Para Narcisa Malfoy, a vida não passava de uma obrigação que, se cumprida a termos, poderia ser confortável em alguns momentos. Ela acreditava que todo mundo (e, naturalmente, para alguém como Narcisa, "todo mundo" se resumia a pessoas bruxas) nascia com um destino mais ou menos premeditado, de modo que se um indivíduo fosse suficientemente inteligente para perceber os sinais - a família onde nascera, o gênero ao qual pertencia, os papéis sociais aplicados a ele, as regras de etiqueta adequadas a região geográfica em que se vivia, entre muitos outros detalhes culturais e sociais que gradualmente são apreendidos - esse mesmo indivíduo poderia deslizar pela Terra rumo ao mistério último da existência sem grandes transtornos.
Ela se dedicara com diligência e sentia que havia sido recompensada: gerara e nutrira o único ser humano além de si que era capaz de amar genuinamente. Mesmo agora, vinte e dois anos depois, com as ruínas do seu passado glorioso assombrando-a, com a dor da humilhação pública no pós guerra, com os sentimentos conflitantes em relação ao marido a quem ela não conseguia evitar de atribuir a culpa, mesmo agora, bastava pensar em Draco, seu filho único, para que um fio de algo próximo à alegria perpassasse seu coração. Quando precisava manter a postura em público ou simplesmente se levantar de sua maldita cama dia após dia, bastava evocar a imagem do bebê que ele fora um dia e então ela podia elevar o queixo com orgulho. Os olhos cinza, as bochechas elevadas, o modo como ele se aninhava em seus braços enquanto relutava para dormir... Ela amara cada um daqueles primeiros meses de convivência, emocionada que ele precisasse desesperadamente dela quando na verdade - e isso ela descobrira só depois - era o contrário. Sempre o contrário.
Por fim, ele havia se tornado um menino rápido demais e então só tinha olhos para o pai. E agora... agora ele não tinha olhos para nenhum dos dois, ela assumiu, sentindo o peito endurecer ao encarar a imensa janela de vidro.
Havia escutado as passadas e burburinhos no jardim e deduzira corretamente que Draco estava voltando para casa após ter andado sabe-se lá aonde fazendo sabe-se lá o que com aquela... Garota.
Era difícil não crispar os lábios. Depois que Draco nascera, tudo o que Narcisa queria enquanto mãe era que seu filho crescesse, prosperasse e jamais sofresse. Para ela, o método mais eficaz para que isso se consolidasse, era mantendo-o dentro de regras estreitas e muito bem construídas ao longo de séculos de puro sangue. As coisas haviam saído terrivelmente erradas no meio do caminho e ela assistira, sentindo como uma punição por ter deixado que Lucius tomasse a frente durante todo o percurso, meses inteiros dos pesadelos de Draco que acabavam irremediavelmente em gritos secos e abafados no meio da noite. Vê-lo sofrer daquele modo sabendo que não poderia oferecer nenhum tipo de consolo já que ele a encarava como parte do problema, fora a coisa mais difícil pela qual passara em toda a sua vida. Por isso, quando decidiu que estava na hora de tomar a situação pelas próprias mãos, ela analisara com muito cuidado todas as opções disponíveis, até chegar a uma escolha que tinha nome e sobrenome e lhe parecia perfeita: Daphne Greengrass. Para uma mente limitada como a de Narcisa, tudo poderia ser superado com um casamento apropriado. Isso conferiria a Draco um novo senso de dever e lhe daria autonomia. Era o modo que ela encontrava para lhe passar o bastão simbólico do sobrenome da família, sabendo que o que quer que ele fizesse com isso seria melhor do que o que já tinha sido feito. Era o único jeito que conhecia de dizer que confiava nele e que queria, mais do que tudo, que ele pudesse seguir em frente.
E com Daphne, Narcisa soube, desde a primeira vez que a vira, que seu plano poderia dar certo. Que o futuro poderia ser brilhante. De muitas maneiras a filha mais velha dos Greengrass - cuja linhagem não era tão alta quanto a dos Malfoy ou dos Black, mas que era, ainda assim, uma boa família tradicional de sangue puro - lembrava ela mesma, quando mais nova, e não só pelo cabelo loiro muito bem arrumado. Daphne era graciosa e adequada tanto nos modos como no tom de voz. Além disso, como se para confirmar o seu pressentimento, desde a primeira visita dos Greengrass, quase como um milagre, o humor de Draco melhorara. A princípio, era uma melhora muito sutil para que qualquer um que não se ocupasse vinte e quatro horas do seu bem estar pudesse notar. Mas gradualmente foi se tornando mais nítido: os pesadelos ficaram mais esparsos e Narcisa podia jurar que ao cabo de alguns meses um pouco de cor havia voltado a habitar suas bochechas. Nem tudo era perfeito, ela sabia. A filha mais nova dos Greengrass, por exemplo, lhe causava verdadeiros arrepios. Astoria era indisciplinada e ousada de uma maneira que fazia Narcisa se contorcer involuntariamente. Pensar em passar o resto da vida olhando para aquele rosto insolente e zombeteiro durante comemorações familiares anuais era um preço muito alto, mas que ela estava disposta a pagar. Às vezes uma sombra de preocupação lhe passava pelo pensamento, mas ela o afastava rapidamente. Havia bruxos e bruxas ingratos em muitas famílias honráveis. Na sua própria, inclusive. Além do mais, ela sabia como era ter irmãs que, para bem ou para o mal, eram absolutamente diferentes dela. Talvez, com alguma sorte, em algum momento a menina simplesmente desatasse os nós que a ligavam à família e nesse caso, nenhum contato, mínimo que fosse, seria necessário.