Ponto de Encontro escrita por Leonardo Souza


Capítulo 2
Quando você voltar


Notas iniciais do capítulo

Mais uma música que não está relacionada ao capítulo, apenas escutei enquanto escrevia.

https://youtu.be/K3Qzzggn--s



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/771710/chapter/2

Igor havia acabado de raspar o cabelo quando ouviu duas pessoas conversando no corredor, uma voz ele reconheceu, era Joana, a dona da pensão, a outra voz de mulher ele nunca escutou. Provavelmente uma nova hospede. Sem se importar muito, tomou banho e foi direto para o quarto onde ficou até a hora do jantar. Uma das regras da pensão era que todos os hospedes tinham que fazer as refeições na mesa. Enquanto descia as escadas Igor conseguia escutar Carmen e Joana conversando.

“Boa noite.” Ele falou se sentando na cadeira.

“Achei que estava morto, não saiu daquele quarto. O dia estava tão bonito.” Não fazia nem um ano que Igor havia se mudado para São Paulo e nesse tempo o seu relacionamento com Joana era de avó e neto, Carmen em alguns momentos era a tia.

“Faculdade está me matando.” Ele respondeu e pegou um prato. “Cadê o Marcos?”

“Foi passear com o Pingo.” Dessa vez foi Carmen que respondeu. O cachorro era praticamente de todos os moradores da pensão, mas como foi Marcos que achou na rua ele que cuidava mais.

“A hospede nova falou que ia chegar tarde.” Joana se sentou na cadeira.

“Então realmente era uma hospede.” Igor estava checando seu e-mail no celular.

“Sim, também veio aqui para estudar.”

“Bacana.”

Marcos chegou do passeio e os quatro jantaram juntos, depois Carmen foi para o quintal fumar e os três foram para sala assistir televisão, pingo subiu no sofá e ficou deitado ao lado de Igor.

* * *

“Pode deixar aberto!” A hospede gritou da porta.

Aquela era a primeira vez que eles estavam se vendo, ela estava usando um tênis branco, mas alguém tinha desenhado nele, um short jeans, uma camisa branca com estampa de flores, o cabelo preto e longo estava solto, uma mochila nas costas e alguns livros na mão. Igor estava de tênis, calça e camisa do seu curso de música.

“Prazer em te conhecer...” Ele começou a falar, mas parou quando percebeu que não sabia o nome dela.

“Debora.” Ela completou e os dois riram.

“Prazer, Igor.”

“Prazer. Está indo para a faculdade?”

“Sim, professor faltou então estou indo mais tarde.”

“Isso explica o motivo de nunca ter te visto antes, você sai mais cedo.”

“Sim, quer ajuda com esses livros? São muitos.”

“Não precisa, consigo me virar.” Essa frase teria alguma credibilidade se ela não tivesse perdido o equilibro no mesmo segundo e quase derrubado tudo.

“Acho que precisa.” Ele riu.

“Não é incomodo?”

“Nenhum.” Ela entregou alguns livros para ele.

A faculdade não era longe, então os dois estavam andando até lá.

“Qual seu curso?” Igor perguntou, tentando quebra o silêncio desconfortável.

“Artes.”

“Legal.” Os dois ficaram em silêncio novamente “Você é boa?”

“Acho que sim.” Ela parecia um pouco ofendida, mas no fundo gostou da audácia da perguntar. “Eu que pintei as flores nessa camisa.”

“Uau. Você é realmente boa.”

“Obrigado, qual o seu?”

“Música.”

“Você é bom?” Ela tinha um sorriso debochado no rosto.

“Acho sim.”

“Canta ou toca?”

“Comecei com o triangulo e agora toco violão, bateria e um pouco de teclado.”

“Qualquer dia posso te escutar tocando.”

“Sábado me reúno com os amigos, se quiser ir.”

“Sábado não posso, preciso voltar para minha cidade... aniversario do meu pai.”

“Tudo bem, é aqui que nos separamos. Até?”

“Até.”

Igor subiu as escadas do prédio, pensando porque ela precisou pensar no aniversário do pai.

* * *

Igor estava deitado, não conseguia dormir, a prova no próximo dia tinha acabado com o seu sono, ele foi até o quintal para respirar ar puro, quando chegou na cozinha, Debora estava bebendo água.

“Oi,” Ele falou e percebeu que estava usando apenas uma samba-canção “quanto tempo.” Fazia duas semanas desde a caminhada até a faculdade.

“Oi, acabei ficando mais do que devia, minha irmã que pediu. Como era aniversário dela achei melhor atender o pedido.”

“Não sabia que tinha irmãos.” Ele se sentou na cadeira, uma parte era para ficar confortável, mas a maioria era para esconder seu corpo.

