A besta que habita em nós escrita por HadassaDermoh


Capítulo 7
Temporada de Caça - 10 de abril


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde :)
Só tenho uma coisa pra dizer, Elizabeth tá bem louca hahaha
Boa leitura!



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10 de abril de 2019

 

Devia ser umas três horas da manhã e Elizabeth permanecia imóvel no sofá da biblioteca, procurava respostas em velhos cadernos de Vera, pois a mulher sempre gostou de escrever e tinha o sonho de ser uma reconhecida escritora. Certamente, ela deveria ter um diário. Pelo menos era isso que Elizabeth pensava.

Pela primeira vez em toda sua vida, sentia um medo indescritível. Os Alencastro estavam sendo caçados. Querendo ou não, Elizabeth fazia parte da família. Alguém estava matando cada um deles. Primeiro, Vera. Segundo, Marcondes. Havia um corpo no bosque e era de Marcondes, o irmão mais velho depois de Vera. Um homem que apesar de Elizabeth não conhecer bem, parecia ser amável e simpático. Bom, ele era um pastor, essas características eram mínimas para descrevê-lo.

Os médicos legistas, os policiais e até a ambulância com os paramédicos chegaram a mansão em questão de quarenta minutos depois que Elizabeth fez a ligação. Ela não conseguia processar tudo o que estava acontecendo, lembrou-se de ficar atônita encarando os tios na sala. Temos um corpo no bosque, que diabo diz isso em relação ao corpo do próprio irmão? Elizabeth preferiu não ver o corpo, mas mais perturbador do que a forma que Marcondes havia sido morto, eram as expressões vazias de seus irmãos. Bethânia e Jorge eram gêmeos. Aparentemente, os dois possuíam a mesma frieza dentro de si. Ibelza estava no hospital, sedada, pois ninguém conseguiria acalmá-la depois de encontrar o corpo do próprio irmão, desfigurado dentro de um buraco no meio do mato.  Elizabeth sentiu pena de Marcondes. Ninguém sofreu sua perda. Ninguém parecia se importar. Ninguém chorou. Estavam mais preocupados com suas próprias vidas com que a de um morto. Era assim que as coisas funcionavam com os Alencastro. Eles nunca pareciam sentir algo.

Elizabeth escutou um barulho alto vindo de um canto da biblioteca, pulou do sofá com o susto e encarou a janela escancarada batendo. Suspirou aliviada. Do jeito que as coisas estavam, tinha medo de ser morta dentro da própria casa. Jogou os cadernos no sofá e andou em direção ao barulho estrondoso, prendeu as cortinas de cor vinho e sentiu uma ardência no olho, assim que se inclinou para fora da janela. Era um cisco. A ventania estava forte e deve ter jogado algum grão de terra ou resíduo de folhas. Coçou os olhos e sentiu lágrimas escorrerem. Puxou a manga da blusa que usava e esfregou ainda mais, vendo um pequeno inseto na manga. Com tantos lugares pra cair, tinha que ser justo no olho? Elizabeth fechou a janela e prestes a voltar para o sofá, percebeu uma escrivaninha no fim de um dos corredores de estantes.

— Uma escrivaninha! Como eu não tinha pensado nisso? – Elizabeth sorriu animada, com a esperança de encontrar algo.

Procurou por papeis e cadernetas em que Vera poderia escrever e por fim, depois de tanto revirar as coisas, encontrou uma bola de papel embaixo do móvel. Desamassou e viu que era uma carta. De Vera para Ibelza.

“Uma lástima que ele tenha partido tão cedo. Tão novo. Jovem. Bonito. Sonhador. Um rapaz perfeito, seu único erro, foi se envolver conosco. Lembro-me de segurar as mãos de Jorge e desejar a ele forças. Cena tão patética. Ele havia respondido em alto e bom som ‘vou encontrar quem o feriu dessa forma’. Aparentava estar sem chão, realmente. Talvez no fim, Rodrigo foi seu grande amor, apesar de eu ser cética em relação a esse sentimento. Marcondes juntou-se a nós e disse que a vingança nunca leva ninguém a nada. Jorge queria tirar a vida de quem tirou a de Rodrigo. Estava com sangue nos olhos, como diriam alguns. Mas sabíamos, não se tratava de nada daquilo que aparentávamos. No final, tudo era por causa de Elizabeth. Aquela criança nos levará a ruína, tenho certeza. Mas o problema no momento, não era ela e sim, outra pessoa. ‘Se a vingança levar a algum lugar, então, estaremos todos mortos’, Marcondes como sempre era muito positivo. Chegava a ser irônico, já que era um pastor. Ele não devia sempre depositar suas esperanças em Deus? Em que Deus nos apoiaria? Bethânia se aproximou, após ouvir a conversa e intrometida do jeito que é, não se conteve ‘Não temos o que temer, Marcondes’. Ele apenas sorriu. ‘Ah, minha querida, temos sim’. Ele olhou em direção ao caixão, e assim como ele, eu, Bethânia e Jorge o acompanhamos. Um rapaz chorava debruçado no caixão de Rodrigo, estava desesperado. Ele estava sofrendo. Naquele instante, o garoto nos fitou. Estávamos um ao lado do outro, sendo avaliados por aquele rapaz, que não devia ter mais de dezesseis anos. Senti tanto medo e tenho certeza que você também sentiria. Seu olhar fora significativo para nós, todos soubemos naquele momento, que para sempre, haveria sobre nós, uma sombra”.

