Entre Páginas escrita por Raíssa Duarte


Capítulo 14
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Boa noite!



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Melissa congelou por um instante, perguntando-se como Carolina descobrira. Como a fofoca chegara até seus ouvidos? Sua mãe certamente desdobrara-se para abafá-los, e a convencera de ter feito um bom trabalho. Mas não o suficiente, aparentemente. Sua futura sogra era a única no Rio a dispor de tais informações?

   -Posso perguntar onde a senhora ouviu estes boatos?

   -Como disse, queria saber mais sobre a moça que pretende fazer parte de minha família. – Alisou a saia verde para tentar ocultar o leve constrangimento. – Apenas procurei informações sobre seus pais e a senhorita. Acabei ouvindo muito mais do que isso, é claro. Desejo saber se há alguma verdade no que ouvi. A começar por seu envolvimento com o Sr. Ramos.

   Melissa sentiu-se soar por baixo de tantas camadas de roupa, e não era apenas resultado do calor. Dedilhou o leque, nervosa e irritadamente.

   -Foi um breve e malfadado cortejo.

   Carolina ergueu levemente as sobrancelhas claras;

   -O que motivou o fim do relacionamento?

   -O quanto a senhora ouviu?

   A mulher franziu o cenho suavemente e procurou pelas palavras;

   -Ouvi que estavam há um tempo namorando e então o rapaz casou-se com outra.

   -Correto.

   -Ainda assim não entendo o porquê.

   Mel suspirou, querendo que a conversa acabasse o mais rápido possível;

   -Ele se apaixonou por outra. Terminou o cortejo comigo e casou-se imediatamente.

   -E você veio para o Rio de Janeiro logo em seguida. – Concluiu Carolina. – Um coração partido ou vergonha?

   A jovem sentiu uma súbita vontade de rir, ante a ideia de ter o coração partido por um moleque como Rodolfo.

   -Precaução. – Respondeu simplesmente.

   Carolina balançou a cabeça. Todavia, não estava satisfeita.

   -Isso não é muito comum.

   -De fato. – Concordou Melissa, piscando calmamente, embora um resquício de nervosismo ainda se recusasse a desaparecer.

   -Então não há nenhum outro envolvimento entre a senhorita e este ‘malfadado’ namorado?

   Mel enrijeceu-se no assento da carruagem.

   -Onde exatamente a senhora deseja chegar?

   -Meu filho sabe sobre isso?

   Melissa molhou os lábios com a ponta da língua.

   -Não. - Afirmou. 

   -E ele não deveria?

   -Não julguei necessário. Eu certamente não procurei saber sobre o passado dele.

   -Eu não tive a intenção de ofendê-la. Acredite que faço com a melhor das intenções. Em quem deveria acreditar? Na senhorita ou nos comentários que ouvi? Fato é que a senhorita mudou-se de cidade após o fim do namoro e é absolutamente atípico que dois jovens de sua classe social terminem um compromisso público de modo tão abrupto. Os rumores sobre a senhorita não são nada favoráveis. O que houve?

   Se não fosse uma dama tão refinada, Melissa teria exigido que o condutor parasse o veículo e ela partiria dali de imediato. Como aquela mulher sequer ousava duvidar de sua virtude?

   -Eu já expliquei os eventos, tais como são. Se o que digo não for o suficiente para convencê-la, então nada será. Não tenho do que me envergonhar, a não ser por toda a proporção que estes boatos tomaram. Continuo tão honrada como sempre fui.

   Segurando a cólera por conta da indignação, imaginou Júlia divertindo-se ás suas custas. Aquela maldita confusão não acabaria nunca?

   -Meu filho é extremamente reservado, odiaríamos ter o nome Castro envolvido em qualquer mexerico.

   -Meu casamento com seu filho será grandemente vantajoso para nós dois.

   -Desculpe-me, mas não acredito nisso. - Afirmou teimosamente.

   Naquele momento, Melissa soube que Carolina Castro não era uma tonta. Sonsa, talvez, mas com toda a certeza sabia quando mostrar as garras, e quando escondê-las. Era óbvio que estava tentando proteger o filho, mas duvidar da honra de sua futura nora era a pior maneira possível de iniciarem uma relação amigável.

   Talvez estivesse melhor servida com Lorena Ramos.

