Se havia algo que me despertava fúria era maltratarem um bichinho. Eu ficava cega de tanto ódio. No mesmo momento avisei Thiago e peguei o endereço de onde tínhamos que ir. Liguei para meus colegas da faculdade (somente aqueles que confiava) e pedi reforços porque pelo que Luciano disse, eram uns vinte cachorros. Com certeza deveria ser mais um daqueles incríveis canis! E o pior é que esse comércio só continua vingando porque tem gente que tem coragem de pagar fortunas para esses... Melhor não continuar a frase.

Thiago passou a viagem inteira fazendo ligações para amigos veterinários, assim como eu. Conseguimos reunir um grupo de oito, não era o suficiente, mas já dava para quebrar o galho.

A entrada do canil era linda, toda decorada com fotos dos cachorrinhos (eram dálmatas, goldens, labradores e malamutes). Só de ver aquele ambiente todo arrumado já senti vontade de destruir cada centímetrozinho daquele “estabelecimento”. Assim que chegamos, Carol veio nos direcionar para onde estavam os cachorrinhos. Era uma tristeza só... Um cheiro forte já subia quando cruzamos a porta, assim que me deparei com o primeiro dálmata deitadinho e com moscas o rodeando meu coração quis saltar pela boca. Como alguém era capaz de machucar um ser tão indefeso quanto eles? Como?

— Como vocês descobriram? – perguntei sentindo o sangue subir à cabeça.

— Um casal veio comprar um Golden aqui, ele chegou em casa e parecia doente. Retornaram e avistaram como era uma imundície quando levaram o filhote para aqui dentro – Luciano suspirou. – Eles nos procuraram e a gente denunciou hoje de manhã. Agora há pouco os donos foram presos, na verdade, tudo por aqui funcionava de maneira bem clandestina.

Suspirei e comecei a prestar socorros aos animais. Os cachorros e cadelas matrizes sofriam maus tratos. Apenas os filhotes que ficavam “à mostra” eram bem cuidados, tinham o pelo macio e escovado. Mas era uma  tortura olhar para os pais que pareciam esqueletos. Uma cadela de labrador chamou minha atenção: ela abanava o rabinho, mas não conseguia se levantar, quando a virei de barriga para cima percebi o motivo. Havia um corte grande em sua barriga, parecia ter sido feito com faca e já estava infeccionado. A dor que ela deveria estar sentindo era gigante... Coitada!

Os outros veterinários chegaram para atender aos outros cachorrinhos que precisavam de ajuda. Alguns com patas quebradas, outros com cortes, outros com subnutrição. Era um caso mais triste do que o outro. Eu ainda estava terminando de tentar remendar a barriga da Nina (sim, eu sempre nomeio os meus pacientes que não têm identificação, e naquelas condições nunca deveriam ter se referido a ela com um nome, não é?), quando Gabriel e Nathália chegaram ao meu lado.

— Nossa, acho que eu nunca vou me acostumar com isso – Nathy disse se abaixando junto comigo. – Do que você precisa?

— Acho que preciso de muito antibiótico para a Nina – soltei. – Dos caros.

— Atingiu algum órgão por dentro? – Gabriel perguntou.

— Não tenho como afirmar com certeza, mas acho que não. Na verdade, todos precisam de exames.

— Dos caros – Nathália repetiu.

— Dos caros, Nathy – confirmei.

Nessa mesma hora Thiago chegou próximo a mim e começou a me ajudar a suturar o corte dela. Limpei o máximo que pude, agora era hora de deixar a medicina agir. Thiago sabia cada movimento meu, por isso ele foi muito útil, consegui terminar em metade do tempo que levaria.

— Quantos? – perguntei sem querer saber a resposta.

— Até agora dois – ele respondeu sem me olhar.

— Dois o quê? – Gabriel questionou.

— Não resistiram – Nathália logo entendeu e teve sua voz embargada.

Respirei fundo e me concentrei na Nina. Ela não seria a nossa terceira.

***

Tive que mandar mensagem para Nando para cancelar minha visita naquele dia. Eu não estava bem, não tinha a menor condição de aparecer lá e, além de tudo, também estragar a comemoração deles. Ele não respondeu, pode ter ficado bravo. Enfim, isso só serviu para eu me certificar de que eu estava superestimando o cara, talvez meu destino fosse envelhecer sozinha mesmo ao lado de um monte de cachorro.

