A Portadora- Origin escrita por MaluSF


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

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Mary

A noite se arrasta através de minhas lágrimas. Em algum momento, Tamiris
me trouxe um lanche mas não atendi a porta. Meu apetite me deixou de forma
irrecuperável. Não há vontade de viver, de me sustentar. Preferia estar morta a me
sentir tão sozinha.
Quando eu já não tenho mais lágrimas entro em um estado vegetativo em minha
cama: parada, olhando pelas portas de vidro que dão para o quintal. O escuro do
céu me acalma. Fico me perguntando se minha irmã é uma das estrelas que está
piscando lá fora, pronta para me perdoar. Dor corrói o meu peito, me deixando sem
ar. Em certo instante acho que estou passando realmente mal. E então, quando
finalmente consigo descansar meus olhos, luz invade o meu quarto e meu celular
toca a música de bom dia. É um ciclo sem fim.
Eu me levanto, repito o ritual de sempre. Desta vez, meu cabelo fica solto e é um
pouco mais difícil esconder as olheiras, mas ainda estou o cume da perfeição. Pelo
menos para o meu pai. Sentado à mesa da cozinha comendo seu iogurte natural, ele
me observa atentamente. Mas não diz nada. Nem uma única palavra. Ele sabe o que
aconteceu ontem. Não há nada que ele não saiba a não ser consolar uma mulher e
proteger uma filha em um momento difícil. O que ele fez foi beber por três dias
seguidos colocando minha avó à beira de um colapso com sua ausência. Ele baixa os
olhos para o pote na sua frente e move a colher de um lado a outro de forma
desajeitada misturando a granola ao creme de morango.
— Dormiu bem?
— É para ser sincera, pai?
— Ela não faz por mal—sua voz me dá pena, baixa e controlada ela soa áspera e
cansada quase tanto quanto a minha.
— Eu sei.
Ele balança a cabeça lentamente e se levanta me dando um beijo na testa. Esse foi o
diálogo mais longo que eu tive ou terei com ele durante a semana. Os negócios
ocupam seu tempo agora.

Termino meu café no silêncio da casa, observando o meu fogão—é bonito—parece
tudo normal.
Então um calafrio poderoso sacode meu corpo. Fico parada, imóvel, enquanto um
vento nada normal balança as cortinas e as portas da casa. Em um reflexo me viro
para a janela, é como se o céu quisesse me contar alguma coisa por baixo de suas
grossas nuvens. Eu tento encontrar o ar, mas nada vem, cada pelo do meu corpo se
arrepia e tudo dentro de mim é comprimido. De repente, um alívio gigantesco
percorre cada veia do meu ser, eu suspiro para conter as lágrimas que escorrem dos
meus olhos. Eu me sinto...em paz. Realmente bem, de uma forma inexplicável.
Levanto-me da cadeira com as chaves do carro na mão e vou para o jardim pegando
o caminho para a escola em meu carro. Não me sinto mais cansada.

***

Chego à escola mais cedo do que de costume. Minhas janelas abertas trouxeram até
mim um vento renovador. Quando estaciono meu carro decido não entrar
diretamente, então me dirijo para a cafeteria que se encontra no outro lado da rua.
A fila enfrente à porta está enorme, mas como tenho tempo vou esperar. Quando
entro, encontro Miguel, um amigo que nasceu em Portugal e veio para cá a dois
anos. Seus olhos são de um castanho estranhissimamente claros, quase
transparentes que formam a combinação perfeita com seus cabelos castanhos
claros. Ele é lindo e eu posso até já ter considerado a ideia de ficar com ele, mas
devido a tudo o que acontece comigo, decidi que não seria bom para nós.
Miguel acena com a mão para que eu me aproxime, sei que é errado cortar fila,
mas com toda a sua extensão, não fará mal algum.
— Bom dia! - Ele me abraça pela cintura. Caramba, ele é alto.
— Bom dia.
— O que você está fazendo perdida por aqui? - Ele me puxa pelo pulso para que eu
fique na sua frente. Acabo encostando em seu peito e sua colônia pós-banho me
atinge.
— Maçã Verde.
— O quê? - Ele solta uma leve gargalhada.
— Sua colônia. É a que eu te dei de presente ano passado. Maçã Verde.
— Verdade. Mas não foi essa a pergunta que eu fiz, meu bem.

