Sorriso Insano escrita por LoneGhost


Capítulo 15
Não tão obscuro


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Eu não podia ver nada, e tenho certeza de que Thomas não estava muito diferente.

 

—Droga.- ele disse.

Fui andando no escuro, com apenas uma mão esticada para frente, tentando encontrar uma parede. Encostei a mão no rosto de Thomas.

—Desculpe.- falei rápido e continuei andando.

Quando finalmente achei uma parede, sentei no chão e apoiei minhas costas nela.

—Onde você está?- ele perguntou.

—Siga a minha voz.- comecei a falar continuamente.- Apenas siga minha voz...

Comecei a ouvir passos vindo em minha direção enquanto eu falava, até que o ouvi sentar no chão, provavelmente encostou-se na parede também, um pouco distante de mim.

Fiquei em silêncio por um tempo, triste por tudo. Meus olhos começaram a se adaptar com o ambiente, até que, a pouca luz que vinha de fora, pelas brechas da tampa de saída, foram suficiente para eu conseguir enxergar um pouco. Conseguia ver o rosto de Thomas pelo menos, mesmo que fosse difícil. Pensei no que havia acontecido depois que saí daquele lugar, um tempo antes de parar ali de novo.

—Por que aqueles demônios estavam fazendo aquilo com vocês?

Vi sua cabeça virar para mim.

—Jeff é obcecado por você, sabia?- ele disse, sem me responder.

—Como assim?- perguntei.

Ele pareceu refletir.

—Não digo romanticamente. Ele é um psicopata.

Ele falava com tanta naturalidade que parecia que já teve muitas conversas desse tipo.

—Eu sei.- eu disse.

—Ele é muito obsessivo, isso faz parte da personalidade insana dele. Talvez ele te tenha como um objeto valioso. Algo que não quer perder.

—Ele já tem a faca dele. Não precisa de mim.

Thomas riu baixo e eu sorri por aquilo. Foi um riso ótimo de se ouvir. Ele quase nunca sorria ou dava risadas. Olhou para o chão em sua frente.

—Ele tinha essa mesma obsessão por Jane. Ele queria tê-la perto dele por diversão, como faz com você. Mas ela também enlouqueceu e deseja matá-lo. Apesar de vocês duas terem isso em comum, você ainda é sã. Penso que essa é a maneira de parecer que ele tem uma companhia, como se fosse uma irmã que brincasse com ele. Nem os monstros suportam a solidão.

—Mas ele tem Liu.- falei.

—Liu é insano. Você é diferente.

Pensei no caso de Thomas.

—Mas o que tem a ver ele ser obcecado por mim e te agredir?- perguntei.

—Sinceramente, acho que ele tem um pouco de ciúmes de mim, por ser mais próximo a você.- revelou.

—Ah claro, ciúmes.- falei indignada.- Mais um sentimento ruim. Pacote completo.

—Sim. E eu te trouxe para cá quando a encontrei na floresta. Ele surtou e disse que você teria que encontrar seu caminho sozinha. Disse que você não precisava de mim.- contou.

—Isso não é verdade...- deixei escapar.

Thomas tinha me ajudado. Aquilo mostrou que ele não era tão insensível quanto parecia muitas vezes ser. Ele olhou para mim e me constrangi com meu comentário anterior, e fiz outra pergunta, tentando tirar a atenção do fato de que eu precisava dele.

—Mas... Por que Jane também estava lá?

Ele ficou quieto por um instante, como se revisasse as memórias.

—Quando eu te trouxe para cá, estava sozinho. Eu sabia que era para esse lugar que Jeff viria quando terminasse os assassinatos. Cheguei aqui, te coloquei no esconderijo e quando fui para fora, Jeff já estava lá. Ele segurava Jane pelos cabelos e Liu o ajudava. Acho que ambos se encontraram com ela, e ela acabou perdendo a luta. Contei que tinha te trazido para cá e ele encarnou o demônio de dentro dele. Mas eu sei que ele simplesmente gosta de me bater, já estou acostumado. Ah, e acho que só me tem por perto para ter um saco de pancadas onde pode descontar sua raiva e penso que foi por isso que procurou por você, alguém que vale a pena.

Senti raiva daquilo. Me senti culpada também. Olhei para o seu rosto e só naquela hora percebi que seu olho esquerdo estava começando a ficar roxo e havia sangue seco no canto de sua boca. A face tinha algumas cicatrizes e imaginei como elas foram parar ali.

—Eu não entendo o que passa na mente de Jeff, sinceramente.- eu disse.

—Eu também não.- concordou.

Fiquei quieta por alguns segundos até pensar no que ele disse que havia feito.

—Obrigada por me ajudar.- falei.

Ele desviou o olhar e não me respondeu.

 

Ficamos em um silêncio constrangedor por alguns minutos até que não aguentei mais.

—Você ainda se corta?- perguntei automaticamente e logo percebi o que tinha feito.- Ah, quer dizer, não precisa responder isso.

