Mártires do Poder escrita por Luiza Socha


Capítulo 1
Capítulo um


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal. Bem vindos à Mártires do Poder, minha primeira história original. Não possuo muito alcance para a história pois sou nova em sites de fanfiction, então se gostar, por favor ajude! Deixe sua opinião sincera e recomende à alguém que você acha que gostaria! Obrigada e boa leitura.



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“Sem um gato, os ratos se sentirão livres.”

                                                       Provérbio russo.

       Em uma noite de segunda-feira chuvosa, luzes fracas de pequenas lanternas iluminavam um grupo de cinco adultos, que, sentados em círculo, ocupavam a antiga área de produtos de limpeza de um supermercado abandonado. A condição do grupo assemelhava-se com um bando de sem-teto: cada um acomodava-se em um assento improvisado; alguns em almofadas velhas, outros em cadeiras de plástico ou travesseiros sujos. Porém, diferentemente de mendigos, aquele círculo não tinha a intenção de invadir o lugar para saquear os mantimentos restantes e vende-los por porções de droga ou torna-lo uma espécie de abrigo; estavam utilizando-o como um esconderijo.

A cidade de Kursk era uma das favoritas dos mais poderosos. Recheada com bases militares de norte a sul, era difícil percorrer suas ruas sem cruzar com militares ou funcionários do governo ( se não fisicamente, através de seus binóculos ou câmeras de vigilância ). As instalações governamentais não eram modestas: destacavam-se com muros de vidro blindado ou cercas elétricas e arquitetura luxuosa em meio a casas, prédios, escolas e departamentos abandonados. A maioria dos grandes locais abandonados estava sobre vigilância ou reforma: os sem-teto eram uma praga indesejada que deveria ser severamente combatida, exterminada. A existência de russos sem rumo e que não contribuíam para o Estado era uma espécie de poluição aos olhos do alto escalão. Uma das antigas unidades do supermercado Kopeyka já não funcionava há anos: localizado ao extremo leste da cidade, ficava longe de qualquer instalação governamental. Com o passar dos anos, o estabelecimento praticamente sumiu do mapa; tornou-se uma paisagem semelhante à um matagal com árvores e plantas altas acrescentadas pela ação da natureza, por isso, ainda era ignorado pelos funcionários do governo. Há algumas décadas, o supermercado encontrava-se ao fim de uma rua sem saída, invisível no presente; o pavimento velho e ultrapassado fora desgastado por tempestades, nevascas e sol, além de ter sofrido a pressão de raízes de árvores e plantas crescendo abundantemente entre as rachaduras. A situação de Kopeyka era perfeita para atender a necessidade de esconderijo de uma quadrilha revolucionária com tendências quase que nômades.

     Os cinco adultos confinados entre os corredores da carcaça do supermercado analisavam materiais em seus computadores, tablets ou celulares. Estavam em expedição na cidade há três dias, atualizando informações sobre as bases militares, as uchrezhdeniye e o progresso realizado naquela localização.

     – Fazia tempo que não vínhamos a Kursk. –  A adulta ruiva quebra o silêncio e procura uma resposta no rosto dos parceiros. Alguns estão muito fixados em seus afazeres para captar a frase, mas o homem ao seu lado a responde.

     –  Sim, fazia mais ou menos um ano. –  Diz o sujeito com olheiras escavas e fortes marcas de expressão em sua face; alguns adultos notam a conversa e levantam os olhares de seus materiais. – Duas novas bases militares foram construídas. Os três uchrezhdeniye foram expandidos em mais de cem metros quadrados. A parte leste da cidade, como da última vez, não apresenta muito trabalho ou evolução, mas eles estão expandindo lentamente os trabalhos: ano passado a obra mais próxima era a 7,5 quilômetros desse mercado, e hoje está a aproximadamente 4 quilômetros. –  A este ponto, a conversa já havia se tornado um discurso, e todos os membros da quadrilha escutavam atenciosamente as palavras de seu líder.

     – Hugo, tenho algumas informações a acrescentar. –  Um dos adultos comenta após o fim do breve relatório. –  A taxa de natalidade dentro dos uchrezhdeniye cresceu desde o último ano: de 0,04 subiu para 0,50 filhos por mulher. – O homem barbado e de cabelos loiros acinzentados pronuncia os dados enquanto confere-os em seu notebook. –  Vocês sabem como isso é estranho. Não sei como eles deram um jeito de fazerem as pessoas terem filhos dentro daquele inferno, só consigo imaginar os métodos doentios que estão colocando em prática. Estupros? Inseminações artificiais forçadas?

