Conte-me um segredo escrita por Course


Capítulo 3
III


Notas iniciais do capítulo

Olá, leitores amáveis!
Depois de 3/4 dias, mais ou menos, cá estou com mais um capítulo. Eu pretendia postá-lo antes, mas eu perdi metade com um problema de salvamento e tive que recuperar tudo, durante a reescrita.

Talvez tenha muito pensamento reflexivo e poucos diálogos, mas isso é efeito da introdução da história. Entendam, com carinho, que não pretendo transformar a história em textos descritivos demasiadamente prolongados, mais adiante.

Dedico esse capítulo às minhas 3 leitoras favoritas: Ravena (u/384945/), Gabs (u/586705/) e, JESUS AMADO, NEM ACREDITO NISSO, Vin (u/583741/), que é possivelmente a minha autora favorita no Nyah e ela encontrou minha história. NEM ACREDITO NISSO!

Curtam essa história e, por favor, não esqueçam dos comentários após a leitura.



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III - O que uma ligação é capaz de fazer.

 

Uma família cheia de tradições. Era a frase que estava entalhada em um quadro de madeira pendurado na parede do meu quarto. Eu costumava o encarar tentando compreender o que aquela frase significava realmente. Às vezes Tris brincava e dizia que o correto seria: Uma mãe cheia de reclamações.

De certo, eu sabia que sentiria falta deste cantinho que fora meu durante todos os anos de minha vida. Sentiria falta do papel de parede azul que contrastava perfeitamente com a madeira branca do teto, assim como sentiria falta da minha modesta cama e de sua infinidade de almofadas que era sempre organizada de um modo muito específico até quase a metade dela. Também sentiria falta do closet que eu compartilhei por quase 10 anos com a Tris e fazia uma ponte entre nossos quartos.

Além das coisas internas, eu sabia que sentiria falta da forma como o Sol da manhã invadia meu quarto pelas frestas da cortina e da brisa de inverno que embasava o vidro dela pela noite. Sentiria falta da sombra que a árvore nos fundos do jardim proporcionava em um certo período do dia e dos pássaros que construíram seu lar entre seus galhos. Sentiria falta também da maldita vizinha que, logo cedo, todo domingo, colocava seu rádio altíssimo em sua varanda, deixando tocar os clássicos dos anos 80.

Havia tantas histórias ali. Incontáveis, preciso dizer...

Passei os últimos 3 anos ansiosa por este momento. Pelo meu momento de emancipação dos braços de urso da minha mãe, mas não havia como ser preparada para aquela sensação de perda. Era como se eu estivesse deixando para trás algo importante, abandonando algo fundamental.

Minha família não era como as típicas e rotineiras famílias do subúrbio de Santiago ─ até porque eu não morava no subúrbio e sim em um bairro pacato da cidade, longe de tudo ─. Minha mãe sempre desprezou tudo que envolvesse o sexo oposto e, com isso, nosso núcleo familiar sempre foi organizado apenas por nós três: mamãe, Tris e eu. Desde novas, fomos preparadas para enfrentar o mundo à nossa maneira e isso significava muitas horas praticando algum esporte, afim de exercitar nossos músculos, aprender a concertar algumas coisas sozinhas, conseguir nossa carteira de habilitação o quanto antes e nunca ─ jamais ─ apresentar à nossa mãe um cara como nosso namorado, sem termos, pelo menos, completado nossa primeira graduação. Assim, é compreensível que depois que a Tris e o Don finalmente estreitaram os laços, ela tenha passado mais tempo fora de casa durante o verão do que deveria. Eu definitivamente amava a família que eu tinha, apesar de parecer tudo muito sufocante as vezes. Era muita responsabilidade ser uma das mulheres Mayer.

Quando ouvi o som de um motor de carro sendo ligado no lado de fora, tive certeza de que havia ultrapassado o tempo limite e que todos estavam de saco cheio de me esperar.

Coloquei a alça da minha última mala atravessada no peito e dei uma última olhada no quarto antes de fechar a porta pela última vez ─ pelo menos, até terminar o primeiro semestre.

─ Ah, graças a Deus, poia. ─ Tris revirou os olhos no segundo em que atravessei o portal da varanda da frente de nossa casa ─ Graças ao seu draminha de se despedir do quarto, já estamos 25 minutos atrasadas.

