A besta que habita em nós escrita por HadassaDermoh


Capítulo 5
Temporada de Caça - 08 de abril


Notas iniciais do capítulo

Oii gracinhas
Quero desejar um Feliz Natal pra vocês
O capítulo tá bem morno, mas é necessário hahaha
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/770617/chapter/5

08 de abril de 2019

Fernando de Castro, esse era o nome do homem assassinado naquele beco. Fora praticamente enterrado como um indigente. A família disse: ainda bem que morreu. Elizabeth ficou perplexa quando soube que ninguém da família foi ao velório. Um homem ruim, deduziu. Renegado até mesmo pelos parentes. Ela não estava se importando com o rumo de todo aquela história. Era menor de idade, então mesmo que tivesse assassinado o homem, não aconteceria nada demais com ela. Leis do Brasil, pensou ironicamente. Bom, a polícia nada podia fazer. Não havia testemunhas para convocar. Apenas o dono do bar deu seu depoimento, porque bem, talvez ele pudesse conhecer o sujeito. Claro que Jorge também tinha “mexido os seus pauzinhos”, para que a investigação não seguisse a diante. Elizabeth estava feliz por isto e agradecida ao tio, mesmo que o odiasse com toda sua força, sem nem ao menos, lembrar a razão para este sentimento.

— Nos encontramos lá – Disse Jorge para uma mulher mais velha, de cabelos brancos e maçãs do rosto rosadas vividamente. Ela aparentava estar preocupada enquanto segurava com força a mão de Jorge. Elizabeth queria compreender o que estava acontecendo naquela família. Todos estavam agitados demais. Preocupados demais. Com medo demais. Não era por Vera e nem pelo seu funeral. Alguma coisa ou alguém, estava perturbando os Alencastro e Elizabeth necessitava saber o que era.

Jorge venho em direção a sobrinha, sob o olhar atento da mulher. Ele colocou as mãos no bolso da calça social preta e analisou Elizabeth de cima a baixo – Coloque uma roupa adequada para o enterro – Ele colocou as mãos sobre os ombros da garota – São tempos difíceis para a nossa família, precisamos ter cuidado. Não saia sem avisar onde vai.

— O que está acontecendo?

— Ela foi assassinada – Jorge sussurrou – Estamos escondendo esse detalhe de todo mundo que não precisa saber.

— Então, ela não caiu da sacada? – Elizabeth expressava incompreensão, porque eles estavam mentindo até mesmo para membros familiares?

— Ela caiu – Jorge fez uma cara de nojo antes e prosseguiu – Depois que lhe-cortaram a língua. Morreu afogada no próprio sangue.

— Por que estão escondendo isso? – Elizabeth olhou para o lado, alguns estranhos se aproximavam com pesar.

— Apenas não saia sozinha – Jorge deu-lhe as costas e andou até o grupo de pessoas.

Elizabeth não estranhou o fato de Jorge estar “preocupado” em ela sair sozinha, ele sempre era assim. Saber que Vera havia sido assassinada também não lhe-preocupava. Óbvio que ela não seguiria as ordens de Jorge. Voltou para dentro da mansão onde Vera residia e subiu as escadas em direção ao seu quarto temporário. Pegou o celular e os fones em cima da cama e decidiu sair para descobrir aquele lugar, que fazia mais de seis anos que não visitava. Olhou pela janela e seus olhos encontraram a velha trilha deserta por onde sempre brincava. Desceu as escadas e encontrou seu cachorro deitado no sofá da antessala principal.

— Se alguém te pegar aí, pira – Ela riu enquanto saía com o cão pela porta dos fundos. Sabia que o pessoal não gostava muito de animais, principalmente dentro de casa, Elizabeth via os olhares de repulsa direcionados ao cão – Se comporta, Apolo – O cachorro saiu correndo e Elizabeth revirou os olhos, resmungando – Nem sei por quê eu ainda me iludo – Colocou os fones e saiu correndo também, entrou na trilha e sentiu a brisa gelada, a paz que a natureza transmitia.

