Sorriso Insano escrita por LoneGhost


Capítulo 30
Aceitação


Notas iniciais do capítulo

Hi, hi
boa leitura



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/771734/chapter/30

 Jeff me deixou presa ali por horas e foi uma experiência horrível (como se não desse pra imaginar). Tanto tempo presa naquela cadeira, com as pernas e braços amarrados, ouvido latejando, bochechas cortadas, cabeça dolorida e coração quebrado. Os cortes em meu rosto queimavam e ficavam cada fez mais quentes, e minha boca latejava por dentro. Chorei por sentir que não ouvia mais tão bem com ouvido esquerdo, porque, apesar de tentar me manter firme e fingir que não me importava com o pouco que ainda tinha, meu corpo ainda respirava e eu ainda vivia. Tinha perdido mais uma coisa essencial para mim, então, não tinha como deixar de chorar. Minha mente e meu corpo estavam igualmente deturpados, e por essa experiência, sei que a vida é uma desgraça se for para ser vivida assim.

 

Apesar de minha mente adoecida, me lembrei que, antes de me morder, Jeff disse algo que me intrigou muito: "Eu não sei quem ou o que te protege, mas eu não consigo te matar." e aquilo estava me perturbando um pouco, pois eu sempre achei que Jeff não me matava simplesmente porque não queria. Descobrir que algo poderia estar me protegendo me fez questionar tudo à minha volta, e as coisas pareceram fazer menos sentido do que antes. Esse pensamento vagueou um pouco a minha cabeça mas eu estava ocupada demais me lamentando sobre como minha vida era uma completa porcaria. Eu estava com tanto medo que queria vomitar; medo de tudo o que estava acontecendo, e a morte, a única saída que me restava, estava tão distante de mim.

Quanto mais eu ficava sentada ali, mais meu cheiro piorava. O sangue secava em meu rosto, mas eu estava suando muito, tanto de calor quanto de nervosismo. Eu estava exausta, mas não conseguia descansar naquela posição, muito menos com toda aquela dor, e tenho certeza de que ninguém que não tenha perdido a audição de forma tão brutal não saberia imaginar o que eu estava passando. Eu sentia minha orelha muito quente, e sentia também o sangue escorrendo em meu pescoço. A única coisa que fazia barulho naquele lugar era minha dor, meu choro e meus gemidos, e eu notei que não podia mais escutar tão bem quanto antes. No começo, senti um zumbido agudo e terrível, mas ele passou depois de um tempo, e então, só senti como se meu ouvido estivesse entupido, como quando se está com o ouvido entupido de água, ou até cheio de algodão, mas de alguma forma... a sensação era um pouco pior. Eu senti que logo começaria a ter ataques se ficasse ali por mais tempo.

—Eu preciso sair daqui.- falei para mim mesma.

Mexi as minhas mãos na tentativa de arragar as cordas que as amarravam e tentar desfazer o nó, mas consegui encostar apenas as pontas de meus dedos nela. Meus braços estavam presos um ao outro, então eu os puxei na direção oposta, mesmo com a corda, para tentar soltá-los, mas mesmo assim não consegui. Tentei também levantar meus braços e passá-los esticados pelas costas da cadeira, mas não pude esticá-los o suficiente para fazer isso.

Minhas respiração começou a acelerar e, de repente, a sensação claustrofóbica estava de volta. O fato de não poder me mover estava me deixando sem ar, e quando olhei em volta, vi que estava tudo fechado e a iluminação miserável de lugar me tornava tão cega quanto desesperada. Eu queria loucamente me livrar daquelas cordas e daquela cadeira.

Então, comecei a gritar automaticamente, deixando a insanidade sair da minha mente. Enquanto gritava, meu ouvido ruim zumbiu alto, mesmo que eu não pudesse ouvir muito bem com ele. De qualquer forma, comecei a balançar a cabeça com agonia, porque precisava me mexer. Bati os pés unidos no chão e me estremeci na cadeira.

—Jeff!- gritei.- Por favor! Por favor!

