Os Bolseiros escrita por Angelina Dourado


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Vim trazer essa one bonitinha e curta sobre a família mais amorzinho da Terra Média. Espero que gostem do resultado, boa leitura! ♥
Incrível que mesmo minhas histórias de classificação livre possuem drama, fazer o que né, temos um padrão pelo jeito
¯_(ツ)_/¯



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Em uma toca no chão, um hobbit foi incomodado.

Quem poderia bater em sua porta em pleno segundo café da manhã? Se não fosse para complementar a mesa com algum outro quitute, Bilbo Bolseiro como qualquer outro hobbit sabia que tal gesto era uma verdadeira falta de educação. Mesmo que tivesse perdido grande parte do respeito do Condado após ter ‘’reaparecido dos mortos’’ e viver mais isolado do que outrora, ainda assim pensava que merecia um pouco de consideração da parte dos outros moradores.

— O que os traz à uma hora dessas? – Questionou tentando parecer o mais cordial possível, mas há tempos já havia perdido a paciência para tais etiquetas. Ainda mais quando quem batia em sua porta eram os Sacola Bolseiro, coisa que já poderia ter imaginado. Deveria ter usado o anel, pensou já arrependido de sequer ter atendido o chamado.

Contudo, algo não estava certo, e não era somente pela interrupção de seu segundo café da manhã. Otho e Lobélia não portavam nenhum olhar mesquinho e de desdém em sua direção, sequer pareciam descontentes com seu comportamento como sempre. Bilbo pode sentir o peso que recaiu entre eles antes mesmo de ouvir todas as palavras do que vieram anunciar:

— Drogo e Prímula faleceram.

O que sucedeu a partir disso foi uma confusão de casacos sendo colocados, o café completamente interrompido e a partida de casa com as mãos estremecendo de nervosismo na hora de trancar sua porta. Não que hobbits realmente tivessem o costume de fecharem suas tocas, pois roubos e assaltos eram especialmente incomuns na região, mas Bilbo tornara-se mais desconfiado e protetor com suas coisas desde que havia voltado de sua aventura e assim começou a ter tal costume.

Em menos de uma hora no meio de tal tumulto de emoções e passos, Bilbo se viu no meio de todos os parentes e conhecidos. Como se tudo naquele dia já não fosse triste e enternecedor o bastante, todos ao redor dele em sua grande maioria viravam o olhar em sua presença, tirando alguns amigos próximos como os Gamgee e os Tüks. Para Bilbo era estranho pensar que já havia se dado tão bem com todos eles (menos os Sacola Bolseiro, jamais foi com a cara deles), dividido sua mesa de jantar, visitado suas casas, conversado e rido junto a suas histórias. Foi preciso uma única mudança em sua vida para se ver com mais dedos nas mãos do que amigos, e apesar de Bilbo concordar que a jornada para Erebor havia o transformado em outro hobbit, não imaginava que o Condado pudesse ser um lugar tão fechado quanto sempre jurou desacreditar.

Entretanto os cochichos e olhares em sua direção ele podia facilmente ignorar, pois naquele momento não estava preocupado com isso. Drogo e Prímula não haviam sido como aqueles que lhe deram as costas, mas Bilbo lamentava que tivesse se afastado deles já havia um tempo, agora só retornando a encontra-los em seu funeral. Por que não havia feito uma visita a eles alguma vez depois da jornada? Questionava-se arrependido e verdadeiramente desolado com aquela tragédia. Eram ainda tão jovens e com uma vida inteira pela frente junto ao filho pequeno que tinham...

O filho. Seu primo. Frodo.

Percorreu os olhos eufóricos pelos campos que delimitavam o Bolsinho, olhando cada um dos rostos tristes e chorosos dos hobbits presentes até encontrar uma figura pequenina e conhecida próximo dos Tüks e Brandebuques. Ele parecia ter crescido desde a última vez que o havia visto, correndo alegre pelas ruas do condado em alguma travessura com seus primos, mas não parecia fazer muita diferença dado a forma como estava encolhido e cabisbaixo como um caramujo a se esconder em sua concha. Os olhos de um azul límpido, um tanto raro entre hobbits, estavam marejados. Mas o pequeno já não parecia ter forças para chorar ainda mais.

O que seria daquela criança? Com quem viveria agora? Bilbo pensou por alguns momentos, não demorando muito para ligar os pontos ao repassar em sua mente toda sua árvore genealógica, concluindo algo que não estava esperando a revelação. Ele era um dos parentes mais próximos de Frodo.

