Entre o céu e o inferno escrita por Paloma Her


Capítulo 3
Nos desertos da Núbia


Notas iniciais do capítulo

E ele tinha sonhos tão esquisitos. Via-se a si mesmo com uma coroa na cabeça, vestindo roupas douradas, vermelhas, rodeado de mulheres elegantes, lindas, numa fantástica cidade de edifícios altos. E cada vez que acordava olhava em redor, e só via gente como ele. Negra como a noite, seminua, vivendo a mais simples das vidas.
Olhou para essa Lua cheia, lá no céu. Só a natureza era bela. Os pássaros com seu canto, os vaga-lumes cercando-o, o grito das leoas no cio, o rugido dos machos, isso ele sabia amar com ardor.



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Um núbio se encontrava recostado contra o tronco de uma árvore, olhando ao longe as águas cristalinas do Rio Nilo. A noite estava cheia de estrelas e a luz da Lua refletia um caminho prateado, que fazia doer o peito de tanto sentimento. Era o ano 3.100 AC.

Ele suspirou fundo. Lentamente. Sua vida era tão vazia! Sem graça alguma. Nada acontecia em redor, pois os homens viviam na mais simples das vidas. Recolhiam o capim para alimentar os rebanhos, puxavam o leite das cabras para fazer queijos, recolhiam mandioca para fazer o biju, dormiam, namoravam e tinham dúzias de filhos.

E ele tinha sonhos tão esquisitos. Via-se a si mesmo com uma coroa na cabeça, vestindo roupas douradas, vermelhas, rodeado de mulheres elegantes, lindas, numa fantástica cidade de edifícios altos. E cada vez que acordava olhava em redor, e só via gente como ele.  Negra como a noite, seminua, vivendo a mais simples das vidas.

Olhou para essa Lua cheia, lá no céu. Só a natureza era bela. Os pássaros com seu canto, os vaga-lumes cercando-o, o grito das leoas no cio, o rugido dos machos, isso ele sabia amar com ardor.

Enquanto o homem contemplava o rio, viu uma luz caminhando na sua direção. Era como se uma estrela despencasse do céu, e agora bamboleava até ele abrindo caminho.  Em seguida viu junto da luz uma mulher diferente. Ele sabia que ao norte, havia um povo de homens de pele mais clara, pois de vez em quando chegavam à Núbia em busca de animais. Eles desciam o rio Nilo em canoas grandes, jaulas de madeiras, e voltavam remando pelas águas se perdendo ao longe. Ele mesmo presenciara essa cena, desde pequeninho. Mas nunca chegara uma consorte. E hipnotizado por essa miragem, viu a senhora chegar junto dele, iluminar seu rosto, e lacrimejar. Depois, ela falou-lhe, no seu próprio dialeto, com um sotaque estranho:

— Finalmente o encontrei, meu amor...

E ele respondeu:

— Quem é você? De onde veio?

E ela continuou a falar:

— Sou sua esposa Aurora. E você é Ador, meu marido da Pré-história. Estamos casados há 150.000 anos, meu querido... Já fizemos o caminho mais longo.  Só nos faltam uns 50.000 anos, a mais, para reencarnar na Terra. Depois disso vamos viajar para muito longe...

— Eu sou casado com uma luz? Uma estrela? Então este é mais um sonho meu...

E o homem fechou os olhos, umedecidos pela descrença, pela desilusão, pois sua vida era o estremo dessa miragem fantástica. Ele não passava de um aborígene do mato, de um selvagem deitado na beira de um rio.

Aurora preferiu o silêncio. Sonhara com esse homem desde menina. Desde a primeira vez que um navegador chegou ao Egito com dois guris, negros como o carvão.  E Aurora crescera olhando para eles, pois com o tempo viraram belos rapazes, fortes, robustos, altos, cheios de musculatura, e os homens mais trabalhadores que havia no palácio de seu pai, o Faraó. Ela sonhava com um núbio, que a abraçava com ardor, beijava com sua boca grande, quase a afogando, e depois desses sonhos ela nunca mais fora à mesma. Desprezara todos seus pretendentes, e agora, que estava prestes a ascender ao trono, saíra em sua busca, acompanhada de seu séquito real.

