Living With The Death - O Começo escrita por Hellica Miranda


Capítulo 9
O que acontece depois acontece antes




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Estava certa que ainda tinha muita munição naquela metralhadora, e ainda tinha minha arma, totalmente carregada, presa à cintura, junto com a faca.
Eu saberia lidar com isso.
Iria encontrar Judith e protegê-la.
Contornei a prisão, e acertei alguns walkers que se aproximavam de mais com o cabo da arma, eles ainda estavam, em maioria, bem longe de mim.
Ao longe, vi Tyreese correndo com algo no colo.
Era Judith.
— TYREESE! – gritei. – TYREESE!
Ele se virou.
Corri até ele.
— Vamos, Allison, precisamos sair daqui.
— É Ally. – eu corrigi. – Ela está bem?
— Sim.
— Onde estão as crianças?
— Eles estão seguros.
— Carl e Rick... Eles pensam que ela morreu. Eles saíram.
— Eles fizeram o certo.
— Eu sabia que ela estava viva. 
— Você se arriscou. Você voltou.
— Eu os amo. Carl, Rick, Judith. Todos. Eu não podia deixar de tentar. 
— Vamos, Garota Corajosa, precisamos dar o fora daqui. 
Eu assenti.
— Tome. – ele me entregou Judith. – Você a protege, e eu as protejo.

— Parece uma boa troca. 
— Vamos lá.
Nós corremos pela mata.
Quando encontramos um lugar seguro, paramos.
Tirei do bolso de trás do meu jeans a foto que havia tirado com Carl.
Tyreese sentou-se ao meu lado.