Seria seu dever tomar a guarda do garoto? Afinal todos os outros hobbits possuíam suas próprias famílias e obrigações, enquanto Bilbo morava sozinho no grande Bolsão. Sabia que nenhum de seus parentes negaria abrigo para Frodo, mas a realidade é que ele era o único que agora poderia dar toda a atenção que o menino precisava. Em outras tocas ele provavelmente se tornaria somente um agregado, ofuscado pelos assuntos próprios daquelas famílias. Bilbo não gostava dessa alternativa, mas também tinha dúvidas se ainda assim ele era a melhor opção.

Sequer pensava em se casar um dia, quem dirá se ver rodeado de crianças! Adorava elas, mas nunca pensou em ter alguma convivendo o tempo todo junto a ele. Pouco sabia como cuidar de uma, afinal era filho único e nunca tivera tal tipo de obrigação. Temia não conseguir dar conta de tamanha responsabilidade, não desejando tornar a vida do primo ainda mais difícil do que estava sendo naquele momento. Bilbo apreciava muito a própria solidão e tinha dúvidas se agora conseguiria abrir mão da mesma.

Resolveu se aproximar do primo, que conversava em murmúrios com Esmeralda Brandebuque e seu filho Meriadoc que era da mesma idade de Frodo.  Cumprimentou os Brandebuques e Tüks cordialmente e deu as condolências ao menino que agradeceu em um suspiro cansado de cortar o coração. Ficou junto às duas famílias por um momento, sentindo-se um pouco mais leve ao estar junto a um grupo de hobbits que ainda não o desprezava. 

— Se não for inoportuna a questão, mas Frodo está a encargo de quem no momento? – Bilbo indagou em certo momento para Esmeralda em um sussurro enquanto Frodo estava distraído ouvindo as conversas do primo.

— Passou a madrugada e a manhã conosco, mas não sei o que será depois disso. Saradoc sempre diz que é um perigo deixar esses dois juntos, mas se preciso não nos importaríamos de tomar conta dele se os Sacola Bolseiro já não estivessem interessados em abriga-lo. – Ela respondeu fazendo o hobbit erguer as sobrancelhas de surpresa.

— Os Sacola-Bolseiro?

— Sim eles mesmos.

— Oh. – Foi tudo que Bilbo conseguiu dizer ao ter esta surpresa. Só de imaginar o pobre Frodo vivendo no mesmo teto que as pessoas mais egocêntricas de todo Condado era o bastante para lhe causar pesadelos, trazendo em seu interior um desespero e urgência da qual nem toda cautela do mundo pode impedir Bilbo de dizer as seguintes palavras. – Bem, o Bolsão possui diversos quartos vazios e eu vivo sozinho naquela imensa toca. Por isso estive pensando em eu mesmo tomar conta de Frodo depois do terrível acontecido.

— Senhor Bolseiro! Senhor Bolseiro! – O peso de sua declaração foi interrompido pelos puxões em sua camisa e a voz estridente e curiosa do pequeno Meriadoc que lhe observava com os olhos brilhando e um largo sorriso no rosto. Uma inocência infantil que ainda não sentia por completo o peso de momentos como aquele. – É verdade que em sua aventura você lutou contra dragões?

— Oh... Bem, na verdade... – Pigarreou de forma confusa com a mudança repentina de tópico, não demorando para o menino receber um puxão de orelha de sua mãe e reclamar da repreensão.

— Deixe de ser intrometido Merry!

— Está tudo bem, tudo bem. – Bilbo declarou sinalizando com as mãos para todos se acalmarem, focando seu olhar no pequeno hobbit. – Os boatos possuem mais imaginação do que imaginei... Só havia um dragão, o que não deixa de ser impressionante por si só, porém... Eu somente conversei com ele, um pouco, depois claro que precisei fugir de suas garras. Mas cheguei bem perto de um isso é verdade.

As crianças eram o único grupo que realmente adoravam as histórias sobre sua jornada para Erebor, sempre perguntando sobre suas aventuras e pedindo para que contasse e recontasse as histórias de novo e de novo.  Havia algo em seus olhares curiosos e repleto de sonhos que o fazia lembrar-se de quando ele mesmo era um pequeno hobbit, que gostava de perambular além os limites do Condado e ler os seus adorados livros de fantasia.

