Os Segredos de Westside escrita por C C M A


Capítulo 3
Capítulo 3 - O Novato


Notas iniciais do capítulo

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4 de setembro de 1982.
      Jodie odiava enterros. Aquele mar de lágrimas rolando pelos rostos de parentes acometidos pela dor da perda. Cemitérios também não lhe agradavam, pois eram fúnebres e frios. Sentia sempre que havia alguém observando, de algum lugar que Jodie não conseguia ver. Era horrível ter que ir num funeral logo após voltar as aulas. Tudo parecia um conto fantasmagórico de H.P. Lovecraft.
      A mãe de Jodie insistiu para ficar até o fim do enterro, pois queria entregar um vasilhame de porcelana com doces caseiros para a mãe de Nora. Akemi era uma antiga amiga de Maggie, pois havia estudado e crescido com a mulher durante a adolescência, assim como com Joanna, mãe de Hannah e Mônica, mãe de Claire.
      Jodie esperava ao lado da amiga, Hannah, segurando seu guarda-chuva com apreensão, enquanto observava os adultos chorando e se abraçando. Imaginava se algum dia seria ela no lugar. Após entregar o presente, Akemi voltou para Jodie, levando a filha para o furgão prateado da família, junto com a avó, Nara, e sua irmã-caçula, Sakura, que segurava firmemente a mão de Jodie, esmagando seus dedos. Jodie se despediu de Hannah e observou enquanto o carro se afastava do cemitério com muros altos em cor branca e gárgulas que enfeitavam os portões negros enferrujados e sombrios.
      Em casa, Jodie lia um livro: “O Assassinato do Expresso do Oriente”, de Agatha Christie, enquanto observava as últimas gotas de chuva caírem do lado de fora. Era sábado, Jodie aproveitava para ler uma boa obra. Enquanto folheava as páginas daquele romance, Jodie pensava se algum dia alguém escreveria sobre a história daquela cidade e sobre como a vida de um casal acabara na floresta de Westside. Era tudo muito surreal para realmente estar acontecendo.
      Deitada ali na sua cama, Jodie sentiu os olhos pesarem e mal percebeu quando o livro deslizou de seus dedos caindo no chão de seu quarto. A garota mergulhou no mundo dos sonhos de cabeça.
      Seu pesadelo começou no meio da Floresta de Westside. Era noite, estava muito frio, tão frio que fazia a menina bater o queixo e vapor saía de sua boca. Seus braços e pernas doíam e estavam úmidos. Jodie olhou para cima e percebeu que chovia. Ela começou a caminhar por entre a lama e os galhos retorcidos. Estava embrenhada no meio do mais absoluto breu. Embora estivesse sozinha, Jodie não sentia medo, era como se estivesse em transe.
      Conforme ia caminhando, mais se sentia atraída para o meio da floresta. Jodie olhava ao redor, parecia que uma enorme penumbra vinha recobrindo a copa das árvores. A atmosfera estava pesada, dificultando sua respiração. Havia um odor desagradável no ar, que ia aumentado a cada passo.
      De repente, Jodie sentiu algo sob seus pés. Ao olhar para baixo, viu seus tênis esmagando o que parecia ser um crânio humano coberto de sangue. Mais para frente havia inúmeros ossos e restos mortais. O fedor que exalava daquilo era enjoativo e fez Jodie vomitar imediatamente. A garota acordou de seu transe e foi tomada por uma sensação de pavor. Ao olhar para cima, viu algo que seus olhos não conseguiam distinguir. Uma massa enorme, disforme, que se embrenhava nas sombras. Os olhos eram grandes e brilhavam dourados. O barulho que aquilo fazia assemelhava-se a milhares de buzinas de carros e trens e uma mistura de metais arrastando no cimento.
      Jodie mal conseguia respirar, estava paralisada. A criatura começou a se aproximar em passos pesados que faziam a terra tremer. A garota queria gritar por socorro, lágrimas escorriam de seus olhos, porém suas pernas não a obedeciam. Vislumbrou a coisa se aproximando, até chegar tão perto que ela não conseguiria fugir. Jodie olhou para baixo e viu que suas pernas estavam atoladas em meio a lama. A garota lutava para sair dali. Jodie gritava, esbravejava, precisava sair imediatamente. Foi quando alguém a puxou e Jodie acordou num pulo de seu pesadelo.