Ficamos na Clínica até dez da noite. Alguns cachorrinhos precisavam de cirurgia, outros de cuidados mais especiais. Depois os levaríamos para o Resgate e eles ficariam bem. Alguns ainda teriam de ficar em observação, mas não muitos. Por sorte, tínhamos assistentes que ainda não se formaram da faculdade, mas que precisavam de um estágio e eles eram ótimos. Na verdade, era um grupo pequeno de três estudantes, eles não iam todos os dias, só quando realmente precisávamos. Por isso solicitamos que viessem passar a noite com alguns. Thi e eu não tínhamos parado nenhum segundo, um banho e uma cama clamavam por nós.

Minha mãe ficou lá até os assistentes chegarem. Em dias como esse ela ficava muito preocupada com os bichinhos e não conseguia ir para casa mesmo se eu confirmasse que ela pudesse ir. Enfim, estava com a cabeça deitada no ombro de Thiago enquanto o mesmo mexia no celular e tomava um suco de laranja, era nítida a preocupação e cansaço em seus olhos, quando minha mãe abriu a porta da minha sala e disse:

— Você tem visita.

Dei graças aos céus que os assistentes tinham chegado. Eu não via a hora de deitar meu corpo e descansar. Fui para a recepção quase que me arrastando quando me deparo com um Fernando sorridente na minha frente.

— Vamos?

Oi?

***

— A Mari me obrigou a passar o endereço da Clínica, Bi – Thiago explicou com um sorriso divertido no rosto. – Sabe, acho que nós dois merecemos um bom descanso hoje, que  tal?

— Você faz isso porque não precisa fazer nada pra ficar bonito. Olha para mim, eu estou um caco!

Thiago revirou os olhos.

— Quando você vai parar com isso?

— Com isso o quê?

— Você teve um dia pesado, Fabiana – ele colocou as duas mãos no meu ombro. – Tem um cara super interessado em você na recepção e você fugiu dele porque não está se achando adequada o suficiente para ir pra casa com ele. Pare, por favor! – Thiago decretou. – Eu vou sair com a Mari, aquela pessoa que está se mostrando incrível para mim. E você vai fazer a mesma coisa com o Nando. Ele te faz bem.

Respirei fundo. As palavras de Thiago ainda ecoavam na minha mente, me deixando meio tonta. Fui ao banheiro e lavei meu rosto com sabonete. Depois peguei meu jaleco, pois ele necessitava de uma boa lavada e saí da minha sala. Mamãe e Thiago tinham já saído. Hugo, Laís e Matheus (os assistentes) já tinham chegado e conversavam com Nando na recepção.

— E aí, chefinha? – Matheus me cumprimentou. – Já está em boas mãos, pode ir.

Nando sorriu mais uma vez para mim e eu retribuí.

— Vamos? – ele perguntou.

— Qualquer coisinha me liguem – eu adverti meus estagiários. – E quando eu digo qualquer coisa é literalmente qualquer coisa.

Os três bateram continência e consegui rir um pouco da situação. Eles eram uns fofos.

— Fabi, você nos conhece – Laís disse. – Sabe que tudo vai dar certo.

Assenti um pouco mais confiante e me despedi dos três. Segui para fora da Clínica em silêncio com Nando me seguindo.

— Por que você veio? – comecei o meu interrogatório.

— Porque você parecia estar em um dia ruim – ele respondeu com simplicidade.

Parei de repente.

— Sim, exatamente por isso cancelei com você – continuei argumentando.

— Na verdade, foi ótimo eu ter vindo porque você provavelmente não comeu nada o dia inteiro – ele arqueou as sobrancelhas e cruzou os braços em frente ao peito.

Como ele sabia disso? Thiago vai me pagar!

— Ah é? E como você pretende resolver a situação?

Parecíamos dois loucos discutindo de noite numa rua vazia.

— Eu te falei que fazia o melhor ravióli da América, loirinha — ele usou aquele tom para me provocar, só pode.

— E daí?

— Eu trouxe para você alguns do que eu fiz – ele apontou para uma sacola que só então eu percebera que estava na sua mão. – Vamos ou vai ficar resmungando aí?

Esse cara não poderia ser real. Não poderia.

Ele começou a andar em direção ao seu carro e eu o segui. Só Thiago para me convencer de ficar perto do Nando naquele estado deplorável em que me encontrava.

— Você tem sangue no seu cabelo – ele disse reprimindo o riso e eu fiquei vermelha.

— Ah é – ironizei entrando no carro. – Salvando cachorrinhos, né?

— Ei, calma aí! – ele se sentou no banco do motorista e espalmou as mãos. – Sem julgamentos, inclusive te deixa mais sexy.