“Duas irmãs. Você?”

“Filho único.”

“Sortudo, antes de me mudar elas me deixavam louca.”

“Por isso eu sempre digo: Cachorros antes de irmãos.”

“Isso não é uma coisa muito legal de se dizer.”

“Mas é a verdade.”

“Preciso dormir, boa noite.” Debora subiu as escadas e Igor ficou sentado na cozinha, aproveitando o vento que estava entrando pela janela, pingo veio se deitar no chão da cozinha.

“Boa noite, irmão.” Igor falou quando foi para o quarto.

* * *

Debora acordou com alguém batendo na porta do seu quarto. “Vai embora” ela gritou, mas a pessoa continuou batendo, se arrastando da cama foi até a porta, era Igor com um sorriso de orelha a orelha.

“O que?” Debora não estava acordada o suficiente para falar em um tom bravo.

“Meus amigos conseguiram entradas para uma balada.”

“Fico feliz por eles, me acordou para compartilhar essa notícia?”

“Engraçadinha, tem um a mais, quer ir?”

“Hoje?”

“Sim.”

“Não sei, amanhã volto para casa.”

“Por favor, nunca vi você fazer nada divertido. E Joana falou que seu ônibus só sai a tarde. Muito tempo.”

“Preciso arrumar as malas.”

“Vamos, vamos, vamos, vamos!”

“Você é uma criança?”

“A noite que é.”

“Tudo bem, se isso fechar sua boa.”

“Isso! Saímos as sete. Use algo bonito!” Antes que ela pudesse responder qualquer coisa, Igor tinha disparado escada abaixo.

* * *

Graças a Igor, os dois estavam atrasados, aparentemente ele precisava levar alguns instrumentos para algum lugar onde iria tocar no fim de semana.

“Esses amigos, são da faculdade?” Debora perguntou quando os dois estavam no Uber.

“Alguns sim, outros conheci em shows.”

“Outros? Quantas pessoas são no total?”

“Umas seis, talvez mais.”

“Já estou arrependida.”

“Não seja estraga prazeres, beba um pouco e todo mundo é seu amigo.”

A balada era mais civilizada do que Debora esperava, havia uma área para se sentar, os amigos de Igor era pessoas legais, alguns deles até desenhavam, o maior problema do lugar era que para chegar no bar você tinha que passar pelo meio das pessoas dançando, se aquilo não fosse incomodo o suficiente, quando Debora foi pegar mais cerveja, três pessoas estavam paradas no meio da pista, depois de dar a volta por eles, ela finalmente chegou no bar, Igor chegou logo em seguida.

“Se divertindo?” Ele perguntou.

“Surpreendentemente, sim.”

“Sabia que ia gostar.”

“Obrigado por me convidar, mesmo sem me conhecer.”

“Não foi nada, agora, aquela menina está me encarando e preciso ir conversar com ela.”

“Boa sorte, use proteção.”

“Sempre.”

Igor acabou indo para a casa com a tal garota, depois de mandar mil mensagens pedindo desculpas por ter abandonado Debora e se ofereceu para pagar o Uber depois, ela respondeu que estava tudo bem, no outro dia ele não estava em casa quando ela foi embora, eles só se veriam pessoalmente em três meses.

* * *

Mesmo depois de voltar para a pensão, Debora só se encontrou com Igor uma semana, nesse tempo ele tinha deixado o cabelo e a barba crescerem, ela tinha cortado o cabelo na altura dos ombros.

“Tentando um visual novo?”

“Apenas aceitando meu visual de humanas.”

Os dois riram, um pouco da situação e um pouco por estarem felizes em se encontrar depois de tanto tempo.

“Como foram as férias?” Ele perguntou e se sentou no sofá.

“Normal, nada de interessante. Você?”

“Apenas consegui tocar em locais mais descentes.”

“Isso é ótimo, ainda não te escutei tocar.”

“Mas publiquei vídeos no Instagram.”

“Estou falando ao vivo, é diferente.”

“Não estou com nenhum instrumento aqui, amanhã?”

“Amanhã.”

“Não, droga, minhas aulas mudaram para tarde e noite. Vou chegar tarde.”

“Será um sinal do universo?”

“Provavelmente, tenho que ir.” Igor se levantou e começou a subir as escadas “Se lembrar, deixo um violão sempre aqui em casa.”

“Combinado.”

