Especial de Natal 2018 escrita por sandsphinx


Capítulo 1
de café e vinho


Notas iniciais do capítulo

Espero de coração que gostem, meus amores ♥
Ladies club, essa é para vocês.
Boa leitura!



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especial de natal 2018
ou
 'de café e vinho'

 

quinze de dezembro, 2018

A cidade ficava maravilhosa no clima de inverno, com as calçadas cobertas de neve e os pedestres vestindo casacos compridos e cachecóis no pescoço. As vitrines eram todas decoradas, também, com luzes piscantes e árvores e guirlandas, e até as pessoas ficavam mais bem-humoradas — esperançosas, talvez, ou empolgadas com o Natal que se aproximava rápido.

O próprio James sempre amara aquela época do ano — em uma casa cheia como a de sua família, o Natal era sempre alto e bagunçado, meias sobre a lareira e muita comida na mesa. Era a única oportunidade que seu pai tinha de esquecer o estresse, sua mãe de superar o cansaço, seus irmãos de deixar de lado as diferenças. Sua irmã tinha o costume de trançar os cabelos castanhos com fitas verdes e vermelhas, e sua prima aparecia nos mais adoráveis vestidos rodados. Eles empilhariam presentes sob a árvore, tendo todos juntado dinheiro durante o ano inteiro para exatamente aquele propósito, e tomariam chocolate quente nos fins de tarde.

Exceto que aquele ano James lhes enviaria tudo por correio, e, por mais que houvesse se dedicado ao máximo aos cartões, não seria a mesma coisa. Sua mãe vinha insistindo que ele participasse da ceia da véspera de Natal por meio de uma ligação de vídeo, mas ele não tinha certeza se isso faria de tudo melhor ou pior, e ainda não lhe dera uma resposta.

Era o preço que pagava pelo primeiro semestre maravilhoso que tivera na faculdade, ele supunha. E ainda assim, apesar da perspectiva de um Natal solitário e da fila consideravelmente grande que se formara na cafeteria naquela manhã, as cantigas que tocavam os alto-falantes traziam um sorriso aos seus lábios. 

James entregou o chocolate quente da garota loira e o cappuccino de seu companheiro de cabelos cheios, lhes desejando um bom dia mais uma vez, e sorriu para o homem atrás dos dois. Ele falava ao celular, no entanto, e checava algo em uma caderneta de capa dura, então mal lhe ergueu os olhos ao fazer seu pedido (um expresso para viagem).

Deu-lhe as costas para preparar o café, tentando não dar atenção ao tom exasperado que tingia sua voz macia porque era apenas educado. Tampou o copo com cuidado, o material já quente contra seus dedos, e precisou esperar uma fração de segundo até que o homem o notasse.

Foi o suficiente para tomar nota de seus cabelos escuros e compridos, que se curvavam atrás de suas orelhas e quase tocavam seus ombros, de seu nariz reto e seus lábios cheios. Aqueles olhos cinzentos encontraram os seus, e o homem demorou um instante para falar.

— Obrigado — disse, então, e inclinou a rosto em um cumprimento muito discreto antes de se afastar em direção ao caixa, o celular ainda junto ao ouvido.

 

dezesseis de dezembro, 2018

Aos domingos, quando trabalhava, James entrava duas horas mais tarde. Vestia sobre uma camiseta branca de mangas compridas e jeans surrados um avental verde escuro que provavelmente dava mais cor a seus olhos pálidos, e ficava até o sol começar a se aproximar do horizonte e o vento a cortar mais frio.

Fins de semana eram sempre cheios, e principalmente agora, quando o centro da cidade estava repleto de turistas e também de pessoas a procura do presente perfeito (James os conhecia bem: para seu pai, sempre roupas; para sua mãe, utensílios de cozinha ou lã para tricô; para seus irmãos, facas de colecionador, qualquer coisa esportiva, mapas elaborados; para sua irmã, o importante era brilho e beleza; para sua prima, algo escolhido com cuidado e muito pessoal).

James se satisfaria com um livro.

Novo, para que ele pudesse apreciar a lombada nunca antes aberta e a capa dura intocada, ou velho, para que ele pudesse sentir as páginas tão lisas entre seus dedos e o aproximar do rosto para cheirar.