— Esse é o Carl. – ele disse.
Eu assenti.
— Carl e você.
Assenti novamente.
— Maggie tirou essa foto nossa com a câmera de Glenn. Essas duas. – tirei a outra foto do bolso.
Eu segurava Judith no colo, e estava com Carl e Rick.
— Você gosta dele. 
— Do que adianta agora?
— Você se sacrificou para salvar a irmã dele.
— Eu prometi a ele que nos encontraríamos outra vez.
— Se Deus quiser.
— Deus não está nessa.
— Talvez não. – ele concordou. – Vamos. Não podemos ficar parados aqui, vão começar a vir.
— E para onde os outros foram? Nós vamos encontra-los novamente?
— Hora de correr. – Tyreese disse, quando dois walkers se aproximaram de nós. – Vá na frente com a Judith.
Eu corri, sem saber exatamente para onde.
Pude ver, atrás de mim, outros walkers chegando.
— Droga, caras, tem uma prisão em chamas cheia de carne fresca logo ali, porque não vão pra lá? – resmunguei, enquanto corria com Judith no colo.
Ela começou a chorar quando um walker sem um dos olhos e cheio de buracos na cara entrou na nossa frente.
Eu usei minha faca nele e Judith não pareceu muito animada com a cena.
Ela começou a chorar mais e mais alto.
Outros walkers surgiam pelos lados.
— Shhh, Judi! Shhh! Por favor, fique quietinha!
Eu usei a arma da minha cintura para atirar neles e continuei correndo com Judith.
Estava preocupada com Tyreese.
E se ele não conseguisse se livrar de todos aqueles walkers ?
Mesmo assim corri com Judith até alcançar a estrada.
Haviam vários deles de costas para nós.
Eu precisava ser muito, muito rápida. 
Corri com Judith pelo lado oposto ao montão de walkers por tempo indeterminado.
Estava cansada quando vi, ao longe, algumas casas.
Não havia walkers por ali.
Corri com Judith até lá.
Havia uma grande casa, com cercas que pareciam recém-colocadas, e um muro alto.
Não era o tipo de casa americana.
No muro acinzentado havia uma grande placa feita a mão com tinta preta.
"Se esse lugar lhe for útil. Aproveite. Seja abençoado".
Eu girei a maçaneta do portão.
A casa era ainda maior por dentro.
Eu estava cansada.
Judith não era tão leve, e carregar um bebê no colo, uma arma nas costas e correr por muitas horas não é algo muito legal.
Haviam cerca de seis walkers lá dentro.
Algum deles poderia ter escrito aquela placa antes de morrer.
Judith chorava alto, o que fez com que eles se dirigissem até nós um pouco mais rápido.
Eu atirei neles, e seus corpos ficaram praticamente um sobre o outro.
Entrei na casa com Judith.
A sala era grande, tinha assoalho polido, sofás de camurça beges com almofadas coloridas.
Fechei a porta atrás de mim, coloquei a arma na mesa de centro. 
Andei com Judith e minha outra arma na mão pelos cômodos do primeiro andar da casa.
Totalmente limpo.
Nenhum walker 
Suspirei, aliviada, e voltei para a sala.
Judith ainda não parara de chorar.
Eu estava preocupada.
Como cuidaria dela sozinha? 
Tyreese não nos encontraria ali.
Carl, Rick, ninguém nos encontraria ali.
Entrei na cozinha e abri os armários.
Tinha uma boa quantidade de comida.
Caminhei até a geladeira e parei para observar a foto que estava ali.
Uma família.
Grande e aparentemente feliz.
Uma mulher, loira, de olhos verdes, seu marido de cabelos escuros, um garotinho de uns oito anos, um garoto mais velho, de cerca de dezesseis anos, uma menina da mesma idade e um bebê.
Uma garotinha tão pequena quanto Judith.
Sem dúvidas, nenhum deles era um dos walkers do lado de fora.
Aqueles dois... Entraram. E de alguma forma morreram ali.
Como?
A casa estava cheia de comida.
Tentei não pensar nisso enquanto subia as escadas, aflita e cansada, com Judith no colo.
Eu não sabia se, caso houvesse algum ali, eu seria capaz de mata-lo.
Estava a ponto de desabar.
Entramos em todos os quartos.
Tudo limpo.
Não havia nenhum.
O último quarto, foi, sem dúvidas, o mais difícil para entrar.
Era o quarto da garotinha.
Tudo estava limpo por lá também.
Quase saltei de alegria quando vi, pendurado em um cabideiro, um carregador de bebês do estilo canguru.
— Ei, Judi, olha só pra isso, vamos ter um transporte para você.
Levei o carregador comigo quando entrei novamente no quarto dos pais.
Deixei Judith em cima da cama, e ela pareceu animada em brincar com os travesseiros.
— Será que eles tinham alguma arma por aqui? Tudo que acharmos será bom.
Abri as gavetas e vasculhei uma por uma.
Quando meus dedos tocaram algo frio e metálico, eu concluí que era uma arma.
Puxei com cuidado e tirei-a da gaveta
Era um revólver Smith & Wesson, e por algum motivo, eu me lembrava dele.
Quando senti uma leve pressão na nuca, sentei-me na cama ao lado de Judith.
A pressão aumentou, me obrigando a fechar os olhos.

