E os namoradinhos? escrita por Hunter Pri Rosen


Capítulo 2
Era uma vez no Starbucks


Notas iniciais do capítulo

Oiees!

Obrigada a quem está acompanhando ♥

Chegou o segundo capítulo (tenho até o 4 pronto e falta escrever mais 3).

Boa leitura ♥



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Mais ansiosa do que o Coelho Branco de Alice no País das Maravilhas, mexo os pés embaixo da mesa enquanto olho de meio em meio minuto para a entrada da cafeteria. Estico o pescoço para ter alguma visão da calçada e prendo a respiração a cada vez que algum rapaz empurra a porta.

— Sossega, Marina — André, sentado à minha frente, aconselha.

Endireito-me no banco estofado e tomo um gole do cappuccino, enquanto meu amigo checa uma mensagem no celular.

— Já está chegando, relaxa. Eu adiantei o assunto e ele demonstrou muito interesse. Tenho certeza que vai topar.

— Ok. — Esfrego as mãos e estalo os dedos. Olho ao redor e aproveito para espiar a entrada de novo. O logo da sereia de duas caudas me dá um estalo e acabo rindo. — Eu não acredito que vou conhecer meu futuro namoradinho no Starbucks! Isso é tão clichê!

— Você está lembrada que é namoradinho de mentira, né?

Reviro os olhos diante de algo tão óbvio.

— Claro, mas é engraçado mesmo assim. Ei, quando esse Daniel finalmente chegar, eu devo esbarrar nele por acidente enquanto ajeito o meu coque frouxo?

André ri enquanto eu esfrego as mãos novamente. Depois, bebo mais alguns goles da bebida fumegante. Passo a ponta do indicador pela carinha que o atendente desenhou no copo junto com meu nome. Nome este que foi escrito errado, aparentemente me chamo Mariana. Fico distraída até que a voz de André me desperta:

— Não olha agora, mas ele está vindo aí.

Apesar do aviso, entra por um ouvido e sai pelo outro. De maneira quase automática, dou um giro de pescoço nada discreto e cravo os olhos na porta que acabou de ser empurrada por um rapaz bem... comum.

Ele não é feio, mas também não é um gato de parar o trânsito. Enfim, um cara comum, de estatura mediana, nem magro, nem gordo, nem musculoso, cabelos curtos e castanhos, roupas casuais bem comuns também. Expressão um tanto... boba para completar o ser.

Droga! Bem que o André podia ter arranjado alguém mais jeitosinho, seria ótimo impressionar de verdade os meus parentes chatos.

Endireito-me na cadeira, ficando de frente para o meu melhor amigo enquanto me queixo:

— Definitivamente, eu esperava outra coisa, mas tudo bem. Quem não tem cão...

— Caça com o gato.

Não é André quem diz isso, mas alguém bem atrás de mim. Puxa vida... não dá para negar que o tal Daniel anda bastante rápido e tem uma audição apuradíssima, tenho certeza que soltei o comentário baixinho.

Minhas bochechas queimam um pouco, mas disfarço certo constrangimento lançando um sorriso amarelo na direção do enxerido. Enquanto lhe estendo a mão, aproveito para quebrar o gelo de vez e ir direto ao ponto:

— Oi, gato! Muito prazer!

Eu só esperava que ele apertasse a minha mão de volta e soltasse logo. Seria o natural, certo? Ao invés disso, Daniel a segura por mais tempo do que o necessário e curva-se enquanto beija o dorso. Arqueia as sobrancelhas, encarando-me por um longo momento também. A encenação de cavalheiro charmoso cai por terra tão logo ele volta a abrir a boca:

— Oi, linha de crédito. O prazer é todo meu.

Puxo a mão de volta enquanto o rapaz afiado despenca no banco ao meu lado — sem nem esperar por convite — e simplesmente pega o meu cappuccino.

— Nossa.... Linha de crédito? Tô emocionada, nunca ninguém me chamou assim antes.

Ele gira o copo na frente do rosto, analisando-o compenetrado.

— Vai se acostumando, Mariana. O André disse que você vai pagar uns boletos pra mim em troca de um favorzinho.

— É Marina — corrijo entredentes, pegando o cappuccino de volta. — E como assim boletos?

Lanço um olhar questionador para meu amigo, que ergue as mãos em rendição, arrasta-se de fininho pelo banco e esquiva-se de vez:

— Bom, eu já fiz a minha parte, sintam-se apresentados e agora eu prefiro ficar de fora da negociação insana. Seu namoradinho está entregue, Mah. Faça bom proveito dele.