Estivera pensando em presentes, tamborilando os dedos sobre o balcão no ritmo da música que tocava e aproveitando do breve instante de calma na cafeteria, quando o sino sobre a porta tocou, e James ergueu os olhos para encontrar o cliente da manhã interior.

Ocorreu-lhe que ele talvez morasse por perto, já que agora passava por lá no fim da tarde, meros trinta minutos antes da cafeteria fechar, e dificilmente trabalharia de domingo. Percebeu também o contraste de seu cachecol muito vermelho com seu casaco comprido preto, e o sorriso que só ameaçava erguer o canto de seus lábios.

Ele se aproximou do balcão em passos lentos, as mãos nos bolsos.

— Boa tarde — disse, e tinha uma voz bastante macia. Seus olhos cinzentos desceram um pouco, cuidadosos e atentos, parando por um instante na etiqueta com seu nome. — James.

James molhou os lábios.

— Boa tarde — devolveu, remexendo as mãos por debaixo do balcão, grato por elas não estarem à vista. — O que... O que deseja?

O estranho sorriu de fato então, um erguer muito suave de seus lábios.

— Um expresso — pediu mais uma vez. — Para viagem.

 

dezessete de dezembro, 2018

Um garoto de talvez vinte anos franzia as sobrancelhas castanhas para a vitrine de cupcakes como se nunca tivesse tido uma escolha tão difícil em sua vida, e sua amiga ruiva cruzara os braços já há alguns minutos, impaciente. James os observava com um meio sorriso, tentando decidir se seu conselho seria ou não apropriado naquele momento.

Além dos dois, a cafeteria tinha apenas seus clientes mais fiéis — os que tinham a boa vontade de acordar tão cedo quando fazia tanto frio só para passar ali, ou os que estavam por perto para trabalho e aproveitam da oportunidade para tomarem uma bebida muito quente.

O forninho apitou, e James se afastou para buscar a forma de croissants (sem recheio, de presunto e queijo, de peru com queijo, de queijo, de chocolate) e os ajeitar com cuidado na vitrine aquecida, checando as etiquetas duas vezes para ter certeza de que os colocara na ordem certa. O garoto optou por um cupcake com muito recheio e decorado com desenhos natalinos tão doce que James não o colocaria na boca nem que lhe pagassem, mas que serviu com prazer.

A melhor parte daquele trabalho, ele refletiu, não pela primeira vez, eram as pessoas — por mais que ele não fosse assim tão bom em lidar com elas.

Talvez estivesse melhorando, no entanto. Conseguiu se manter perfeitamente calmo ao ver o estranho do fim de semana anterior pelas grandes janelas de vidro, e se corou um pouco quando ele entrou e encontrou seu olhar, bem, não havia nada que pudesse fazer sobre aquilo.

Não tinha culpa se aqueles olhos cinzentos pareciam o enxergar por completo.

Engoliu em seco quando ele se aproximou e apoiou os cotovelos sobre o balcão. Ainda não havia feito a barba naquela manhã, aparentemente, e ela apenas começava a nascer, áspera ao toque (não que James estivesse pensando em tocá-la).

— James.

James sorriu. Teria ele lido a etiqueta com seu nome mais uma vez, ou será que se lembrara?

— Um expresso?

O estranho pendeu a cabeça para o lado, muito de leve, ao considerar a pergunta. Seus cabelos compridos eram muito escuros e roçavam seu ombro quando ele inclinava o rosto daquela forma, um contraste bonito com a malha azul de gola alta.

— Hoje não — se decidiu. — O que você tem de especial?

James franziu as sobrancelhas para a pergunta, confuso por um instante, e então olhou rapidamente por cima do ombro para a lousa onde haviam anotadas, em letra cursiva bonita, bebidas clássicas da época. Percebeu que o estranho seguiu seu olhar e leu os especiais com certo desdém, então respirou fundo e se forçou a não estender uma mão para o menu.

Listou os grãos artesanais que tinham, suas diversas marcas e origens, e os que eram preparados com creme ou açúcar ou mesmo puros. O homem pediu também um croissant, então, e foi uma surpresa agradável quando ele se sentou junto ao balcão para comer seu café da manhã.

