Christmas Carol escrita por CrazyCullen


Capítulo 2
Rose & Emmett


Notas iniciais do capítulo

Depois de ser abandonada pela mãe Rosalie achava que não era digna de amor, mas a chegada de um novo morador ao orfanato mostra que nem tudo é como a mennina imaginava.



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Trilha: Sullen Girl – Fiona Apple

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"...Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo."

Clarice Lispector

Toda criança deveria amar o Natal, certo? Bem, não eu. Eu odeio esse dia. Assim como odeio esse lugar, suas regras, seu silêncio, sua monotonia. Um dia sempre igual ao outro. E não é só isso. Odeio aquela vaca que me deu a vida e me largou aqui. Que tipo de criatura repulsiva devo ser para que minha própria mãe me rejeite? Tento me convencer de que o problema estava nela e não em mim, como irmã Cândida vive me dizendo, mas em alguns dias não é assim tão simples – e hoje é um desses dias.

Eu sei que lá fora, além desses muros, os Natais não são como aqui. Lauren fez questão de gritar isso para quem quisesse ouvir quando voltou ao orfanato, alguns meses após ser adotada, para trazer presentes e nos contar como ela era sortuda por ter sido escolhida pelos seus novos papais. Aquela bitch! Ela falou em presentes – reparem, no plural –, em diversos tipos de comidas e sobremesas tão chiques que ela nem conseguia repetir os nomes. Em casa repleta de gente, lareira acesa, bonecos de neve, música...

Não me entendam mal, eu sou grata por ter sido acolhida no St. Joseph's Asylum. Deus sabe o que poderia ter acontecido comigo se a vaca tivesse simplesmente me deixado largada em alguma calçada, mas em alguns dias eu só queria ter uma família como a maioria das crianças. Brincar com minhas bonecas enquanto mamãe prepara biscoitos na cozinha, as duas esperando o papai chegar do trabalho. Depois do jantar, ele me levaria para a cama e me contaria algumas histórias até eu pegar no sono. Nos finais de semana eu colocaria meu melhor vestido e nós iríamos ao parque como uma família feliz.

"Rosalie, a ceia já vai começar. Você não vem, querida?" – irmã Cândida perguntou, colocando a cabeça por entre a porta do dormitório e me dando um grande sorriso quando eu me virei.

"Em um instante, irmã. Vou apenas calçar meus sapatos."

"Não demore. Já estão todos lá embaixo."

Aquele era meu sétimo natal ali, e eu poderia dizer de cor e salteado o que iria acontecer no refeitório. Todas as crianças iriam se sentar ao redor da grande mesa, junto com as irmãs. A Madre Superiora faria uma oração agradecendo por mais este Natal, pela comida que iremos ingerir e então cada um de nós teria direito a um prato de sopa de ervilhas, seguido por um pedaço de peru e uma porção de purê de batatas. E de sobremesa, uma rabanada para cada um. Ao final do jantar Jacob, o rapaz responsável pelos jardins do orfanato, entraria vestido de Papai Noel e distribuiria uma boneca para cada menina e um carrinho para cada menino.

Todos seriam liberados para poder brincar com seus novos brinquedos até às 11h da noite, quando os mais velhos seguiriam com as irmãs para a Missa do Galo na Igreja adjacente ao prédio. Eu odiava a Missa do Galo. Eu tento, mas não consigo não prestar atenção nos olhares de pena que recebemos quando entramos na Igreja e nos burburinhos do tipo 'pobres dessas crianças. O que será delas quando crescerem?'

Com um suspiro saí do quarto, tentando dizer a mim mesma que não tinha importância, que eu seria capaz de passar por essa noite por mais um ano. Seriam apenas algumas horas até eu poder voltar para a minha cama e os meus pensamentos. Irmã Cândida tinha razão, já deviam estar todos no refeitório, já que não encontrei viva-alma enquanto descia as escadas e seguia pelo corredor. Foi então que resolvi tomar um rumo diferente e entrar na capela, já que ninguém sentiria minha falta, mesmo.

Aquele era meu lugar preferido em todo o orfanato. Sentada no chão atrás do altar ninguém conseguiria me ver, a não ser que chegasse muito perto, e dali eu poderia admirar a imagem da Sagrada Família. Aquele quadro me encantava desde que eu era muito pequena. Maria tinha um olhar de verdadeira adoração para a criança em seus braços enquanto José parecia admirar a cena, mesmo aquela criança não sendo seu filho. Por que eu não podia ter uma família como aquela? O que eu não daria para receber aquele tipo de olhar, para ter quem realmente me amasse como eu sou.

Amor, a palavra que parecia ser a chave para tudo. As irmãs do orfanato, Padre Charlie, todos viviam dizendo que o amor era a solução, que precisávamos amar uns aos outros, mas eu sabia que nunca saberia o que esse sentimento significava. Se minha mãe não me amara, como eu poderia fazê-lo?

De repente o som de passos apressados e uma voz fina, que não parecia compatível com o tamanho de seu dono, me fez tirar os olhos da imagem à minha frente, trazendo meus pensamentos novamente para a capela do orfanato.

"Eu sabia que te encontraria aqui."

Ai, meus deus, como era mesmo o nome dele? Edward? Emerson? E...?

"Eu sou o Emmett. Você é Rosalie, certo?"

Emmett. Era isso. Eu tinha ouvido as irmãs comentarem sobre o novato. Ele havia chegado há algumas semanas e ninguém sabia quem o havia deixado ali; ele simplesmente não falava sobre o assunto, e sempre que alguém perguntava alguma coisa que pudesse esclarecer a situação, ele dizia apenas que não se lembrava.

"O que você está fazendo aqui?" ignorei a sua pergunta, respondendo-o com outra pergunta.