Ele me observou e sorriu.

—Não.- falou.

Thomas era um pouco estranho. Ele parecia ser sarcástico algumas vezes e me deixava bem confusa. Aquele sorriso imediato e incomum me fez estranhá-lo.

—Sério?- perguntei com uma sobrancelha levantada.

—Sim.- ele falou olhando para o chão, um pouco desconfortável.- Eu percebi que, na verdade, estava viciado na tristeza. Eu não podia continuar com aquilo, alimentando algo que me faria mal. E você me ajudou.- ele fez uma pause e pareceu reunir suas forças para terminar de falar.- Obrigado.

Eu o encarava com um sorriso no rosto, mesmo que ele estivesse olhando para o lado. Eu estava feliz, muito feliz.

—Vamos, com certeza conseguir vencer esse jogo.- falei, empolgada.

Ele olhou para mim.

—Mas me prometa uma coisa.-falou sério.

—O que?- perguntei, curiosa.

Ele me olhou sério, parecendo um pouco preocupado. Se aproximou até estar do meu lado e encarei olhos tão azuis que pareciam brilhar mesmo em meio à escuridão.

—Tome mais cuidado com o Liu do que com Jeff. Ele parece ter intenções horríveis.- disse baixo.

Engoli em seco. Eu sabia disso.

—Eu consigo me defender.- tentei parecer confiante.

Ele me analisou.

—Espero que sim.- disse.

Olhei para o chão pensando em tudo que tinha passado e se o que eu tinha dito era verdade.

—Se acabar acontecendo alguma coisa...- ele disse sem olhar para mim.- Grite meu nome.- virou o rosto para o lado.- Eu não me importaria em morrer para te salvar.

Levei um susto e me senti feliz ao mesmo tempo. Mas eu não queria aquilo.

—Eu não preciso que você se sacrifique. Por que faria isso?

Ele virou a cabeça devagar, mas ainda não olhou para mim, encarou o chão.

—Porque... Acho que é isso que fazemos quando criamos laços com uma pessoa. Dar a vida por alguém que você gosta... Isso mostra o quanto você se importa com ela. Você me ensinou isso.

Eu ri.

—Não sabia que você gostava de mim.- brinquei, misturando um pouco de verdade.

Ele finalmente olhou para mim. Ele parecia um pouco tenso e seu rosto estava um parecia vermelho, mas era difícil ter certeza disso no escuro. Ele me olhava como se estivesse irritado com o que eu disse e pensei que talvez ele tivesse compreendido de forma errônea.

—Ei...- comecei a me justificar.- Eu só estava brin...

Fui interrompida. Porque ele calou minha boca... com a dele.

Arqueei as sobrancelhas e observei o rosto dele tão perto do meu e senti sua boca encostando tão delicadamente na minha. Meu rosto ferveu e senti meu coração batendo tão rápido, que pensei que fosse desmaiar. Aquilo nunca havia acontecido comigo e eu nunca imaginei que aconteceria. Mas naquele momento, com meus olhos arregalados, frio na barriga, bochechas quentes e olhando para aquele garoto tão incrível que eu nem lembrava ser meu primo, eu fiz de tudo para ser especial. Fechei meus olhos e me concentrei no meu primeiro beijo. Ele colocou a mão no meu rosto. Foram apenas poucos segundos, mas pareceu um tempo muito mais longo. Foi muito profundo, e falava mais que infinitas palavras. Não me lembrei de mais nada que estivesse acontecendo lá fora, finalmente algo bom havia acontecido. A única coisa que notei bem depois daquilo foi que, ali, eu não senti o que senti com Liu. Não senti medo ou vontade de fugir. Me senti segura, e queria que aquilo durasse mais.

Ele tirou os lábios dos meus devagar e olhou para mim, parecendo nervoso. Eu não sabia o que dizer e não imaginava como estaria minha expressão, mas seja lá como estivesse, ele olhou para frente e riu. Sua expressão se suavizou.

—Uau. Você é uma graça.- ele disse rápido, parecendo envergonhado e parou de sorrir.- Acho que eu sempre quis fazer isso, mas nunca tive coragem.- adimitiu, sério.

Minhas bochechas pegaram fogo. Abracei minhas pernas e coloquei minha cabeça entre elas.

—Que errado.- falei.

Pensei no fato de sermos primos. Pensei no fato de Thomas ter matado minha mãe e minha cunhada. Pensei no fato dele ser um assassino e ter me ensinado a matar. Pensei no fato de ter sido torturada por ele psicologicamente. Mas nada daquilo parecia me importar, e aquele pensamento era insano. A parte mais curiosa é que eu sabia que também sentia algo, mas não queria aceitar e não fazia ideia do motivo. Jane tinha razão, aquilo era real. Thomas encostou a cabeça na parede.

—É. Está tudo errado.- ele afirmou.- Vamos ser errados também.