 

dezoito de dezembro, 2018

Faltava uma semana para o Natal, na cidade inteira as pessoas conversavam em sussurros empolgados enquanto crianças se sentavam para conversar com o Papai Noel (ou um deles, James supunha) em lojas e praças. Àquela hora, ele sabia, sua irmã estaria terminando de organizar sua lista de filmes românticos natalinos (ela escolhia um para cada noite da semana, misturando clássicos e qualquer coisa nova que prometesse uma surpresa agradável).

Ele não trabalhara naquela manhã, mas em compensação ficaria na cafeteria até tarde da noite, durantes as horas relativamente mais calmas.Chegou à cafeteria no horário exato, e se surpreendeu ao encontrar o estranho já sentado junto ao balcão, uma xícara e um livro aberto à sua frente.

Ele fazia anotações na caderneta que tivera na mão naquele primeiro dia, e James se permitiu um instante para observá-lo com curiosidade antes ir cumprimentar Eliza no caixa.

Serviu um casal em busca de chocolates quentes, e então arriscou mais um olhar na direção do homem. Ele nunca passara pela cafeteria antesde sábado,e então vinha vindo todos os dias, e James não sabia muito bem o que fazer daquilo.

Umedeceu um pano para limpar o balcão como desculpa para se aproximar devagar, e seria certo interrompê-lo para o cumprimentar? Ele não fazia ideia se o pouco que se falaram antes era motivo o suficiente.

— Oi — acabou por dizer, estupidamente.

O homem lhe ergueu os olhos cinzentos, apenas começando a sorrir. Pendeu a cabeça para o lado, o observando como se ele fosse uma surpresa não totalmente desagradável.

— James — disse, estendendo o nome em sua voz macia.

— Sou eu — ele concordou, abaixando os olhos. Com as bochechas um pouco quentes, ousou perguntar: — E você?

O homem olhou de relance para o livro a sua frente, talvez considerando se deveria ou não compartilhar o próprio nome. Havia um desenho bonito rabiscado em uma das páginas abertas na caderneta, James reparou, e as anotações eram em uma caligrafia inclinada e elegante, embora um tanto bagunçada, como se ele houvesse escrito com pressa ou distraído.

— Alexander — disse por fim, e fazia o nome parecer muito antigo e muito nobre.

 

dezenove de dezembro, 2018

Alexander, James descobrira, estava fazendo doutorado— em literatura—e tinha na verdade a coragem de sublinhar a lápis seus livros. Ele se sentara, no dia anterior, ao balcão, e estivera realmente estudando, sem se preocupar com as conversas e a música de Natal que permeava a cafeteria.

Confessara aquelas pequenas informações sobre si mesmo com ar distante, indicando com a mão o material a sua frente sem que James precisasse lhe perguntar qualquer coisa, talvez não as considerando de fato importantes. Demonstrara então certo interesse ao perguntar se James estava ele mesmo na faculdade, e assentira devagar ao saber que ele fazia psicologia.

James sentira vontade de lhe contar mais, até, de explicar que era de pessoas que gostava, que queria ajudá-las e fazer o bem e um milhão de outras coisas talvez soassem clichês, e que de que, por algum milagre, ele ainda não se dissuadira.

Mas o sorriso discreto de Alexander revelara pouco — parecia esconder muito — e James optou por não lhe dizer nada. E quando o encontrou, ao chegar para trabalhar na quarta-feira, sentando no mesmo local no balcão, o livro agora fechado a sua frente e fones de ouvido brancos lhe sussurrando algo, não se aproximou de imediato também.

Alexander tinha os cabelos escuros um tanto bagunçados e vestia de novo a malha azul escura, e parecia prestar atenção bastante atenção ao que quer que ouvisse, por mais que desenhasse algo também em sua caderneta. Ele demorou a erguer o rosto, mas, quando finalmente encontrou o olhar de James, o brilho em seus olhos cinzentos foi muito real.

 

vinte de dezembro, 2018

O café era muito escuro contra a xícara branca pequena, e James colocou cuidadosamente um biscoito de canto no pires. Ele era em formato de pinheiro porque aquilo era tudo que tinham esses dias, mas teria o gosto doce dos biscoitos comuns.

Levou o café com cuidado até a mesinha que Alexander escolhera naquela tarde — ele tinha um notebook preto e fino aberto, e digitava rapidamente — e hesitou um instante mesmo após o homem ter agradecido.