— Você e sua maldita mania de me chamar assim—reviro os olhos e ele sorri. - E
respondendo à sua pergunta, acordei mais cedo e decidi tomar mais um café perto
da escola.
— É, isso não é normal. Eu dormiria até mais tarde. E antes que você me pergunte por
que estou aqui, precisava passar no correio o mais rápido possível e já que é no
caminho, peguei o primeiro horário.
— Pensei que eles só abrissem mais tarde.
— Encomenda especial.
Tento não sucumbir a curiosidade. Após alguns minutos na fila somos atendidos. Eu
peço um cappuccino e ele um extraforte. Nos sentamos em uma mesa pequena
perto da janela de frente. Não consigo mais aguentar. Decido perguntar logo do que
se trata a tal encomenda.
— Eu pod... - não termino a minha frase. Está acontecendo de novo. Minha pele fica
arrepiada, o ar some dos meus pulmões, fecho os olhos com força como se fosse
aliviar a pressão em meu peito. O suor frio escorre em minhas costas. Acho que
agora eu vou desmaiar. Mas a pressão diminui, meus batimentos cardíacos voltam
ao normal. Abro meus olhos. Miguel está me observando com o senho franzido.
— Você está bem?
— Estou. É só um mal estar que eu estou tendo. Mas vou ficar bem.
Os olhos dele se estreitam como se estivesse tentando entender alguma coisa. Por
fim, ele responde.
— Deveria ir ao médico—uma sombra escura atravessa seu belo rosto, realmente é
preocupação.
— Não se preocupe comigo, vai ficar tudo bem.
Depois que a conversa sobre meu estado de saúde termina, ficamos mais quinze
minutos sentados na cafeteria falando da vida e sobre a escola. Seu sotaque é
agradável aos ouvidos e Miguel sabe muito bem como conduzir uma conversa. Ele
me faz sorrir com as palhaçadas habituais. Sempre soube que ele queria algo a mais
entre a gente, mas quando lhe expliquei meus motivos no passado, ele entendeu e
não forçou qualquer contato ou separação, age naturalmente na minha presença e
não cria nenhum tipo de situação constrangedora. É uma pessoa incrível.
O tempo passa e nós vamos juntos para a aula. Nos corredores ou em qualquer
lugar que passamos o assunto é o inglês. Hoje é o tão esperado dia para as solteiras
dessa escola. Menos para mim.

Depois de tudo o que aconteceu ontem, eu não tenho vontade de ter alguém. Só
complicaria a vida da pessoa e me faria um peso. Eu não suporto a ideia de ser
responsabilidade na vida de alguém, então prefiro ficar assim, sozinha.
Quando entramos na sala, Ana, uma de nossas amigas, e Cat nos dirigem olhares
maldosos. Eu reviro os olhos e Miguel faz língua para elas. Ainda bem que ele é
humorado.
Algum tempo depois, quando eu já havia saudado as minhas amigas, o professor
entra na sala e começa a corrigir uma das atividades discursivas sobre o último livro
que nos foi indicado, no entanto, ninguém está prestando realmente atenção. Onde
está o novato? Olhos tristes e rostos descrentes me circulam. Tudo isso por um
garoto? Sério? A atitude deles me faz sorrir. Idiotas. Volto a prestar atenção nos
exercícios e resolvo complementar uma resposta. Com o meu hábito irritante de
bater a caneta no caderno em quanto penso, tento formular as palavras. Mas tudo
some.
— Maldição—murmuro.
Uma enorme pressão aumenta em meu peito, minha cabeça dói. Os menores pelos
do meu corpo se arrepiam, gelo corre em minhas veias. Minha mão perde a força e
minha caneta cai. Dessa vez está pior, não consigo respirar, as coisas ao meu redor
estão desfocadas. A impressão que eu tenho é que o tempo parou,
todos os sons e movimentos sumiram. Desespero se instala no meu estômago. Solto
um suspiro ao sentir meu coração acelerar em um nível anormal. Algo mais forte do
que eu me faz olhar para a porta fixamente. Então eu entendo, parece loucura, mas
eu sinto. Ele está aqui.


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Notas finais do capítulo

Thank you!



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