"— Desçam devagar, um por vez, primeiro as crianças e as damas. – o homem com uniforme militar disse, ajudando algumas moças e crianças com suas bagagens.
As pessoas no navio eram muitas. 
Outros navios atracavam ao redor. 
Eram muitos, e deviam vir de todos os lugares do mundo.
Em alguns dias dentro da embarcação, estivemos em vários lugares.
Pela água, as coisas não pareciam tão graves.
Mas com certeza estavam piorando.
— Ally, vá. Vejo vocês lá na frente. – Charlie disse.
Eu segurei a mão de Claire e Jack e seguimos o fluxo de mulheres e crianças que saíam do navio.
Eram tantas pessoas que o ambiente já estava quente.
— Ally, estou com medo. – Claire disse, baixinho.
Eu me ajoelhei, ninguém mais andava a nossa frente.
— Claire, você não precisa ter medo.
— São monstros. Na televisão, em todos os lugares. Monstros. 
— Sim. São monstros, mas somos mais fortes, tudo bem? Vou defender vocês, pode confiar em mim.
Ela assentiu, segurando a boneca de pano no braço.
A questão era que nem eu mesma confiava em mim.
Eu seria capaz de cuidar daquelas duas crianças?
— Fiquem calmos, estamos um pouco congestionados ali na saída. – a mulher na minha frente disse, para suas crianças.
Ficamos parados por algum tempo, mas depois a fila voltou a andar.
Claire e Jack seguravam as minhas mãos com tanta força que elas doíam.
— Eu estou com medo. – Claire repetiu, erguendo os braços para que eu a pegasse no colo.
Eu a segurei no colo, enquanto Jack permanecia calado, segurando minha mão.
Quando chegamos à porta de saída do navio, tudo parecia calmo.
Por talvez um segundo.
Algumas crianças começaram a gritar, e as mulheres também.
Muitos infectados vinham em nossa direção.
Os únicos homens do lado de fora precisavam proteger os navios.
— Claire, você precisa ficar com Jack aqui. – eu disse.
— Não! Ally! Não! Estou com medo! Não me deixe sozinha!
— Por favor, você precisa ficar. Jack vai tomar conta de você, não vai, Jack?
Ele assentiu, preocupado, e deu a mão para a irmã quando a coloquei no chão.
Eu tirei minha arma do bolso interior da jaqueta, e desci correndo, sob os protestos do homem na porta.
Eram cerca de doze, ou quinze, ou talvez um pouco mais.
Eu tinha balas, uma mira excelente e muita coragem.
Por Jack e Claire. Tinha coragem por eles.
Dentro de mim, eu esperava que aquilo acabasse e eu pudesse voltar para casa, para o Brasil, com a minha mãe.
Atirei na cabeça de um deles, que caiu por cima de outro, e assim por diante três vezes, como um efeito dominó.
Atirei nos outros que caminhavam cada vez mais perto, e depois nos que estavam caídos no chão, debatendo-se um contra o outro.
Quando não haviam mais deles, os gritos diminuíram.
Restavam os choros de crianças e eu sustentava os olhares surpresos, amedrontados, espantados e agradecidos que eram dirigidos a mim.
Eles não sabiam o quão preparada eu estava para defender a minha família.
Para defender os meus irmãos."

Senti as lágrimas correrem pelos meus olhos com a lembrança.
Jack e Claire eram mesmo meus irmãos.
E eu os havia deixado.
Para encontrar o meu pai.
Que no final de tudo, era um psicopata cruel e monstruoso que matara pessoas naquele lugar, decapitara Hershel e ferira Rick.
Eu havia errado muito.
Talvez agora estivessem todos mortos.
Charlie, Claire e Jack.
E ainda havia a minha mãe.
Eu não sabia, não tinha ideia de como as coisas estavam no Brasil.
E talvez nunca mais tivesse. O que era muito possível.
Talvez aquilo jamais acabasse.
E talvez minha mãe estivesse morta.
Talvez, também, eu nunca mais encontrasse Rick e Carl e eles nunca mais vissem Judith.
Eu estava perdida. Não tinha ideia de nada.
Estava cansada, e fraca.
Me preocupara muito com todos, e agora provavelmente era tarde de mais para me preocupar comigo mesma.
Olhei-me no espelho a cima do criado mudo.
Trazia inúmeros arranhões no rosto.
Alguns mais profundos, com sangue seco ao redor, e outros mais finos.
Meus lábios pareciam rachados, e cheios de ferimentos.
Onde eu me machucara tanto?
Estava repleta de olheiras enormes.
Judith estava ao meu lado, deitada e me encarando, como se entendesse que eu precisava de um momento para me preocupar comigo mesma.
— Ei, garota, que tal um banho? 