Abri a boca várias vezes para responder, mas nada de bom ia sair dali. Eu não estava sã o suficiente para ouvir aquele tipo coisa. Acabei só rindo baixo.

Ele dirigiu em silêncio até minha casa, eu era a única que falava apontando o caminho a se seguir.

Assim que chegamos, ele nem perguntou se era bem-vindo, apenas saiu do carro com a “marmita” que tinha preparado para mim. Eu estava muito grata a ele por não ter que cozinhar. Muito. Subimos pelo elevador e chegamos ao meu doce lar! Abri a porta de casa e senti os dois cachorros vindo na minha direção, já estava preparada para os pulos, mas em vez disso eles foram brincar com quem? Com o Fernando! Um estranho! Oi? Pipoca? Thor?

— Você tem cachorro? – perguntei acendendo as luzes.

— Cinco – respondeu simplesmente.

Ele sempre me surpreendia! Qual é? Minha alma gêmea apareceu simplesmente assim? Caindo de paraquedas?

Fernando veio até a cozinha comigo onde, nem pediu permissão, já chegou esquentando aquilo que tinha trazido para mim. Ser mimada é muito bom!

— Como que eu posso confiar tanto em alguém que conheci no bar? – perguntei lançando-lhe meu olhar mais intimidador.

— Acho que você nós dois somos intuitivos o suficiente – respondeu colocando copos na minha frente.

— Onde você achou os copos? – questionei assustada com a facilidade que ele tinha em estar na minha casa!

— Eu procurei – respondeu. – Ei, você está brava?

— Não! – exclamei. – Mas, sei lá, é a primeira vez que você vem aqui e já está muito à vontade. Qual é o seu defeito, Fernando? Sério! Você tem cinco cachorros, é cozinheiro, é confiante, me trata muito bem, tem uma lábia ótima, tem resposta para tudo que eu pergunto, claramente está me flertando sendo que mal me conhece... Você está me deixando confusa!

Depois do meu desabafo ele riu pelo nariz e colocou um prato de ravióli quente bem na minha frente.

— Agora me diz se você gostou – ele se sentou à minha frente e ficou me observando comer.

Pelo jeito ele não queria responder ao meu desabafo. Talvez fosse melhor ele não responder mesmo.

Coloquei um pedaço da minha boca e quase chorei de emoção. Eu estava há muito tempo sem comer e nem tinha me tocado em como estava faminta. Além disso, realmente era o melhor ravióli que já tinha comido na minha vida. E olha que nem estava fresco, ele já tinha feito há muito tempo.

— Está...

— Ótimo! – ele completou e eu semicerrei os olhos. – Fala sério, seja sincera consigo mesma.

— Obrigada pela comida, Nando – eu respondi sincera. – Está ótimo.

Ele sorriu com aquelas covinhas fofas.

— Eu só costumo ficar muito à vontade perto de pessoas que eu gosto – ele respondeu dando de ombros. – Digamos que você me fisgou.

— Como? – Fiquei vermelha novamente e terminei de raspar o prato.

— Não sei – Nando deu de ombros. – Meu irmão uma vez falou que quando a gente acha alguém especial... as coisas são naturais. – Percebi que sua confiança vacilou um pouco.

— Seu irmão tem razão – concordei me levantando para deixar o prato na pia. – E talvez essa naturalidade seja boa, eu nunca tive isso tão instantaneamente com alguém! É difícil baixar a guarda.

— Você sente falta dela ainda, né?

— Todos os dias – virei-me para ele. – Melhor amiga, lembra?

Por incrível que pareça eu não estava triste em falar dela desta vez. E ele também não parecia triste ao falar do irmão.

— Sim, claro que me lembro – ele respondeu e sorriu novamente.

Então ele se levantou da cadeira e chegou perto de mim, na pia. Senti meu coração se acelerar e minhas pernas virarem geleia. Eu parecia uma adolescente apaixonada! Que droga! Senti sua respiração bem pertinho de mim e ele selou nossos lábios. Nando tinha cheiro de canela, tinha lábios macios e, aparentemente, sabia baixar toda a minha guarda. E foi só isso, só um selinho e se separou de mim sorrindo.

— Vou indo, loirinha.

Mas eu não respondi porque ainda estava muito embasbacada para falar qualquer coisa.

 

Eu não estava entendendo o motivo de Clara ter aparecido em minha casa de maneira tão desesperada. Ela simplesmente subiu as escadas correndo sem sequer ter respondido minha mãe e batia na porta do meu quarto como se sua vida dependesse disso. Abri a porta e minha melhor amiga se jogou no meu pescoço enquanto soluçava.