—Nós somos primos.- falei ainda com a cabeça nas pernas.

Eu não ligava, mas queria saber a opinião dele, mesmo que aquele beijo já tivesse me dado a resposta.

—Isso não importa.- ele disse.

Olhei para ele, ainda abraçando as pernas. Ele me encarou com aqueles olhos azuis assustadores e intensos ao mesmo tempo. O cabelo estava bagunçado e parecia mais comprido do que quando o conheci. Ele estava com um olho roxo, sangue seco na boca, cortes pelo rosto, hematomas pelo corpo, pulsos cortados, a camiseta e o casaco estavam rasgados e sua calça estava suja de terra, e mesmo assim, parecia lindo. Eu cheguei mais perto e o abracei. Ele nem ao menos se mexeu. Me senti encabulada.

—Eu gosto muito de você, mas não sei se podemos fazer isso. Eu estou um pouco confusa.

Ele ficou quieto.

—Eu imaginei que isso aconteceria.- ele disse, e não entendi o tom de sua voz.

Ele se mexeu e percebi que queria que eu me afastasse. O soltei e olhei para frente.

 

Ficamos quietos por muito tempo. Eu estava me matando por dentro, cheia de perguntas e vontade de falar com Thomas, mas estava muito envergonhada para fazê-lo e ele também não dizia nada. Ele me deixava louca, definitivamente. Era aquilo? Ficaríamos nos estranhando depois de tudo? Me entristeci. Me senti mais envergonhada quando meu estômago roncou bem alto de fome e me encolhi para aquilo não acontecer de novo. Ele com certeza estava assim também, faminto, cansado, com sede, triste. Mas não demonstrava nada disso. Aproveitei o momento, me deitei no chão e coloquei meus braços debaixo da cabeça, parar servirem de apoio, e assim que fechei os olhos, dormi.

 

...

 

Acordei algum tempo depois no mesmo lugar. Estava tudo escuro e eu ainda estava me sentindo um pouco cansada. Talvez não tivesse dormido direito por causa do sono. De qualquer forma, quando abri os olhos, percebi que estava virada de lado, com os braços totalmente livres. Thomas estava com as pernas esticadas e eu estava com a cabeça em cima de uma delas. Ele havia me colocado ali. Olhei para ele, e este estava dormindo sentado, com a cabeça encostada na parede.

Me levantei e olhei para ele. Parecia tão exausto quanto eu. Me sentei no chão, coloquei a mão em sua nuca e o puxei. Coloquei sua cabeça em meu ombro para apoiá-lo, mas ele se mexeu.

—Não faça essas coisas.- ele falou baixo, com os olhos fechados e sonolento. 

Mesmo assim, continuou com a cabeça ali. Sentia sua leve respiração em meu pescoço e gostaria que ele ficasse ali por mais tempo.

Algumas horas depois, ouvi um barulho do lado de fora, na tampa. Thomas se levantou rápido, como se nem estivesse dormindo. Olhei para a tampa sendo aberta e vi Jeff, olhando para dentro de cabeça para baixo. Certamente apoiava seu corpo na parte de fora. Ele riu.

—Venham, crianças.- disse com a voz rouca.

Nos levantamos e subimos a escada, indo para fora.

Quando saí, percebi que já era noite ou poderia ser até madrugada. Consegui observar melhor ao redor e vi a estrada muito à nossa frente, iluminada, e poucos carros passando, em velocidades tão rápidas que nem nos notavam. A única iluminação que tínhamos era da casa naquele campo, que atraía vários insetos. De propósito, fiz a pior cara de ódio que consegui, para demonstrar a Jeff minha indignação. Ele riu ao olhar para mim, mas continuou andando. Meu estômago roncou de novo. Jeff olhou para mim.

—Está com fome, Wendy? O jantar está pronto.

Ele foi para dentro da casa e eu e Thomas o seguimos.

Entramos lá e vi uma mesa posta, com uma toalha suja, quatro cadeiras, pratos, talheres e copos. No centro da mesa, havia um grande prato de alumínio, com uma tampa prata cobrindo a suposta comida. Do lado dela, uma grande jarra preta. Liu estava sentado em uma das pontas da mesa e olhou para nós.

—Estava esperando por vocês.- falou, sarcástico.

Nos aproximamos e sentamos nas cadeiras. Thomas se sentou na outra ponta e eu me sentei em frente a Jeff. Tentava manter uma expressão de raiva, mas não podia esconder muito bem o fato de que estava louca para comer alguma coisa. Jeff colocou a mão na tampa.

Bon appétit.- ele disse e tirou a tampa.

Ali tinha um cérebro encharcado de sangue, e encostado nele, um rim, um coração e um fígado, todos crus. Eram órgãos visivelmente humanos. Pensei que vomitaria com o estômago vazio.


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Notas finais do capítulo

Fazer isso estava "incesto" lugar na minha lista de ideias.
ahsuahsuhaua
Nos vemos no próximo capítulo.



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