─ Deixa o seu drama de lado, Beatriz. ─ mamãe a repreendeu enquanto caminhava em minha direção, atravessando o jardim, com um sorriso carinhoso no rosto.

Bom, nunca gostei que as pessoas me levassem a mal quando eu tentava explicar as neuras anti-machistas dela. O fato é que ela se esforçava bastante para ser uma boa matriarca e nos garantir um futuro digno. Eu valorizava isso demais, principalmente em dias como o de hoje, que ela abriu mão do expediente na sua empresa de esposas de aluguel só para me ver partir ao lado de Tris, rumo à Universidade de Eilish, na ponta final da Península Dezul.

─ Eu anexei na sua agenda eletrônica uma lista de coisas que você precisará checar assim que chegar na república, ok? Não se esqueça que o carro deve ser entregue na semana que vem e, por isso, você precisa ligar para sua avó agradecendo o presente.

Fui assentindo em concordância, enquanto seguia meu caminho em direção ao carro de Tris.

─ Não se esqueça de se matricular em alguma aula esportiva. Preferencialmente, uma que esteja em consonância com seu horário e que não te faça ter muito tempo ocioso entre as aulas.

─ Certo. ─ tornei a assentir pela última vez, enquanto depositava a minha última bolsa na mala já empanturrada do carro da minha irmã.

─ Eu recomendaria alguma aula de ioga, já que sua grade está superlotada, porque você decidiu eliminar algumas matérias esse semestre de uma vez.

Pega na mentira, mamãe. Você me obrigou a organizar um horário superlotado para não me dar tempo de descansar e frequentar alguma festa de fraternidade.

─ Vou sentir sua falta todos os dias. ─ admiti enquanto aceitava seu abraço que logo veio, mais uma vez.

─ Não vai, não, querida. Você vai me ligar dia sim, dia não, assim como sua irmã faz. E nas suas férias de inverno estará de volta para casa, num piscar de olhos.

 Tentei parecer animada com o fato de ser obrigada a ligar de acordo com os horários organizados na minha agenda eletrônica, então forcei meu melhor sorriso.

─ É, a senhora tem razão. ─ sorri, amistosa.

Uma buzinada no carro foi o suficiente para que finalizássemos nossa conversa.

─ Não se esqueçam de me ligarem assim que chegarem na Eilish. ─ aquilo não era um pedido. Era uma ordem da mamãe ursa.

Eu já estava no carro quando a ouvi gritar, então ela não era capaz de ouvir meu gemido de desprazer por pensar nas consequências de realmente esquecer de fazer isso.

─ Te amamos, mamãe! ─ Tris gritou de volta para nossa mãe que estava com os dois pés plantados no gramado enquanto acenava para o carro que já dava partida.

No momento em que tris terminou de passar em frente ao pequeno condomínio de casas germinadas que ficavam exatamente ao lado da nossa casa, ela pressionou o botão do rádio e colocou seu óculos de sol. No momento em que a música começou a tocar, encarei-a, aguardando por qualquer tentativa de assunto.

─ Está pronta para viver a liberdade, poia? ─ um sorriso repleto de malícia fugiu de seus lábios enquanto ela aumentava o som e deixava New Rules da Dua Lipa tomar todo o espaço sonoro do interior do carro.

Eu não fazia ideia do que aquela pergunta poderia significar, mas eu não ousava questionar minha irmã quanto a isso. Pelo menos, não agora.

Antes de Tris ir para a faculdade, cursar a sua tão sonhada graduação em Odontologia, eu sabia absolutamente tudo sobre ela. Eu sabia que, no fim das contas, ela ansiava mesmo era estudar qualquer coisa que a capacitasse para ser aeromoça, pois ela almejava ser uma comissária de bordo no passado. Eu sabia que Tris não namorava caras perigosos como Brandon ─ Don ─ Cuppertino. Além disso, eu também sabia que minha irmã nunca teria coragem de tatuar um trevo de quatro folhas em seu antebraço.