Merry alargou ainda mais o sorriso ao ouvir aquilo, admirado e pensando mil maneiras de como tal momento havia ocorrido. Até mesmo Frodo absorto no próprio luto, desviou um pouco o olhar de tristeza para fitar de soslaio na direção do hobbit mais velho. Os olhos azulados parecendo olhar em direção da alma de Bilbo, parecendo um sinal de que ele era o hobbit certo a ajudar aquele menino.

— Que tal vocês dois procurarem por Pippin? Assim eu e o Senhor Bolseiro poderemos conversar. – Disse Esmeralda para os garotos e Meriadoc foi o primeiro a sair saltitante no meio do povo, levando Frodo quase a contragosto pela mão.  – Está pensando em levar Frodo para o bolsão? Agora refletindo, creio que você é o parente mais próximo dele, logo possui mais direito que os Sacola Bolseiro. Se o fizer, será muito gentil de sua parte Bilbo, tenho certeza que Frodo estará em boas mãos.

Bilbo agradeceu, dando um sorriso nervoso. Esperava que realmente o que Esmeralda dizia fosse verdade

                                                                          ***

Sabia que se tornaria o grande assunto de todo o Condado por meses, na verdade já era capaz de ouvir os cochichos aqui e ali apontando para ele e o menino. Duvidavam que fosse capaz de cuidar de Frodo, logo ele que sumiu por anos e voltou como um hobbit de trejeitos estranhos, como alguém tão impulsivo e irresponsável dessa forma poderia cuidar de um órfão?! Havia deixado de ser o respeitável Sr. Bolseiro para se tornar apenas o hobbit maluco que deixou o condado para correr atrás de tesouros e dragões. Mas a maior lástima é que o próprio Bilbo se via fazendo tais represálias a si mesmo vez ou outra.

Não precisou lutar muito pela guarda de Frodo, com uma simples conversa com o prefeito do condado tudo fora resolvido, afinal como parente mais próximo era o esperado que tivesse preferência nos cuidados do garoto. No mesmo dia começou a preparar a casa para recepciona-lo, arrumando e tirando o pó de um dos quartos vazios que havia escolhido para ser o de Frodo. No meio dos preparativos Bilbo conseguia se concentrar na organização que tanto adorava fazer, como qualquer outro hobbit, conseguindo apreciar um pouco a ideia de ter mais alguém a conviver junto a ele, quiçá já fosse realmente à hora de deixar a solidão de lado.

Entretanto, ao se dirigir até a casa dos Brandebuques onde o menino estava hospedado, a aflição apossou-se mais uma vez de seu pequeno corpo. Hesitou algumas vezes antes de bater na porta, sendo recebido pelos Buques que já haviam arrumado Frodo com seus principais pertences. Não havia sido combinado, mas como qualquer família hobbit os Buques insistiram que ficasse para o jantar, com Bilbo não tendo opções melhores além de aceitar, pois podia ser visto como desfeita rejeitar um convite para uma refeição. Talvez fosse até melhor do que levar Frodo de forma tão inesperada para casa, pois eram muitas mudanças para apenas uma criança lidar.

Sentou-se ao lado do menino durante a refeição, apesar de acabar conversando mais com o restante dos adultos que lhe enchiam de perguntas acerca de sua vida, curiosos sobre sua rotina mais introspectiva e isolada se comparada ao restante do vilarejo. Contudo, trocou algumas porções de palavras com Frodo, mas recebendo apenas alguns murmúrios como resposta, sem grandes ânimos da parte da criança. Era de se esperar tal comportamento do órfão, mas foi inevitável para Bilbo sentir-se desanimado com a situação, questionando se seria realmente capaz de ajudar aquele pobre garoto.

Frodo tinha somente uma pequena sacola com poucos pertences para serem levados primeiramente, Bilbo teria que arrumar algum dia para voltar á casa de Prímula e Drogo para trazer o resto dos pertences dele. A sensação que dava era de que o garoto não passaria mais do que poucas noites vivendo em sua casa, quando na realidade era o local onde passaria a viver.