— Você... — começou, um tanto nervoso, e escondeu as mãos atrás das costas para parar de mexê-las. — Tem planos para o Natal? — Alexander ergueu os olhos para ele, as sobrancelhas escuras se franzindo um quase nada, e aquela talvez houvesse sido a pergunta mais estúpida possível. — Se... Se você celebrar, isto é. Não sei.

Em casa, todos celebravam. A ideia de que não fosse uma data para todos lhe era inteiramente estranha, e James apenas percebera que este era o caso quando se deparara com quantos tipos de pessoas viviam em uma cidade grande como aquela.

Mas Alexander sorria como se a pergunta desajeitada o divertisse. Inclinou um pouco a cabeça, e devolveu:

—Você tem?

James levou uma mão à nuca, e hesitou.

— Na verdade não. Talvez eu ligue para casa? Não sou daqui, e não pude voltar, então... — Balançou um pouco a cabeça. — Vou trabalhar na véspera. Fechamos às sete.

— Mesmo? — E seria interesse em sua voz baixa? — Eu tenho opções — Alexander lhe confessou — mas costumo ficar em casa.

Ele não parecia, realmente, ser religioso, mas James também sabia que não havia bem como parecer. E a verdade era que ele não sabia nada sobre o homem, nada além de sua aparência e de seus sorrisos pequenos e dos livros que carregava consigo.

Sabia que ele tomava café sem açúcar, leite, ou creme, e que desenhava ao ouvir palestras pelos fones de ouvido. Sabia que seus olhos cinzentos pareciam enxergar muito e que ele parecia não dar voz a nem mesmo metade do que lhe passava pela cabeça, e que talvez não levasse nada daquilo muito a sério.

— Você mora sozinho? — acabou por perguntar, só para descobrir mais alguma coisa.

(Não era bem o detalhe sobre que ele tinha curiosidade.)

Alexander apenas assentiu, quase distraído, e o observou por mais um instante, lhe ofereceu mais um meio sorriso, antes de voltar a atenção ao computador a sua frente. Não perguntou sobre James, o que talvez fosse bom: ele alugava um quarto em um apartamento pequeno onde viviam outros dois caras, e não tinha dinheiro suficiente para morar em qualquer lugar remotamente perto de onde ficava a cafeteria.

James se afastou de volta para detrás do balcão devagar, sem ter certeza, de verdade, do que significavam aquelas pequenas conversas.

 

vinte e um de dezembro, 2018

A mulher tinha cabelos loiros e uma aliança no dedo, e sorria abertamente ao pedir um cappuccino e um croissant de peru com queijo. O homem ao seu lado era muito alto e parecia não acreditar que a conquistara, mas observando seus cabelos escuros e olhos verdes vivos, James ficava em dúvida sobre qual dos dois tinha mais sorte.

Serviu o cappuccino e também a bebida do homem, lançando um olhar rápido para as janelas. Luzes de Natal piscavam nas vitrines das lojas, pontos coloridos na noite escura — já eram quase nove horas, meros quarenta minutos antes da cafeteria fechar, e era impossível não se sentir um pouco decepcionado por Alexander ainda não ter aparecido.

O casal se afastou para uma das mesas, as cabeças próximas e as vozes baixas, presos no próprio mundo. Eram clientes regulares, mais ou menos, e James sabia que se casariam logo.

Abaixou os olhos, brincando com a caneta que usava para anotar pedidos, e imaginou o que um homem faria ao passar o Natal sozinho em casa. Via um apartamento espaçoso e confortável, e uma garrafa de vinho cara parecia ser apenas apropriada.A comida seria boa, é claro — será que Alexander sabia cozinhar?

Seu celular vibrou em seu bolso, sinalizando uma ligação de casa, e James o puxou da calça, lançando um olhar rápido pela cafeteria calma antes de sair para a cozinha. Era impossívelconter o próprio sorriso ao cumprimentar sua irmã.

Lila o informou, muito empolgada, que os presentes que ele enviaria por correio chegaram naquela manhã (e graças a Deus, porque ele estivera preocupado) e perguntou se não seria válido os abrirem antes, uma vez que James não estaria em casa para o Natal e não teria como impedir.

James tinha razoável certeza de que Lila amaria o que ele comprara para ela, então sua ansiedade não pesou seu coração quando ele respondeu que não, é claro que não era válido, e que se ela o abrisse ele sentiria e talvez fosse até sua casa para se vingar.