Ela está caminhando para seu terceiro ano na Universidade de Eilish e este foi seu segundo verão de férias, neste meio tempo. A Tris que veio nos ver no inverno passado não foi, nem de perto, a mesma Tris que voltou neste verão. Ela parecia mais ousada, desbocada, principalmente agora com seu cabelo repicado e curto até quase acima do ombro. Minha irmã abandonou as suas roupas em tons vivos e aderiu a um guarda-roupas mais neutro, seguindo exatamente as mesmas tonalidades usadas pelo seu namorado. Eu sabia tanto sobre isso, porque, ao longo das nossas férias, após sua primeira semana em casa, ela foi obrigada a me confidenciar que estava o namorando e que, por termos estudado em escolas de distritos diferentes, eu nunca o havia conhecido antes. Por fim, ela resolveu me convidar para o conhecer e foi no momento em que eu disse tudo bem, vamos fazer isso que Tris me apresentou seu novo universo: A Ordem. Tris admitiu, em minha primeira visita às lutas clandestinas na boate Zoom que realmente só me contou sobre isso, porque ela foi obrigada por nossa mãe a me levar para sair junto todas as vezes em que ela fosse sair após o horário permitido.

Eu não contei para a Emmy e jamais faria isso, mas eu só a decidi a convidar para acompanhar as lutas comigo, após a terceira noite em que eu estive lá e fiquei assustada demais quando Beatriz me deixou sozinha, no canto, encostada em uma parede, para desaparecer entre a multidão after-party na casa ─ ou melhor: mansão ─ do Don. Naquela noite, decididamente, eu entendi que não conseguiria passar por esse mundo novo e assustador sem a ajuda da minha melhor amiga.

Acabou que a Emmy, por ser uma assídua investigadora, conseguiu informações privilegiadas sobre a Ordem que me ajudou a juntar algumas peças do quebra-cabeça que eu iniciei quando concordei em conhecer este mundo para estar mais próxima da minha irmã.

A Ordem era um grupo organizado por dois universitários de campus distintos que organizavam lutas em locais e cidades determinadas, com o objetivo de promover lutas de MMA mais abertas ─ ou seja, sem todas ou, pelo menos, as principais regras de defesa do MMA oficial.

Por fim, ao longo da primeira semana após a primeira visita da Emmy à boate Zoom, ela acabou pesquisando tanto sobre o assunto que conheceu os principais nomes, teve acesso à diversos vídeos, de diversos encontros, e descobriu que dentro da Ordem haviam diversos grupos derivados organizados que elegiam seus respectivos lutadores para as lutas.

Brandon, o namorado da Tris, pertencia à Ordem de Ares, que recebeu esse nome em homenagem ao famoso deus da guerra dos mitos gregos. Definitivamente, ele era o rei. Brandon, ao longo de toda sua estadia na Ordem, ganhou quase todas as lutas que fez parte, perdendo apenas a sua estreia no movimento que ─ de acordo com ele ─ sofreu uma trapaça do oponente que quase conseguiu o deixar cego ao fincar os dedos em seus olhos.

Haviam outros grupos menores e outros importantes, como o de Don e, definitivamente, eu viciei minha amiga neste universo, pois ela esta a par de todos. Especialmente de um, que, para ela, é o mais importante dos grupos e o principal rival de Ares: A Máfia. E, dentre todos os lutadores deste seleto grupo, Emmy era fascinada por um moreno de olhos claros em questão que, infelizmente, era, possivelmente, o ser humano mais complicado do universo. Zeny Barnes.

Eu não contei para ninguém sobre o que acontecera conosco, principalmente quando, após ter sido deixada ─ ou abandonada, como seja ─ e ter tido todo o trabalho para encontrar minha irmã e tentar explicar que não havia nada entre mim e o arqui-inimigo do seu namorado e conseguir convencê-la a não comentar nada sobre o que ouvira com minha amiga, acabei descobrindo que a Tris não sabia nada sobre o que ocorreu depois do nosso desencontro. Ela sabia sim sobre a confusão com o Zeny e dois caras fora da jaula, mas, para ela e boa parte dos presentes ali, o problema ocorrido poderia ter sido qualquer outra coisa e, para minha irmã, foi uma desculpa que Zeny Barnes conseguiu pensar na hora para fugir da luta contra Don, já que, após a agressão, ele foi considerado perdedor e deveria ser afastado da Ordem por, pelo menos, os próximos dois eventos que seriam agendados.

Quando Zeny supostamente abandonou a jaula, deu o lugar para Ramonez que perdeu de forma humilhante para o meu cunhado. Não que eu soubesse como fora a luta, pois, após a longa noite, optei por esperar por todos no carro. Até mesmo a After-party eu perdi, pois consegui dormir muito bem no banco do carro e, sinceramente, tive medo de ser reconhecida por qualquer um que me viu sendo puxada por Zeny e destruísse minha versão da história que contei para Tris.