      Lágrimas quentes desciam pelo seu rosto. Seu coração estava disparado. O corpo inteiro tremia. Sua mãe segurava seus braços, o rosto com traços asiáticos franzido pela preocupação:
      - O que foi querida? Estava gritando...
      - Eu...- Jodie não conseguia falar, sentia a pele úmida, como se ainda estivesse em seu pesadelo. Sua mãe a abraçou com força, dizendo palavras de calmaria. Fazia muito tempo que Jodie não sonhava com coisas daquele tipo. Esses pesadelos sempre a atormentaram, era algo de família. Premonições, sensações estranhas, paralisias do sono. Coisas horripilantes que segundo sua avó, era uma herança de seu passado familiar, de mulheres fortes que herdavam habilidades especiais. Antigas crenças em deuses da morte.
      Após se acalmar, Jodie bebeu uma xícara grande de chá quente que sua avó Nara preparara. A senhora tinha pouco mais de 70 anos. Viera para os EUA ainda muito jovem, porém já grávida de sua mãe. Tinha cabelos totalmente brancos e um rosto marcado pelas rugas. Nara era muito sábia e gostava de contar as antigas histórias dos grandes deuses da mitologia japonesa.
      Ao fim dos últimos goles, Jodie já estava mais calma e conseguia se lembrar claramente daquele sonho. Os olhos brilhantes ainda pareciam muito reais. O odor horrível havia impregnado em seu nariz. Tudo aquilo parecia extremamente real, mais do que gostaria. Jodie não se arriscou a contar de seu pesadelo para ninguém, pois sabia que podia não passar disso, um pesadelo.

      5 de setembro de 1982.
      Eric havia tido uma noite muito ruim. Mal dormira devido ao latido incessante de seu cachorro preso na garagem. Ao acordar pela manhã, Eric estava cansado e pensativo. No dia anterior, havia ocorrido o velório de seus dois colegas de escola. Elijah era um atleta, praticava corrida e salto à distância no colégio, e embora fossem de modalidades diferentes, ambos sentavam na mesma mesa às vezes durante o almoço.
      Quando finalmente conseguiu levantar, Eric desceu as escadas até a garagem, onde seu pai mexia no motor de sua viatura, um velho Cadillac El Dourado. Eric estava sem camisa e usava apenas uma calça xadrez do pijama. Ao chegar na garagem, sentiu o óleo do carro sujar as solas de seus pés descalços. O garoto observou o que o pai fazia. Harold ainda não tinha notado sua presença. Eric se aproximou e ficou do seu lado. Seu pai levantou o olhar e disse:
      - Levantou tarde hoje, como você está?
      - Estou bem, quer ajuda?
      Harold balançou a cabeça limpando a graxa das mãos com um pano velho. Seu pai usava uma camiseta branca surrada e manchada, junto à uma calça verde de jardineiro. Harold desceu o capô do carro e disse:
      - Já terminei aqui. Porque não leva o Bob pra passear após o café?
      Eric fez uma careta e voltou para dentro de casa. Seu pai era um homem muito ocupado, raras vezes sobrava algum tempo para fazerem algo juntos. Quando tinham a oportunidade, Harold preferia mandar o filho passear com o cachorro.
      Eric tomou um banho rápido e engoliu algumas panquecas frias. Era quase meio-dia quando levou seu Golden Retriever para passear na vizinhança. O cachorro ficava estressado de passar a maior parte dos dias preso por uma corrente no quintal e em dias de chuva, dentro da garagem. Nos últimos dias vinha latindo durante toda a noite. O garoto vestiu um short amarelo para corrida e uma camiseta branca cavada e levou o cachorro para correr nos quarteirões próximos à sua casa.
      Enquanto corria, Eric viu Claire na janela de seu quarto organizando as fotografias de sua parede. A amiga tinha criado um novo hobby desde que Eric havia lhe presenteado com uma Polaroid em seu último aniversário. O menino continuou correndo. Bob puxava na coleira, ansioso para disparar pela rua. Eric gritou com o cachorro para que fosse mais devagar ou iria acabar o derrubando no chão.