André se despede com uma piscadela e, antes que eu possa implorar em silêncio para que ele não me deixe sozinha com um completo estranho, ele já se afastou da mesa e rumou para a saída.

Pelo visto, o desespero ficou visível no meu rosto porque, em seguida, o tal Daniel diz com um tom de deboche:

— Não precisa ficar nervosa. Pode não parecer, mas eu sou legal, não um psicopata.

— Obrigada, folgo em saber. — Sorrio de um jeito forçado e volto a sacudir as pernas embaixo da mesa.

Nenhum pouco abalado, Daniel se mostra bem prático quando retoma:

— Olha, eu falei boletos, mas na verdade é só um, fica tranquila. Eu fiz um acordo com o banco, vence depois do Natal. Então, depois que eu ganhar o Oscar de Melhor Ator por Seu Namoradinho, você paga o boleto pra mim e estamos acertados.

Estreito o olhar, só agora temendo quanto exatamente terei que desembolsar para me ver livre da irritante pergunta de fim de ano.

Como se tivesse lido meus pensamentos, Daniel tira um papel amassado do bolso da calça e explica tranquilamente:

— Está aqui. Depois que pagar, só me dá o comprovante, tudo bem? Se eu não enviar, o banco não vai parar de ligar. Aliás, eu não entendo como funciona o setor de cobrança dessas porcarias, continuam enchendo o nosso saco mesmo quando colocamos tudo em dia... É tão difícil assim compensar a droga de um boleto e colocar isso na droga do sistema?

Receosa, não dou a mínima importância para o desabafo indignado, arrasto a folha com a ponta do dedo na minha direção e desdobro devagar. Percorro as informações impressas ali à procura do valor do boleto. E quase caio para trás quando encontro. Rio sem acreditar e estendo a folha na altura do rosto do sacado.

— Isso é um absurdo! Sem ofensa, mas você não vale tanto assim. Nem que fosse o Tom Hiddleston, eu pagaria uma fortuna dessas.

Daniel dá de ombros, pega o boleto da minha mão e começa a se levantar.

— Sem problemas. Em algum momento, eu vou tirar o meu nome dos órgãos de crédito. Posso bloquear os números de cobrança por enquanto para não ser incomodado. A questão é: você aguenta passar mais um Natal ouvindo E os namoradinhos? Só me resta te desejar boa sorte, Mariana.

A alfinetada surte um efeito imediato. Me faz imaginar a cara de cada tio, tia e primos me fazendo a maldita pergunta daqui a poucos dias. Para evitar o incômodo humilhante, a única saída é ceder. Nem que seja apenas um pouco.

Num impulso, seguro o braço de Daniel, impedindo-o de partir. Ele olha de mim para a minha mão algumas vezes até que lembro de soltá-lo.

— Você é um mercenário — acuso.

Daniel dá de ombros e esboça um leve sorriso.

— É um dos meus charmes, que bom que prestou atenção.

— E meu nome é Marina — faço questão de lembrá-lo, antes de apontar para o boleto. — Vamos negociar isso aí, beleza? Eu posso te ajudar com metade do valor.

Daniel ri, faz menção de ir embora e eu me apreço em disparar uma nova oferta:

— Sessenta por cento! É tudo o que eu tenho, juro!

Ele me encara com muita atenção enquanto volta a se acomodar ao meu lado. É como se tentasse ler o que estou pensando agora, procurando algum sinal de que estou passando a perna nele.

— Você mente muito mal, sabia? Setenta por cento.

Droga! Eu realmente minto mal pra caramba! Não sei como vou fingir que namoro esse sujeitinho, mas tempos desesperados exigem medidas desesperadas.

Ciente de que não tenho outra saída, faço o último lance:

— Setenta e cinco, e não se fala mais nisso!

A surpresa perpassa o rosto de Daniel e logo deixa ali um sorriso vitorioso e muito cretino.

— Negócio fechado, namoradinha.

Percebo a burrada que fiz e tento consertar:

— Não, espera! O que foi que eu disse? Eu me atrapalhei, não é justo.

Mas parece que é tarde demais. Daniel não dá qualquer indício de que pretende relevar meu deslize e fechar em setenta por cento. Como eu disse, é mesmo um mercenário. E ainda tem a audácia de debochar:

— Aposto que é de Humanas.

Cruzo os braços e o analiso com cara de desgosto ao pagar na mesma moeda:

— Você é de Exatas? Eca... Nunca pensei que fosse me rebaixar tanto.