Claro que essa história com Barnes ainda não havia passado, pelo menos para mim, e eu me pegava pensando na forma como ele me defendeu e depois me humilhou em um período de tempo tão curto. Passei os últimos dias das minhas férias de verão stalkeando—o em suas redes sociais, buscando qualquer atualização, mas, após o sábado do Zoom, ele pareceu simplesmente desaparecer. Não havia mais nenhuma atualização, publicação, tweet, nada. Não que eu me incomodasse com isso, claro. Só estava, no fundo, curiosa para descobrir se ele havia passado por alguma situação humilhante ou desagradável que pudesse recompensá-lo pelo que me disse.

Voltar a pensar tanto nele, me fez relembrar do pacto que eu fizera comigo mesma duas noites atrás, quando decidi, de forma responsável e autoritária, que pararia de seguir minha irmã nos eventos da Ordem, principalmente quando eu começasse meu período letivo. Eu não podia dar brechas para erros, afinal, eu estava falando de um curso que era sonho de consumo de vários jovens: Medicina.

Infelizmente, quanto mais eu pensava neste pacto e na responsabilidade de ser uma caloura num curso tão importante, mais eu percebia o quanto eu não desejava nenhuma das duas coisas: eu não queria me afastar dos eventos da Ordem e, principalmente, não queria cursar Medicina.

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Há algo de muito curioso que poucas pessoas relatam sobre as repúblicas, talvez por receio de que as pessoas automaticamente criem uma repulsa quanto à isso: os prédios ficam sempre mais afastados do campus e, principalmente, os mais baratos são sempre os mais esteticamente feios.

Por sorte do destino e muito investimento da minha mãe, eu consegui uma vaga numa das repúblicas femininas mais próximo ao campus, assim como minha irmã. Infelizmente, não compartilharíamos o mesmo prédio, mas, como Tris me instruiu, estávamos apenas há duas quadras de distância.

Eu pude notar toda a organização entorno da minha república no instante em que minha irmã estacionou o carro em uma das vagas demarcadas como “visitantes A0302D”. Quando indaguei a razão para aquele número esquisito, Tris simplesmente apontou para o envelope que eu carregava com as informações sobre minha república e disse:

─ Cada aluna do Agatha possui uma vaga para o próprio carro e uma para visitantes. Essa daqui é a vaga que qualquer um dos caras que você queira trazer escondido pra cá precisará usar para estacionar. ─ um sorriso debochado surgiu nos lábios da minha irmã e deixei meus olhos rolarem enquanto soltava meu cinto de segurança e ela se preparava para sair do carro.

Antes que eu pudesse colocar os pés para fora, dei de cara com Brandon me encarando com um sorriso enorme, capaz de praticamente mostrar todos os seus dentes brancos e reluzentes, há poucos metros de distância.

─ E aí, poia! ─ ele gritou, enquanto caminhava para mais perto. ─ Até que enfim chegaram!

Olhei para minha irmã do outro lado do carro, buscando por alguma explicação coerente para o enorme homem-macaco pálido que vinha em nossa direção e ousou gritar meu apelido de infância para que todos a nossa volta ouvissem.

─ Que é? ─ Tris indagou olhando-me confusa ─ Achou mesmo que nós duas carregaríamos isso tudo da mala sozinhas? ─ bufou e afastou-se do carro para seguir seu caminho em direção ao namorado.

Os dois formavam um casal esquisito, mas que, de uma forma mais esquisita ainda, combinava. Tris era bronzeada, graças ao seu tempo de qualidade nas praias que circundavam toda a Península a nossa volta, possuía o cabelo dourado que herdamos gentilmente de nossa mãe e um corpo curvíneo de dar inveja. Já Brandon era bem parecido com uma espécie de soldado marombado, que sempre usava roupas largas, dando um efeito ainda maior ao seu corpo e, principalmente, sempre (menos dentro da jaula, claro) acompanhado de um de seus 300 bonés de baseball que escondiam sua cabeça sem cabelo.

Uma vez, perguntei seu ele havia passado por algum tratamento de câncer, porque sua cabeça realmente não aparentava nenhum sinal de fio de cabelo, o que fez ambos que ouviram a pergunta ─ Tris e Don ─ rirem até não aguentarem mais. A explicação lógica é que, por ser um lutador, Don entende que muito cabelo é sinal de fraqueza e pode servir, em um momento rápido, como objeto para contra-ataque de um oponente.