   -De qualquer forma... – Sorriu docemente. – Não cabe á senhora decidir. Henrique tomou sua própria decisão.

   Carolina apertou os lábios em uma linha fina e segurou seu próprio leque fechado em uma das mãos. Nenhuma das duas estava atenta ao clima, naquele momento, exceto á atmosfera de tensão presente entre elas.

   -Antes de irmos á qualquer lugar de lazer, gostaria que me acompanhasse á um médico antes.

   -Como é? – Melissa franziu o cenho.

   -Se a senhorita está certa em sua afirmação, certamente não se importará.

   -Isto é um absurdo. – O aperto em seu leque aumentou.

   -Na verdade, estamos quase chegando. – Comentou Carolina, olhando pela janela.

   -A senhora não tem esse direito. Isso é um assunto particular! E compete apenas á mim e Henrique. - Todo seu auto controle esvaiu-se diante de tamanho absurdo.

   -Se não contou á ele sobre algo tão relevante, então imagino que espere pelo casamento, quando for tarde demais?

   -A senhora está fora de si. - A frase saiu quase por entredentes.

   A carruagem parou em um solavanco suave, indicando que haviam chegado.

   Carolina ergueu a mão teatralmente em direção á porta;

   -Podemos ir embora. E então terei minha resposta.

   Se havia alguém que Melissa detestava mais do que Júlia e Rodolfo, Carolina estava bem próxima.

   Contudo, ela de fato teria uma resposta para entregar á Henrique. Melissa não o conhecia o suficiente para saber se ele se importaria de desposar uma moça com reputação arruinada. E se perdesse um noivo, a possibilidade de Melissa não conseguir marido algum no Brasil seria realidade.

Como uma mulher de aparência tão doce fora capaz de atrair Melissa para sua armadilha, ela não sabia.

   Engolindo seu orgulho, e que gosto amargo tinha, Melissa desceu o degrau móvel da carruagem posto pelo condutor e esperou pela Sra. Castro.

   Adentraram o consultório clínico gelado. Um homem assinava calmamente papéis muito bem organizados sobre uma mesa de mogno bem polida. O ambiente era parcamente decorado, em concordância com a seriedade do local.

   Melissa recusou-se a dizer uma palavra, enquanto Carolina trocava cumprimentos e ouvia o que o doutor tinha a falar. Tudo já havia sido devidamente combinado.

   O médico zelosamente abriu a porta da sala privada e convidou Mel. Pediu gentilmente para que ela se deitasse sobre um aparato estranho que Melissa nunca vira na vida.

   Antes de seguir com a instrução, olhou para o médico;

   -Ela vai ficar. – Ordenou. – E vai ver tudo.

   Pela primeira vez na tarde, Carolina parecia desconcertada.

   -Encontre a melhor área para uma boa visão. – Disse Melissa, sentando-se duramente. – Não quero que perca nada.

   O médico pediu licença para examinar a paciente, que acomodou-se friamente na espécie de maca e esperou pela atividade a seguir.

   O profissional foi estritamente cuidadoso e rápido. Talvez desconfiasse que Melissa fosse uma moça de família poderosa e temesse a represália. A jovem manteve-se rígida enquanto pensava em como chegara naquele ponto. Conteve as lágrimas de raiva e humilhação.

   Quando finalmente terminou, o médico deu á Carolina a notícia que ela esperava. Melissa levantou-se, recompondo-se e ajeitando a peça íntima e camadas de saia, deixando o aposento, e então o consultório, sendo seguida por Carolina, após um breve diálogo com o homem.

   A Albuquerque sentou-se, uma vez dentro da carruagem. Quando Carolina fez o mesmo, Melissa limitou-se a dizer;

   -Esta será a última vez que falarei com a senhora antes do casamento, então ouça bem. Mantenha distância de mim. – Quando Carolina tentou argumentar, Melissa a cortou rapidamente. – E poupe-me do seu discurso. – Colocou a cabeça para fora da janela e comandou o condutor; - Para a residência dos Tavares.

   A viagem continuou no mais absoluto silêncio.

   Assim que chegou na casa de seus tios, subiu as escadas e exclamou para as empregadas que não desejava ser incomodada por ninguém.

