Estrela Branca - Antologia do Amor escrita por PatrickTulher


Capítulo 6
Parte VI - Cidadezinha




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Passei o resto desse dia sem vê-la. Procurei-a, mas não a encontrei. Tudo bem, não havia de ter pressa para tal; decerto iríamos nos rever em algum momento. Ainda me faltava alguns lugares para visitar, e então pus-me em andança. No largo do vilarejo havia alguns moços que alugavam bicicletas.
       Lá pelo largo, avistei os últimos, e aluguei uma vermelha, bonita, embora levemente envelhecida. O preço era bom, e então enfiei-me às alamedas como explorador, pedalando e observando as casas e telhados, os muros e quintais, sempre pequenos e aprazíveis, até alcançar a rota principal.
       Ah, essa sensação de descobrir, de conhecer, são tão boas para a experiência, me enchem de motivação e deleite! Quando jovens, somos tão sedentos dessas honras, posso partilhar de certa nostalgia dos tempos em que imaginava tudo o que agora posso fazer com total liberdade.
       A estradinha era cercada por vasos e cercados, todos envolvidos por ramos e arbustos. De tempo em tempo, cessava o passeio, descansava e admirava a vista. Esta terceira cidade era a menor de todas. Era possível denotar seus limites territoriais com uma simples volta dos olhos. Tinha em mente uma própria concepção do que paisagens como aquelas me faziam sentir e pensar; sabes bem que é normal termos uma impressão das coisas que nos passam.
       Neste dia, me vieram novas opiniões. Aquela cantante, que romanticamente me fazia suspirar, lá estava. Notei-a comprando pães, e ela notou-me notando ela. Me veio simpática e cordial, falando sobre as violetas, os pães, a festa, incessante e animada. Disse-lhe algo sobre aquele novo recanto, tão reduzido e ímpar. Não me recordo dessas falas; mas sei que daí surgiu a prosa que a fez mais valiosa.
       O céu estava bem azul e limpo. O clima a fez gostar de minha posição, motivando-a a me oferecer o serviço de guia. Iria me mostrar todas as peculiaridades e minúcias daquele subúrbio, de modo ágil, mas detalhado.
       E digo que parecia conhecer tudo! Me avisava sobre sobressaltos do chão, becos escuros, ninhos de abelhas. Dizia o nome de cada um que passava, assim citando um causo engraçado que já lhes sucedera. Depois dessas explanações, refletiu; dessas falas me lembro bem.

       — Esta vida é tão curiosa, não? — Disse-me ela.
       — Sim. Curiosíssima. Por que diz isso?
       — Bem, veja só... — Enquanto falava, me apontava as coisas em vista. — Quanta história existe dentro de cada uma dessas coisas..?
       — É, realmente..!
       — Aquele balde, por exemplo; levou água às faxinas do final de semana, trouxe água dos rios e lagos por onde passaram inúmeros peixinhos, alimentou aquele tonel...

       Enquanto ela prosseguia com as reflexões, fui pensando consigo, até cingir-me uma atmosfera nova de pensamento, em que eu me punha a valorizar a vida, os humores e elementos que a compõe. Pôs-me a finco numa realidade ao qual não havia ainda explorado, fonte certa de inspiração que minha breve criatividade trataria de transformar em escritos e por que não, sensações.

— É tão bom isso que falas! — Disse a ela, tamanha a reflexão que me surtira.
       — Ah, não sei se o é..! — Respondeu-me entre risos. — Sempre que compartilho essas coisas com outras pessoas, tratam como fruto de ócio, não sei...
       — Oras, de modo algum. continue me contando!

Pela sinceridade que me confessara, realmente parecia que ela divagava daquela forma sem que os demais a levassem a sério. Não compreendo como; talvez seja pelo fato das pessoas pouco se interessarem por pensar sobre a vida, suas nuances, pormenores... Enfim, ela continuou.

— Oh, vejamos... vê que as pessoas daqui estão sempre de olho pelas janelas? Não há canto que esteja oculto, ou secreto. Ao ganharmos as ruas, mil olhares se caem sobre nós, sempre! São fatos das cidadezinhas.
       — Estão nos observando agora?
       — Certamente. Nos olham, e quando por acaso vêm nos cumprimentar, surgem com um discurso amigável, de quem aprecia compartilhar o que acontece de mais trivial na vida alheia.
       — E por que as pessoas daqui fazem isso?
       — São pessoas simples. Confesso que eu mesma faço as vezes... Por aqui não nos acontece nada, as novidades são tão tímidas, e o que nos resta é dar valor às atitudes, por mais pequenas que sejam. Como disse, são fatos das cidadezinhas...

