Escrevi Sobre Nós escrita por Lena


Capítulo 1
I - O Vento


Notas iniciais do capítulo

O primeiro capítulo é livre.



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Olhei o guarda roupa uma, duas, três vezes. Já iria para a quarta quando me lembrei de um vestido rodado, florido, que estava esquecido bem no fundo da gaveta. Eu não o usava há anos, mas não deixava de ser lindo. Procurei nas gavetas abaixo de onde eu estava prestes a pegar uma calça jeans comum e uma camiseta de banda da minha irmã. “Ele não merece isso”, pensei.

Finalmente o achei. Estava do mesmo jeito que eu o deixara na última vez que usei. Dobrado, com o perfume que o papai dera de presente a mamãe, que eu amava a fragrância. Estava perfeito. Tirei o roupão, ficando nua e me fitando no espelho, tentando admirar a peculiaridade de minhas curvas, do pescoço ao quadril, onde cada espaço tinha uma mini pintinha. Eu gostava de todas elas e não tinha vergonha disso. Vesti o básico, coloquei meu vestido e usei o perfume de mamãe novamente, e talvez assim, tentar agradar não só a mim, mas a ele também.

Em um toque sutil, eu já estava pronta. Calcei um sapato de um casamento que fui, tentei fazer uma trança no cabelo, mas falhei miseravelmente na tentativa. Por fim, decidi usar os cabelos soltos e, de cada lado, usar uma presilha de ouro que pareciam duas borboletas douradas. Aceitável. E lá fui eu, andando devagar, até a praça do centro.

Me privei de ficar irritada levando bolsas e fui com as mãos livres, que balançavam a mediada em que eu dava um passo. O vento vinha ameno na direção do leste, e os meus cabelos voavam, tapando metade do meu rosto. Eu não me incomodei, eu amava a sensação que trazia.

Depois de uma caminhada consideravelmente longa, eu cheguei a praça. Ele ainda não havia chegado, então eu me sentei em um banco, debaixo de um ypê, que dispunha de belas flores brancas, formando um tapete abaixo de si. Estava tudo perfeito, e nada de sol. Era como eu adorava.

Um súbito olhar para a direita me fez ficar estática. Lá vinha ele, dando o seu melhor sorriso pra mim, com seu jeitinho simples e modesto, apenas carregando consigo um ar de “eu vim especialmente pra te ver”. Era a melhor sensação, não antes de receber um abraço seu.

Eu levantei rapidamente, o nervosismo tomando conta de mim. Infelizmente era normal. Ele se aproximou, ficando a centímetros do meu corpo.

— Oi! – Foi o que consegui dizer.

— Olá moça! – Ele sorriu de novo. Eu fiquei vermelha.

Ele se adiantou, e tomou o meu braço em um único movimento. Eu cedi, e ele sugeriu que fossemos ao lago. O lago sempre era o lugar perfeito para escapadas e para casais apaixonados. Pra mim, servia para os dois. E lá fomos nós, andando devagar, quase abraçados, e o vento levando meu cabelo e o meu vestido. Parecia um convite do próprio, dizendo “dance com ele, alegre-se. O amor está no ar”. Eu sentia essa voz, convidativa e alegre. Eu sorri ao imaginar a cena proposta, e ele percebeu.

— Do que está rindo?

— Do vento. Ele me diz coisas engraçadas.

Jurei que não havia percebido o que tinha dito. Já era. Mas eu sinceramente não ligava. O que me importava era sua presença, mesmo que ele me achasse louca de pedra.

— Ele me diz coisas engraçadas também. Uma vez ele me pediu para correr, o mais rápido que eu pudesse. Eu fui, e cheguei ao melhor lugar do mundo.

Eu sorri pra ele, não encarando. Ainda não estava pronta, mesmo que com todas as minhas forças eu quisesse olhá-lo nos olhos, para que ele visse todos os meus sentimentos por ele. Mas era difícil e tortuoso.

Finalmente chegamos. Estava meio vazio, e poucas pessoas rodeavam a passarela feita em volta do lago, mas não era onde ficaríamos. Era um lugar mais especial.

Subimos uma rua, até chegarmos ao jatobazeiro velho que fica acima do lago. É um lugar especial onde eu e os meus amigos íamos ao entardecer para conversarmos, e ás vezes, fazer um pequeno piquenique.

Ele trouxera uma manta florida para colocar sobre o gramado abaixo da árvore. O ajudei a coloca-lo e sentamos próximos um do outro, admirando a vista. Eu estava bastante nervosa, e ele havia percebido.