Bilbo segurava a pequena trouxa de Frodo em um dos ombros, enquanto caminhava com o garoto segurando em sua mão para guia-lo até o Bolsão. As ruas do condado mesmo a noite eram bem iluminadas, seja pelos lampiões acesos nas portas das tocas como pelos vagalumes que voavam em bando como um céu estrelado a passear. O hobbit mais velho vez ou outra tentava puxar algum assunto com o pequenino, que murmurava uma resposta curta e voltava-se a se fechar em uma expressão abatida com os olhos escondidos pelos cachos de cabelo. O silêncio permanecia em sua maior parte, trazendo um clima de desconforto entre os dois, mais para Bilbo do que para Frodo ocupado demais em sua própria melancolia.

Era compreensível aquela situação incômoda. Ele não havia acompanhado de perto o crescimento de Frodo, quiçá pudesse contar nos dedos as vezes que havia se encontrado com o pequeno, e mesmo assim tal atenção havia sido direcionada aos seus pais com quem Bilbo tinha maior contato. Não passava de um completo estranho ao menino, que provavelmente preferiria ter continuado na casa dos Buques com quem possuía mais afinidade.

Porém, agora Frodo estava em seus cuidados. Logo, Bilbo precisava provar sua confiança ao menino e compreender sua tristeza. Uma tristeza que ele mesmo já havia passado tantas vezes, onde ao olhar para o rosto soturno do primo era capaz de se ver em tal imagem. Também já havia perdido os pais, apesar de não em tão tenra idade, além de possuir ainda um luto recente de caros amigos do qual sentia tanta falta. Uma dor que fazia com que um mero carvalho o trouxesse lágrimas ou sorrisos melancólicos pelas lembranças que o mesmo era capaz de trazer.

— Não é fácil lidar com a perda de alguém, ainda mais das pessoas que amamos. – Disse Bilbo de forma serena, chamando a atenção da criança que levantou os olhos azulados em sua direção, fitando-o com interesse no que dizia pela primeira vez. – É um sofrimento e pesar que não há como esquecer, mas que se torna suportável com o passar do tempo. Pois um dia você será capaz de olhar para o passado e relembrar com ternura sobre eles, sem sentir tanto o sofrimento da perda.

— E quanto tempo isso leva? – Frodo questionou inocentemente, quase em súplica através dos orbes marejados. Surpreso com tal questão, o hobbit mais velho pigarreou nervoso por um instante, até encontrar as palavras certas.

— Oh, bem... Então. Depende de cada pessoa eu acredito. – Bilbo tentou explicar, se atrapalhando na sequência do que queria dizer por alguns segundos antes de retornar a fala. Dessa vez abaixando-se para ficar da altura de Frodo e o olhando de maneira empática. – Eu mesmo ainda preciso lidar com a falta de caros amigos. Alguns dias são mais dolorosos que outros, mas continuo seguindo meus dias da mesma forma que possível, sempre relembrando os momentos que passamos com muito apreço.

— Eram bons amigos? – Frodo indagou ainda com a voz sussurrante, trazendo um sorriso triste aos lábios do hobbit mais velho ao relembrar da maior aventura de sua vida e de todos os companheiros que conhecera. Uns que deixara pela distância, outros que infelizmente jamais tornaria a ver.

— Os melhores. – Afirmou, repousando uma mão no ombro do menino que passou a observá-lo com certa admiração em seus olhos vítreos. – O que quero dizer caro primo, é que mesmo quando a dor tornar-se amena, não irá esquecê-los. Nem deve. Entretanto, também é preciso lembrar-se daqueles que ficam e que se importam com você Frodo. Por isso, espero que possa confiar em mim, pois farei o meu melhor para que se sinta em casa.

— Obrigado Senhor Bolseiro. – Frodo disse com a voz mais firme que anteriormente, parecendo se sentir seguro naquele instante.

— Pode me chamar apenas de Bilbo. – O hobbit mais velho deu um singelo sorriso para o menino que retribuiu o gesto de forma mínima, mas o suficiente para acalmar a atmosfera pesada de antes e acalentar o coração de ambos ao se verem unidos de alguma forma.

Continuaram o restante do caminho até o Bolsão, com o mais velho sentindo a mão do menino segurar a sua com confiança. Um pouco mais tarde, quando os dois Bolseiros já estavam devidamente acomodados na toca, pela primeira vez o pequeno Frodo pediu para que seu tio Bilbo contasse suas histórias.

Histórias que ainda seriam contadas e ouvidas milhares de vezes pelo Bolsão, e que um dia ambos compartilhariam.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, comentem o que acharam! Até a próxima pessoal! ^-^



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