      Após algumas voltas no quarteirão, Eric avistou Hannah, uma colega de escola andando do outro lado da rua. Hannah estava com os cabelos presos em um rabo de cavalo mal feito, usava calça jeans e uma jaqueta colorida, além de suas botas vermelhas de plástico. Eric a cumprimentou e se aproximou. Hannah trazia alguns livros nas mãos, algo sobre botânica:
      - Hey, Hannah, tudo bem?
      Hannah era uma grande amiga de Claire, logo era amiga de Eric, assim como Jodie, cujas mães eram velhas conhecidas:
      - Bem não é a definição certa para o momento, Eric.
      O amigo ficou sem graça com o comentário, mas desconversou apontando para os livros em suas mãos:
      - É pra algum trabalho escolar?
      - Não, é uma pesquisa, estou estudando sobre alguns musgos estranhos que apareceram no meu jardim.
      - Musgos estranhos?
      - Acho que é climático, enfim, se não se importa Eric, tenho algumas coisas para fazer. – Hannah continuou sua caminhada, deixando um Eric confuso. O garoto então continuou o passeio com o cachorro até o horário do almoço.
      Na parte da tarde, Eric pegou sua bicicleta e foi visitar um velho amigo próximo à floresta. Seu nome era Walt, um homem de meia idade, antigo zelador de sua escola. Quando criança, Walt dava carona para Eric voltar da escola. Sempre foi um grande amigo de seu pai, porém com o tempo acabaram se afastando. Eric, porém, o considerava como da família. Pelo que sabia, havia sido Walt que encontrara o corpo da garota na floresta.
      Eric bateu três vezes na porta e esperou. Algum tempo depois a mesma se abriu com um rangido, revelando um homem velho e barbudo.
      Ao ver Eric, Walt pareceu desconfortável e olhou ao redor:
      - Não esperava sua visita, Eric.
      - Posso entrar, Walt?
      O homem se afastou, deixando o menino entrar em sua velha casa. Os cômodos eram pequenos e velhos, com um papel de parede encardido. A cozinha tinha uma mesa de madeira que o próprio Walt construíra. No fogão uma chaleira apitava. Walt serviu uma xícara para Eric, que bebericou o chá amargo com uma careta:
      - Imagino que tenha vindo aqui por causa do que aconteceu.
      Eric colocou a xícara sobre a mesa e observou o cachorro de Walt adentrar a cozinha. Sam era um labrador amarelo enorme e gordo. Ao entrar, enfiou o focinho debaixo das pernas de Eric, pedindo carinho:
      - Soube que foi você que encontrou o corpo da Nora.
      - O seu pai sabe que está aqui? – Walt questionou.
      - Ele não precisa saber, só estou visitando um velho amigo da família.
      Walt se levantou da mesa e caminhou até a bancada da cozinha, onde começou a descascar alguma fruta estranha com uma faca de caçador:
      - Não foi no velório – continuou Eric – Fiquei me perguntando o porquê.
      O velho o olhou de esguelha:
      - Se tivesse visto o que vi também não teria ido.
      - E o que você viu, exatamente?
      Walt se aproximou e colocou um prato com fatias de uma fruta que parecia um estranho melão, porém de uma cor amarelada peculiar. Eric cheirou e mordiscou, mas o sabor era muito enjoativo:
      - Eric...- Walt sentou-se na sua frente – Foi um terrível incidente, não sei muito mais do que você sabe, se foi pra isso que veio aqui. Havia duas pessoas mortas naquela floresta, alguma coisa muito feroz fez aquilo. E o carro...- Walt fitou as próprias mãos, como se sua mente tivesse voado longe.
      - O que tinha o carro?
      O homem pareceu voltar para a realidade:
      - O carro estava detonado. Mas não sei o que fez aquilo e não acho que isso é problema nosso. Fique em casa esses dias, até descobrirem o que aconteceu. Se algum animal fez aquilo, provavelmente ainda está por aí.
      O velho levantou-se da mesa e começou a mexer numa mochila de caça que estava pendurada atrás da porta:
      - Agora você deveria ir embora, Eric, daqui a pouco começa a anoitecer.