"Você perdeu a ceia e também a entrega dos presentes, então eu trouxe algo para você comer e a sua boneca." – ele disse, abrindo um sorriso que me fez pensar que eu nunca havia visto algo tão belo. As duas covinhas que se formavam quando ele sorria o deixava com um ar angelical, e a sensação era de que nada de ruim poderia acontecer no mundo enquanto aquele menino sorrisse.

"Obrigada." – falei meio sem jeito, pegando o prato que ele tinha nas mãos e colocando à minha frente. "Como conseguiu isso?" – perguntei ao me dar conta do conteúdo do prato. Duas fatias de peru, pão com geleia de rosas, duas rabanadas e um copo de suco de uva.

"Eu tenho meus segredos." – ele respondeu piscando.

Eu não tinha percebido como estava faminta até aquele momento, então praticamente ataquei a comida à minha frente, me sentindo um pouco tímida ao ouvir a risada baixa ao meu lado.

"Eu não comi nada o dia inteiro ok?" – falei em uma tentativa estúpida de me justificar.

Ele apenas deu de ombros, virando a cabeça em todas as direções, como se olhasse para a capela pela primeira vez e procurasse por algo. Aproveitei este momento para observá-lo. Ele tinha a pele bem branquinha e os cabelos loiros caindo em cachinhos pelo rosto. Suas maçãs do rosto eram bem cheias, permitindo que as covinhas se formassem quando ele sorria. Ele parecia um anjo daqueles que enfeitavam os livros que irmã Cândida lia às vezes.

"Por que você está sempre escondida neste lugar?" – ele perguntou de repente, me fazendo corar ao me pegar olhando fixamente em sua direção. "O que tem aqui que eu não estou vendo?"

"Como você sabe que eu estou sempre aqui?"

O garoto ao meu lado pareceu pensar um pouco antes de voltar a falar, como se pensasse se deveria ou não dizer alguma coisa.

"Quando eu cheguei aqui e te vi na aula de catecismo, perguntei quem era e Jessica me disse que eu deveria ficar longe de você para o meu próprio bem. Ela me disse que você não se mistura com as outras crianças e que acha que é melhor do que os outros só porque os meninos te acham bonita, embora ela nem te achasse tudo isso. Eu então disse que você era muito bonita sim, e que eu não acreditava nela. Desde esse dia eu passei a te observar, e fosse que dia fosse você sempre acabava aqui na capela."

Tentei engolir a dor ao ouvir o que Jéssica tinha dito a meu respeito. Não que eu não soubesse que as outras crianças falavam de mim pelas costas, mas ouvir aquilo doía. Mas então aquele desconhecido me defendera e ainda me chamou de bonita. Era a primeira vez que alguém que não fosse uma das irmãs me dizia isso.

"Você... você me acha bonita?"

"Claro que sim. Você foi a primeira pessoa que eu vi quando cheguei aqui. Eu estava triste, me sentindo sozinho, e então eu te vi, linda no balanço. O sol estava batendo sobre você, e parecia iluminar tudo ao redor. Achei que você fosse um anjo." – ele disse, parecendo tímido de repente.

Anjo, eu? Aquela poderia ser a piada do ano. Eu não me achava superior como Jessica havia dito, mas como eu poderia ser um anjo? Se isso fosse verdade, minha mãe não teria me abandonado. As pessoas querem ficar perto dos anjos... e ninguém quer ficar perto de mim.

"E então?" – ele perguntou, me tirando novamente dos meus pensamentos.

"Esse quadro." – falei apontando para o quadro da Sagrada Família à nossa frente.

Ele pareceu analisar a pintura por algum tempo antes de se virar novamente em minha direção.

"O que tem o quadro?"

"É bobagem, mas eu sinto uma certa inveja de como Maria e José olham com admiração e amor para o menino Jesus. Eu fico aqui olhando e imaginando como seria ter uma família, ter pais que me olhassem dessa mesma forma."

"Antes de morrer, minha mamãe me disse que ela estaria sempre olhando por mim lá do céu. Se você quiser, a gente pode rezar e pedir pra ela olhar por você também. Vamos?" – ele perguntou se colocando de joelhos e juntando suas mãos à frente do rosto, me olhando com expectativa.

Me coloquei de joelhos ao seu lado enquanto o ouvia dizer baixinho.

"Oi, mamãe. Eu estou com muita saudade, mas estou bem. As irmãs cuidam bem de mim aqui. O Natal não se parece com os que tínhamos em nossa casa, mas também não é ruim. Mas hoje eu queria pedir uma coisa pra senhora, mamãe. Essa menina bonita aqui do meu lado é a Rosalie, e eu queria pedir pra senhora cuidar dela também, como a senhora prometeu que faria comigo. Ela é um anjo, mamãe, mas isso eu acho que você já sabe, não é? Afinal, você sempre soube de tudo. Amo você, mamãe. Amém!"

"Amém!" – repeti entre minhas lágrimas.

Assim que acabamos de rezar, alguns fogos estouraram no céu enquanto o sino da igreja ressoava as 12 badaladas.

"Feliz Natal, Rosalie."

"Feliz Natal, Emmett. Obrigada por me dar o melhor presente de Natal que eu já ganhei."

Por alguns segundos ficamos nos encarando no silêncio da capela até que, me pegando totalmente desprevenida, Emmett me puxou para os seus braços, me dando um abraço como eu nunca recebera antes, enquanto murmurava que tudo iria ficar bem e que ele me protegeria de tudo.

E pela primeira vez em minha vida eu soube que não precisava mais sentir medo. Eu finalmente tinha alguém que olharia por mim e independentemente do que eu tivesse que fazer daqui pra frente, eu nunca permitiria que algo apagasse o sorriso do garoto ao meu lado.

FIM


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