— Clarinha! – exclamei assustada. – O que houve? O que aconteceu, meu amor?

Ela se distanciou só um pouquinho de mim, o suficiente para eu ver seu queixo tremendo e sua respiração ofegante. Desse jeito estava ficando bastante preocupada, já tinha imaginado as maiores tragédias do século.

— Eu estou grávida.

Levei alguns segundos para processar o que minha amiga estava me falando. Ela namorava Benjamin há um ano, conheceram-se no primeiro semestre da faculdade e se davam muito bem. Eram poucas as brigas, apesar de algumas serem homéricas. Os dois tinham um gênio bastante forte, mas era nítido para quem quer que os visse que se amavam. Muito. Eles eram bem novos mesmo, não tinham terminado a faculdade e provavelmente Clarinha teria de trancar quando estivesse próxima de ter o bebê... Meu Deus! Minha melhor amiga estava grávida!

— Por que você está desse jeito? – perguntei levando-a até minha cama para tentar acalmá-la.

Clarinha fungou e tirou seus cabelos negros do rosto. Olhou em meus olhos e deu um meio sorriso. Talvez naquele momento ela estivesse vendo que não era o fim do mundo.

— Porque eu estou confusa – ela respondeu sem chorar. – Eu amo o Benjamin, quero tudo com ele: casar, construir uma casa linda, ter vários e vários filhos, viajar para todos os lugares do mundo com minha família e com você, é claro. – Ri pelo nariz. – Mas agora, Fabi? Um filho agora? Antes de terminar a faculdade? Isso me pegou totalmente desprevenida.

Inconscientemente ela levou as mãos até a barriga. Naquele momento eu tive certeza de que ela não estava triste por ter um filho, mas estava triste pelo julgamento de todos, por ter que trancar a faculdade de jornalismo que ela amava...

— Clara – peguei suas mãos e as entrelacei com as minhas –, vocês podem ser novos, mas se amam muito. Vocês vão conseguir lidar com tudo, tenho certeza disso! Você já contou pro Ben?

Seus olhos se encheram de lágrimas novamente.

— Eu só soltei que estava grávida e saí correndo da casa dele para não ver sua reação. Vim direto pra cá. Eu podia me decepcionar com a reação de Ben, mas sei que nunca iria me decepcionar com a sua.

Sorri até um pouco emocionada. Abri minha boca para falar novamente, mas ouvi barulhos vindo de lá de baixo. Até um pouco exaltados.

— Por que esses jovens não estão sequer me respondendo? – minha mãe gritou brava e eu ouvi passos vindo da escada.

Clara arregalou os olhos para mim. Era Ben!

— Fecha a porta! – ela sussurrou exasperada.

— Claro que não! – protestei em sussurro também. – Ele veio até aqui!

Então Benjamin apareceu no batente da porta e soltou:

— Clarinha! – ele exclamou. – Você nem me deu direito de responder!

— Eu não quero ouvir, Benjamin – ela se virou de costas para não olha-lo. – Sei que nossos planos eram outros, não quero ver sua cara de decepção.

Benjamin olhou para mim de olhos arregalados e eu retribuí. Eu não acreditava que minha melhor amiga pensasse que o amor da sua vida estava decepcionado com a revelação. Na verdade, ele não parecia nada triste. Preocupado? Talvez. Triste? Não.

— Deixa o Ben falar – eu falei de maneira carinhosa e passei a mão em seus ombros tentando fazer com que ela relaxasse. – Eu sei que você está confusa e que tem muita coisa passando pela sua cabeça, mas ele não parece nada decepcionado.

Benjamin olhou para mim com a mais profunda gratidão e eu pisquei para ele como cúmplice. As minhas palavras parecem ter surtido efeito em Clara, porque ela se virou e se deparou com um Benjamin sorrindo emocionado.

— Clarinha, sei que não estava nos nossos planos – ele começou. – Mas e daí? Também não estava nos meus planos te conhecer e me apaixonar tanto! – Eles se aproximaram. – Juro que vou fazer de tudo por você e por essa criança, vamos enfrentar tudo isso juntos, ok?

E quando Benjamin acabou de pronunciar suas palavras, Clarinha se jogou no pescoço dele chorando mais ainda. Ben a abraçou com força e eu percebi que os dois foram feitos um para o outro.

Decidi me juntar ao abraço e exclamei bem feliz o que tirou uma risada de todos:

— Eu vou ser titia!


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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam? Essa cena do flashback é uma das minhas favoritas da Clara e da Fabi. :) qual foi sua lembrança favorita até agora?



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