   Trancou-se e raivosamente desfez o coque apertado, retirou as roupas e abriu os grampos que prendiam o espartilho apertado. Ao sentir a face molhada, tocou com a ponta dos dedos, a maçã do rosto, percebendo que estivera chorando pelos últimos minutos.

   Como sua vida chegara naquele ponto?

   Desacreditada, humilhada e mal-falada.

   Sentou-se na banqueta da penteadeira, apertando a borda do móvel com as mãos, mantendo a cabeça baixa.

   Se as lágrimas não parariam de correr, que ao menos ninguém as visse.

   Algum tempo desconhecido depois, uma batida soou na porta.

   Melissa ignorou e procurou por um lenço para enxugar o semblante. Fungou de leve, enquanto sentia seu coração bater rapidamente e sua respiração normalizar-se aos poucos.

   A maçaneta mexeu.

   Mais uma vez, ignorou, retirando os cabelos grudados no pescoço e queixo. As madeixas escuras estavam começando a incomodá-la por conta da quentura do quarto.

  As batidas cessaram por um tempo. E então a porta abriu. Melissa pressionou o lenço de cambraia firmemente sobre os olhos.

   -O que você quer? – A pergunta saiu mais ríspida do que ela gostaria. Mas odiava ser pega em uma posição vulnerável.

   A voz de Luísa estava baixa e um tanto preocupada;

   -Juliana me deu a chave extra. O que aconteceu?

   A morena recusou-se a olhar para a irmã;

   -Nada.

   -Como nada? Esse lugar está uma bagunça! Mel, o que aconteceu?

   -Eu quero ficar sozinha.

   -Isso tem a ver com seu noivado? O Sr. Castro fez alguma coisa?

   Melissa pressionou o próprio crânio com os dedos, exaurida.

   -Luísa, vá ler um livro ou qualquer outra coisa. Apenas me deixe em paz.

   Luísa ficou quieta, parada na porta. E então saiu, fechando-a delicadamente.

   Melissa respirou fundo, tentando se acalmar.

 

 

   Carolina visualizou e visualizou os momentos anteriores vezes sem conta, aflita.

   Cometera um erro sem tamanho.

   A única coisa em que conseguia pensar era em como a jovem Melissa estaria. Era uma moça firme, não havia dúvidas. Não era uma cabecinha de vento como tantas outras. Carolina tivera certeza disso no momento em que tiveram a primeira conversa. A garota era madura e certa com relação ao que desejava. E desejava seu filho. Não o próprio Henrique, mas sim o dinheiro dele, e o que ele poderia oferecer. E aquilo era justamente o que a preocupava.

   Henrique já amara uma moça como ela. Linda, prendada e charmosa. Porem, quando caiu de amores por ela, a rapariga era inacessível em absolutamente todos os sentidos.

   Crescer sem título de nobreza ou grande fortuna não era algo de que seu filho se envergonhava. Ele sempre fora um rapaz esforçado e concentrado em atingir seus objetivos. Mas sua grande fraqueza sempre foi desejar o que não poderia ter. Assim como ela.

   Tentando evitar uma futura decepção, ela o alertou para que se contentasse com uma menina de sua classe social, uma que jamais se envergonharia de estar ao seu lado em todos os momentos. A garota era fútil e gostava de brincar com ele. No fim das contas, acabou por casar com um rapazote de titulo, riqueza e nome. Henrique ficou arrasado, embora nunca tivesse dito uma única palavra sobre o assunto. Mas que mãe não conseguia sentir o que se passava com o filho...

   Carolina até mesmo chegou a pensar que Henri nunca se casaria. Entretanto, surpreendeu-se ao saber que ele escolhera uma dama similar á outra. A diferença é que o Império havia acabado, e portanto, Melissa o aceitara. Não gostava da ideia de uma jovem de nariz em pé desposando seu filho apenas por puro interesse, mas Henrique não era uma criança. Ela não poderia tomar decisões por ele.

   E então soube de toda a maledicência acerca de sua futura nora. Não poderia aceitá-la envolta por escândalos. Proteger o filho de uma nova decepção era imprescindível. Com que tipo de moça estavam lidando?

   Sua ânsia por provar que Melissa não era boa o bastante para Henrique só a levara a exagerar em um circo de péssimo gosto. Melissa podia ser mimada e arrogante, mas não era Cecília de Almeida.

   Precisava concertar seu erro, ou sua convivência com Melissa poderia ser terrível, caso Henri realmente levasse a cabo sua decisão de casar com ela.

