Ponto de Encontro escrita por Leonardo Souza


Capítulo 3
Quando a gente se encontrar


Notas iniciais do capítulo

Música que escutei enquanto escrevia, não está relacionada com o capítulo.

https://youtu.be/1uHt2LrCSWg



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Toda manhã, Rafaela corria três vezes em volta do lago, mas naquele dia ela decidiu parar na segunda e naquele dia quase foi atropelada, ela sempre acreditou que tudo acontecia por algum motivo e quando viu a motorista saindo do carro, alta, pele morena e uma touca na cabeça, soube que aquele era o motivo.

Bruna sempre saia de casa no horário, mas naquele dia ela se atrasou e com a pressa quase atropelou uma moça baixa, usando uma roupa de corrida e o cabelo preto cumprido preso em um rabo de cavalo.

“Está tudo bem?” Bruna perguntou assim que chegou perto.

“Sim, apenas me assustei.” Rafaela estava se levantando.

“O carro não te acertou, tem certeza?” Bruna começou a procurar por machucados no corpo da moça.

“Não, estou ótima.”

Algumas pessoas haviam se aglomerado no local, mas como nada grave aconteceu algumas já estavam indo embora.

“Não quero parecer rude,” Bruna começou a falar “mas se está mesmo tudo bem, preciso chegar ao trabalho.”

“Não se preocupe, pode ir.” E assim Bruna foi.

* * *

Rafaela estava esperando seu Uber na frente da faculdade quando reconheceu a mulher que estava descendo a rua, foi ela quem quase a atropelou, a moça também a reconheceu e acenou com a mão, Rafaela acenou de volta.

“Oi!” Bruna cumprimentou.

“Oi.” Rafaela respondeu.

“Você estuda aqui, não acredito, eu também.” Sem a touca, Rafaela conseguia ver os cabelos cacheados de Bruna.

“Sério? Que curso?” Foi a única pergunta que Rafaela conseguiu pensar.

“Programação, você?”

“Arquivologia.”

Bruna fez uma expressão de espanto e então começou a rir, Rafaela não sabia como reagir.

“Desculpa.” Bruna falou. “É que nós meio que somos opostos e achei isso engaçado.”

“Eu entendo, também pensei nisso.”

“Agora não me sinto tão mal.” Bruna estendeu a mão. “Prazer, Bruna.”

“Prazer, Rafaela.” Ela também a cumprimentou. “Tenho que ir, meu Uber chegou.” Rafaela apontou para o carro estacionado logo a frente.

“Tudo bem, nos vemos por aí.”

* * *

Bruna sabia que o bloco de arquivo era do outro lado da faculdade, a única chance de encontrar Rafaela era na cafeteria no intervalo, mas ela parecia alguém que levava uma fruta para comer, elas se encontraram três semanas depois, em frente à loja de xerox. Rafaela estava usando uma trança naquele dia.

“Quanto tempo.” Bruna puxou assunto.

“É mesmo, como vai?”

“Praticamente perdendo a cabeça com essa semana de provas.”

“Nem me fale, depois de sexta só quero deitar e dormir as férias inteiras.”

“Antes de você entrar em hibernação.” Bruna colocou a mão no bolso e tirou um papel. “Meus amigos vão fazer essa festa, esse é o endereço, se quiser aparecer.”

“Vou pensar, agora preciso ir, tchau.”

“Tchau.”

* * *

Rafaela não sabia o que vestir, tudo parecia ser muito colorido ou muito “chique” para uma festa de amigos, no fim acabou usando um tênis, uma calça jeans, uma camiseta branca e o cabelo solto.

Bruna ficou programando até as cinco da manhã, dormiu durante todo o dia, acordou com as mensagens dos amigos perguntando onde estava, na pressa apenas colocou uma camiseta limpa e a touca.

Rafaela chegou por volta das nove da noite, não conhecia ninguém, seu plano era encontrar Bruna e não sair do lado dela, mas assim que entrou na casa, percebeu que isso poderia ser um pouco difícil, Bruna parecia ser a DJ da festa. Ela foi até a cozinha procurar algo para beber e achou algo melhor, um cachorro no quintal, um vira-lata preto, ninguém pareceu se importar que ela estava lá fora fazendo carinho nele.

* * *

O DJ que devia tocar na festa não apareceu, Bruna não sabia exatamente o que fazer, mas ela sabia programar então qualquer tipo de tecnologia ela podia desvendar, no fim das contas nem foi tão difícil, até mostrou para os amigos como fazer, depois de algum tempo brincando de DJ, decidiu pegar algo para beber, quando chegou na cozinha, viu alguém brincando com o cachorro.

“Meus amigos são tão chatos assim?” Bruna perguntou enquanto abria a porta. Rafaela se virou assustada, mas se tranquilizou quando viu que era Bruna.

“Não, eu vim brincar com ele assim que cheguei, nem falei com ninguém.”

“Está me dizendo que você, uma estranha, entrou aqui e ninguém te cumprimentou ou perguntou quem você conhecia?”

“Basicamente isso.”

“Acho que devemos diminuir a bebida.” As duas riram.

“Já acabou de ser DJ?”

“Já me aposentei, enquanto ainda estou no topo.”

“Bom plano.”

“Pretende ficar aqui a noite inteira?” Bruna se sentou ao lado dela.

“O que tem lá dentro que é melhor que o cachorro?”