     – Não. –  A mulher de cabelos negros e curtos, sentada em uma poltrona bege com alguns furos, ainda digitando em seu tablet, interrompe: – Acho que é algo pior que isso. –  Ela se levanta e caminha até o centro do círculo, põe cuidadosamente seu tablet no chão e um holograma com alguns gráficos, fotos e números é projetado de modo que todos consigam enxergar. – Em todas as últimas cidades que visitamos, as evoluções dos dados parecem muito parecidas: taxas de natalidade mais altas, população idosa diminuindo e quase desaparecendo depois de 60 anos, mulheres com melhores qualidades de vida que homens, e por aí vai. Analisando minuciosamente as informações ao meu alcance e observando o comportamento dos raby pelas poucas imagens de câmeras que conseguimos hackear, eu elaborei algumas teorias.

     O grupo observava os dados organizados juntamente com imagens e anotações feitos pela mulher. A morena voltou a sua poltrona e sentou-se, e quando os membros já haviam analisado todos os aspectos do material criado por ela, voltou a discursar de modo que pudessem escutá-la.

     – Até os dezoito anos as mulheres tem menor carga de trabalho, menos problemas de saúde e recebem algumas recompensas, vivem menos infelizes, como se o Estado estivesse agradando-as de propósito, querendo algo em troca. A maioria das mulheres mais velhas recebem o mesmo tratamento que homens, diferentemente das jovens.

      – Filhos. –  Interrompe a ruiva. – O Estado quer, ou melhor, precisa de filhos dessas mulheres. É inaceitável como não reparamos nestes dados antes. Você fez um ótimo trabalho, Balalaika.

      – Bom, eu entendo por que isso não foi abordado antes. Os dados não eram  tão gritantes, seja o que eles estavam fazendo para conseguir filhos, não estava dando tão certo. Mas agora está. –  A morena responde, compreensiva. – Aí entram as teorias: talvez algum tipo de lavagem cerebral ou hipnose esteja sendo utilizada para convencer mulheres a querer engravidar. Talvez algum tipo de trato seja feito entre o Estado e a mulher, onde o Estado promete algo em troca de uma criança saudável. Joker, você mencionou estupros e inseminações forçadas, mas eu acho que esse não é o caso. Isso resultaria em muitas gravidezes não saudáveis e um grande número de abortos ou indivíduos doentes.

       – Não esperem nada menos que alguma merda doente vinda desse Estado de merda. Devem mentir prometendo liberdade às mulheres, separá-las dos filhos e mandarem elas para trabalhar como escravas para o resto da vida. –  Diz um dos homens, sentado no chão e fazendo desenhos no piso com a ponta de um canivete tático. A argola de ouro na hélice de sua orelha esquerda juntamente com os cabelos organizados em um moicano baixo e desleixado o atribuíam uma aparência mais jovem que os outros membros. – São 23:10, é a minha vez de ir checar os arredores lá fora. Se vocês me dão licença, vou perder parte da reunião técnica de hoje, para a tristeza de vocês –  O homem levanta-se e apanha uma mochila, colocando-a nas costas.

      – Anton, verifique os interiores do mercado antes de sair. Pode ter algo ou alguém aqui dentro. Procure por câmeras escondidas ou objetos suspeitos. –  Solicita a mulher ruiva, fitando o companheiro com respeito. – E tome cuidado, por favor.

       – Está bem, mas só porque você pediu com essa delicadeza toda. Ei, Hugo, acho que Anya devia ser a nova líder, você nunca diria para eu tomar cuidado. –  Anton ri, mas a reação do líder é diferente. Hugo o encara com seriedade, sem esboçar um sorriso em resposta:

       – Já são 23:14. Está atrasado.

        Com um suspiro de insatisfação, Anton retira-se e aos poucos desaparece na penumbra que ocupava o mercado abandonado.