Ele estendeu seu braço direito até rodear minhas costas e me puxou para ele. Eu encostei minha cabeça em seu ombro e ficamos assim por um bom tempo. Eu flutuei, me sentindo no lugar mais seguro da Terra, onde só haviam ele e eu. Nós dois, tão próximos, dispostos a ficarem assim pelo tempo que não existisse. O tempo congelou e eu só pude sentir o seu calor. O sentimento era recíproco, o que me deixava segura de tudo o que eu fazia e pensava. Era o amor, que estava ali.

“É engraçado quando o vento assopra o lago, com toda a sua força, e se formam ondas parecidas com as ondas do mar. Tudo flutua, tudo está indo a uma direção desconhecida, tudo se dispõe de uma imensidão que não sabem ainda. E, depois, param no meio do nada e se sentem seguros, e esquecem de tudo.” Eu disse, enquanto observava os patinhos nadarem depressa até a margem, fugindo das ondas que o vento produzia, parecendo afugentá-los de algum mal. Causava uma sensação estranha, mas reconfortante.

“Acredito que o vento esteja sendo egoísta. Ele produz magníficas ondas, que vão a uma única direção, e afugenta qualquer e todo tipo de espécime que esteja no seu território, por assim dizer. Ele quer sentir o efeito que produz. Quer sentir sua magnífica obra, sua experiência, o que tem de melhor a produzir com a sua força. Algo bonito que ele mesmo quer agraciar.”, ele retrucou, apontando as folhas da margem oposta caindo no lago e desaparecendo entre uma onda e outra.

“O vento pode ser egoísta, mas pode ser altruísta também. Não bastasse fazer todo esse espetáculo para si mesmo, mas deixa a crer que tem um motivo: ele faz com que mais pessoas venham apreciar. Quem não gosta de sentar a beira rio e sentir a brisa? O calor desaparecendo de seu corpo, enquanto o vento se encarrega de curá-lo de qualquer male que esteja o assolando através de seus sopros medicinais. Mesmo que ele produza algo para si, produz algo para aliviar o corpo e a alma de quem busca a sua beleza.”, finalizei, sorrindo para as crianças que corriam, enquanto rajadas da ventania levavam suas roupas e as chamava para dançar.

Ele me deu um suave beijo na testa, e me trazendo mais para si. Eu aceitei de bom grado que nossos corpos se colassem mais ainda, que o conforto dele me enchesse de alegria e paz, o que era exatamente o que ele queria. Se aproximar.

Fui me sentindo mais a vontade. O meu corpo relaxou. Pareciam duas almas sedentas para estarem juntas. Uma sensação que eu jamais senti por alguém. Até que ele se deitou, e me levou junto a ele. Eu me apoiei em seu peito, e nós olhamos para o céu.

“Eu estou muito feliz de estar aqui, com você. Eu me sinto infinitamente mais feliz ao seu lado. Eu sinto que tenho um dever: te amar e ser amado por você. Isso me move, todos os dias, e posso afirmar que é a melhor coisa que faço na minha vida.”, ele disse.

Eu não aguentei e comecei a debulhar em lágrimas. Meu rosto começando a se molhar, e o vento esfriou, demonstrando que também havia ficado emocionado.

Ele enxugou cada lágrima que derramei. Limpou o meu rosto e distribuiu vários beijos ao redor dele e do meu pescoço, como uma forma de demonstrar segurança. Era tudo o que eu precisava, e ele sabia, sabia que eu queria muito ter ele junto a mim.

Eu sorri e gargalhei. Agarrei seu pescoço e o beijei. E foi mágico.

Foi como se toda a vergonha que eu sentisse fosse embora em um lampejo rápido. Uma estrela cadente. Uma fumaça que passa despercebida no céu enevoado. E pensei “o mundo poderia acabar hoje, eu já tenho tudo o que preciso”.

Enrosquei minha perna direita em cima de sua perna esquerda, e ele me puxou mais para si. Os intensos beijos serviram para dizer “acalmem-se, logo terão um espaço para isso”. Então eu voltei a minha posição inicial, na qual ainda pude estar colada junto de seu corpo e sentindo sua leve respiração, mas agora estava um pouco descompassada devido ao momento intenso. Eu sussurrei em seu ouvido, convicta do que diria a seguir, sem medo algum.

“Eu te amo”.


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Notas finais do capítulo

"O amor foge da realidade, consome as suas fantasias mais íntimas e pede para que dance com o vento."



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