Então, ultimamente, quando o vejo novamente e lembro-me dessa sua fala, pego-me pensando nos cachos de Zeny e me indagando o motivo pelo qual ele não cortou seu cabelo ainda, pois todos os outros lutadores que eu vi no Zoom seguiam um padrão similar ao que Brandon explicara, apenas diferenciando em tamanho de cortes, pois alguns ainda se permitiam uns poucos milímetros de cabelos expostos. Já Barnes não. Ele possuía um cabelo grande para os padrões do MMA ─ seja ele clandestino ou não ─ já que os cachos castanhos em momentos do dia-a-dia, pelo que eu o observava pelas fotos no Instagram, estavam quase sempre caindo nos olhos. Por que Zeny Barnes não corta o cabelo?

─ Ei, Terra para Olivia! ─ fui convocada de volta por minha irmã que me encarava um pouco curiosa, tentando adivinhar para quão longe eu havia viajado dessa vez.

─ Hm... Temos que começar a carregar as coisas se quisermos acabar com isso antes de escurecer. ─ tentei sorrir e soltar a piada para mudar o foco de Tris, que surtiu efeito, já que ela sorriu e se afastou um pouco do abraço de seu namorado.

Havia mais caixas do que realmente aparentava, quando elas estavam milimetricamente organizadas, feito um jogo de Tetris, na mala do carro da minha irmã, então eu ouvi bastantes resmungos do meu cunhado enquanto éramos forçados a fazer mais viagens do que planejamos, subindo e descendo todos os três lances de escadas do prédio.

─ Então, Liv, que horas mais ou menos você planeja nos liberar para a Day on? ─ Don indagou enquanto terminávamos de colocar mais um grupo de caixas no meu quarto.

Olhei confusa para ele e busquei por uma explicação por telepatia para entender do que estava falando.

─ Há! ─ ele riu, seco ─ Claro! A garotinha da mamãe não sabe do que se trata a Day on. ─ bufou e aproveitou para recostar todo os 1000kg de músculos de seu corpo na soleira da porta.

─ Isso é tipo um... ritual de iniciação letiva da Ordem? ─ perguntei, tentando usar algumas palavras difíceis, pois eu sabia que o deixava sem graça, pois ele não gostava de vocabulários requintados demais.

─ Bom, aqui na Eilish, nós chamamos apenas de festa. Não sei se lá em Santiago, no grupinho geek que você fazia parte existia esse termo no seu dicionário de palavras imbecis, mas é assim que chamamos por aqui.

Cruzei os braços e deixei meus olhos rolarem rapidamente, recusando-me a absorver as ofensas brandas de Don.

─ E o que os impede de seguirem com a vida de vocês sem mim? ─ questionei.

─ Bom ─ ele começou ─, é que provavelmente sua mãe vai perguntar o que você e sua irmã fizeram no primeiro dia e, cá entre nós, sabemos que a Beatriz é uma mentirosa de merda.

─ Onde você quer chegar com isso, Don? ─ indaguei, sabendo que era o que ele precisava ouvir para dar continuidade com seu pedido.

─ Ah, sei lá! Estava pensando em duas possíveis coisas, tá ligada? Tipo, uma seria você mentir por sua irmã, falando pra sua mãe que ela está sem bateria no celular, mas que vocês duas estão passando a noite arrumando as coisas no quar-

─ Impossível. ─ logo o cortei, pensando no quão estúpida era aquela ideia ─ A mamãe irá ligar e provavelmente irá querer fazer uma chamada de vídeo para saber como as coisas estão. Imagine só a surpresa dela quando perceber que a Tris não está aqui.

─ Por isso pensei numa outra alternativa, gatinha.

Pior do que me chamar de poia, era ouvir Don me chamar de gatinha. Não era nada carinhoso ou, até mesmo, um apelido sedutor. Era um comparativo com um gato, filhote, indefeso e arisco. Exatamente como ele me descreveu na frente de todos os seus amigos, em uma das afters que presenciei em sua casa.

─ Você vai na festa com a gente e fala uma verdade... hmm... formatada para a mamãe-urso. Aí, todos nós poderemos nos divertir essa noite, como sempre fazemos.