Sua irmã devolveu que aquilo fora uma péssima ameaça, e mais motivo para abrir o presente, na verdade, e ele teve de sorrir. Confirmou que ligaria para casa em algum ponto entre a véspera e o Natal, e então novamente no dia vinte e cinco, e Lila se seu por satisfeita.

Ele espiou pela janela pequena da porta da cozinha, distraído. Mais tarde, não admitiria que arregalara um pouco os olhos, ou como seus lábios se entreabriram e ele se erguera para enxergar melhor.

Deu a Lila uma desculpa qualquer, e abriu a porta a tempo de dizer a Eliza que ele atenderia o cliente (ela estivera digitando rápido no próprio celular a tarde inteira, então provavelmente ficou feliz por isso).

O sorriso de Alexander foi pequeno e divertido ao vê-lo, e James se aproximou devagar.

— Achei que não fosse vir hoje — admitiu, limpando as mãos no avental. Se sentia estranhamente triunfante, e também nervoso.

— Estive ocupado — o homem devolveu, calmo, e no entanto ele estava , menos de meia hora antes da cafeteria fechar.

James passara os últimos dias cheio de dúvidas, sentindo que as conversas breves que tiveram precisavam ser mais do que mera educação, e até então não tivera coragem o suficiente para tentar descobrir.

— Você não costumava passar por aqui. Antes.

Alexander pendeu a cabeça para o lado. Ele usava um sobretudo preto, um cachecol vinho ao redor do pescoço, e tinha a pele clara das bochechas corada devido ao vento frio. Seus cabelos escuros estavam um pouco bagunçados, também, mas seu sorriso foi o de sempre.

— Não.

Não.

— E não está... — James manteve a voz baixa para que Eliza não os ouvisse. — Não está vindo por minha causa, está?

Os olhos cinzentos de Alexander tinham um brilho inteiramente novo, e ele observou o rosto de James por um instante inteiro antes de responder:

— É uma loja cativante.

Não era uma confirmação, James supunha, mas ele com certeza não estava negando nada. Engoliu em seco, mordendo o lábio, e sorriu.

— Um expresso?

Alexander assentiu.

— Para viagem.

E, quando James lhe entregou o copo tampado, pelo mais breve dos instantes, seus dedos se tocaram.

 

vinte e dois de dezembro, 2018

Coisas que eram possíveis, mas que James não havia antes experimentado: a lembrança de um olhar manter alguém muito acordado de noite, e o ato de se acordar com real empolgação para ir trabalhar.

A cafeteria exigia que ele usasse camiseta branca por baixo do avental, então não havia muito o que se fazer aí, mas ele teve o cuidado de escolher seus jeans mais novos e de lavar bem o rosto, se observando no espelho antigo antes de sair de casa.

James tinha algumas pintinhas no rosto, não frequentes o suficiente para se que passassem por sardas, cabelos castanhos e olhos verdes pálidos que eram os mesmos em toda sua família. Não era uma aparência particularmente chamativa ou atraente, ele sabia, mas ajudava que fosse alto (Alexander ainda tinha um centímetro ou dois de vantagem aí, mas não havia nada a ser feito sobre isso), que seu corpo magro fosse também um pouco forte. Resultado de andar sempre de bicicleta, ele supunha.

Estava sorrindo para si mesmo quando chegou à cafeteria naquela manhã, ao arrumar as mesas e limpar o balcão e colocar os primeiros salgados no forno. Ao atender os primeiros clientes, tamborilava os dedos no ritmo das cantigas de Natal, e caprichou nos chocolates quentes e nos cappuccinos e ao colocar croissants sobre pratos muito brancos.

Já passavam das nove e quarenta, mais de uma hora e meia de ele levantando os olhos em expectativa toda vez que o sino sobre a porta tocava, quando Alexander finalmente apareceu. Ele se dirigiu ao balcão em passos largos, o olhar fixo no de James, e esperou com graciosa paciência ele atender a garota morena de rosa à sua frente.

Tinha um livro de capa dura nas mãos, e usava uma malha de gola alta azul escura. O sorriso em seus lábios era mínimo, quase inexistente, mas havia algo em sua voz quando ele o cumprimentou:

— James.

James não pode evitar sorrir, suas bochechas só um pouco quentes.

— Bom dia — respondeu. — O que deseja?

