Crescendo - Shirbert escrita por Sabrina


Capítulo 14
O aniversário de Gilbert




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***

— Tem certeza que esse é o lugar ideal pra comprar o presente dele? – disse Diana. – A loja de penhores?

— É o mais barato que há, e não posso gastar muito – falei.

Ruby, de costas para nós e de frente pra vitrine, olhava uma bússola velha.

— O que acham disso? Ele foi marinheiro, deve gostar.

— Acho que não – disse Diana. – Tente algo mais... especial.

— Especial – ela repetiu, e saiu à procura. Minha melhor amiga foi pro lado oposto e eu fiquei ali, olhando o que já estava por perto.

Por fim, ficamos uma hora na loja escolhendo nossos presentes. Ruby acabou por ficar com a bússola mesmo, e Diana com um termômetro (pra quando ele for médico, ela disse), e eu escolhi uma caneta-tinteiro. Gilbert não tinha uma, pois era um luxo que dizia não poder dispor. As cartas que me escrevia eram sempre a lápis. Foi difícil convencer o vendedor a baixar o preço que me cobrou, mas consegui pechinchar com algumas histórias.

— Ele vai amar, Anne – dissera Diana. – Espero que também goste do meu presente.

— Tenho certeza de que vai. Ele achará que é um incentivo.

— Vocês viram o que eu comprei pro Billy? – comentou Ruby. – Será que ele vai gostar?

Além do presente de Gilbert, ela havia comprado um para Billy, seu atual namorado. Era um relicário antigo onde pretendia colocar uma foto sua. Quando o viu, Diana disse que Ruby devia ceder o objeto a mim, pois seria a escolha perfeita, mas falei que não queria. Gilbert precisava de uma boa caneta, não de uma foto minha. Elas não pareceram entender.

— Billy amará – falei, embora não acreditasse nisso.

A garota sorriu, feliz da vida, e apertou o relicário contra o peito. – Quero só ver o que ele me dará no meu aniversário!

— Ruby, você sabe que Billy não está fazendo aniversário, não sabe? – perguntou Diana.

— Sei, mas um presentinho é sempre bom pra adoçar o romance – e piscou um olho, nos fazendo rir.

Foi uma tarde divertida. Nós encontramos Cole num restaurante para tomarmos chá, e lhe mostramos nossas escolhas de presente.

— O meu é melhor – disse ele. – Como não irei a festa, uma de vocês pode entregar por mim?

— A Anne entrega – disse Ruby. – Agora mostra, estou curiosa!

Ele sorriu acanhado e pegou um papel da bolsa. Quando o desenrolou, prendi a respiração. Era um desenho extremamente realista de Gilbert, só que ele usava jaleco e tinha um estetoscópio pendurado no pescoço. Ao seu lado, eu usava meu lindo vestido verde e tinha flores no cabelo.

— Cole! – exclamei, suspirando. – É fenomenal! Não tenho palavras!

Ele riu, meio tímido. Sempre ficava tímido quando se tratava de sua arte.

— Deixar Anne Cuthbert sem palavras é algo raro de se conseguir – exclamou, nos provocando risadas. – Mas fico feliz que tenha gostado. Imaginei que podiam emoldurar ou algo assim.

— É perfeito! – exclamei. – Emoldurado ficará melhor ainda!

Não consegui parar de sorrir pelo resto do chá, até Cole nos contar seus planos.

— Minha bolsa de estudos na escola de Belas Artes da França já está acertada. É a faculdade dos sonhos, ainda nem acredito que consegui. Tia Josephine promete que me ajudará com as despesas. Partirei em setembro.

— Precisa me mandar perfumes – disse Ruby. – Adoro perfumes franceses.

Já sabíamos que Cole havia conseguido a bolsa pela carta que havia nos mandado, semanas atrás. Ficamos felizes, mas agora que ele falava em partir... de repente a ficha caiu.

— Mandarei – ele sorriu. – Mandarei perfumes para todas vocês. Aliás, como vão seus planos?

— Eu ainda não escolhi uma faculdade – disse Diana. – Mas Anne será professora e Ruby...

— Irei me casar com Billy! – terminou a mesma, sonhadoramente.

— Fico feliz por você – disse Cole. – Mas espero que compreenda o motivo de minha ausência no casamento.

O clima ficou subitamente estranho. Todas lembrávamos no acidente na escola, que resultou na orelha queimada de Billy. Ruby parou de sorrir. Diana baixou o olhar, constrangida. Eu fiquei séria.

— E Gilbert? – disse Cole, tentando mudar de assunto. – Já decidiu onde vai estudar?

— Onde conseguir – respondi.

— Mas e vocês? – perguntou.

— Não sei – respondi, desviando o olhar. – Não conversamos sobre isso.

Tomamos o chá depressa para terminá-lo e nos livrarmos daquele clima melancólico. Nos despedimos com um abraço apertado na estação, e Cole sussurrou no meu ouvido “vou sentir sua falta”, ao que eu sussurrei de volta, “eu também”.

***

Uma coisa rara aconteceu: eu me sentia bonita. Usava meu vestido favorito, o verde, que ganhei de aniversário, e minha mão havia sarado, de modo que não havia mais gases sobre ela. O cabelo estava solto, com um laço verde enfeitando-o na parte de trás, para combinar com o vestido, e ainda calçava os belos sapatos que ganhei de Diana.

Quando a carroça parou frente à casa dos Blythe, fui a primeira a descer e entrar. Música animada saia de uma antiga vitrola, e Mary e Sebastian conversavam e riam enquanto dançavam pela sala. Eram o casal mais bonito da festa, e um dos poucos. Diana dançava com Charlie, e Ruby com Moody, que não parava de sorrir para ela. Billy, para o prolongado lamento da namorada, não fora convidado. Encontrei Gilbert sentado no sofá, bebericando o que parecia ser licor e observando a todos. Usava seu melhor terno e estava lindo, mas não parecia se divertir. Quando me viu se aproximando, sorriu.

— Feliz aniversário – falei, me sentando ao seu lado. – O que está achando da festa?

— Legal – respondeu, embora o sorriso não alcançasse os olhos. – E você, o que está achando?

— Formidável! Trouxe o presente de Cole e o meu.

Ele baixou os olhos para minhas mãos, que traziam um embrulho e uma caixinha pequena. Entreguei os dois, e Gilbert abriu primeiro o embrulho. Se deparou com desenho de nós dois que Cole fizera.

— Uau – exclamou. – Ele me desenhou mais velho. Voltou mesmo a desenhar...

— Graças a tia Josephine – falei. – Mas ainda assim, não é como antes... Ah, esse que você está abrindo agora é meu. É uma...

— Caneta-tinteiro – Gilbert a segurou com delicadeza diante dos olhos. – Anne, deve ter custado uma fortuna!

— Consegui pechinchar – argumentei. – É pra que me escreva cartas quando estiver longe, na faculdade de medicina.

Gilbert baixou a caneta e me olhou de modo penetrante.

— Você é maravilhosa – disse. – Obrigado.

Ele se inclinou e me deu um beijo casto e suave na bochecha.

— Quer dançar? – perguntei quando ele afastou o rosto, agora sorrindo, um sorriso que alcançava os olhos.

— Você é tão independente – disse, se levantando e me estendendo a mão, a qual aceitei. Fomos para o centro da sala e nos abraçamos para dançar juntinhos uma música lenta qualquer. Deitei a cabeça sobre o ombro de Gilbert e fechei os olhos, sentindo seu nariz roçar na ponta da minha orelha. Quase disse eu te amo.


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