      Eric então voltou para casa, em pedaladas curta e bastante pensativo. A noite começava a cair sobre a cidade. O pôr-do-sol iluminava as nuvens de verão sobre sua cabeça. Enquanto caminhava de volta para casa, Eric pensava apenas no quanto Walt parecia nervoso. Sua curiosidade era maior que qualquer medo que pudesse paralisa-lo.
      No meio do caminho, Eric avistou um estranho vulto sobre a floresta ao longe. Uma luz estranha, azulada, que parecia distorcer-se com o vento. O garoto ficou alguns minutos observando aquilo, maravilhado, até que ouviu alguém o chamar. Uma voz feminina. Sua mãe estava no jardim, terminando de podar as roseiras e o chamava para dentro.
      Eric foi para seu quarto, porém ficou observando de longe, pela janela, aquela estranha luz sobre a floresta. Depois de um tempo aquilo desapareceu. O jovem ficou intrigado, o que lhe fez ter uma noite de insônia. A primeira de muitas que viriam a seguir.

6 de setembro de 1982.
      A primeira aula que teve naquela segunda-feira foi de um novato que nunca vira na vida. Claire observou um homem de aproximadamente 30 anos adentrar na classe de Física. Tinha cabelos lambidos para trás, usava suspensórios e carregava uma pasta cor de marfim consigo. Seu nome era Sr. Castle. Segundo a direção, ele substituiria o antigo professor de física da escola, Sr. McCall, que por algum motivo havia tido um surto e agora estava internado em Los Angeles.
      Claire nunca havia tido aula com o Sr.McCall, mas lembrava-se claramente de sua estranha aparência. O homem franzino e baixinho, usava uma calça de cós alto, camisetas de botões encardidas e tinha cabelos grisalhos que pareciam um ninho de ratos. Também carregava um par de óculos de lente grossa no rosto, além de cultivar um estranho bigode. Muita gente chama-o de Sr. Estranho. Sua casa era próxima à sua, um sobrado de dois andares e pintura descascada, onde o homem morava com alguns gatos e sua mãe idosa. Claire perguntava-se se a senhora agora morava sozinha na estranha casa.
      Durante toda a aula, o substituto novato falava rapidamente, como se as palavras saltassem de sua boca. Claire acabou se perdendo da aula, deixando sua mente vagar pela paisagem do lado de fora das longas janelas da sala de aula, onde o vento soprava ferozmente amontoados de folhas na quadra de futebol americano. Ao fim daquela aula, Claire levantou-se e caminhou sozinha pelos corredores movimentados do Colégio Municipal de Silverlake. Haviam um memorial em frente ao agrupamento de armário naquele dia. Uma coroa de flores circundava uma foto do casal assassinado, ambos sorridentes e abraçados. Era uma fotografia retirada durante o Baile de Verão. Claire havia tirado aquela foto para o jornal da escola.
      Ao chegar em seu armário, Claire começou a mexer em alguns livros, buscando a coletânea de Literatura. De repente, alguém bateu fortemente contra o armário assustando-a. Era Noah, seu namorado. O rapaz usava o casaco do time de futebol, nas cores azuis, amarelo e verde. Um grande número 12 na frente e atrás. Os cabelos loiros estavam presos num rabo de cavalo baixo, a barbicha começando a tomar volume em seu queixo. Noah sorria para ela, enquanto a garota tirava com dificuldade o livro enorme do seu armário:
      - Tenho aula de literatura agora – comentou a garota.
      - Eu sei...estava pensando se não queria, sei lá, matar esse horário comigo. Tenho algo interessante aqui. – Noah abriu o casaco e mostrou uma pequena garrafa metálica, onde provavelmente teria alguma bebida alcoólica muito forte.
      Claire bateu o armário com força e disse:
      - Tenho aula de literatura agora – e saiu andando com passos firmes. O namorado correu atrás e a puxou pelo braço:
      - Tá tudo bem contigo?
      Claire não o encarava. A garota estava cabisbaixa, encarando as próprias botas de camurça. Ela encolheu-se dentro de sua jaqueta jeans e disse:
      - Nos vemos depois, okay? – e despediu-se do garoto com um beijinho nos lábios.