— Um expresso — Alexander pediu. — E um detalhe. Sobre você.

James franziu um quase nada as sobrancelhas, ciente daqueles olhos cinzentos o observando, e não pôde evitar sorrir.

— Um momento.

Percebeu que o homem se afastou para escolher um dos bancos altos, e arriscou um olhar rápido em sua direção. Alexander tinha o livro aberto sobre o balcão e a cabeça baixa, os cabelos escondendo seu rosto, mas James reparou nos músculos discretos sobre suas roupas, em seus dedos compridos.

Escolheu um biscoito para colocar ao lado da xícara no pires, e se aproximou devagar.

— Nasci em uma cidade pequena — confessou. — Tenho três irmãos mais velhos, uma irmã mais nova. O Natal é meu feriado preferido.

Alexander só sorriu.

Puxou para si o café, inclinou para o lado a cabeça.

— Obrigado.

 

vinte e três de dezembro, 2018

No domingo, Alexander passou pela cafeteria menos de quinze minutos antes dela fechar. James trabalhava no caixa, e se sentiu estranhamente ressentido ao ver Eliza preparar o expresso, tampar o copo, colocar um croissant na sacola de papel.

O homem não disse seu nome ao lhe estender o cartão para pagar, apenas sorriu, os olhos cinzentos brilhando, e então James não lhe disse nada tampouco. Devolveu o cartão e a notinha, e se surpreendeu ao receber de volta uma folha de papel dobrada em quatro.

A desdobrou com cuidado, correndo os dedos pela borda desigual de um dos lados, se perguntando se havia sido arrancada de uma caderneta. Quando a virou, encontrou do outro lado o desenho em carvão de, prosaicamente, uma xícara de café, e um bilhete.

Nasci na cidade. Fui criado por um tio. Tenho duas tatuagens, e se prefiro um feriado a outro, é apenas porque o frio é também preferível ao calor.

Abaixo, um número de telefone.

 

vinte e quatro de dezembro, 2018

A véspera de Natal amanheceu com uma nova camada de neve sobre as calçadas, e o chefe de James insistiu para que todos os empregados vestissem gorros de Papai Noel — o que os deixava um pouco sem graça, mas trazia infinitos sorrisos para os rostos das crianças que passavam pela cafeteria.

Na noite anterior, ele demorara a adormecer. Passara horas brincando com o desenho, sentindo a textura do papel e aprendendo o cheiro — era um perfume suave, mas muito agradável, mas parecia o perseguir desde então. James já decorara o número.

Já o adicionara ao próprio celular, mas não conseguira ligar, ou mesmo mandar a mensagem que fosse. A perspectiva de uma conversa maior, sem poder olhá-lo nos olhos e ao menos tentar ler suas expressões, lhe era quase assustadora, e ele tinha medo também de que a conversa não acontecesse. Que não fosse capaz de mantê-lo interessado, de arranjar assunto, de ter algo inteligente a dizer.

Passou a manhã inteira olhando sobre os ombros, então, esperando vê-lo pelas grandes janelas de vidro, e se descobriu distraído ao ligar para casa no almoço. Sua mãe percebera, ele imaginava, mas provavelmente atribuíra ao Natal que ele passaria sozinho, e não perguntara nada.

A tarde foi mais fácil, por mais que ele tivesse que lutar contra a vontade de puxar o bolso o celular e enviar uma mensagem para Alexander, perguntando se podia esperar que ele passasse pela cafeteria antes dela fechar. Ele sabia que em casa a ceia já começava a ser preparada, que Lila passava pela árvore a cada poucos minutos, de olho nos presentes, que seus irmãos já teriam aberto uma garrafa de vinho.

Mas os minutos passavam e se transformavam em horas, o sol distante fazia seu caminho pelo céu, e James achava difícil não se sentir um pouco decepcionado. Sairia às sete, e não tinha mais planos para a noite do que se sentar sozinho em seu quarto pequeno, do que talvez andar pela cidade à procura de pequenos pontos de luz. Havia alguns livros que gostaria de ler, também. Presentes para abrir, mas esses ele não ousaria tocar antes da meia noite, mesmo que estivesse sozinho e livre para fazer o que preferisse.

Às seis, ele quase perdia a esperança.

Seis e meia, e James parara de sorrir para si mesmo para tamborilar os dedos ansiosamente contra o balcão.