Gritei mais um pouco até que o portão de ferro foi arrastado para o lado, e mesmo que tivesse rodas, pareceu-me muito enferrujado quando fez um rangido terrível, que quase fez minha cabeça explodir. Ele não foi aberto inteiramente, apenas uma brecha foi suficiente para que Jeff passasse por ele. Quando entrou, empurrou o portão, com um pouco de dificuldades e o fechou novamente. Se virou para mim, risonho.

—O ápice da dor! É isso? Você está sofrendo?!

Eu não podia ouvir muito bem com o ouvido esquerdo, que captava os sons com pouca qualidade, mas meu ouvido direito ainda funcionava bem e Jeff gritava demais, então não era um problema escutá-lo.

—Me deixa sair daqui! Por favor!

O desespero me consumia tanto que eu não me importava em implorar para que ele me tirasse dali. A agonia de estar presa era insuportável e eu precisava de ar, precisava de luz e de uma posição confortável.

—Hmmm... o que será que eu poderia fazer para...

—Jeff, eu faço o que você quiser! Só me deixa sair daqui!

Comecei a soluçar e chorar. Meu corpo estava inquieto, eu estava sem ar, meu coração batia muito rápido e minha mente estava coberta de loucura. Gritei mais e mais, porque não sabia mais o que fazer. Ele me olhou parecendo curioso e debochado ao mesmo tempo.

—Te deixar sair? Por que eu te deixaria sair?! Hahaha!

Se aproximou e abaixou o tom de voz, como se estivesse falando sério, mas ainda sorria.

—Se você não morre de nenhum jeito, não vai morrer de fome ou sede também. Acho que vou te deixar aqui por alguns dias, sozinha e sem nada, de castigo.

Eu queria tanto que ele estivesse brincando que dei risada; mas sei que aquilo não soou bem como risada, e sim como desespero. Quando parei, olhei no fundo dos olhos dele e percebi que ele estava mesmo falando sério.

—Você tá brincando, não é?- perguntei baixo.

Ele sorriu mais ainda, e uma ânsia tão forte subiu à minha garganta, que Jeff se afastou porque percebeu que eu vomitaria, e sinceramente, nem sabia mais o porquê deu estar vomitando. Talvez, nem tivesse um motivo mais para as coisas que eu fazia, eu apenas reagia de acordo com o que estava acontecendo à minha volta, de uma forma muito automática. Algumas vezes, eu sentia nada, outras vezes, eu sentia tudo, e sei que era isso que Jeff queria fazer comigo.

De repente, ele estalou os dedos.

—Mas você me deu uma ideia! -falou.- Eu me cansei de ficar te treinando. Isso é patético, eu não sou professor. Ah! Por que eu gastei tanto tempo com você e com aquele garoto?!- percebi que ele estava começando a ficar exaltado.- Ordens, ordens! Eu devia ter feito isso desde o começo!

Jeff começou a falar mais consigo mesmo do que comigo, e percebi que ele estava furioso. Se eu não estivesse em um momento tão maligno, teria até dado risada do fato dele não achar que o que eu fazia antes era obedecer orderns. Eu matava porque tinha medo que ele me matasse, então ele não estava mudando nada. Eu queria sair dali, então apenas puxei a corda dele para ver se podia convencê-lo a me soltar.

—Oderns!- falei.- Seguirei suas ordens! Eu faço o que você quiser, eu prometo.

E do nada, recebo uma pancada no rosto, que fez minha cabeça virar para o lado e minha bochecha queimar. Gemi de dor. Jeff começou a gritar mais comigo.

—Não, você não precisa prometer! Você me trai demais, e eu sei que não vai ser diferente agora!

Aquele tapa não doeu, para ser honesta. Talvez o acúmulo de energias negativas dentro de mim fossem tão fortes, que faziam dores físicas ficarem insignificantes. De qualquer forma, eu ainda queria apenas sair dali.

—Tudo bem! Tudo bem! Eu não prometo. Mas eu ainda faço o que você quiser!

