Entre Páginas escrita por Raíssa Duarte


Capítulo 10
Capítulo 10


Notas iniciais do capítulo

Capítulo novinho!
;)



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Luísa deixou de sentir falta de casa no momento em que começou a participar do clube de leitura na biblioteca da cidade. As garotas eram quase todas tão tímidas e introspectivas quanto ela. E Bianca era uma companhia agradável. As duas conversavam o tempo todo e trocavam pensamentos e críticas sobre os livros que leram. Obviamente Lu preferira manter a leitura de ‘O Cortiço’ em segredo. Tinha suas dúvidas se qualquer uma dali havia lido. E ela comprara por puro engano, puxa vida!
 Enquanto saiam conversando animadamente com uma colega, Sofia, Luísa abriu seu guarda-chuva cor de rosa, necessário graças ao grande calor.
   E descobriu que realmente não tinha sorte alguma.
   A armação fora quase toda, de supetão, no rosto de um cavalheiro.
   Em pânico por conta do vexame, Lu tentou abaixar todo o objeto repleto de babados da frente do homem, que estava realmente contrariado.
   Bem, contrariado não seria a melhor palavra, e sim irritado.
   -A senhorita tem alguma coisa contra mim?! – Ajeitou o casaco. Luísa quase sentiu pena dele por todo o calor que devia estar sentindo. Quase.
   -Acredite ou não, foi um acidente. – Atrapalhada, não sabia se fechava ou mantinha o guarda chuva aberto.
   Sofia gargalhou, abafando as risadas com uma mão enluvada.
   -Roberto, veja se uma pluminha não ficou em seu cabelo...
   Ele a encarou zangadamente.
   -A senhorita faça silêncio antes que eu fique realmente bravo. – Olhou para Luísa. – E não quero mais vê-la com esta dama.
   Sofia piscou;
   -Como? Por quê?
   -Não é uma companhia adequada. Vamos embora. – Ofereceu o braço para a jovem.
   Luísa soltou um arquejo indignado.
   -Mas o que o senhor tem contra mim?!
   -Não serei indelicado, mesmo que sua ação anterior seja merecedora. Agora, Sofia. – Não foi um pedido.
   -O senhor me alfineta e é grosseiro sempre que nos encontramos. – E ela não havia se esquecido de que fora ele que rira de sua estréia um tanto desastrada na temporada carioca.
   -Não quero minha irmã perto de uma dama que lê o tipo de livro que a senhorita lê.
   Lu empalideceu.
   -O senhor bisbilhotou minhas compras no dia da livraria?
   Ele teve a audácia de não parecer constrangido por tal.
   -A senhorita não fez o mesmo? Fico feliz de saber que tipo de companhia minha irmã deve evitar.
   -Eu estou bem aqui. – Intrometeu-se Sofia. – Pare de falar como se eu não pudesse escolher meus próprios amigos.
   -Você já sabe que qualquer coisa que faça ou quem quer que ande respinga na família. Faça o favor de obedecer.
   Já chega.
  Caso ele não soubesse, ela também pertencia á uma família importante e não permitiria ser tratada como uma qualquer por causa da droga de um livro comprado por um erro de especulação.
   -O senhor – Empinou o queixo e o olhou com desprezo. Esperou que estivesse executando o olhar com a mesma perfeição que a mãe e a irmã. – é o sujeito mais rude, desagradável e repugnante que já tive o desprazer de conhecer. Saiba que sua opinião sobre mim importa-me tanto quanto uma sola desgastada de uma botina.
  Bianca estava mortificada. Sofia, deliciada.
   Roberto abriu a boca para retrucar.
  -O que está acontecendo aqui? – A bibliotecária e tutora do clube finalmente interveio. – Respeitem o ambiente, por favor. Nada de arruaça, os leitores já estão conseguindo ouvir. Muito me surpreende um cavalheiro e dama bem nascidos trocando farpas como selvagens.
   Daquela vez, ele ficou envergonhado.
   -Lamento, Sra. Castelo. Isso não se repetirá.
   -Não mesmo. – Concordou Luísa. – Sinto muito, Sra. Castelo e Sofia. Bianca e eu estamos indo. – Puxou-a pelo braço, deixando o local o mais rápido possível.

                       □□□

Heitor pisou com cuidado sobre o chão acidentado. Havia galinhas, pó e pessoas circulando sem a menor preocupação. E pensar que sua filha vivia ali.
   E Helena.
   Maldito orgulho.
  As pessoas o olhavam como se fosse uma atração. Vestira as roupas mais simples que tinha, e ainda assim, era mais cara do que todas as poucas que eles provavelmente possuíam juntas.
   Fechou e abriu a mão, ansiosamente.
 -Eu procuro por Helena. – Disse calmamente á mulher mais próxima, que lavava lençóis em um tanque de barro construído. – Pode me dizer onde está?
   A mulher negra apontou imediatamente para o cortiço;
   -É o quinto quartinho. ‘Cê’ chega lá rapidinho.
   Sem saber ao certo o que fazer, e preocupado ao ver que todos ali eram em maioria negros, retirou uma quantia do bolso.
   A mulher irritou-se.
   -Eu não quero dinheiro, não. – Parecia bem ofendida.