Aurora estendeu-se ao lado de seu negão maravilhoso, e recostou a cabeça no seu colo. Sentiu uma mãe acariciando seus cabelos, seu corpo, e finalmente sentiu essa boca que ela amava. Grossa, grande, que a sufocava vida após vida com beijos sem fim.  Aurora só percebia a brancura de seus olhos, e seus dentes, cada vez que ele sorria. Ele confundia-se na escuridão. Era como um homem invisível, que a acariciava, beijava e enlouquecia-a.

Antes de partir para o Egito, Aurora e Ador casaram frente ao grande feiticeiro da tribo núbia. Ador já vestia como um príncipe. Seu corpo estava regado com aromas excitantes, de banhos perfumados. Trajava um peitoral de pérolas e pedras preciosas, canga na cintura, sandálias no pé, um pano na cabeça caindo sobre os ombros à moda egípcia, e os olhos não foram pintados de preto, pois ele era mais negro que as tintas.

Quase ao amanhecer, Aurora o arrastou para seu barco, que os estava aguardando na beira do Nilo. Assim que entraram nos seus aposentos reais, ela puxou o vestido mostrando a perfeição de seu corpo, com braços estendidos para cima, recostada sobre almofadas macias. Parecia uma obra de arte. Um quadro pintado. E Ador a amou, dali em diante cada minutos de sua vida.  

Durante essa longa viagem dormiram abraçados e se beijavam ao despertar. De vez em quando paravam o navio para correr nas areias, recolher frutos silvestres, e mergulhar nas águas do Nilo. Cada vez que Ador via um Oásis, a viagem era interrompida em períodos mais longos. Levantavam tendas, caçavam marrecos, ou catavam peixes, e se fartavam das inúmeras frutas desses recantos encantadores do deserto. Com a água até a cintura, perdidos entre vergéis do Nilo, ou em pequenas lagoas do deserto rodeadas de verde eles namoravam até desmaiar.  Ou, estendiam-se sobre areias brancas, sem pressa em chegar ao Egito, onde o trabalho de governar os aguardava.

Quando abordaram o Egito tiveram que casar novamente, com toda a pompa que exigia a um futuro governante dessa nação.

E os anos de felicidade plena transcorreram.  Quando o pai de Aurora faleceu, Ador foi coroado como seu sucessor, como um Faraó.

 Durante uma vida de 80 anos, Ador e Aurora tiveram 12 filhos, todos tão negros quanto o pai. Osíris, o terceiro filho, foi seu sucessor como Faraó, e Salina assumiu o trono na morte de seu irmão. Depois assumiu o trono um filho de Osíris, e mais um neto seu.

E esses reis núbios foram os reis que realmente transformaram o Egito num grande povo. A maior de todas as nações dos tempos antigos. A mais gloriosa. A mais bela.  Num tempo, em que ainda não existia a cobiça extrema dos homens, nem a construção das pirâmides gigantes.


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Notas finais do capítulo

Durante essa longa viagem dormiram abraçados e se beijavam ao despertar. De vez em quando paravam o navio para correr nas areias, recolher frutos silvestres, e mergulhar nas águas do Nilo. Cada vez que Ador via um Oásis, a viagem era interrompida em períodos mais longos. Levantavam tendas, caçavam marrecos, ou catavam peixes, e se fartavam das inúmeras frutas desses recantos encantadores do deserto. Com a água até a cintura, perdidos entre vergéis do Nilo, ou em pequenas lagoas do deserto rodeadas de verde eles namoravam até desmaiar. Ou, estendiam-se sobre areias brancas, sem pressa em chegar ao Egito, onde o trabalho de governar os aguardava.



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