Ele apontou o dedo indicador para mim.

—É, você vai mesmo! Ou vou te bater tanto ao ponto de quebrar todos os seus ossos! E já que você não morre, vai ficar sofrendo... para sempre! Hahahahahaha!

—Tá bom, tá bom! Me tira daqui, por favor!

—Por que a pressa...?! Não está confortável aí?

Não respondi. Virei o rosto e encarei o chão, pensando em quanto ainda teria que aguentar.

—Brincadeira...- falou sombrio.- Na verdade, eu já tenho algo para fazer.

Não levantei o rosto, então vi seus pés andarem para trás de mim. Senti suas mãos ásperas e gélidas encostarem em meus braços e meus pelos se arrepiaram de medo. Mordi meus lábios e engoli em seco, pensando que ele iria me machucar, mas na verdade, ele cortou a corda que amarrava minhas mãos, com a faca. Lentamente, desuni minhas mãos e senti como se elas estivessem totalmente mais leves; coloquei as duas em frente aos meus olhos e as examinei com cuidado, percebendo como meus pulsos ficaram vermelhos e machucados.

Jeff foi em direção aos meus pés e se abaixou para cortar a corda que os amarrava também. Bastou um único movimento para a lâmina cortar a corda, e quando isso aconteceu, eu me levantei rápido e corri em direção ao portão, por agonia. Quase caí de cara nele porque meus pés se desequilibraram, mas aproveitei que estava perto de joguei meu corpo todo contra ele e bati com as mãos fechadas no portão, como se alguém pudesse me ouvir do outro lado e fosse me tirar dali. Então, fiz uma tentativa falha de abrir o portão, que era muito pesado para mim. Eu queria tanto sair dali para respirar, me limpar, comer... e fazer tantas coisas que minha cabeça me ordenava fazer. Sair dali, era o que queria. Eu ouvi a risada de Jeff atrás de mim.

—Vai com calma, garota.

Eu senti seu corpo chegando mais perto, até que senti suas mãos geladas tocando meu ombro. Com um movimento rápido, saí de seu alcance.

—Não encosta em mim!- gritei.

Senti as lágrimas descendo em meu rosto e coloquei as mãos em minha cabeça, que doía fortemente. Encarei Jeff por um tempo, e ele fez o mesmo, mas sinceramente, não consegui ler a expressão em seu rosto, talvez pelo meu estado mental, ou por Jeff ser tão indiferente algumas vezes. De qualquer forma, percebi que ele me fitou por longos segundos, assim como eu o fiz também. Apesar disso, foi incrível o fato de não ter conseguido ler sua expressão, mas ter conseguido olhar uma coisa muito mais imperceptível. A luz amarelada, que estava pendurada no teto, no centro da garagem, não iluminava o local inteiro, e perto daquele portão era um pouco escuro. Porém, consegui repar algo interessante, que nunca tinha notado antes: um dos olhos de Jeff era um pouco mais claro que o outro, quase cinzento, e essa cor se espalhava não só por sua íris, mas por sua pupila também. Jeff era cego de um olho. Eu não sei o que tinha me impedido de perceber isso todo aquele tempo, se era o medo que eu tinha quando o encarava, se era o tom de azul tão claro dos olhos dele, ou se eu simplesmente fosse uma pessoa pouco perceptiva, mas só consegui ver aquilo naquela hora.

—O que é?- perguntou.

Havia tanta calma em sua voz que eu não o reconheci. Eu não sabia quem ele era. Eu estava em um território totalmente desconhecido, longe de casa e sem ninguém. Apertei meus fios de cabelo.

—Eu tô ficando louca...

Coloquei as costas no portão e escorreguei lentamente até me sentar no chão.

—Ei.- ouvi do alto.

Jeff se abaixou do meu lado e olhou para mim, mas eu não fiz o mesmo. Encarei o chão à minha frente.

—É melhor que vá fazer o que eu quero, se não quiser perder as mãozinhas.- falou.

Enfim, ainda sentada, virei meu corpo inteiro para ele.