Ficamos em silêncio por alguns instantes. Por um momento, parece que o assunto acabou. Inclusive, o silêncio se espalha por todo o lugar, como se todos na cafeteria tivessem parado de falar ao mesmo tempo. Minha mãe costuma dizer que, quando isso acontece, é sinal de que um anjo está passando pelo local. Pra mim, está mais para uma legião de demônios espalhando uma avalanche de constrangimento mesmo.

Não consigo desviar do olhar de Daniel durante esse momento. Acho que fico curiosa sobre que tipo de pessoa ele é, o que estuda exatamente e, claro, como se endividou tanto. Sei lá por que, ele também exala curiosidade enquanto me encara de volta.

De repente, o barulho ambiente retorna, o mundo volta ao normal e Daniel puxa o celular do bolso.

— Deixando a rixa Exatas X Humanas de lado, qual o seu número? Quero te adicionar no WhatsApp.

— Pra quê? — pergunto por instinto, sentindo-me bem burrinha por isso. Me ajeito melhor no banco, colocando certa distância entre mim e ele. — Não precisa. A gente não tem que manter contato, só fingir pra minha família, na ceia de Natal, que somos...

— Eu sei, só quero te passar meus dados bancários logo — Daniel me interrompe, direto e prático como já percebi que ele é. — É bom você ter à mão para fazer a transferência no dia 26 e enviar o comprovante. Eu vou dar um jeito de levantar os 25% que faltam até lá e eu mesmo pago o boleto. Acho que faz mais sentido, já que você se mostrou tão muquirana e não quer pagar tudo de uma vez.

Direto, prático e sem noção. Não consigo mais ficar indiferente a isso e questiono na lata:

— Você não tem vergonha?

Entretanto, ao invés de responder ou se desculpar, ou mesmo ficar minimamente constrangido, ele ri um pouco e devolve a pergunta com maestria:

— Você tem? Acho que não já que está contratando um namorado de aluguel para o Natal.

Respiro fundo. Bem fundo. É só o que posso fazer já que ele acertou na mosca. Eu devia sentir vergonha do meu desespero em não passar uma imagem de encalhada para minha família, devia sentir vergonha do plano de contingência que bolei. Mas não sinto.

— Tudo bem, anota aí  — digo, vencida e com raiva. — É 9...

Depois que o namoradinho de aluguel termina de salvar o contato — como Mariana!!! — e guarda o celular no bolso, ele se levanta anunciando:

— Vou pegar um café. Quer outro?

Meu cappuccino está quase no fim e eu adoraria mais um, porém...

— Não, tenho medo do que pode me custar se eu aceitar — resmungo em tom acusatório, cruzando os braços.

— Aqueles vinte e cinco por cento, claro. — Daniel abre os braços como se indicasse que é mesmo óbvio, entretanto volta atrás quando eu lanço um olhar insatisfeito em sua direção: — Eu tô brincando, cadê o seu senso de humor?

— Sei lá. Deve ter evaporado junto com a minha dignidade.

— Faz sentido — é tudo o que ele diz antes de seguir rumo ao balcão.

Impressionada por conhecer alguém tão cara de pau, fico olhando para ele a distância e me perguntando se é mesmo uma pessoa de carne e osso ou apenas um androide desenvolvido para transpor os limites do bom senso.

Quando o dito cujo percebe que estou olhando, abre um sorrisinho cretino e se atreve a piscar. Claramente, um androide.

Em resposta, faço um coraçãozinho com as mãos e sorrio com azedume.

Alguns minutos depois, quando ele retorna à mesa — e graças a Deus, senta na minha frente e não ao meu lado —, a primeira coisa que atrai o meu olhar é o nome escrito em seu copo.

Uma gargalhada me vence enquanto ele tenta, um pouco tarde demais, esconder o nome em caligrafia garrafal.

— Oi, Danilo. Você vem sempre aqui?

Ele fica um tanto mordido e reage à provocação:

— Rancorosa você, hein, Mariana? — Logo depois, ergue o copo. — Que tal um brinde para selar a paz e o nosso acordo?

Pego o meu copo, já quase vazio, e o levanto também. Sei lá, só me pareceu uma boa ideia entrar no jogo.

— Ao nosso namoro de mentira — ele saúda, fingindo pompa.

— Ao seu nome saindo do Serasa muito em breve — completo.

— E do SPC.

— Do SPC também.

Então bebemos o café em silêncio.


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