* * *

Igor mal fechou o portão quando Carmen veio em sua direção, ela estava chorando. “O que aconteceu?” Ele perguntou e abraçou ela. “Pingo foi atropelado.” Por um segundo o choque da notícia deram a impressão de que suas pernas tinham sumido e ele quase caiu. “Onde?”, “Na rua, Marcos levou para passear, mas ele acabou escapando da coleira e um caminhão atingiu em cheio, morreu na hora.” “Vamos entrar, vou falar com os outros.” Eles começaram a andar na direção da casa, cada passo parecia estar a quilômetros de distância um do outro. “Tem outra coisa,” Carmen começou a falar “Debora está no quarto chorando até agora e não sabemos o motivo.” “Vou falar com ela.” Marcos e Joana estavam na sala, ela estava chorando e Marcos estava se culpando, falando que um senhor não devia ter saído com um cachorro tão ativo para a rua, Igor abraçou os dois e falou que não era culpa de ninguém.

“Vou falar com ela.”

Ele subiu as escadas, o quarto de Debora ficava na segunda porta a esquerda, de frente com o dele, Igor bateu na porta. Sem resposta. Ele bateu uma segunda vez. “Posso entrar?” Ele perguntou. Ainda sem resposta. “Debora, preciso saber se está tudo bem, os outros estão preocupados.” A porta se abriu, ela estava sentada na cama.

“Tudo bem?” Igor perguntou entrando no quarto, era a primeira vez dele ali, o quarto não tinha nenhum enfeite ou decoração, só as mochilas dela no canto.

“Desculpe preocupar os outros.” Ela respondeu.

“Não se desculpe, eles só estão preocupados com você.”

“É que... não, esquece.”

“Não quer falar sobre isso, luto é normal e atinge cada pessoa de uma maneira diferente.”

Ela se deitou na cama e colocou um travesseiro no rosto para sufocar um grito que acabou se transformando em choro.

“Vou deixar você sozinha, estarei lá embaixo.” Igor foi em direção a porta.

“Minha mãe,” Debora começou a falar, mas estava abafado pelo travesseiro “Ela foi diagnosticada com câncer de mama.”

“Ela está bem?”

“Agora sim, essa não é a primeira vez, ela tinha vencido o câncer, mas quando comecei a faculdade ela descobriu que ele tinha voltado e por isso ficava tanto tempo em casa.”

“Isso explica a confusão de pessoas.”

“O que?” Debora havia se sentado na cama.

“Uma vez antes de viajar, você falou que era aniversario do seu pai, mas quando voltou falou que era aniversario da sua irmã.”

“Porque não falou nada?”

“Não sei,” Igor se sentou ao lado dela “Achei que se você estivesse mentindo, talvez tivesse uma boa razão. E você tinha.”

“Obrigado.”

“É por isso que está chorando?”

“Não, quando Pingo morreu, percebi que é muito fácil uma pessoa estar aqui e no próximo segundo não estar mais, um animal nesse caso e isso me fez pensar em como minha mãe pode morrer a qualquer momento.”

“Ela venceu o câncer duas vezes, é uma mulher forte.”

“O câncer nem é mais o principal problema, depois de tudo isso ela quebrou mentalmente, depressão e outras coisas, mal sai da cama, meu pai quer que continue estudando, mas sei que ele não consegue lidar com tudo isso, vou ter que trancar a faculdade.”

“Está indo embora mesmo?”

“Até arrumar isso, sim.”

“Quando vai?”

“Sábado.”

“Daqui dois dias?”

“Sim.”

“Vou sentir sua falta.”

“Eu também vou sentir a sua.”

Os dois ficaram abraçados por um tempo, até que Igor a convenceu de ir até a sala tranquilizar os outros, quando chegaram lá, os três estavam rindo contando histórias engraçadas sobre pingo.

* * *

Igor foi com Debora até a rodoviária, a cidade dela ficava a duas horas dali, graças ao trânsito eles chegaram atrasados, o ônibus estava para partir, os dois deram um abraço rápido e se despediram.

“Fale para os três se cuidarem.” Debora falou colocando uma mochila nas costas.

“Pode deixar, você se cuida também.” Igor a abraçou mais uma vez.

“Sabe o que percebi?”

“Esqueceu alguma coisa?” Ele perguntou em tom desesperado.

“Não,” Ela riu “Nunca estudei você tocar.”

“É mesmo, mas podemos resolver isso.”

“Podemos?”

“Claro, quando você voltar eu faço questão de te buscar com um violão na mão.”

“Combinado, quando eu voltar.”

Debora entrou no ônibus, seu lugar era na janela, eles acenaram adeus até não conseguirem se ver mais.

* * *

Quatro meses depois.

“Boa noite pessoal,” Igor falou no microfone e as pessoas responderam com gritos de animação “Obrigado por estarem aqui hoje. E eu sei que isso não importa para vocês, mas quero dedicar esse show para uma menina,” mais gritos de animação “Não esse tipo de garota, uma garota que conheci ano passado e acabei amando ela como a irmã que nunca tive. A primeira música se chama flores em uma camiseta.”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ponto de Encontro" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.