       Há muito não possuia eu uma prosa assim. Meus amigos escritores não possuiam esse poder de percepção, não sei. Estava além de uma simples conversa; me parecia um estudo.

— Olhe esta rua que aqui passa. Ela desemboca na praça. Aquela logo ali, próxima à padaria? também. Todas as ruas se ligam na pracinha, onde as comadres discutem as coisas da vida, e os compadres jogam cartas.— Disse ela.
       — Você parece gostar muito disso tudo, não? — Pus-me a perguntar.
       — Muito, você não? Nunca visitei uma cidade grande. Imagino que seja caótica como se sugere. Aqui é tudo tão calmo e bonito!
       — Sim... muito bonito!

       Proseamos ali por quase uma hora. Os minutos passaram, carregados pelos segundos, em lento e corriqueiro ritmo, mas que aos prazeres da conversa me pareceram velozes. Tingiu-nos o dourado do sol do meio-dia, percebemos as pessoas saindo para trabalhar com mais frequência, outras voltando do ofício.
       De modo algum ela reclamava. Parecia sempre ter apenas agradecimentos. Dentre os bons frutos, virtudes, bem se verificava sua gratidão pelas coisas que possuía. Fazia questão de pontuar suas alegres ideias com esmero, em tal fluência e harmonia, que chegava a me distrair. De vez em vez me via admirando o menear de seu rosto, seus gestos e momices, esquecendo o que falava, por vezes até suspirando pelos seus encantos.
Já era hora do almoço. Eu não fazia questão de comer, estava sem fome. Porém, não pude recusar o convite dela.

— Creio que a cantina ao lado da igreja abriu, quer tomar um café?
       — Oh, claro!

Caminhamos brevemente em silêncio, pois já havíamos conversado muito. Os moradores da cidade nos olhavam como ela havia dito, cumprimentavam as vezes. Também notei uns senhores recheando os tonéis de água, alguns dando de beber aos cavalos. Tive o prazer até de ser reconhecido por uma senhora que me vira dançar no festival.
       A cantina referida era belíssima. Desfrutava de uma fronte aberta às janelas de um vidro limpo e assaz translúcido. Pintaram-no detalhes em dourado, que contrastava às cores da madeira. Em seu interior, reinava um aroma de boa comida, de molhos, sobremesas, e de café..!

       — Recomendo o café especial. Ele é tão bom, tem uma espuma doce por cima, ah...
       — Pois então, experimentarei-o.

Ela me parecia tão feliz em me mostrar as coisas que conhecia! Talvez fosse um prazer a ela ter contato com alguém de outro lugar. Eu certamente adoraria lhe mostrar as coisas da cidade grande, da capital, de outras regiões, e até de outros países.

— Coma esses biscoitos. Conheço a senhora que os cozinha, é tão simpática!
— Tudo bem, vamos ver...

Eram ótimos. Tudo aquilo me ferveu, estava afoito e com vontade de escrever. A inspiração me caiu ligeira, e bem digo que, por vezes os escritores têm dessas viagens momentâneas. São raras as chances, todavia quando vêm, é certo que virão muitas páginas.
Em seguida me vieram declarações que me deixaram meio triste, meio satisfeito.

— Bem, agora preciso ir! Durante a tarde pretendo preparar as cestas de flores para a venda da semana que vem, e a colheita deve ser feita agora que há luz forte.
       — Oh claro... bem, então irei escrever o resto da tarde.
       — Escrever? escreve livros?
       — Eu tento! romances na realidade ainda me soam difíceis, prefiro crônicas.
       — Que belo..! Deixe-me ler algo, alguma hora!
       — Sim! Prepararei algo, da próxima vez te entrego.
       — Perfeito. Agora vou indo, até!
       — Até!

Quando lhe disse minha profissão, pareceu se enrubescer da mesma forma que eu, quando descobri seus ofícios. Queria conversar muito mais, mas também desejava aproveitar a inspiração que me caía. Sentei num banco da praça central, olhei bem ao meu redor, e imaginei um título, um primeiro parágrafo, para assim discorrer tudo o que me apetecia.
       Estava sozinho naquele local agora, mas de alguma forma me sentia abraçado, num calor único, unido, como se todos ali fossem um só, talhados da mesma madeira, cultivos da mesma lavoura... decerto, mais um fato das cidadezinhas!


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