      A menina continuou sua caminhada até a sala de Literatura. Ao chegar lá, encontrou uma classe escura, a professora Sra. Blossom, preparava a projeção de algum filme ou documentário. Claire avistou Eric no escuro, que balançou a mão para ela. A menina se esgueirou por entre as carteiras e sentou-se do seu lado. Eric usava uma jaqueta parecida com a de seu namorado, porém era do time de natação. Tinha os cabelos despenteados, como sempre e calçava tênis surrados na cor preta. Claire sentia-se bem ao lado do amigo, era um garoto doce e gentil, que sabia a tratar bem sem outros interesses, diferente de Noah.
      A aula foi longa e cansativa. Assistiram um curta metragem sobre a Segunda Guerra Mundial. Sra. Blossom passou um trabalho em dupla para que entregassem na próxima segunda. Claire trocou olhares com Eric, vislumbrando o entendimento que fariam juntos após a aula.
      Algumas horas mais tarde, Claire voltava de bicicleta para sua casa. O tempo estava fechando e ventava muito. Ao chegar em casa, Claire deparou-se com seu padrasto no jardim em frente à casa amarela. Ele arrancava algumas plantas mortas do chão com uma pá. Os galhos estavam retorcidos e secos, como vítimas de alguma praga. Ao vê-la se aproximando, Bruce fitou-a com olhar sereno, a garota engoliu em seco e largou a bicicleta em frente à garagem, ao lado da casa. Enquanto corria para a entrada, seu padrasto a chamou:
      - Claire, pode me ajudar aqui? – Bruce estava todo suado. Usava um avental coberto de terra e sujeira e luvas grossas para proteger as mãos. Claire não entendia porque ele estava em casa tão cedo naquele dia:
      - Não devia estar na delegacia? – questionou a garota.
      - Dia de folga – respondeu Bruce – Agora troque de roupa e venha me ajudar.
      - Tenho trabalho para fazer, Eric está vindo.
      Ao ouvir o nome de Eric, Bruce mudou o semblante, um ódio tomou conta de seus olhos. Claire sentiu novamente aquele frio na espinha e entrou dentro de casa, antes que ele falasse alguma coisa. A garota correu para o quarto e se trancou, jogando-se na cama. Claire odiava seu padrasto com todas as suas forças. Aquele homem havia se casado com sua mãe quando a garota tinha pouco mais que 5 anos de idade. Nunca a tratou como enteada. Desde pequena, Bruce a olhava de forma diferente, algo que incomodava profundamente Claire.
      Quando se tornou adolescente, o homem começou a se aproximar mais do que deveria. Observava-a através do buraco da porta, ela sabia, pois certa vez ao sair do banho e caminhar em direção ao seu quarto, encontrou-o de joelhos olhando pela fechadura. Ele disse que estava procurando um escorpião, que havia entrado por baixo da porta. Claire demorou para notar que aquilo não era normal.
      Após completar 12 anos, Claire entendeu certas coisas que aconteciam. Quando ele a abraçava de forma muito demorada. Ou as vezes que Bruce ia busca-la na escola e tocava em sua perna, próximo à sua virilha. Em outros momentos, ele parecia embriagado por uma raiva insana, ao ver Claire com algum garoto, mesmo que amigo, como Eric. As coisas só foram piorando conforme Claire encorpava e se tornava uma mulher, até que um dia, já aos 14 anos, Bruce chegou em casa bêbado.
      Claire estava sozinha, pois a mãe trabalhava até tarde no jornal da cidade. Bruce foi até seu quarto e abriu a porta, Claire não esperava que ele chegasse mais cedo naquele dia. O homem foi direto para cima da garota e começou a agarra-la. Claire gritou e tentava o empurrar, mas Bruce era muito grande para ela. O homem puxou suas roupas, até quase rasga-las, usando o peso do seu corpo para prende-la na cama. Claire entrou em desespero ao sentir a ereção do padrasto sobre ela e embora gritasse, não havia ninguém perto naquele momento para escutá-la. Bruce conseguiu arrancar sua blusa e deixar seus seios à mostra, mas foi num descuido do policial que Claire usou um porta-joias para feri-lo na cabeça. O bêbado caiu no chão, desnorteado, e a garota fugiu, chorando muito, para o mais longe possível, parando próxima a Usina Termelétrica de Silverlake.