Elizabeth terminou de ler a carta que nunca chegou a ser enviada. Aquele papel amassado era o único documento importante que Elizabeth tinha encontrado até então. Sobre eles havia uma sombra. Era isso que Vera tentava avisar a Ibelza, que não havia ido ao velório. Elizabeth nos levará a ruína. Bufou de raiva. Por que tinha que ter sido adotada por Jorge? Nem mesmo os “tios” simpatizavam com ela. Será que tinha sido uma criança tão ruim assim? E o rapaz, quem era? Seria ele a tal ameaça à família? Nem ao menos tentou forçar a memória, não lembraria de nada. Depois de sentir a terrível dor de perder a mãe, perder Rodrigo, tinha sido um tormento. Foram apenas dois anos vivendo com ele, até seu falecimento. Um clique na mente de Elizabeth fez ela ler a carta novamente e analisar uma frase ‘vou encontrar quem o feriu dessa forma’. Alguém tinha assassinado Rodrigo, era isso? Teriam mentido pra ela durante todos esses anos? Disseram-lhe que um animal havia o matado em uma de suas tantas caçadas com os amigos. Um javali.

Elizabeth colocou a carta no bolso, a raiva crescia dentro de si. Quem era a sua família? Não era uma garota burra, sabia muito bem juntar as peças de um quebra-cabeça. Alguém assassinou Rodrigo, depois matou Vera e agora Marcondes. Lembrou-se da casa onde vivia, que pegou fogo, quando ainda era criança. Seria tudo obra da mesma pessoa? Alguém que os odiava a esse ponto?  Seja lá o que fosse, ela tinha consciência que os Alencastro tinham o “rabo preso”, se não por que iriam temer tanto a polícia? Aquela discussão na sala, Jorge nunca gostava de se envolver com a polícia quando Elizabeth fugia de casa, mas por que no caso de Marcondes, ele ainda assim, não queria policiais por perto? Era um homem morto e ainda por cima, irmão. Elizabeth perguntou-se o que Jorge pretendia fazer com o corpo de Marcondes, caso não chamassem a polícia.

****

Elizabeth entrou na cozinha e encontrou Jorge, Bethânia e Ibelza conversando animadamente. Nem pareciam estar de luto.

— Bom dia – Elizabeth sorriu – Para que as roupas pretas, se a alma parece estar tão leve?

— Daqui iremos direto para o Necrotério – Bethânia estava sem jeito, como se tivesse sido pega no flagra – Não está pronta? – Perguntou analisando o casaco amarelo queimado da menina – Um casaco preto seria mais adequado.

— Vou me aprontar, depois que eu tiver uma conversa com vocês – Elizabeth sentia-se tão bem naquela manhã. Quase não tinha dormido. Estava ansiosa para arrancar a verdade deles e tinha uma carta na manga.

Os três se entreolharam um pouco duvidosos, Ibelza fez menção em sair da cozinha, quando Elizabeth sacou do bolso do casaco uma arma e apontou para ela.

— Ah, Meu Deus – Gritou Bethânia assustada. Elizabeth sorriu com a reação de espanto deles. Talvez estivesse ficando louca, mas precisava saber tudo o que escondiam dela.

— Elizabeth, abaixa a arma – Jorge pediu – Abaixa essa arma, estou te implorando.

— Vocês três vão sentar nesses banquinhos e vão ficar calados, apenas me respondam o que quero saber – Elizabeth encostou no batente da porta – Quem é que está atrás de nós?

O silêncio pairou sobre o ar. Elizabeth revirou os olhos – Vou facilitar as coisas pra vocês – Jogou o papel sobre a bancada – Rodrigo foi assassinado? Por que mentiram sobre isso? Essa pessoa que matou ele, ela também matou meus pais, matou Vera e Marcondes? – Elizabeth olhava as faces de cada um, frustrada. Nunca tinha pego em uma arma antes e foi muita sorte sua, encontrar uma antiga arma de Rodrigo em uma caixinha escondida na biblioteca – Ah, pobrezinhos – Elizabeth sorriu – Ninguém vai se pronunciar sobre?

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra – Jorge pegou o papel e leu por cima – Mas sim, Rodrigo não morreu em uma caçada, como eu te expliquei anos atrás.

— Quem matou ele? – Elizabeth não compreendia as mentiras deles. Lembrou-se de Jorge comentando para todos que Vera havia morrido em um acidente e não assassinada.

— Não sabemos – Bethânia tentou se aproximar, mas teve a arma mirada em sua cabeça – Pare com isso, Elizabeth.

— Por que mentiu pra mim sobre Rodrigo? – Elizabeth voltou sua atenção para Jorge.

— Seria estranho dizer a uma criança de sete anos, que o pai dela tinha sido assassinado – Jorge começou a limpar os óculos – Eu não queria que sofresse mais ainda.

— E Vera? Por que não disse á ninguém que tinha sido assassinato?

— Outras pessoas foram encontradas mortas na região – Jorge pausou a fala por instantes e tomou um gole de seu café – Os policiais acreditam que seja um assassino em série, mas como não há certeza de nada, eles pediram descrição, para não assustar a população.

— Você está mentindo! – Elizabeth gritou e apontou a arma para Ibelza – Você disse que ele estava vindo para nós e eu tenho certeza, que foi você, que ligou para Jorge dizendo que alguém havia escapado!

— Por Deus, Elizabeth – Ibelza tinha algumas lágrimas deslizando pela face – Não lembro de nada que eu disse e eu não fiz essa tal ligação – Ibelza ajoelhou-se no chão – Pare com isso menina, respeite o nosso luto.

Antes mesmo que Elizabeth pudesse dizer algo, ela sentiu uma dor aguda e muito forte em sua nuca. A arma caiu de suas mãos, seus olhos pesaram. Ela sentiu algo escorrer por suas costas. Tentou pronunciar algo, mas sentiu o impacto de seu corpo no chão e apagou.


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