Dessa vez, descruzei meus braços e passei minhas mãos suadas pelo meu short jeans, porque a ideia de mentir pela minha mãe passou pela minha cabeça e os calafrios vieram junto. Nossa mãe era um belíssimo detector de mentiras, então, o único jeito de esconder verdadeiramente as coisas dela era na base da omissão. Neste caso, especificamente, não havia como omitir informações importantes como o fato de ir a uma festa ou, pelo menos, liberá-los para uma, justamente na noite em que minha mãe esclareceu completamente que eu deveria ficar na república.

─ Olha, Don, e-eu- ─ fui interrompida por Tris que chegou carregando mais uma caixa e nos olhava bastante irritada.

─ Vocês dois são dois putos que estão de conversa fiada enquanto eu faço a porcaria do trabalho sozinha. ─ ela grunhia enquanto deixava a caixa cair no chão com pressão.

─ Ei! ─ gritei ─ Nessa caixa está minha cortina de cristais. ─ reclamei enquanto corria para pegar a caixa e deixar em segurança sob o colchão da cama que já estava ali, junto da escrivaninha, da cadeira com aparência desconfortável e das prateleiras embutidas na parede logo acima da banca de estudos.

─ Estou tentando algo mais difícil do que carregar algumas merdas de caixas pela escada, Beatriz.

Não gostei nada do tom que Brandon usou com minha irmã, mas optei por não me intrometer, já que ela o olhou com deboche antes de ouvi-lo complementar sua fala.

─ Sua irmã precisa ser convencida de ir conosco a Day On e nos ajudar com sua mãe.

─ Ah! ─ foi tudo o que ela soltou inicialmente.

E ali estava eu, num complô formado para enganar e iludir a mulher que me colocou no mundo em troca da alegria da minha única irmã.

O que eu havia feito de errado para merecer esse castigo?

─ Olha, Liv, sei que o Don pode se sentir super corajoso e totalmente preparado para lidar com qualquer tipo de situação, mas nós duas sabemos o que realmente significa tomar uma bronca da mamãe. Então, eu não vou ficar chateada se você escolher contar para ela que eu precisei te deixar para ir à uma festa. As aulas só começam na segunda e nós ainda teremos amanhã para arrumar todas as suas coisas. Eu só pensei que seria legal aproveitar o último Day On antes das aulas voltarem. Mas sério, não se sinta pressionada a nada, ok?

Era fácil para Tris pedir uma coisa daquelas quando ela não estava na minha posição.

Aquela sensação de pressão pós-saída de casa estava me matando desde que eu colocara os pés para fora de casa, no fim das contas. Eu ansiava a todo momento por me ver livre das rédeas da nossa mãe, mas, ao mesmo tempo, me encontrava presa às suas regras autoritárias que me seguiram até ali, na Eilish.  Meu temor ia além das broncas da minha mãe. Eu temia seu desapontamento.

Afinal, ela sacrificara muito de sua vida para nos dar o melhor e, definitivamente, não merecia que suas duas filhas falhassem com seus planos previamente organizados para nossas vidas serem o mais próximo possível do estável.

Por outro lado ─ um bem obscuro, diga-se de passagem ─, havia um outro temor me perseguindo. Tris viveu confinada em nossa casa e, só neste verão, pude perceber que a nova vida que levava a deixava mais feliz. Então, privá-la disso e submetê-la às amarras impostas por nossa mãe também parecia igualmente cruel da minha parte.

─ E o que acontece nessa tal de Day On? ─ resolvi perguntar, de modo que conseguisse mais tempo para pensar em algo para fazer a respeito dessa situação.

─ Nada demais. ─ Don deu de ombros ─ O de sempre, na verdade. Bem aquilo com o que você vê nas minhas Afters.

─ Espera! ─ Tris afastou-se mais um passo de Don e o olhou um pouco aborrecida ─ Na verdade, Liv, não é muito parecido com o que você está acostumada. É meio... bom, exclusivo. Só o pessoal da Ordem, essas coisas.

De alguma forma, eu senti que, com aquelas palavras, minha irmã estava determinada a me manter afastada de tudo aquilo. O que era meio surpreendente, já que foi a própria Tris que me apresentara à este mundo.