Seis e cinquenta, e se virou ao ouvir Eliza informar um cliente de que fechariam em dez minutos.

Mas Alexander tinha um sorriso nos lábios cheios, os olhos voltados para James. Ele se demorou um pouco no gorro de Natal; o suficiente para que James passasse a mão pelo tecido vermelho, desconfortável, antes de parar no pompom branco na ponta. Ofereceu ao homem um sorriso sem graça, inclinando a cabeça para o lado. Não tivera escolha quanto a usar aquilo.

— Eu sei — Alexander disse, dispensando o aviso de Eliza, e se aproximou do balcão. Estudou James com maior atenção, examinando com cuidado seu rosto, a camiseta de mangas compridas branca já amarrotada nos punhos, o avental verde, os jeans azuis. — Como esteve?

— Bem — James respondeu, juntando as mãos atrás das costas. — Bem.

O homem sorriu. Pendeu a cabeça para o lado, e tirou o cachecol vermelho, o pesado sobretudo preto. Estava usando uma camiseta cinza por baixo, o tecido aparentemente muito macio cobrindo por inteiro seus braços, e seus jeans eram muito escuros. Seus cabelos negros estavam um pouco balançados pelo vento frio, sua pele clara corada.

— Não pude te deixar só — disse. — Não em seu feriado favorito.

— Eu não... Eu teria sobrevivido. — James passou uma mão pelos cabelos, tirando o gorro. — Mas fico feliz que tenha vindo.

Alexander lançou um olhar pela cafeteria já vazia.

— Vocês servem vinho?

James franziu as sobrancelhas para a pergunta. Parte sua queria lembrá-lo de que estavam prestes a fechar, mas optou por puxar um menu de onde já estavam guardados atrás do balcão, lhe oferecendo o papel plastificado em silêncio.

Garantiu a Eliza que conseguiria fechar a loja sozinho, e virou a plaquinha na porta da frente antes de a trancar. Percebeu o olhar desconfiado que a colega lhe lançou ao sair pelos fundos, mas não se importou.

O vinho que Alexander escolheu era caro — especialmente ali — e James supunha que de qualidade, embora não fizesse de fato ideia. Trouxe a garrafa e uma taça para o balcão, e Alexander a tirou da suas mãos para abri-la com a rapidez de quem tinha anos de prática.

— Vamos precisar de duas dessa — disse, apontando para a taça, antes de se levantar e levar a garrafa para uma das mesas junto às janelas. E então sorriu ao vê-lo hesitar. — Vamos. É um mínimo de rebeldia, não acha? E eu vou pagar, é claro.

Devagar, James sorriu de volta.

Apagou as luzes, deixando ligadas apenas as luzinhas de Natal penduradas atrás do balcão, e encontrou outra taça antes de se juntar a Alexander. Ele parecia saber o que fazia ao servir o vinho e experimentar um gole, então James nem se deu a trabalho de tentar fingir entender do assunto.

A cafeteria estava escura o suficiente, silenciosa o suficiente, para que eles pudessem se sentar lado a lado e assistir as pessoas passando na rua, sem fazer ideia de que eram observadas. Alexander falou primeiro, lhe contando sobre o colégio interno onde estudara, sobre os textos que lia para o doutorado, sobre seus clássicos favoritos.

Ele não revelava muito sobre si mesmo, James percebeu, mas cada pedaço de informação que recebia lhe era caro como uma pedra preciosa, e ele se sentia privilegiado até mesmo pelos menores detalhes.

Aos poucos, James admitiu um pouco de volta; lhe contou sobre sua família, seus irmãos e sua irmã, sobre os amigos da faculdade, sobre o que ainda esperava conseguir no futuro.

Às dez da noite, a neve voltou a cair, e eles dividiram um croissant sem recheio.

À meia noite, Alexander finalmente se aproximou mais, traçando cariciais em sua mão com as pontas dos dedos longos, a voz bem baixa ao falar.

Quando se beijaram, seus lábios tinham gosto daquele vinho caro que vinham tomando, e continham em si mil promessas.

 

fim


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Notas finais do capítulo

Gostaram?
Nos vemos nos comentários, my loves ♥
E é claro desejo um ótimo Natal para todos vocês, e, se não nos vermos de novo até lá, um feliz ano novo!
kisses & kisses,
júlia ♥



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