Ao adentrar o corredor, notou o quanto era pequeno e apertado, com tantos andando de um lado para o outro, atarefados, quase esmagados.
   Magoara-a tanto assim para que ela preferisse viver ali?
   Aproximando-se do quinto cômodo, ouviu uma melodia cantarolada.
   Espiando, viu-a de costas, varrendo o chá e organizando as parcas banquetas do local. O cabelo seguia seus movimentos em uma massa escura de cachos.
   Decidiu que poderia passar o dia inteiro ali, observando-a e ouvindo-a. Talvez fosse melhor assim, pois sabia que tudo tornar-se-ia repentinamente ruim assim que ela o notasse ali.
  Bateu com dois dedos no batente, suavemente.
   Ela virou-se, e espantou-se com ele ali.
   Como uma lebre assustada diante de um predador, olhou para os lados procurando uma fuga. Mas obviamente ele ocupava a única porta.
   De repente, o quartinho tornou-se pequeno demais para ambos.
   Os sentimentos revoltos em um turbilhão, e todas as memórias ocupavam e tomavam todo o ar e espaço da área.
   Helena, todavia, recompôs-se bem mais rápido do que na última vez que se encontraram.
   -Amanda não está. Mas não vai demorar. Fique e... – Olhou ao redor, mas não havia nenhum assento apresentável o bastante para um ex-marquês. – Sente-se e espere. Se quiser. – Apontou calmamente para uma banqueta.
   -Como está sua mãe? – Indagou optando por ficar de pé.
   Helena concentrou-se em terminar de retirar a poeira do chão com a vassoura.
   -Bem. – Foi tudo que respondeu.
   Olhando-a varrendo para distrair-se, sentiu um aperto no peito.
   Viera ali porque esperara demais. Se ela não tomaria uma iniciativa, restava a ele lutar pelo que sabia que ainda tinham em algum lugar de seus corações. Ver a inquietude de Helena perto dele alimentava a parca esperança que possuía.
  -Eu vim por você. – Afirmou simplesmente.
  Ela não interrompeu a atividade, entretanto sua postura enrijeceu levemente.
   -Não, não veio.
 -Olhe para mim, Helena. – Pediu suavemente.
   Cuidado, muito cuidado...
   Suspirando, parou de varrer, mas manteve-se de costas para ele;
   -Vá embora.
   -Então vire-se e mande-me embora. Faça-o olhando em meus olhos.
   Lentamente, aproximou-se, querendo abraçá-la. Senti-la em seus braços como não sentia há tanto tempo.
   Ergueu as mãos sutilmente, para segurá-la com carinho.
   Helena afastou-se quando sentiu-o perto, ficando o mais distante possível que o cômodo permitia.
   -Vá embora! – Ordenou olhando, mas não encarando-o nos olhos. – E pare de me mandar flores, bilhetes, ou o que quer que seja! Já disse! Se quiser ver ou falar com Amanda, pode vir sempre que quiser, embora eu realmente prefira que ela vá até você, ou...
   -Não quer que as pessoas comentem.
   Helena o encarou desta vez, com os olhos escuros dando-lhe a resposta de que precisava.
   -Sim. – Acenou de leve. – Inclusive, já está aqui há bastante tempo, e se não veio ver Amanda, parta.
  -Não precisaria se preocupar com comentários, ou conforto, se...
   -Se o quê? Se estivesse com você? Você agora é capaz de calar as vozes que falam mal de mim? Nunca foi. Por que algo seria diferente? Por que não é mais um marquês? Nada mudou.
  -Tudo mudou! A única coisa nos separando é você e sua teimosia! – Manteve o tom de voz baixo.
  -O mundo nos separa, Heitor. Eu já aprendi. Por que você não?
   -Porque eu a amo. – Aproximou-se novamente, olhando no fundo de suas íris castanho escuro. – E sei que você também me ama. Se não me amasse mais, eu saberia, e então a deixaria. Mas ainda está lá, Helena... Mas você é tinhosa. – Um pequeno sorriso carregado de lembranças doces surgiu em seus lábios.
  Helena recusou-se a retribuir. Sua expressão era de exasperação.
   -Eu estou aqui, e a amo. Vou repetir quantas vezes forem necessárias. – Sua mão foi de encontro á dela. Brincando com seus dedos calejados pelo trabalho na cozinhas, quis beijá-los. – Olhe para mim e diga que não me ama. Eu irei embora se for verdade.
   Ela não afastou sua mão dos toques.
  -Saia... – A fraqueza em sua voz denunciava também a fraqueza em sua determinação.
   Heitor beijou sua testa, apoiando então o rosto nos cachos pesados.
   O ruído de um arrastar de chinelos no chão áspero tirou ambos do torpor.
   Helena retirou sua mão e afastou-se dele, friamente.
  -Milorde... –Começou Zilda, para logo corrigir-se. – Sr. Heitor. A Amanda não ‘tá’. – Carregava uma bacia larga de barro com panos.
   -Sim, eu queria esperá-la, mas não é o dia de folga dela, então vim cedo demais.
   Os olhos sábios, e rancorosos se estreitaram;
   -O senhor quer vir de noite? – Havia reprovação em sua pergunta.
   -Não! – Helena negou enfaticamente. – Você só virá de dia. É claro.
   Seus olhos reuniram-se com os delas, mas não havia mais nenhum calor ali.
   -É claro. – Repetiu ele. – É melhor eu ir. Bom dia e obrigado por me receberem. Diga á Amanda para me visitar.
   -Ela já sabe, ‘sinhô’. – Zilda não foi rude, contudo, ele sabia quando sua presença era indesejada.
   Olhou uma última vez para Helena, mas ela estava ocupada verificando uma trouxa de roupas.
   Saiu com o coração apertado.
  Helena vasculhou os tecidos que precisavam ser lavados, em busca de uma desculpa para não enfrentar a mãe.
   -Vou lavar ali no riacho. - Avisou.
   -Bom. – Zilda cruzou os braços em desagrado. – Aproveita e esfria a cabeça. Você nunca aprende?