      Claire passou horas a fio, observando as chaminés enormes e toda a estrutura do lugar. A fumaça saindo da boca de cada um dos exaustores. A garota chorava e tremia, estava amedrontada e tinha medo de voltar para casa. Quando finalmente tomou coragem, chegou em casa tarde e encontrou uma mãe zangada. Bruce já estava sóbrio, tinha um curativo na cabeça, disse que tinha se machucado no trabalho. O homem trocou olhares com a garota a noite toda, até o momento que sua mãe a mandou para o quarto de castigo, por chegar tão tarde.
      Claire nunca contou aquilo para ninguém, pois sabia que sua mãe não acreditaria nela. Mônica era perdidamente apaixonada por Bruce. A garota passou dias em claro, sem conseguir dormir, com medo do padrasto arrombar a porta e tentar estupra-la novamente. Foram várias madrugadas acordando chorando por terríveis pesadelos. Foi quando Claire conheceu Noah, um garoto popular do colégio. Não era o que Claire esperava para um namorado, porém, ao leva-lo para casa, a forma como seu padrasto lhe olhava mudou.
      Bruce passou a evita-la e quando Noah estava perto, fingia que era o melhor padrasto do mundo. Era um inferno para Claire, dividir uma casa com um homem abusador como aquele.
      Mais tarde naquele dia, a campainha tocou. Eric esperava na porta de sua casa, usava uma camiseta xadrez e uma bermuda jeans. O garoto trazia livros em mãos e cadernos de anotação. Eles subiram para o quarto. Enquanto faziam o trabalho, Claire colocou um disco para tocar em sua vitrola. O álbum “Love Songs” dos Beatles. Depois de algumas longas horas, Eric sugeriu uma pausa. Claire desceu até a cozinha para pegar algo para comerem. Não havia muita coisa na geladeira, além de alguns pedações de bolo de carne de domingo. Bruce estava na cozinha, bebendo um copo de uísque. Ele a observou enquanto mexia na geladeira. Claire tinha os cabelos ruivos presos em um coque alto e sentiu o padrasto fitando seu pescoço, o que a deixou completamente desconcertada:
      - O que estão aprontando lá em cima? – ele questionou.
      - Não é da sua conta – Claire cuspiu rispidamente e subiu as escadas. Ao chegar no quarto, Eric percebeu que havia algo de errado com a amiga:
      - Está tudo bem?
      - Sim, só estou meio cansada – desconversou Claire.
      Eric franziu o cenho e a encarou. A amiga tinha um semblante estranho:
      - Tem certeza?
      Claire levantou o rosto e sorriu para o amigo:
      - Tá tudo bem, Eric.
      Durante a noite, naquele mesmo dia, Claire teve pesadelos confusos. A garota estava correndo pelas ruas de Silverlake, porém não havia ninguém em lugar algum. Por mais que corresse, se sentia perdidamente sozinha. Claire chorava no sonho, estava com medo de alguma coisa, mas não sabia o que. Ela disparou por uma rua, até virar a esquina e deparar-se com um homem. Mas não era um homem qualquer. Era Bruce. Estava de pé, no meio da rua e a observava. Seu rosto estava assustadoramente imóvel, parecia quase um fantasma. Claire sentiu um medo absurdo ao vê-lo e começou a correr na direção oposta, mas lá estava ele também. Não importava para onde ela corresse, ele sempre estava lá. Claire começou a sentir falta de ar, estava tendo uma crise de pânico no meio do sonho. Bruce dava passos largos em sua direção. A garota tentou correr, mas estava presa ao chão, suas pernas não lhe obedeciam. Conforme o homem ia andando, uma escuridão pairava sobre ele. Logo, Bruce não era mais humano e sim uma coisa, algo gigantesco e pitoresco. Claire não sabia o que via, só queria gritar, mas nenhuma voz saía de sua boca, por mais que se esforçasse.
      A criatura estava cada vez mais próxima, Claire chorava e pedia socorro, mas ninguém a ouvia. Um barulho ensurdecedor tomava conta do lugar, tão alto e tão forte que fazia seus ouvidos doerem. Foi quando Claire acordou, num pulo, saltando de sua cama. O barulho transformava-se no som do despertador. Era manhã. Claire estava encharcada de suor, seu corpo inteiro muito rígido e trêmulo. A garota abraçou as próprias pernas e começou a chorar, como se ainda estivesse sonhando.


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