***



A água do chuveiro não estava tão fria quanto eu esperava.
Dar banho em um bebê, em um chuveiro, com água fria, parecia uma espécie de tortura cruel e covarde, mas Judith se divertia.
Minha roupa ficou toda molhada, mas se eu tivesse sorte, conseguiria encontrar algo que me servisse.
Quando Judith já estava limpa o bastante, a enrolei em uma toalha verde que encontrei na cesta e fui com ela até o quarto da garotinha.
Estava muito frio, mesmo no interior da casa.
Eu não sabia certamente em que época do ano estávamos, mas rezava para que não nevasse.
Eu a vesti com calças pretas, um vestido azul e um casaco preto.
Judith estava estilosa e parecia contente com a nova roupa.
A levei de volta para o banheiro do quarto do casal, e a deixei brincando no chão enquanto eu tomava meu próprio banho.
Não ficava tão feliz havia muito tempo.
Eu acho.
Caminhei pela casa com um roupão até o quarto da garota mais velha.
Ela tinha roupas maravilhosas.
Se eu conseguisse carregar tudo aquilo, empacotaria e carregaria quando partíssemos.
Escolhi uma blusa com mangas azul e moletom.
Pela janela, podia ver que estava escuro.
Judith ainda brincava no chão do banheiro.
— Vem, mocinha, vamos dividir essa cama como costumávamos fazer.
Judith e eu tivemos uma boa noite de sono.
Apesar de toda a minha preocupação, meu sono e cansaço foram mais fortes.
Adormecemos sob um cobertor cinza, de portas fechadas.
Judith dormiu com a cabeça apoiada em meu braço, e os bracinhos ao meu redor.
Ela era a coisa mais fofa que eu já vira na vida.
Não sei quanto tempo dormimos, mas quando acordei, me senti completamente bem.
Estávamos descansadas.
Tomamos café da manhã com cereais, leite quente e frutas.
Consegui, com muito esforço, esquentar leite no fogão usando alguns fósforos, para Judith.
Ela já estava de fraldas trocadas, mas mesmo assim verifiquei novamente.



***



Algum tempo já se passara desde que Judith e eu havíamos entrado naquela casa.
Minha necessidade de partir parecia um instinto suicida crescendo dentro de mim.
Por que partir se tínhamos muita comida?
Por que partir se tínhamos conforto e segurança?
Eu não sabia por quê.
Mas tinha absoluta certeza que precisávamos ir embora.
Judith estava cada vez maior.
Se há uma coisa incrível sobre os seres humanos, é a maneira como crescemos de um dia para o outro quando somos bebês.
Eu estava verificando se as armas estavam realmente carregadas, quando Judith esticou seus bracinhos e soltou um prologado:
— Allyyyyyyyyy!
Eu soltei a arma com tudo no chão e corri até o outro lado do imenso sofá.
Ajoelhei-me a sua frente e segurei suas mãozinhas frenéticas.
— Você falou! Judith, você falou!
Ela gargalhou e eu fiz cócegas em sua barriga.
Brincamos por algum tempo até que eu voltei aos deveres.
As três armas foram verificadas. A faca estava bem afiada.
Estávamos prontas pra partir.
Judith estava confortável em sua calça preta, vestido, casaco e botas marrons e eu em meus jeans, blusa verde com mangas e botas de caminhada.
Eu não podia me dar o luxo de carregar uma mochila. Haviam muitos walkers do lado de fora, e eu precisava defender a minha vida e de Judith.
Estava carregando um fuzil M964 A1, que devia pesar uns cinco quilos e tinha cerca de um metro e dez, um carregador de bebê – ocupado por um bebê de idade indeterminada -, duas armas e uma faca na cintura.
O caminho não seria fácil.
Prendi Judith com segurança no carregador, de forma que ela ficasse virada para mim.
Assim que abri a porta, senti uma rajada de vento no rosto.
Não sabia se estava totalmente preparada, mas precisava estar.
Por Judith. 










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Notas finais do capítulo

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