   Chegando na fábrica de seu filho, teve passagem livre, pois todos ali a conheciam, considerando as visitas quase diárias que fazia.

   Ele estava, como sempre, enfurnado em trabalho. Lendo relatórios dos funcionários. Logo precisaria de óculos. O paletó estava pendurado no canto do escritório e as mangas de sua camisa estavam enroladas até os antebraços.

   -Mãe... – Cumprimentou erguendo o olhar rapidamente. Ao perceber a expressão em seu rosto, deixou a pasta sobre a mesa. – O que aconteceu? A senhora está pálida. – Levantou-se e foi até ela, colocando uma mão cuidadosa em suas costas, guiando-a para que se sentasse em uma cadeira confortável.

   Carolina sentou-se, torcendo o leque entre os dedos.

   -Eu fiz uma coisa... não foi algo certo, mas eu... eu estava tão desconfiada...

   Henrique franziu a testa;

   -A senhora não está fazendo sentido algum.

   Carolina inspirou profundamente;

   -Sua noiva. Eu... procurei informações sobre ela... Você sabia tão pouco sobre ela... - Suas frases eram tão desorganizadas quanto seus pensamentos.

   Ele balançou a cabeça de leve;

   -Sim. Eu pretendia conhecê-la melhor no período de noivado.

   -Acontece que eu descobri coisas que me deixaram ainda mais desconfiada. Coisas das quais você não tinha a menor ideia.

   -Mãe. – Ele sentou-se no assento ao lado, encarando-a atentamente. – Por favor, explique exatamente o que ocorreu.

   Carolina engoliu em seco;

   -Duvidei da honra da Srta. Albuquerque. Eu a levei para um clínico especializado, para averiguar.

   -A senhora o quê?— Henrique endireitou-se.

   -O médico a examinou. Eu estive presente no momento, estava errada, mas os rumores de São Paulo...

   Henrique levantou-se, aborrecido.

   -A senhora não tinha esse direito. - Disparou de imediato.

   -Os boatos que eu ouvi davam margem á suspeita! Ela estava sendo cortejada por um rapaz da estirpe dela, e de um dia para o outro o compromisso foi simplesmente cancelado! Ela veio para o Rio então...

   -A senhora deu ouvidos á fofoca de pessoas desimportantes.

   -Pessoas que a conhecem!

   -Não pensou eu perguntar á ela? – Gesticulou, agitado.

   -Como poderia saber se ela estava mentindo? Até o momento do teste, achei que ela estivesse blefando! - Explicou totalmente exasperada. - Eu só queria proteger você...

   -Do quê?

   -De uma moça que poderia enganá-lo apenas para salvar a si mesma da vergonha de ser uma perdida...

   -Isso era algo entre mim e ela. A senhora se intrometeu em algo que não lhe dizia respeito.

   A mulher ergueu-se;

   -Diz respeito á mim se essa moça vai se tornar parte de nossas vidas. Pense comigo, Henri, por qual outro motivo uma moça como ela se casaria com um homem como você, além de preservação social? Ela está arruinada!

   Dando-lhe as costas, ele apanhou seu chapéu e paletó.

   -Então agora diga-me; ela passou no exame? - Perguntou ironicamente.

   -Sim. Eu não queria magoá-la. Ou ofendê-la.

   -Fico imensamente aliviado. – Ironizou. – Agora então, creio eu que poderei me casar com ela, ou a senhora tem outra suspeita?

   -É claro que não... – Sua voz saiu em um fiozinho magoado.

   -Espero que ela possa perdoá-la, ou nossa vida será um caos. – Ajeitou o paletó cinza-escuro. – Assim que a tensão se dissipar, a senhora vai se desculpar, e de agora em diante qualquer problema entre mim e Melissa será resolvido por nós dois e apenas nós dois, entendeu?

   Carolina o olhou, magoada.

   Ele nunca fora tão ferino com ela como agora. Na verdade, não conseguia se lembrar de algum momento em que seu filho fora grosseiro com ela.

   -É claro. – Murmurou.

   Henrique saiu, deixando-a sozinha no escritório taciturno.


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Notas finais do capítulo

Alguém com pena da Melissa? Da Carolina?
Comentem e me deixem ficar sabendo ;)



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