— Elizabeth, fique aqui esperando – Rodrigo pediu enquanto se dirigia para uma clareira há mais de trinta metros de onde a menina estava.

— Quero ir com ele – Ela implorou a Jorge.

— Há animais ferozes naquele lugar – Ele se aproximou dela e sentou-se ao lado da menina, em um tronco de árvore caído – Não quer que nenhum animal te pegue, certo?

Elizabeth parou a corrida ao se lembrar de quando vinha naquele bosque com os seus pais adotivos. Sempre que tinha lembranças da clareira, sua mente simplesmente parecia esquecer-se de tudo. Tirou os fones e se concentrou em buscar o som dos pássaros e da água que passava em um córrego próximo. Cogitou a ideia de ir até a clareira, mas era longe demais, lhe ocuparia um bom tempo e logo, sentiriam sua ausência.

— Vamos voltar Apolo – Disse alto, olhando para trás. Arqueou as sobrancelhas, duvidosa. Onde estava o seu cachorro? Girou 360° em busca do animal – Apolo! – Gritou preocupada – Onde se meteu, hein?

A floresta silenciou. As folhas pararam sua queda e a brisa amenizara. Elizabeth deu alguns passos em frente, sempre olhando cada canto em busca de Apolo. “Quando a floresta silencia, há um predador”. A garota revirou os olhos lembrando-se do filme “Anaconda”. Péssima hora para fazer associações. Ouviu um farfalhar de folhas ao seu lado esquerdo, procurou por algum movimento e viu uma sombra atrás de um grosso tronco de figueira do mato. Alguém estava observando-a, sabia disso. Tentou dizer alguma coisa. Mas o que diria? Nem ao menos tinha noção de quem pudesse ser, e se fosse um louco? Deu alguns passos para trás, sem tirar os olhos da sombra. Sentiu-se como um pequeno animal prestes a ser devorado por seu predador. Recuaria. Não queria saber o que estava atrás da árvore.

Elizabeth teve sua atenção tomada para os latidos de Apolo. Ele havia surgido ao seu lado e rosnava em direção ao desconhecido. Pegou a corda presa a coleira azul do animal e saiu correndo de volta para casa. Não ficaria ali. Teve medo do que poderia acontecer. Esperava que fosse tudo apenas sua impressão, mas se não fosse, então tinha motivos para se preocupar. Alguém estava na área dos Alencastro e talvez, fosse o assassino de Vera. Nunca se sabe. Talvez, Elizabeth estivesse ficando tão paranoica quanto o tio. Mesmo assim, preferia prevenir do que remediar.

****

— Qual foi a porra da parte do “não saía sozinha, que você não entendeu”? – Jorge gritava descontrolado, enquanto andava de um lado para o outro na sala – Não entendo a sua necessidade, de sempre, sempre me contrariar.

— Eu só fui correr – Resmungou entediada. Elizabeth não aguentava mais a bipolaridade do seu tio, a cada dia ele ficava mais paranoico e insuportável.

— Você não era assim... – Ele sentou no chão, dramaticamente com as mãos na cabeça – Não sei porque faz isso comigo.

— Olha... É você que tá enlouquecendo – Ela abaixou-se na frente de Jorge e sussurrou – O que te assusta tanto?

Ele levantou os olhos raivoso – Essa pessoa que você se tornou me assusta, Elizabeth. Se eu soubesse que seria assim, jamais teria te tirado daquele orfanato.

Elizabeth nunca tinha ouvido uma verdade tão dolorosa como aquela. Prometeu a si mesma, naquele instante, que não choraria, por mais que seu coração estivesse destroçado. Aquilo explicava muita coisa para ela. Respirou fundo. Manteria a calma – Sabe, se é pra sermos francos um com o outro, eu vou te dizer: Eu preferia que você tivesse morrido e não o Rodrigo, ele sim, em menos de dois anos, foi um verdadeiro pai pra mim – Ela sorriu tristemente – Coisa que nem você e nem o meu pai biológico conseguiram ser em mais de quatro anos. No teu caso, foram doze. Há doze anos que eu aguento a sua mesquinharia.