            O restante da noite resumiu-se a discussões e balanços dos dados coletados. As análises deram brecha para novas teorias e ideias sobre o progresso realizado nos últimos meses. O principal objeto de estudo eram os uchrezhdeniye — campos de trabalho que lembram os antigos gulags russos. O resgate do conceito de campos de trabalho fez-se no início do século 22 quando a Rússia estava em uma devastadora crise econômica após uma derrota na terceira guerra mundial contra os Estado Unidos da América. No ano de 2100 os planos para implantar a versão modernizada de gulags ao redor do país começaram a ser discutidos confidencialmente pelo alto escalão russo, e num período de quinze anos, mais de oito mil unidades de campos de trabalho foram construídas. As mudanças foram colossais e ocorreram em um período incrivelmente breve de tempo, isso devido ao perfeito planejamento das mentes cruelmente geniais que ocupavam os mais estimados cargos governamentais. Em pouco mais de uma década, a reforma orquestrada pelo Estado confinou desumanamente oitenta milhões de russos em uchrezhdeniye, onde os ocupantes, antes cidadãos russos ordinários, transformaram-se em escravos geradores de renda para o Estado.

◎ ●  ◎  ●  ◎  ●

A viagem de volta para Biysk fora longa e complicada – do jeito que viagens são quando se é um grupo de pessoas procuradas pelo governo. Diversas florestas russas já haviam sido marcadas com trilhas por foragidos, sem-teto ou até mesmo funcionários governamentais em expedições. A quadrilha havia mapeado digitalmente, com a ajuda de drones, os caminhos mais seguros e utilizados em suas excursões; assim como planejado os horários isentos de vigilância governamental para transitar com, normalmente, motocicletas. Em missões de risco alto, o grupo se separava e utilizava caminhos diferentes para evitar suspeita.

             Biysk, uma cidade quase fantasma na subdivisão Altai, hospedava a sede oficial da corja de rebeldes. O centro era uma construção abaixo do solo, rigorosamente protegida e distante de qualquer agrupamento de pessoas, tanto civis quando militares. Os portões de entrada lembravam enormes e modernos alçapões, de modo que motocicletas e carros entrassem com facilidade; camuflados e sempre cobertos por uma grossa camada de folhas e arbustos, só abriam com o comando de voz do líder, Hugo. A sede era semelhante a um bunker excessivamente espaçoso e moderno: salões de treinamento, academia, depósito de armas, garagem para veículos e outros ocupavam o espaço. O financiamento de tudo era fruto de alianças com países que apoiavam a queda do atual governo russo, e para isso, davam munição ao principal inimigo da Rússia moderna: os próprios russos. A aliança com o governo da Inglaterra foi uma das primeiras a ser realizada: A Rússia unida com os Estados Unidos semeava uma superpotência capitalista a surgir, e a Europa não estava nestes planos. Consequentemente, os país europeus foram notáveis ao fornecer tecnologias de ponta para que os rebeldes lutassem a guerra com bons recursos.

            Ao entrar na sede, Joker arrastou-se até o sofá mais próximo.

             – Deus, nem acredito que estamos em casa. –  Resmungou o loiro, enquanto despencava no enorme sofá branco de chenille na sala de estar. O cômodo era amplo, com três largos sofás ao redor de uma pequena mesa quadrada de vidro fosco; o chão de mármore preto brilhava como sempre.

            – Se eu ficasse mais cinco minutos com aquele capacete na cabeça, eu desmaiaria. –  Diz Balalaika, sentando-se no sofá à esquerda do companheiro. A mulher larga a mochila no chão e descalça as luvas de couro, esfregando as mãos avermelhadas. Depois de alguns minutos, ambos acabam cochilando improvisadamente na sala de estar, abatidos pelo cansaço da viagem.

            Ao atravessar a sede, Anya desce a escadaria que leva aos dormitórios em passos lentos. Nos longos corredores, a ruiva caminha até parar a frente da oitava porta à esquerda; abre-a e observa a filha cochilar. A adolescente assemelhava-se com a mãe na maioria das feições, porém o nariz sinuoso e os olhos escuros eram herança do pai. As madeixas alaranjadas espalhavam-se pelo travesseiro de maneira bagunçada; A mãe aproxima-se e as ajeita delicadamente. Sentada ao lado da filha, observa-a dormir em silêncio. Mãos pesadas pousam nos ombros de Anya, apertando-os levemente, e a mulher reconhece o toque do marido: Hugo.

— Vamos para a cama. A viagem foi longa. – O homem sussurra, próximo ao ouvido de Anya, a qual sorri involuntariamente. As mãos descem pelos braços da ruiva e acariciam-nos em um gesto simples de carinho. Antes de sair do quarto, Hugo beija a testa da filha e a fita por alguns segundos

 

 


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