canção da bruxa escrita por Lyn Black


Capítulo 1
ó lua


Notas iniciais do capítulo

eu não sei o que sairá daqui já que estou escrevendo direto no modo de postagem (sim eu dou essas loucas!)
para escutar enquanto lê: https://open.spotify.com/track/6qxLgxSl2mnME12VdEEmqp



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pela bruxa do mar

 

 Eu vou sair, meu amor, eu vou sair
Eu vou voar sobre teu sonho, eu vou voar
Eu agito os ventos, meu amor, agito os ventos

 

Ela desembaraça os cabelos com os dedos, as unhas roídas com resquícios de tinta. Cantalora a música que a persegue, insistindo em fazer moradia na sua cabeça. Ela dá uma volta e o negrume de seus cabelos a adorna como num ritual. A moça dobra o corpo e depois o estica, numa batida rítmica. 

Sangue pelas suas pernas, uma cor vívida visceral escorre manchando suas roupas brancas. A areia voa a medida que pisa com força, e roda com leveza, reverenciando os mares. Algo a rege, mas não são astros, não é gente, é hemoglobina com ferro. Ela gira de acordo com o eixo terrestre, mas ó bruxa, você parece mais um ser transcendental. 

E a água jorra de seus olhos, mais salgada que a espuma que toca seus pés nus. 

 

E dentro do teu sonho, meu amor, eu vou entrar
Eu vou entrar, meu amor, eu vou entrar
Pelo teu sonho no teu peito, eu vou entrar

 

E seu útero clama pela Lua, querendo fazer amor com satélites. Joelhos ralados na areia, olhos fechados, o mundo se inclina e ela pende de lado a lado, torpe. O bater das ondas é mais entorpecente que qualquer álcool. Vestido encharcado, sangue se lavando com o mundo e uma mulher clamando pela natureza. 

A sua sombra no chão a engrandece, porém, ao mesmo tempo, a diminui, a relegando ao espaço de ponto tridimensional num mundo de quatro dimensões. Não há magia para o tempo e ela gira ensandecidamente tentando adentrar a falsa eternidade do mar.    

Ela parece fascinada por sentir tudo em potência, seu corpo é um, seu corpo é mil, são tantas mulheres ali junto dela, presentes pelo reflexo da Lua no mar. E o oceano ricocheteia contra a costa, clamando por sua  filha. 

 

Eu vou surfar no teu sangue, eu vou surfar
Porque é lua, meu amor, eu vou surfar
Eu vou girar, meu amor, eu vou girar

 

O mar é perigoso, ele pega os desavisados e os traga para as profundezas. Ser filha da maré é ser envolvida pelo seu inconsciente da forma mais violenta e carinhosa possível. O vento chia pelo seu corpo, redemoinho feito de um ardor, devoção e introspecção. Ela continua a dançar, sozinha e sozinha e sozinha. 

O sangue é ela, ela é feita de sangue, ele é correnteza e pressão, é alimento e morte. Ela é seu amor, ela voa pelo mar nunca enxergando seu fim e o céu a beija como amante. Seu peito explode em faíscas e as estrelas acariciam uma irmã. Ela levanta os braços e se agacha, saltando e chutando água pelo invisível. 

Seus olhos são tão abertos, ela é tão gente. O mundo não sabe enxergar filhas da Lua, não sabe. As conchas em seu pé, o carmim em suas mãos e o vômito engolido. O tempo brigou com ela, eles se odeiam, e ela segue no vai e vem do mar. 

 

Na tua língua, nos teus passos vou girar
Eu vou sair, meu amor, eu vou sair
Eu vou sair e do teu lado me deitar

 

Caí na beira das águas, entregue ao que mais teme: ela mesma. 


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Notas finais do capítulo

me encantei. e vocês?



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