Jorge deixou algumas lágrimas escorrerem. Ele não odiava Elizabeth, muito pelo contrário, pena que ela não sabia valorizar esse sentimento. Estava arrependido do que disse e sabia que suas palavras, iriam gerar muito mais atritos na relação com a sobrinha.

— Aproveita que está chorando e desça para prestar condolências a sua querida irmã – Elizabeth saiu do quarto a beira de ter um “treco”. Odiava ser tão maldosa, mas ele havia sido muito mais. Era claro a reciprocidade de ódio que existia entre eles, mas nunca tinha chegado naquele ponto. Ele a repudiou e ela fez o mesmo.

Enquanto descia as escadas, encontrou a velha senhora, que mais cedo conversava com Jorge. Ela vestia um terninho preto que combinava com os olhos esfumados com sombra escura.

— Senhora, está indo para o enterro? – Elizabeth não pretendia ir com Jorge e então, restava a ela conseguir outra carona.

— Sim, sim – A velha sorriu – És a sobrinha de Jorge?

Tudo podia parecer paranoia na cabeça de Elizabeth, mas aquela voz era idêntica a da mulher que havia ligado para Jorge no hospital. Ela não era do tipo perceptível, não guardava o nome das pessoas ou suas faces, mas há detalhes que ficam marcados e aquela voz era um detalhe pequeno, mas que Elizabeth não esqueceria. Uma voz rouca e grave. Ela sorriu simpática – Sim, sou eu. Elizabeth.

— Prazer em conhece-la garota – Ela abraçou a menina – És muito bonita.

— Obrigada – Elizabeth não gostava de elogios, mesmo que fosse de uma idosa, ainda sim, ficava constrangida – Pode me dar uma carona? Tio Jorge pediu que eu já fosse indo, ele vai atrasar um pouquinho.

— Claro, claro, vamos logo então – A mulher continuou a descer os degraus – Ah e a propósito, meu nome é Ibelza.

Elizabeth sentiu-se mal por ter esquecido de perguntar o nome da mulher. De Ibelza. Estava aparentando ser uma mal-educada e ela não era assim. As duas sorriram entre si, saindo para fora da mansão.

***

Estava um dia nublado e Elizabeth estava agradecendo por isso, ninguém merecia ficar em baixo do sol, enterrando um defunto. Passaram a noite velando por Vera, mas claro, Elizabeth optou por ficar dormindo, estava cansada, depois de todo o tumulto do dia anterior no hospital e na delegacia. Eram tantas coisas se acumulando ao mesmo tempo. Já passava das 18 horas quando começaram as preces no cemitério. Por que tanta demora para se livrar de Vera? Tentou, em vão, afastar aqueles pensamentos. O que Deus diria sobre isso? Saiu do tumulto de pessoas e andou até uma área afastada de onde estava ocorrendo o enterro. Sentou em um túmulo e ficou fitando o nada por um longo tempo, até que uma coisa terrivelmente estranha apareceu ao seu lado. Elizabeth odiava a sua incapacidade de gritar em situações de perigo e com certeza aquela era uma. Saltou para o outro lado do túmulo, encarando aquela pessoa. Aparentemente, um homem bem alto, vestindo um macacão preto com uma máscara sinistra. Era a forma de um crânio de bode ou algo do tipo, ela não saberia definir. Cabelos negros e longos, incorporados a máscara branca. Ela tentou mover as pernas, mas parecia estar presa ao chão por cimento. Completamente espantada com aquela criatura.

Ele ainda estava parado. Parecia uma estátua. Não se mexia. Mas então, depois de longos segundos em que apenas se entreolharam, o desconhecido levou a mão em direção ao que seria a arcada dentária na máscara e com o dedo indicador, fez um sinal para que ela permanecesse em silêncio. Ele deu as costas para Elizabeth e estreitou-se pelo vão entre dois túmulos muito próximos. Elizabeth permaneceu parada, incrédula com aquela cena que vivenciara. Quem era ele?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A besta que habita em nós" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.