                       □□□

Amanda estava pensando seriamente em pedir demissão do bar.
   Seu plano de administração falhara e o detestável cliente a irritava com indiretas e olhares carrancudos. Como se ela tivesse a obrigação de sentir-se culpada por recusar sua proposta asquerosa. Estava cansada de fazer sempre os mesmos pratos medíocres. Era uma mera garçonete e não tinha voz nenhuma ali. Fora um erro pensar que trabalhar naquele local lhe traria excelentes recompensas. Cozinhando bem como o fazia, poderia conseguir um emprego melhor em um restaurante ou casa de família, onde poderia testar seus conhecimentos. Já tivera experiências demais ali.
   Há poucos dias começara a procurar vagas de serviço nos jornais, mas como conseguiria algo relativamente bom sem nenhuma recomendação? Aquele era seu primeiro emprego, e se pedisse demissão, certamente não sairia de lá elogiada. Precisava manter uma boa relação com seu Manoel. Todavia, ele já não a via com os mesmos olhos desde o incidente com o acarajé.
   -O que você indicaria para alguém que vem aqui pela segunda vez? – Indagou um rapaz sentando-se na banqueta próxima ao balcão.
   Nada. Tudo era tão sem graça quanto o cinza sem vida das paredes do lugar.
  Amanda pensou no menos pior para conquistar mais um cliente para o patrão.
   -A torta de frango. Bebida acompanha?
   Ele deu de ombros;
   -Uma limonada.
 Manda rapidamente preparou a combinação e deixou prato e copo sobre o balcão.
   -Sabe, eu sou novo aqui, cheguei há pouco tempo. Estou hospedado na casa de um amigo, mas não posso ficar muito... – Amanda lembrava-se dele e outros dois rapazes que vieram ao bar poucos dias atrás. – Conhece alguma pensão onde possa ficar?
   Amanda estreitou os olhos.
   Se não fosse por sua avó, poderia jurar que ele estava tentando chamar sua atenção.
   Zilda havia sido bem clara com ela assim que Amanda abandonou a segurança de seu rico lar. Dissera sem floreios, exatamente o que homens queriam de moças como ela.
   Porem, olhando para o jovem, percebeu que ele parecia sincero, e não fizera nenhum avanço, apenas pedira recomendações.
   Mantendo o tom de voz cordial e simpático, mas alerta á qualquer sinal que o homem pudesse dar, sugeriu um endereço.
   -Sabe se...
   -Não sou paga para bater papo, senhor. Pode ir até a Sra.Emengarda e ela vai recebê-lo como inquilino. – Cortou.
   Antes de sair da área da pia para atender um cliente que acabara de chamá-la, ouviu um risinho do verme sentado não muito longe do rapaz recém chegado;
   -Nem perca seu tempo, rapazote. Ela já tem outro.
   O sangue de Amanda ferveu.
  Quis jogar toda a caneca de cerveja dele sobre sua cabeça estúpida e em seguida pedir demissão. Quis mandar tudo para os ares.
   Mas não podia se dar ao luxo de responder a provocação. A corda sempre arrebentava para o lado mais fraco, e não havia dúvidas sobre de que lado seu chefe ficaria. Nem sequer poderia desmentir a afirmação nojenta, ou fomentaria o mexerico.
   Decidiu que não ficaria mais um dia sequer trabalhando ali.


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Notas finais do capítulo

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