—O que você quer?- ele pareceu surpreso.- Eu aceito. Eu aceito meu destino, e não vou mais lutar contra ele. Me diz... o que você quer?

Ele arregalou os olhos e sorriu de uma forma demoníaca. Começou a rir sem parar, até mesmo se jogou no chão e encolveu a barriga com os braços. Eu sei que eu era uma piada, mas eu não ligava mesmo. Eu passei a enxergar as coisas de outra forma: se eu ainda estava viva, eu ia viver, independente da forma que fosse. Se eu nunca conseguiria morrer mesmo, pra que ficar me lamentando o tempo inteiro? Pra que ficar correndo? Eu era a culpada de tudo, e sabia que era. Jeff se sentou no chão e olhou para mim.

—Você é tão ridícula, fala coisas tão idiotas. E sinceramente, você é tão feia.- ele levantou.- Consegui melhorar um pouquinho a sua cara com esse sorriso que fiz. Tudo o que eu faço é lindo, você devia me agradecer. Desencosta do portão.

Não me movi.

—Desencosta!- ele gritou.

Me chutou nas costelas e me fez cair para o lado. Ele empurrou o portão, que fez um rangido forte bem em cima da minha cabeça.

—O que eu quero agora... é que você cozinhe para mim. O corpo está em cima da mesa. É melhor não demorar, se não, quem vai ser devorada é você.

Ele saiu dali e me deixou só. Sem demora, me levantei e saí dali também, passando pelo portão.

Fora da garagem, percebi que estávamos em uma casa bastante grande, cercada por um muro alto e branco, feito de pedra, e por isso, deduzi que aquilo onde eu estava não fosse uma garagem, e sim alguma despensa. Além do muro, eu via árvores, apenas.

Já era noite e senti o vento gelado percorrer meu corpo. Eu podia ouvir o som dos grilos e ver insetos voando. Algumas poucas luzes estavam acesas e não conseguiam alcançar muita coisa à minha frente, mas foi suficiente para que eu pudesse ver o que havia ali. Poucos metros do chão (onde eu pisava, inclusive) eram cobertos de mármore branco, e depois, um degrau levava a um chão coberto por grama e arbustos com flores murchas. Percebi então que estava na parte de trás da casa, com sua grande extensão coberta por um jardim, exceto no centro, onde havia uma grande piscina retangular. A grama se estendia até onde o muro terminava, e este parecia ter a forma de um círculo. A despensa onde eu estava, parecia ser o fim da lateral esquerda da grande casa, e deixava uma brecha entre a parede da despensa e o muro, como se fosse uma passagem para ir para a frente da casa. Já a lateral direita ainda continha grande parte da casa, onde eu acreditava ser os aposentos.

Até onde consegui ver, a casa era grande e moderna, com quase todo o seu exterior pintado de branco. Ela também parecia ter um ou dois andares.

Me dirigi para a direita, saindo da frente do portão da despensa, depois passei pela parede desta e enfim, cheguei à parede da casa, que era quase grudada à despensa. Poucos metros de parede de pedra sustentavam a casa (pelo menos a parte de trás), mas percebi que a parede que dividia o primeiro cômodo, que era a cozinha, do quintal, era inteiramente feita de vidro. Algumas luzes da cozinha estavam ligadas, mas ela era tão grande, que a luz era quase insignificante. Porém, foi suficiente para eu ver o corpo de uma mulher esticado e aberto em cima de uma mesa. Não pude ver bem o estado da mulher, mas eu sabia do que se tratava.

—Vai logo, eu tô com fome.- Ouvi uma voz atrás de mim.

Tomei um susto tão grande, que pulei pra frente. Olhei para trás e vi Jeff me encarando sério. Engoli em seco.

—Certo. Estou indo.

 Fui até onde estava a maçaneta da porta, igualmente de vidro, e a empurrei, indo em direção ao corpo para preparar a refeição mais psicótica de todos os tempos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada por chegar aqui.
Nos vemos no próximo capítulo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sorriso Insano" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.