─ Que isso, Bea, assim vai assustar sua irmã. ─ Don tentou minimizar os danos e piscou para mim antes de prosseguir ─ É algo super rilex, gatinha. Eu nunca colocaria sua irmã em risco e também nunca te convidaria para um lugar que você não fosse bem-vinda.

─ Don! ─ Tris grunhiu em resposta e me deixou ainda mais confusa com sua postura.

Eu estava indecisa quanto à origem da relutância da minha irmã, então resolvi questionar:

─ Que é, Tris? Em Santiago eu posso ir nos encontros, mas aqui em Eilish não sou mais bem-vinda?

─ Claro que é, Olivi-

─ Calado, Don. Quero ouvir da minha irmã. ─ Ergui meu dedo, com toda a coragem que eu tinha, interrompendo a intervenção dele em uma situação de irmãs.

─ Não seja criança, Olivia! Você mesma deixou claro na última vez que odeia esse mundo. Por que está interessada nele, de repente? ─ ela rebateu, erguendo um pouco a voz.

Merda. De alguma forma, eu deveria prever que aquele papo cairia em um assunto obscuro, mas, quando percebi, já era tarde demais.

─ Ah, não vai me dizer que está afim de rever o Barnes? Talvez exista algo que você tenha esquecido com ele, quem sabe? Tipo, sua calcinha.

─ Me poupe dessa história de novo, Beatriz! ─ revirei os olhos dramaticamente ─ Eu já te expliquei mil vezes que-

─ Espera! Olivia Mayer e Zeny Barnes? Mas que porra é essa? ─ Os olhos arregalados de Brandon deixavam bem claro que aquele assunto era novidade para ele.

Olhei para minha irmã, dividida entre gratidão e pura ira, já que, até o momento, ela tinha deixado o assunto de lado e guardando-o até mesmo de seu namorado babaca.

─ Não é sua deixa ainda, Don. Essa ainda é uma conversa entre irmãs. ─ tentei interrompê-lo, mas realmente já era tarde para tentar controlar as coisas.

─ Não, pequena Olivia, deixe que o Don saiba sobre como foi bom você e ele se agarrando nos becos escuros da Zoom antes da luta estúpida dele com o Ramonez. ─ Tris e todo o amargor de suas palavras estavam me deixando cada vez mais descontrolada.

─ Que? ─ Se fosse possível, os olhos de Brandon se alargariam ainda mais.

─ Não mesmo! ─ grunhi ─ Chega desse assunto, sério! Não vou mais perder meu tempo tentando te convencer que eu não fiz nada com o Zeny.

─ Então que papo foi aquele de peitos e shorts? ─ Revidando, minha irmã ergueu uma das sobrancelhas, esperando, mais uma maldita vez, por uma explicação.

─ Ah, Tris, por favor! Você sabe que aquela merda foi só um maldito esbarrão. Nós nos esbarramos duas vezes. Na primeira, ele estava de olho no meu decote e na segunda ele quase derrubou minha bebida. Só. Fim de história. ─ Deixei minhas mãos caírem dramaticamente nas laterais de meu corpo, para dar ênfase no meu cansaço com aquele assunto maçante.

─ Só tem um jeito de saber se essa droga é verdade ou não. ─ Don interviu, de repente, com uma proposta brilhando em seus olhos ─ Você vai na festa, encontramos o Zeny e tiramos essa história a limpo.

Meu sangue gelou.

Eu não sabia bem o que dizer naquele momento, porque estava ocupada demais, tentando manter minha respiração tranquila, para evitar que qualquer falha minha me entregasse.

Minha preocupação, naquele instante, não estava no fato dos olhos de Tris brilharem com a ideia brilhante do namorado, nem com o fato de, de repente, ele ter colocado uma de suas mãos de uma maneira bem ousada em um dos lados do quadril de minha irmã, puxando-a para mais perto, enquanto lançava-me um sorriso malandro. Minha preocupação nem era mais com relação à ligação da minha mãe, que fora a causa daquilo tudo.

Tudo o que eu conseguia pensar era que Zeny Barnes estaria na porcaria da Day On.

Zeny Barnes estaria lá e arruinaria tudo para mim, mesmo que eu não fosse à maldita festa.

Eu estava ferrada.


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Notas finais do capítulo

E aí? Que Desculpa a Liv conseguirá para escapar dessa enroscada? Ou... será que não haverá escapatória?

Me enviem suas teorias por comentário! Estou ansiosa para lê-las!



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