“Bebida, comida.”

“Eu estou com fome.” Rafaela se levantou. “Volto para me despedir.” Ela falou para o cachorro.

Alguém pediu pizza enquanto ela estava lá fora, Rafaela pegou um pedaço de muçarela e uma lata de cerveja, Bruna a acompanhou. Elas foram até a sala, Bruna apresentou seus amigos, alguns de TI também e todos riram do fato de Rafaela trabalhar com arquivos, um deles falou como tecnologia era superior, mas logo perdeu o argumento quando Rafaela respondeu que ninguém conseguia invadir papeis. Ela até tentou fazer o papel de DJ, mas falhou miseravelmente. Quando olhou no relógio já se passava das três, tinha que ir embora, foi dar tchau para o cachorro e depois para os amigos de Bruna, as duas estavam na calçada esperando o carro chegar.

“Me diverti bastante.” Rafaela começou a falar.

“Eu também.”

“Percebi uma coisa, não tenho seu número.” Rafaela entregou o celular para Bruna adicionar.

“Pronto.” Ela respondeu.

Rafaela mandou uma mensagem.

“Agora oficialmente temos o número uma da outra.”

“Como assim?”

“Vai me dizer que não me procurou nas redes sociais? Eu procurei você e considerando suas habilidades talvez tenha usado para conseguir meu número.”

“Tudo bem, eu também procurei por você, mas não tinha seu telefone.” Bruna respondeu.

“Vou acreditar em você, só porque agora posso curtir suas fotos reclamando dos programas que não entendo.”

“E eu posso curtir suas fotos de corrida e com sua irmã.”

“Irmã?”

“A moça de cabelo loiro.”

“Ah não, ela não é minha irmã, ela minha ex namorada, mas continuamos amigas.”

“Que legal.”

As duas ficaram em silêncio.

“Então, sem curtidas nas fotos com ela?” Rafaela brincou.

“Não entenda mal, não sou preconceituosa, é que também sou lésbica e fiquei sem reação quando você disse isso, desculpa.”

“Tudo bem, nós ainda temos essa ideia de que precisamos jogar purpurina quando encontramos outra pessoa LGBT, sempre tem esse silêncio constrangedor, e o medo de mostrar isso em público.” Rafaela se sentou na calçada.

“Exato! Quantas vezes já gritaram coisas imbecis quando estava apenas andando de mãos dadas com alguma menina.” Bruna se sentou ao lado dela.

“Ou gritos falando para “tirar tudo” quando nos beijamos na rua, homens são horríveis.”

“Nem me diga, principalmente dentro de TI, a quantidade de piadas machistas que escuto por dia, assim que acabar a faculdade vou abrir minha empresa.”

“Posso cuidar dos seus arquivos.”

“Boa ideia, LGB-TI.”

As duas começaram a rir, a bebida deixava mais engraçado, quando pararam voltaram a ficar em silêncio.

“Posso falar algo que você pode achar loucura?” Rafaela perguntou.

“Manda.”

“No primeiro dia que nos vimos, eu senti que algo maior estava acontecendo.”

“No primeiro dia que nos vimos achei que tinha matado alguém, talvez o meu medo era a coisa maior que estava acontecendo.”

“Talvez, mas você é a primeira pessoa que compartilha as mesmas opiniões comigo, todas as outras meninas não concordavam ou nunca me senti confortável para falar sobre isso.”

“Comigo também.”

“É uma loucura como não consigo falar sobre isso com amigos de infância, mas consigo falar com você que conheço não faz nem dois meses.”

“Loucuras da vida, seu carro chegou.” Bruna apontou e as duas se levantaram e se encararam por alguns segundos.

“Vou indo.” Rafaela se apressou até o carro.

* * *

Rafaela acordou com três mensagens de Bruna:

Bom dia.

Fiquei pensando a noite inteira.

E se a gente criar um grupo LGBT para debater o que falamos ontem?

 

Ótima ideia, na faculdade conversamos sobre isso? Rafaela respondeu.

* * *

As duas foram conversar na secretaria sobre usar uma das salas vagas para as reuniões, a faculdade incentivava atividades extras e cedeu uma sala, Bruna já tinha feito cartazes, ela falou que ficou animada com a ideia e não conseguiu dormir, as duas foram até o mural para colar um cartaz, chegando lá viram que estava lotado.

“Vamos tirar um que já aconteceu.” Rafaela sugeriu.

“Ainda bem que você é a inteligente aqui.”

“Olha quem fala.”

Depois de procurar, Bruna achou um sobre o show de uma banda, o cartaz foi desenhado ela gostou do desenho e decidiu tirar uma foto do contado que estava no cartaz, Igor. Depois foram entregar para as pessoas que estavam sentadas na cafeteria, descobriram que podiam colocar um cartaz na loja de xerox também, no fim do dia não tinham mais nenhum cartaz sobrando, se sentaram em um dos bancos.

“Agora é só esperar.”  Rafaela falou.

“Estou tão animada, acho que nem vou conseguir dormir.” Bruna respondeu.

“Você não já virou essa noite?”

“Detalhes.”

“Não vai conseguir falar se dormir no meio da reunião.”

“Agora eu posso perguntar uma coisa que você vai achar loucura?”

“Pode perguntar.”

“Você acharia muito ruim se eu te beijasse agora?”

Rafaela sorriu.

“Não, nem um pouco.”


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